1. EXCELENTÍSSIMA PRESIDENTE DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL, MINISTRA
ROSA WEBER
“Um exército disciplinado é, de sua essência,
perigoso à liberdade; um exército indisciplinado
é a ruína da sociedade.”
Edmund Burke, citado por Rui Barbosa
Jornal do Brasil, 15.06.1893
Lucas Azevedo Paulino, inscrito na OAB/MG nº 142.006, com endereço profissional na
Rua Guajajaras, 910, sala 716, Belo Horizonte, Minas Gerais; Ivo Duarte Meirelles,
inscrito no CPF n° 111.273.206-37, documento de identidade n° 17.647.147; Nicholas
Vieira de Carvalho, inscrito no CPF n° 113.699.846-26, documento de identidade n°
17884970; Gabriela Moura Guimarães, inscrita na OAB/MG nº 204.554; Thiago
Süssekind, inscrito na OAB/RJ sob o n° 221.862-E, Pedro Henrique Pereira Martins,
inscrito na OAB/MG n° 188.890, com endereço profissional na Avenida Guarapari,
1300, sala 03, Belo Horizonte - Minas Gerais, Felipe Autran Dourado Leite Ribeiro,
inscrito na OAB/MG sob o nº 124.188; Vitório Paulino de Paiva Silvestre, brasileiro,
servidor público, CPF n.º 037.510.856-45, residente na rua Sergipe, n.º 457,
apartamento 1401, bairro Boa Viagem, Belo Horizonte; Alexandre Mendonça, brasileiro,
consultor financeiro, CPF 252.249.718-96, residente na Rua Pedro Pomponazzi, 291,
ap 51, Chácara Klabin, São Paulo; Letícia Regina Camargo Kreuz, inscrita na OAB/PR
nº 65.860; vêm perante Vossa Excelência, com fundamento no art. 102, I, c, da
Constituição Federal e nos art. 7º, item 8, e art. 13, item 1, da Lei n° 1.079/50, oferecer
a presente
DENÚNCIA POR CRIME DE RESPONSABILIDADE
(PEDIDO DE IMPEACHMENT)
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2. em face do Sr. Paulo Sérgio Nogueira de Oliveira, atualmente no exercício do cargo
de Ministro de Estado da Defesa, com endereço situado na Esplanada dos Ministérios,
Edifício Sede, Bloco Q - Samambaia Sul, Brasília/DF, CEP 70049-900, pelas condutas
configuradoras de crimes de responsabilidade a seguir delineadas.
I - DA SÍNTESE FÁTICA
No último dia 10 de novembro de 2022, o Ministério da Defesa divulgou a
seguinte mensagem na rede social Twitter: “Nota oficial: Relatório das Forças Armadas
não excluiu a possibilidade de fraude ou inconsistência nas urnas eletrônicas”1
. Ainda
que tenha se afirmado, de forma ambígua, que não havia sido apontada nenhuma
fraude2
, o objetivo era claro e foi sentido nas ruas, inflamando vários protestos de
caráter golpista país afora.
Como é público e notório, atos que clamam por uma intervenção militar tomaram
o Brasil depois do resultado legítimo e democrático da eleição presidencial do último
dia 30 de outubro. Estradas foram bloqueadas por dias, sem contar os diferentes
acampamentos, em frente a unidades do Exército, que persistem até hoje, com o
mesmo teor – todas elas sustentadas sob falsas alegações de fraude nas urnas
eletrônicas. É nesse contexto de ameaça à democracia brasileira – com manifestações
que se amoldam perfeitamente na figura típica do art. 286, parágrafo único, do Código
Penal - que se insere a publicação subscrita pelo Ministro de Estado da Defesa.
A Nota Oficial do dia 10 de novembro contrariou expressamente o teor da Nota
Oficial publicada no dia anterior, de 09 de novembro, quando a imprensa brasileira e o
próprio Tribunal Superior Eleitoral (TSE) havia interpretado que o Relatório Final do
Ministério da Defesa não apontou a existência de nenhuma fraude ou inconsistência no
2
Ministério da Defesa. Relatório das Forças Armadas não excluiu a possibilidade de fraude ou
inconsistência nas urnas eletrônicas, 10/11/2022. Disponível em
<https://www.gov.br/defesa/pt-br/centrais-de-conteudo/relatorio-das-forcas-armadas-nao-excluiu-a-possib
ilidade-de-fraude-ou-inconsistencia-nas-urnas-eletronicas>.
1
Conta oficial do Twitter do Ministério da Defesa. Disponível em
<https://twitter.com/DefesaGovBr/status/1590708866395693057?s=20&t=yEX-mq71Uk9sDn4ZIh6dOg>.
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3. processo eleitoral de 20223
. No dia seguinte, como se corrigindo a si mesmos diante
dos apoiadores que pedem um golpe de Estado, o Ministro da Defesa, pessoalmente,
preferiu não excluir a possibilidade de fraude, promovendo a desestabilização da
democracia brasileira frente ao cenários de manifestações golpistas acontecendo no
país.
Essa hostilização leviana contra o trabalho desempenhado pelo Tribunal
Superior Eleitoral configura crime de responsabilidade contra os direitos políticos.
Infelizmente, não é de hoje que integrantes do comando das Forças Armadas
Brasileiras colocam em dúvida o sistema eleitoral brasileiro, base da democracia do
país
Como é cediço, o presidente da República insistiu, ao longo dos anos, em
ataques às urnas eletrônicas. Desde 2019, Jair Messias Bolsonaro argumentou
falsamente, em diversas oportunidades,que, se não houvessem fraudes, ele teria sido
eleito em primeiro turno no pleito de 2018. No ano de 2020, por exemplo, o presidente,
em pronunciamento, disse ter provas de que houve fraude na disputa e que iria
apresentá-las “logo”. Desde então, o Ministério da Defesa e parte dos militares passou
a subsidiar aquelas declarações fantasiosas. O “logo” nunca se concretizou, o que não
impediu que se espalhassem pelas redes outras falsidades.
Foi neste ambiente que, em 31 de agosto de 2021, o excelentíssimo ministro
Luís Roberto Barroso, na ocasião presidindo o TSE, convidou as Forças Armadas para
integrarem a Comissão Externa de Transparência que seria instituída pelo tribunal. O
convite foi feito ao então ministro da Defesa, o general Walter Braga Netto, que
concorreu a vice-presidente nas eleições deste ano, na chapa liderada por Jair
Bolsonaro. Cabia ao ministro indicar um oficial para compor o grupo responsável por
fiscalizar o funcionamento dos procedimentos da Corte4
. O problema é que Braga
Netto, à frente da Defesa, havia condicionado, em agosto daquele ano, a realização de
eleições em 2022 à adoção do voto impresso5
.
5
https://politica.estadao.com.br/noticias/geral,ministro-da-defesa-faz-ameaca-e-condiciona-eleicoes-de-20
22-ao-voto-impresso,70003785916
4
https://politica.estadao.com.br/noticias/geral,barroso-convida-militares-para-fiscalizar-processo-eleitoral,
70003826723
3
Tribunal Superior Eleitoral. Nota oficial, 09/11/2022. Disponível em
<https://www.tse.jus.br/comunicacao/noticias/2022/Novembro/nota-oficial>
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4. É preciso lembrar que, no dia que a PEC do voto impresso seria apreciada pela
Câmara dos Deputados, em outubro daquele ano, a Defesa promoveu um desfile de
tanques de teor intimidatório na Esplanada dos Ministérios, alegadamente por ocasião
de deslocamento de efetivos para a realização de exercícios militares na região de
Brasília. A propostas, contudo, foi derrotada no Plenário da Câmara dos Deputados6
.
No âmbito da Comissão Externa de Transparência, o Exército fez diversos
questionamentos sobre a integridade do sistema eleitoral brasileiros, todos
irrepreensivelmente respondidos pela Corte. Ocorre, contudo, que as indagações
serviram de base para insuflar os ânimos golpistas. Em fevereiro de 2022, o presidente
Jair Bolsonaro disse: “O que nós queremos, que todo o povo brasileiro quer, são
eleições limpas e transparentes. O que nós queremos é que essas questões sejam
brevemente esclarecidas. As Forças Armadas foram convidadas a participar do
processo eleitoral. Eu sou o chefe supremo das Forças Armadas. Aceitamos. O nosso
pessoal então, a convite do TSE, começou a levantar possíveis vulnerabilidades para
ajudar o TSE” (…)“Foram levantadas várias, dezenas de vulnerabilidades e foi oficiado
o TSE para que pudesse responder. Isso tá na mão do ministro Braga Netto. Ele tá
tratando desse assunto e vai entrar em contato com o presidente do TSE. O que nós
queremos é ter eleições limpas e transparentes e eleições que possam ser auditáveis”,
seguiu o presidente7
.
Desse modo, em 16 de fevereiro de 2022, o TSE decidiu tornar pública a sua
resposta aos questionamentos da Defesa. A decisão de tornar a resposta pública se
deu em razão do vazamento das indagações feitas pelas Forças Armadas. O
documento concluía: “A arquitetura de segurança da urna eletrônica, combinada com
as exigências de cadeia de produção e demais avaliações feitas pela equipe do TSE
durante o planejamento da produção, garantem que haja segurança nas urnas
7
https://veja.abril.com.br/coluna/radar/com-municao-do-exercito-bolsonaro-questiona-tse-sobre-sistema-el
eitoral/
6
https://g1.globo.com/df/distrito-federal/noticia/2021/08/10/tanques-e-outros-blindados-da-marinha-saem-e
m-comboio-para-desfile-na-esplanada-dos-ministerios-em-brasilia.ghtml
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5. produzidas independentemente do fornecedor dos componentes eletrônicos e
independente da contratada, que projeta e integra a urna eletrônica”.8
Em 31 de março de 2022, data que marcava os 58 anos do Golpe Militar de
1964, o então comandante do Exército, Paulo Sérgio Nogueira de Oliveira, ora
Denunciado, assumiu a chefia do Ministério da Defesa. A dança de cadeiras foi
necessária em virtude do prazo final da janela partidária, visto que o então ministro da
Defesa, o General Braga Netto, se tornaria candidato a vice-presidente no pleito deste
ano. O senhor Paulo Sérgio Nogueira, lamentavelmente, deu continuidade à tentativa
de descredibilização do sistema eleitoral pátrio.
É o que pode se depreender, por exemplo, por episódios como aquele do dia 27
de abril de 2022, quando o presidente Jair Bolsonaro afirmou que as Forças Armadas
sugeriram ao TSE apuração paralela de votos por militares. Segundo ele, militares
pediram acesso a dados da "sala secreta” de apuração dos votos. O TSE já havia
desmentido inúmeras vezes que a contagem dos votos fosse sigilosa9
.
Na data de 5 de maio de 2022, as Forças Armadas pediram ao TSE a liberação
de documentos sobre eleições10
. A ideia era abrir todas as sugestões que foram feitas
no âmbito do Comitê de Transparência Eleitoral, colegiado do TSE que debate medidas
para aperfeiçoar o sistema eleitoral. E, consequentemente, constranger a Corte pelas
medidas sugeridas que acabaram não sendo acolhidas. No dia 10 de junho de 2022,
em ofício, a Defesa cobrou uma “discussão técnica” de propostas e disse não se sentir
“prestigiada” pelo TSE.
Na segunda-feira de 20 de junho de 2022, o ministro da Defesa enviou um ofício
ao presidente do Tribunal Superior Eleitoral, Ministro Edson Fachin, no qual pedia uma
reunião exclusiva entre técnicos das Forças Armadas e da Corte Eleitoral para tratar da
10
https://www.cnnbrasil.com.br/politica/forcas-armadas-pedem-ao-tse-liberacao-de-documentos-sobre-eleic
oes/
9
Desmentidos que ocorriam já em 2021:
https://www.tse.jus.br/comunicacao/noticias/2021/Julho/fato-ou-boato-e-falso-que-a-apuracao-das-eleico
es-seja-feita-de-forma-secreta-por-servidores-do-tse
8
Como pode ser visto em
https://www.tse.jus.br/comunicacao/noticias/2022/Fevereiro/tse-divulga-informacoes-prestadas-as-forcas-
armadas-sobre-o-processo-eletronico-de-votacao
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6. parte operacional das eleições, sugestão claramente fora das competências
constitucionais das Forças Armadas.
Ainda em junho, novos questionamentos foram feitos pelo Ministério da Defesa
ao TSE, e dentre eles as Forças Armadas solicitaram a base de dados dos boletins de
urna das eleições de 2014 e 2018. Em resposta, a área técnica do tribunal informou um
link para o Portal de Dados Abertos do TSE, onde as informações estão disponíveis.
Os militares dizem ter tido acesso ao chamado "código-fonte" do sistema de
computação de votos das urnas eletrônicas somente em agosto de 2022. Tal alegação
é falsa: o código-fonte, como é de conhecimento geral, foi tornado público ainda em
2021 para que os interessados em inspecioná-lo e em submetê-lo aos chamados
"penetration tests" pudessem fazê-lo em tempo hábil.
Ressalte-se, como medida adicional para que se destaque a mentira
propaganda pelas Forças Armadas, que universidades brasileiras de renome, já em
agosto de 2022, atestaram a plena segurança das urnas eletrônicas, tanto do seu
hardware quanto do software11
.
No dia 05 de agosto foi revelado que um dos militares escalados pela Defesa
para auditar as urnas difundia fake news e fazia militância pró-Bolsonaro nas redes
sociais12
, no dia 09 o Ministério da Defesa pediu ao TSE que incluísse mais nove
militares no grupo de inspeção das urnas13
, e no dia 31 TSE e Ministério da Defesa se
reuniram com as respectivas áreas técnicas em reunião com a presença do Ministro
Alexandre de Moraes e do General Paulo Sérgio Nogueira14
.
As Forças Armadas, por meio do Ministério da Defesa, arvorando-se em
competências constitucionais que não possui, promete elaborar um "relatório de
monitoramento" sobre as eleições de 2022, e após inexplicável postergação, finalmente
14
https://www.tse.jus.br/comunicacao/noticias/2022/Agosto/tse-e-ministerio-da-defesa-se-reunem-com-resp
ectivas-areas-tecnicas
13
https://g1.globo.com/politica/noticia/2022/08/11/ministerio-da-defesa-pede-ao-tse-que-inclua-mais-nove-
militares-no-grupo-que-inspeciona-urnas.ghtml
12
https://www.metropoles.com/colunas/rodrigo-rangel/oficial-escalado-para-auditar-urna-difunde-fake-news-
e-faz-militancia-pro-bolsonaro-nas-redes
11
Mais em
https://www.tse.jus.br/comunicacao/noticias/2022/Agosto/universidades-validam-nova-urna-e-codigos-fon
te-dos-sistemas-eleitorais-357621
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7. apresenta o relatório em 09 de novembro de 2022, seguido por duas notas ilegais por
parte do Ministério da Defesa e das Forças Armadas, sendo a segunda, conforme
demonstrado acima, ainda mais irresponsável por alimentar a conspiração de que a
eleição pode ter sido fraudada.
O relatório apresenta conclusões que estabelecem erros primários de lógica,
principalmente quando diz que não há indícios de que não tenha havido fraudes.
Provar que não ocorreu uma ação é um exemplo clássico de "prova diabólica", situação
que é rechaçada em praticamente todos os sistemas legais do mundo.
Já em sua página 3, o relatório do Ministério da Defesa afirma que as condições
de disponibilização do código-fonte tornou impossível sua verificação - verificação que
foi realizada por ao menos três universidades brasileiras de renome.
Em sua página 16, o relatório afirma que "(...) a média de Boletins de Urnas (BU)
com inconsistências, dentre todos os BU do espaço amostral, é de 0% com erro de até
4,78%". Em primeiro lugar, não faz sentido a frase "a média de BUs com
inconsistências", pois se quisessem auferir BUs com ao menos uma consistência
teríamos um problema de contagem simples, nunca um problema estatístico.
Podemos assumir, talvez, que as preparadas Forças Armadas pudessem querer
dizer a média de inconsistências por BU.
Para além disso, qualquer pessoa que tenha tudo acesso às lições básicas de
estatística sabe que erro é definido como um intervalo de confiança em torno da média,
de modo que teríamos, de acordo com o relatório das Forças Armadas, um intervalo de
confiança com -4,78% de boletins de urnas com inconsistências até 4,78% de boletins
de urnas com inconsistências.
A nota do dia 10 de novembro foi, portanto, a gota d’água de uma sucessão
complexa de atos que buscam desestabilizar a democracia brasileira pelo
questionamento da credibilidade do sistema eleitoral sem indícios mínimos. Por essa
razão, o Ministro da Defesa, conforme demonstrar-se-á com maior profundidade
adiante, incorreu na prática de crime de responsabilidade, que deverá ser avaliado e
julgado por essa Egrégia Corte.
O ora Denunciado, salvo melhor juízo, teria incorrido pessoalmente em crime de
responsabilidade por meio da Nota Oficial de 10 de novembro, que jamais deveria ter
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8. subscrito enquanto ministro de Estado – e muito menos na posição de chefia da pasta
à qual as Forças Armadas respondem – e cujo o único objetivo se desvela como uma
tentativa bem-sucedida de insuflar a parcela da sociedade que contesta o resultado
legítimo das urnas, promovendo manifestações notadamente criminosas e contrárias
ao Estado Democrático de Direito.
II - DA LEGITIMIDADE ATIVA E DA ADMISSIBILIDADE
a) Da competência do Supremo Tribunal Federal para o julgamento da
matéria
O art. 102, I, c, da Constituição Federal define expressamente a competência
originária do Supremo Tribunal Federal para processar e julgar infrações penais e
crimes de responsabilidade praticados por Ministros de Estado, à exceção da hipótese
do art. 52, I, da Constituição Federal (crimes conexos aos imputados ao Presidente ou
Vice-Presidente).
A jurisprudência da própria Corte é pacífica em ratificar a competência
exclusiva do Supremo Tribunal Federal para o julgamento de casos similares ao que
ora se propõe apreciar, conforme a decisão prolatada no julgamento, pelo Min. Ricardo
Lewandowski, da Petição 8.680/2020:
Saliento, desde logo, que os Ministros de Estado são processados e julgados:
(i) por esta Suprema Corte, nos crimes comuns e nos de responsabilidade que
cometerem sem conexão com o Presidente da República; e (ii) pelo Senado
Federal, após autorização da Câmara dos Deputados, nos crimes de
responsabilidade conexos com aqueles praticados com o Presidente da
República (concurso de pessoas na prática do crime de responsabilidade).
Assim, nos casos de crimes autônomos, ou seja, sem conexão com infrações
da mesma natureza eventualmente cometidas pelo Presidente da República, é
prescindível a autorização da Câmara dos Deputados para abertura do processo
perante o Supremo Tribunal Federal.
b) Da natureza jurídica do crime de responsabilidade
De há muito, paira no debate constitucional brasileiro a dúvida acerca da
natureza jurídica dos crimes de responsabilidade - passíveis de punição com
impeachment.
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9. A doutrina e a jurisprudência seguiram caminhos tortuosos na determinação da
essência desse instituto, ora admitindo a natureza jurídico-criminal do processo de
impeachment, ora demonstrando que o julgamento de crimes de responsabilidade
cometidos por um agente político partir de um juízo eminentemente
político-administrativo.
Tal dissenso, inclusive, está na origem dos precedentes deste Supremo
Tribunal Federal que justificaram que caberia apenas ao Procurador Geral da
República a apresentação da denúncia de crime de responsabilidade por entender que
o impeachment teria natureza de direito criminal. No entanto, essa concepção foi
superada no julgamento da ADPF 378 pelo Supremo Tribunal Federal - “leading case”
desta corte sobre o impeachment - no qual foram decididas inúmeras controvérsias
sobre o procedimento do impeachment e expostos os posicionamentos de cada
ministro acerca de sua natureza jurídica15
.
Em seu voto, o Ministro Edson Fachin, relator do caso, o definiu como um
processo de impeachment como tendo índole dúplice - jurídico-político - e o conceituou
como um modo de exercer o controle republicano do Poder Executivo, derivando do
princípio republicano sua natureza político-administrativa do impeachment. Nessa
perspectiva, para o Ministro Fachin, haveria uma proximidade do regime dos crimes de
responsabilidade com o dos atos de improbidade administrativa. O Ministro Luís
Roberto Barroso, relator para o acórdão, também defendeu a natureza
político-administrativa do instituto, sem adentrar muito nas minúcias que decorrem da
aceitação dessa definição.
Por sua vez, a Ministra Rosa Weber, que acompanhou o voto do Ministro
Barroso, procedeu a uma análise rigorosa do tema, afirmando que “o impeachment é
processo de natureza política, e não processo criminal, que visa mais à proteção do
Estado do que à punição do que procedeu mal na gestão da coisa pública”. Assim, “o
impeachment tem, na formatação do instituto adotada no direito brasileiro, reitero,
feição de instrumento constitucional de controle – político, administrativo, disciplinar -, e
não de instituto de direito penal”. O impeachment, na sua visão, portanto, é um
15
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental n.
378. Rel. Min. Edson Fachin. Redator p/ acórdão Min. Roberto Barroso. Julgamento: 17/12/2015. DJe:
08/03/2016.
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10. instrumento constitucional de controle político-administrativo para afastar do cargo o
ocupante com a finalidade de proteger o próprio Estado.
O Ministro Luiz Fux, que também acompanhou o voto do Ministro Luís Roberto
Barroso, por sua vez, sustentou que os crimes de responsabilidade apenas guardam o
nome de “crime”, mas não podem ser classificados como uma sanção penal,
tratando-se, na verdade, de infrações político-administrativas. O processo de
responsabilização presidencial, segundo Fux, teria um caráter processual e
constitucional para esse Ministro. Por esse motivo, até defendeu que deveria se aplicar
subsidiariamente não o Código de Processo Penal, mas o Código de Processo Civil,
vez que esse último é geralmente invocado para lides não penais.
O Ministro Celso de Mello, outro que acompanhou o Ministro Luís Roberto
Barroso, também em seu voto adentrou no debate sobre a natureza jurídica do
impeachment, reforçando sua posição histórica de que o impeachment “configura
sanção de índole político-administrativa destinada a operar, de modo legítimo, a
destituição constitucional do Presidente da República”. Para o Ministro, as
transgressões que caracterizam ilícitos político-administrativos são aqueles que
ofendem a integridade dos deveres do cargo e comprometem a dignidade das altas
funções em cujo exercício o presidente foi investido.
O Ministro Ricardo Lewandowski, por sua vez, também afirmou que o
impeachment seria um processo de conteúdo político, que deve observar o devido
processo legal em sua inteireza. Por fim, a Ministra Cármen Lúcia e os ministros Marco
Aurélio, Dias Toffoli e Gilmar Mendes não se aprofundaram nesse debate.
De fato, não há que se cogitar acerca de uma suposta natureza penal ou
processual penal no processo de impeachment. Isso porque a apuração de
responsabilidade de Ministro implica na cominação de sanções de caráter disciplinar
não-criminais, quais sejam: afastamento do cargo e inabilitação por oito anos.
Um exemplo dessa cisão entre o processo de impeachment e o processo
criminal pode ser apontado no fato de o ex-presidente Fernando Collor ter sido
condenado no Senado por meio de impeachment e, concomitantemente, não ter sido
responsabilizado penalmente na jurisdição criminal. Ora, se a natureza do
impeachment fosse criminal teriam ocorrido dois juízos criminais contraditórios sobre os
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11. mesmos fatos, processados diante instâncias únicas e finais. A condenação do Senado
deveria ter constituído coisa julgada penal, o que poderia inclusive impedir que ele
fosse julgado pelos mesmos fatos perante o Supremo16
.
O impeachment, conforme sustenta Lucas Paulino em sua tese de doutorado17
,
constitui um instituto jurídico-constitucional, que faz parte do Direito Constitucional
Sancionador, de apuração da responsabilidade de uma autoridade pública pelo
cometimento de uma infração normativa de caráter e gravidade constitucional. Constitui
em um poder disciplinar constitucional, com autonomia teórica própria, que deflagra um
processo jurídico-sancionatório, para apurar infrações jurídicas de envergadura
constitucional cometidas por um agente político, nos termos da Constituição. Por essa
razão, o impeachment não apresenta natureza jurídica de Direito Penal e o Supremo
Tribunal Federal, segundo o próprio precedente da ADPF 378, deve superar o
entendimento que circunscreve a denúncia de crime de responsabilidade de Ministro de
Estado ao Procurador Geral da República, tendo em vista que ele se baseia
inteiramente no caráter criminal do impeachment.
c) Da recepção do art. 14 da Lei 1.079/50 pela Constituição Federal de 1988.
Caso se entendesse que a natureza do impeachment de Ministro de Estado
não fosse estranha aos ditames do Direito Penal e Processual Penal, caberia ao
Ministério Público, exclusivamente, a propositura dessa ação.
Art. 100 - A ação penal é pública, salvo quando a lei expressamente a declara
privativa do ofendido. (Redação dada pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984)
§ 1º - A ação pública é promovida pelo Ministério Público, dependendo,
quando a lei o exige, de representação do ofendido ou de requisição do
Ministro da Justiça. (Redação dada pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984)
Entretanto, pela exposição do subtópico acima, restou comprovada a natureza
extrapenal dos crimes de responsabilidade. Tal constatação afasta o monopólio do
17
PAULINO, Lucas Azevedo. Presidencialismo democrático, crise política e as circunstâncias do
impeachment. Tese de Doutorado. Belo Horizonte: Faculdade de Direito da Universidade Federal de
Minas Gerais, 2021.
16
QUEIROZ, Rafael Mafei Rabelo. A natureza jurídica dos crimes de responsabilidade presidencial
no direito brasileiro: lições a partir do impeachment de Dilma Rousseff. Revista Eletrónica de
Direito Público (e-Pública). vol.4 no.2 Lisboa nov. 2017.
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12. Ministério Público, máxime quando se leva em conta a redação do art. 14 da Lei n.
1.079, de 1950 (Lei dos Crimes de Responsabilidade), que estabelece, in verbis, que “é
permitido a qualquer cidadão denunciar o Presidente da República ou Ministro de
Estado, por crime de responsabilidade, perante à Câmara dos Deputados”.
Em função disso, a legitimidade concedida ao cidadão para denunciar crimes
de responsabilidade do Presidente da República e de Ministros de Estado não pode ser
limitada tendo em vista que não houve nenhuma mudança jurídica, legal ou
constitucional que a justifique, sob pena de violação do direito de ação e do princípio da
inafastabilidade de jurisdição, consagrado pelo art. 5º, XXXV, da Constituição Federal.
Há, inclusive, debate na Comissão de Juristas instituída pelo Senado para
reformar a lei do impeachment que propõe a restrição do direito de denunciar. Mas
essa mudança seria de lege ferenda. Não se pode presumir uma mudança formal que
ainda não ocorreu. Mesmo essa possível modificação tem sido criticada pela doutrina
especializada. Rafael Mafei, jurista que é um dos maiores especialistas do Brasil sobre
o instituto do impeachment hoje, aponta que a restrição ao direito de denúncia de
cidadãos seria uma afronta ao direito de petição às autoridades públicas contra
ilegalidades ou abusos de poder - previsto no art. 5º, XXXIV, alínea a, da Constituição
de 1988 - reconhecido a todos cidadãos18
.
A interpretação dessa norma, no entanto, deve passar pelo filtro da
Constituição Federal de 1988. Essa necessidade advém do fato de que, com a
promulgação da Constituição Federal em 1988, e a inclusão do citado art. 102, I, c, da
Constituição Federal, a competência para julgamento de crimes de responsabilidade de
Ministros de Estado passou a ser do Supremo Tribunal Federal.
Assim, pela exegese do art. 14 da Lei dos Crimes de Responsabilidade em
consonância com os preceitos expostos pela Carta Constitucional. Logo, todo e
qualquer cidadão é parte legítima para denunciar o Presidente da República e os
Ministros de Estado por crime de responsabilidade, tendo este julgamento de ser
realizado perante o Supremo Tribunal Federal.
18
MAFEI, Rafael. O impeachment, a lei e a realpolitik. Revista Piauí, 17/03/2022. Disponível em
<https://piaui.folha.uol.com.br/o-impeachment-lei-e-realpolitik/>
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13. III - DO CRIME DE RESPONSABILIDADE COMETIDO CONTRA O LIVRE
EXERCÍCIO DOS DIREITOS POLÍTICOS
Identifica-se claramente a subsunção das condutas descrita na síntese fática à
seguinte norma constante da Lei n° 1.079/50, que define os crimes de responsabilidade
e regula o respectivo processo de julgamento:
Art. 7º São crimes de responsabilidade contra o livre
exercício dos direitos políticos, individuais e sociais:
8 - provocar animosidade entre as classes armadas ou
contra elas, ou delas contra as instituições civis;
Ao colocar em dúvida a legitimidade da eleição presidencial para possibilidade
de ocorrência de uma suposta fraude que não teria sido comprovada, o Ministro da
Defesa Paulo Sérgio Nogueira de Oliveira irresponsavelmente está colocando em
xeque a própria democracia brasileira e, obliquamente, estimulando a contestação da
vitória do presidente eleito. Não tem como separar discurso de contexto, como a
maioria dos estudos de linguística contemporânea demonstram, notadamente, a
análise de discurso crítica e sociocognitiva19
. Atualmente, existem milhares de
brasileiros apoiadores do presidente derrotado nas ruas e estradas do país, inclusive
as bloqueando, que não aceitam o resultado da eleição. O Ministro da Defesa joga
combustível nessa fogueira ao dar munição para essa resistência - sem eufemismos -
golpista continuar acontecendo, quando se utiliza de um relatório produzido pelas
classes armadas para pôr em dúvida a legitimidade das eleições. Ou seja, provoca
animosidade e hostilidade contra o reconhecimento da eleição atestada pelo Tribunal
Superior Eleitoral, órgão competente de acordo com a Constituição de 1988 para
organizar as eleições no Brasil.
Como sobejamente ensinado pelas doutrinas processualistas, provas diabólicas
são amplamente rejeitadas pelo Estado Democrático de Direito. Isto é, as provas
impossíveis ou excessivamente difíceis de serem produzidas, como a prova de fato
negativo, são rechaçadas na ordem jurídica nacional expressamente pelo Código de
19
VAN DIJK, T. A. Discurso e contexto: uma abordagem sociocognitiva. Trad. Rodolfo Ilari. São
Paulo: Contexto, 2012.
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14. Processo Civil de 2015, em seu art. 373, §2º. Não havendo, portanto, nenhum indício
ou evidência de fraude eleitoral, não há porque se levantar dúvidas sobre isso.
Não cabe ao Ministério da Defesa tampouco às Forças Armadas, ademais, o
papel de fiscalizar as eleições. Não há essa previsão na Constituição de 1988,
tampouco na legislação que disciplina as atribuições institucionais desses órgãos. A
administração pública, consoante impõe o art. 37 da Constituição de 1988, é regida
pelo princípio da legalidade. Isto é, agentes públicos só podem agir segundo comandos
legais expressos, o que falta ao Ministério da Defesa no presente caso. Ao extrapolar
suas atribuições legais de sua competência de atuação, levantando dúvidas sobre
possíveis fraudes nas eleições, alimentando teorias conspiratórias autoritárias, o
Ministro inclusive afronta a Constituição, abusando do seu poder e desviando de sua
finalidade institucional. Em face desse contexto, não há como negar o cometimento de
crime de responsabilidade pelo Ministro da Defesa por atentar contra os direitos
políticos e a democracia brasileira.
Convém relembrar que o impeachment, na tradição republicana, é uma
ferramenta constitucional de controle para responsabilizar a autoridade pública que
comete abusos de poder, que ameaçam a Constituição, a democracia e o Estado de
Direito20
. Segundo Philip Bobbit e Charles Black Jr.21
, o impeachment é devido quando
a Constituição está em perigo, podendo ser um crime comum ou não. Conforme
sustentam com eloquência Laurence Tribe e Joshua Matz22
, o impeachment é uma
medida de emergência destinada a salvar as fundações democráticas e o sistema
constitucional, para momentos quando a nação enfrenta um risco claro por graves
abusos de poder e a ordem democrático-constitucional está sob ameaça.
Conforme enfatiza Paulo Brossard23
, não apenas o conceito de república, mas a
própria ideia de democracia apresenta uma conexão intrínseca com a ideia de
responsabilidade. Democracia não é só governo eleito por uma maioria, mas esse
23
BROSSARD, Paulo. O impeachment: Aspectos da responsabilidade política do Presidente da
República. 3ª ed. ampl. São Paulo: Saraiva, 2012.
22
TRIBE, Laurence; MATZ, Joshua. To end a Presidency: The Power of Impeachment. New York,
Basic Books, 2018.
21
BLACK Jr., Charles L; BOBBITT, Philip. Impeachment: A Handbook, New Edition. New Haven and
London: Yale University Press, 2018.
20
PAULINO, Lucas Azevedo. Presidencialismo democrático, crise política e as circunstância do
impeachment. Tese de Doutorado. Belo Horizonte: Faculdade de Direito da Universidade Federal de
Minas Gerais, 2021.
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15. governo deve ser responsável perante a Constituição para preservar as condições de
existência da própria democracia. É um mecanismo que garante que uma autoridade
seja responsabilizada caso não se submeta ao império do direito.
Em face dessa lógica do impeachment como mecanismo de proteção da ordem
constitucional e democrática, João Gabriel Pontes sustenta que o impeachment se
configura como uma medida institucional reativa de democracia militante24
. Dentro da
ideia de que a democracia não deve ser um pacto suicida, mas deve adotar
mecanismos de autodefesa contra aqueles grupos e agentes autoritários que querem
destruí-la, que tem suas origens no período entreguerras com o jurista alemão Karl
Loewenstein, o impeachment pode exercer um papel fundamental na contenção do
autoritarismo e na defesa da democracia.
A própria Constituição brasileira de 1988 já deixa nítida essa preocupação com a
proteção do núcleo essencial da ordem democrático-constitucional quando prevê que
são crimes de responsabilidade, no seu art. 85, atentar contra “o livre exercício do
Poder Legislativo, do Poder Judiciário, do Ministério Público e dos Poderes
constitucionais das unidades da Federação (II)” e “o exercício dos direitos políticos,
individuais e sociais (III)”. A Lei 1.079/50 é o diploma legislativo especial dedicado a
especificar as infrações de responsabilidade que atentem contra esses comandos,
como a de provocar animosidade entre as classes armadas contra as instituições civis.
No contexto contemporâneo de decadência democrática e erosão constitucional
em democracias constitucionais mundo afora, faz ainda mais sentido o papel do
impeachment como instrumento de autodefesa da democracia. Desde 2007, verifica-se
uma tendência global de declínio dos indicadores sobre a qualidade das práticas
democráticas e constitucionais de demo
cracias liberais novas e antigas. Em vez de
colapsos autoritários, quando o fim da democracia é registrado em um único momento
histórico – por um golpe de Estado militar ou palaciano, ou pelo uso de poderes
emergenciais como Estado de Sítio –, atualmente, as democracias liberais tendem a
decair gradualmente, por mudanças legais e constitucionais, tomadas por governantes
24
PONTES, João Gabriel Madeira. Democracia Militante em Tempos de Crise. Rio de Janeiro: Editora
Lumens Juris, 2020
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16. eleitos, que concentram poderes e enfraquecem a competição eleitoral, as liberdades
fundamentais e as instituições do estado de direito25
.
Os crimes de responsabilidade contra os direitos políticos, previstos no art. 7º da
Lei 1079/50, apresentam a finalidade primordial de responsabilizar o presidente que
atentar contra uma das duas principais justificativas teóricas do constitucionalismo
democrático moderno: a proteção da democracia; que junto a tutela direitos
fundamentais, são os alicerces do constitucionalismo. Os tipos elencados no artigo 7º
instituem mecanismos de autodefesa da democracia, dentro da lógica de democracia
militante supramencionada, com o propósito de garantir que uma autoridade pública
que atente contra a democracia constitucional possa ser devidamente
responsabilizada.
Os dispositivos 6 a 8 do art. 7º estão vinculados à tentativa de golpe de Estado,
por meio da tentativa de subversão da ordem constitucional diretamente, ou por incitar
ou provocar os militares à desobediência, quebra de disciplina ou animosidade contra
as instituições constitucionais. Em um país com histórico de pretorianismo e golpes de
Estado como o Brasil, notadamente com uma ditadura comandada por militares que
durou vinte e um anos não faz tanto tempo, tais dispositivos são imprescindíveis. Essas
infrações constitucionais visam proibir qualquer comportamento conspiratório contra a
democracia.
Steven Levitisky e Daniel Ziblatt26
, na obra “Como as Democracias Morrem”,
desenvolvem uma lista com os indicadores de comportamento autoritário para alertar
contra autoridades políticas antidemocráticas. Entre eles, está o critério: rejeição das
regras do jogo democrático ou compromisso débil com elas. Um dos exemplos que
elencam para ilustrar é a postura que tenta “minar a legitimidade das eleições,
recusando-se, por exemplo, a aceitar resultados eleitorais dignos de crédito”. Em
função disso, o comportamento do Ministro da Defesa é “caso de manual” de
comportamento autoritário, que reforçaria a necessidade de punição pelo crime de
responsabilidade perpetrado.
26
LEVITSKY, Steven; ZIBLATT, Daniel. How Democracies Die. New York: Crown Publishing, 2018
25
PAULINO, Lucas Azevedo. Democracias constitucionais em crise: mapeando as estratégias
institucionais que levam à erosão democrática. Revista Direito, Estado e Sociedade, nº 58, 2021.
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17. Nesse aspecto, o segundo impeachment de Donald Trump em 2021 aprovado
pela Câmara dos Representantes dos Estados Unidos, a despeito de não ter sido
condenado tempestivamente pelo Senado, é um exemplo notório desse
comportamento antidemocrático - de não reconhecer e se conformar com o resultado
das eleições levantando a possibilidade de existência de fraudes - promove a
subversão da ordem política e social e atenta contra os direitos políticos e a
democracia. Trump foi acusado por incitação de insurreição contra a democracia, pelo
episódio que culminou com a invasão do Capitólio – sede do Congresso americano –,
no dia da sessão que reconheceria o resultado das eleições, por uma turba violenta de
apoiadores do ex-presidente americano, que resultou em vandalismo e mortes.
De acordo com os artigos do impeachment, aprovados pela Câmara Baixa
americana, o presidente cometeu uma grave ofensa ao se engajar em uma rebelião e
incitar violência contra os Estados Unidos, por seus discursos contestando o resultado
das eleições e fazendo falsas alegações de fraudes e estimulando seus apoiadores a
lutarem pela reversão do resultado. Trump teria ameaçado a integridade do sistema
democrático e interferido com a transição pacífica do poder27
.
Como bem afirma Diego Werneck Arguelhes em texto sobre a temática do
negacionismo eleitoral, “[a]ntes do processo eleitoral, podemos discutir como aprimorar
o sistema. Qualquer que seja o resultado desse debate, porém, quando o dia da
eleição chegar não pode haver dúvida sobre o que fazer.” Isso porque, diz o autor,
tomando como base os ensinamentos do o cientista político Adam Przeworski, as
eleições “são uma espécie de manual de instruções: dizem ao vencedor que cargos
ocupar e ao perdedor para voltar para casa e aceitar a derrota. Se essas instruções
não forem seguidas, será o fim da democracia brasileira”.28
O negacionismo eleitoral vem se espalhando como uma prática cotidiana
daqueles que não têm respeito pelas regras do jogo democrático, notadamente entre
candidaturas da extrema-direita. Situações semelhantes aconteceram nos últimos anos
28
ARGUELHES, Diego Werneck. O Supremo não é lugar para negacionistas eleitorais. Piauí, 06
jun.2021. Disponível em:
https://piaui.folha.uol.com.br/o-supremo-nao-e-lugar-para-negacionistas-eleitorais/.
27
ESTADOS UNIDOS DA AMÉRICA. House of Representatitives. Resolution Impeaching Donald
Trump. 2021.
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18. em países como Turquia29
, com Recep Tayyip Erdoğan, Israel30
, com Benjamin
Netanyahu, Peru31
, com Keiko Fujimori, e El Salvador32
, Nayib Bukele. Nota-se, assim,
que o questionamento do resultado eleitoral acompanha o desprezo pela democracia e
pelo Estado de Direito.
Mutatis mutandis, em comportamento similar incide o Ministro da Defesa com a
nota publicada na quinta-feira, 10 de novembro, ao levantar dúvidas sobre a
integridade das urnas eletrônicas e sobre a possibilidade de fraude, inflamando ainda
mais os irresignados com o resultado da eleição a se rebelarem ilegitimamente nas
ruas contra a democracia brasileira. Por essa razão, merece ser punido pelo
cometimento de crime de responsabilidade.
Nessa mesma toada, cumpre registrar, ainda, como o Ministro do Estado de
Defesa também descumpre a norma não escrita de democracias: de reconhecer a
legitimidade da vitória de um adversário em uma eleição. Steven Levitsky e Daniel
Ziblatt33
afirmam que dispositivos constitucionais formais muitas vezes não garantem
por si só a democracia constitucional. Mas regras não escritas, que fazem parte da
cultura compartilhada de um regime democrático, são igualmente fundamentais para o
bom funcionamento de uma democracia. Entre elas, destacam-se: a tolerância mútua e
a autocontenção institucional. A tolerância mútua, que é a que nos interessa no
presente caso, é a ideia de enquanto nossos adversários competirem pelas regras
institucionais, temos o dever de aceitar o igual direito de existir, disputar o poder e
governar. Mesmo que discordemos dos rivais, temos que reconhecer sua legitimidade e
o direito de governar. A postura do Ministro da Defesa é justamente o contrário: a
negação da legitimidade da eleição e, por consequência, o direito do adversário
33
LEVITSKY, Steven; ZIBLATT, Daniel. How Democracies Die. New York: Crown Publishing, 2018
32
GARCÍA, Jacobo. Bukele agita el fantasma del fraude electoral en El Salvador. El País, 28 fev. 2020.
Disponível em: https://bit.ly/3cq9RLv.
31
QUESADA, Juan Diego. Sem provas, Keiko Fujimori denuncia fraude e agita reta final da apuração
eleitoral no Peru. El País, 8 jun.2021. Disponível em:
https://brasil.elpais.com/internacional/2021-06-08/sem-provas-keiko-fujimori-denuncia-fraude-e-agita-reta
-final-da-apuracao-eleitoral-no-peru.html.
30
HELLER, Jeffrey. Netanyahu alleges Israeli election fraud, accuses rival of duplicity. Reuters, 6
jun.2021. Disponível em:
https://www.reuters.com/world/middle-east/israels-netanyahu-alleges-election-fraud-accuses-rival-duplicit
y-2021-06-06/.
29
AYDOGAN, Abdullah. Electoral irregularities benefited Turkey’s ruling party, not the opposition. The
Washington Post, 10 mai. 2019. Disponível em: https://wapo.st/2VzgT87.
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19. governar. Esse tipo de conduta é coibida na nossa ordem jurídica de modo escrito, de
certa forma, quando se prevê a punição de crime de responsabilidade pela hostilidade
das classes armadas contra as instituições civis.
Essa postura de fomentar a instabilidade política e o golpismo por parte de
militares autoritários não é inédita na nossa história e sua permanência na Nova
República é consequência do modo como o Brasil não lidou bem com a justiça de
transição após a ditadura militar. Isto é, como as instituições brasileiras não
enfrentaram de forma adequada o legado de abusos em larga escala desse período
autoritário. Embora governos democráticos antes de Jair Bolsonaro tenham promovido
reparações às vítimas da ditadura e também buscado a memória e verdade sobre o
regime militar nas últimas décadas, o Estado brasileiro falhou em responsabilizar
criminalmente os agentes do Estado que cometeram violações sistemáticas de direitos
humanos, notadamente militares, com base na Lei da Anistia de 197934
.
É válido reforçar que a Lei de Anistia foi considerada incompatível com a
Convenção Americana de Direitos Humanos pela Corte Interamericana de Direitos
Humanos no caso Gomes Lund por ser uma espécie de lei de auto-anistia dos
militares, que impede a investigação e sanção de graves violações de direitos
humanos. No entanto, até hoje essa decisão de controle de convencionalidade não foi
incorporada devidamente pelo Estado brasileiro.
Até hoje as Forças Armadas não reconhecem institucionalmente sua
responsabilidade nos 21 anos de ditadura pela supressão dos direitos políticos no
Brasil e por violar direitos humanos de críticos e opositores. Pelo contrário, no dia 31 de
março, data do golpe de Estado no qual usurparam o poder dos cidadãos brasileiros,
anualmente repetem a prática de celebrarem esse regime nefasto.
Além do mais, alguns militares se arvoram numa posição de “poder moderador”,
por meio de uma interpretação constitucional autoritária e “terraplanista”35
do art. 142
35
No Mandado de Injunção 7.311 DF, o Ministro Luís Roberto Barroso, relator para o caso cunhou a
expressão “terraplanismo constitucional” para se referir aos defensores da tese de que militares teriam
uma espécie de poder moderador na atual ordem constitucional.
34
MEYER, Emílio Peluso Neder. Responsabilização por graves violações de direitos humanos na
ditadura de 1964-1985: a necessária superação da decisão do Supremo Tribunal Federal na ADPF nº
153/DF pelo Direito Internacional dos Direitos Humanos. Tese de Doutorado. Belo Horizonte: Faculdade
de Direito da Universidade Federal de Minas Gerais, 2012
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20. da Constituição, que é incompatível com a ordem democrático-constitucional vigente36
.
Essa doutrina pretoriana e golpista inclusive é repetida com frequência nas faixas dos
apoiadores do presidente derrotado que querem subverter a ordem constitucional e o
resultado da eleição, que pedem uma “intervenção militar constitucional”, que inexiste
no Direito Constitucional brasileiro, senão como sinônimo de golpe de estado.
Essa impunidade permanente dos militares autoritários e violadores de direitos
humanos no Brasil é um convite para que outros no presente e no futuro continuem
repetindo discursos antidemocráticos e incitando práticas autoritárias criminosas, que
hostilizam as instituições civis nacionais, como reiteradamente praticado pelo atual
Ministro da Defesa. É hora de dar um basta!
Rui Barbosa, o principal fundador da República brasileira e patrono dos juristas
nacionais, foi um crítico recorrente do pretorianismo dos militares, desde que o
presidente Floriano Peixoto passou a abusar sistematicamente de suas prerrogativas
como presidente na República da Espada ainda no século XIX.37
Rui disse que “o
militarismo está para o Exército como o fanatismo para a religião, como o
charlatanismo para a ciência (...)”. Essa é uma das diversas frases eloquentes que
deixou como legado para demonstrar seu inconformismo com a intervenção abusiva
dos militares na vida republicana nas suas primeiras décadas.
De Rui Barbosa na Primeira República às reivindicações por justiça de transição
na Nova República contra os criminosos da ditadura, o Supremo Tribunal Federal pode
colocar de vez um ponto final nesta chaga nacional e responsabilizar
constitucionalmente o Ministro da Defesa pelo cometimento de crime de
responsabilidade contra os direitos políticos e contra nossa democracia a partir dessa
denúncia.
O Estado Democrático de Direito brasileiro precisa fortalecer uma cultura
democrática baseada em um patriotismo constitucional, no qual os cidadãos da
nossa sociedade plural se reconheçam mutuamente pelos direitos fundamentais de
37
BARBOSA, Rui. Contra o Militarismo: textos selecionados / Rui Barbosa. Belo Horizonte: Editora
Lafayette, 2020.
36
LYNCH, Christian; CASSIMIRO, Paulo Henrique. O Populismo Reacionário: ascensão e legado do
bolsonarismo. São Paulo: Editora Contracorrente, 2022.
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21. participação política que compartilham e pela práxis democrática38
. Para que
convivamos em harmonia e com tolerância na nossa comunidade constitucional é
fundamental o reconhecimento de uma identidade comum que nos una, como cidadãos
livres e iguais, alicerçada no Estado de Direito, nos direitos fundamentais e na própria
democracia. Para o desenvolvimento desse patriotismo constitucional é imperativo que
as instituições constitucionais não contemporizem mais com as condutas praticadas
por agentes públicos que visam sabotar e destruir nosso projeto democrático.
O que se vê no Brasil, atualmente, encaixa no conceito de “constitutional
hardball”, criado por Mark Tushnet39
e traduzido para o português como “jogo duro
constitucional”. Nas palavras de Levitsky, “jogo duro constitucional é usar as
instituições como arma política contra seu oponente. Usar a letra da lei de maneira a
diminuir o espírito da lei. É fruto da polarização, quando os dois lados começam a
temer e desprezar o outro, passam a lançar mão de qualquer meio necessário para
impedir que o outro vença”.40
Na medida em que autoridades públicas se utilizam da
pretensa liberdade de expressão e de suas prerrogativas institucionais como
subterfúgio para atacar o Estado Democrático de Direito sob um véu de “normalidade”,
o que se tem é um frontal ataque à democracia e às instituições com disfarce de
patriotismo.
O impeachment é um mecanismo de autodefesa da nossa democracia
constitucional. Para que agentes do Estado autoritários não se sintam confortáveis de
tentar praticar crimes contra o Estado Democrático de Direito, as instituições
constitucionais têm que dar a resposta adequada e criar um precedente de
responsabilização de ministros de Estado, independente de serem civis ou militares de
alta patente. Para iniciar uma nova história de uma democracia mais forte, o Ministro da
Defesa deve ser punido!
40
Steven Levitsky: Por que este professor de Harvard acredita que a democracia brasileira está em risco.
BBC News Brasil. Publicado em 19.out.2018. Disponível em:
https://www.bbc.com/portuguese/brasil-45829323.
39
TUSHNET, Mark. Constitutional hardball. 37 J. Marshall L. Rev. 523-553 (2004).
38
CATTONI DE OLIVEIRA, Marcelo Andrade. Patriotismo constitucional. In BARRETTO, Vicente de
Paulo. Dicionário de Filosofia do Direito. São Leopoldo, Rio de Janeiro: Unisinos, Renovar, 2006
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22. “A Constituição certamente não é perfeita. Ela
própria o confessa ao admitir a reforma. Quanto a
ela, discordar, sim. Divergir, sim. Descumprir, jamais.
Afrontá-la, nunca.”
Ulysses Guimarães, discurso de promulgação da
Constituição de 1988.
IV - DOS PEDIDOS
Ante o exposto, requer se digne Vossa Excelência a receber e processar a
presente denúncia, para que seja finalmente reconhecido o cometimento do crime de
responsabilidade disposto no artigo 7, item 8, da Lei n° 1.079/50, com o consequente
impeachment do Sr. Paulo Sérgio Nogueira de Oliveira em razão do cristalino
cometimento de atos contra os direitos políticos, com a respectiva perda do cargo e a
inabilitação para o exercício de função pública por oito anos, conforme determina a
Constituição de 1988.
Para a instrução do presente pedido, requer-se:
I - o afastamento cautelar imediato do Sr. Paulo Sérgio Nogueira de Oliveira do cargo
de Ministro da Defesa, a fim de impedir a obstrução da persecução a ser instaurada,
assim como a continuidade das condutas que ensejam este pedido de impeachment;
II - a tomada de depoimento pessoal do Sr. Jair Bolsonaro, Presidente da República,
para que preste os devidos esclarecimentos sobre o seu envolvimento no caso;
III - a tomada de depoimento pessoal do Sr. Marco Antônio Freire Gomes (Comandante
do Exército Brasileiro), do Sr. Almir Garnier Santos (Comandante da Marinha) e do Sr.
Carlos de Almeida Baptista Júnior Gilmar Santos (Comandante da Aeronáutica);
Coronel do Exército Marcelo Nogueira de Sousa; Coronel Aviador Wagner Oliveira da
Silva e Capitão de Fragata Marcus Roger Cavalcante Andrade, militares integrantes da
Equipe das Forças Armadas de Fiscalização e Auditoria do Sistema Eletrônico de
Votação (EFASEV)
IV - a determinação de apresentação, pela Presidência da República e pelo Ministério
da Defesa, de todas as agendas realizadas com qualquer um dos Srs. indicados no rol
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23. de testemunhas abaixo, com a indicação pormenorizada da data, da hora e do local,
dos assuntos tratados, dos participantes, devendo tudo constar em ata, como assim
exigem os princípios básicos da administração pública;
V - a transferência, a esse Eg. Tribunal, do sigilo de dados telefônicos do Sr. Paulo
Sérgio Nogueira de Oliveira;
VI - a realização de busca e apreensão no Gabinete e na residência oficial do Ministro
da Defesa, Sr. Paulo Sérgio Nogueira de Oliveira, a fim de colher materiais e provas
constantes de documentos, computadores e demais aparelhos eletrônicos a respeito
das tratativas entre o referido Ministério e as Forças Armadas na prática de atos
atentatórios à democracia brasileira;
VII - a intimação do Procurador-Geral da República para que detalhe, a esse Eg.
Tribunal, todas as medidas que vêm tomando para a adequada apuração e atribuição
de responsabilidades no caso narrado nos presentes autos;
VIII - quaisquer outras medidas que Vossa Excelência entenda adequadas e
necessárias para evitar a continuidade de práticas atentatórias ao Estado Democrático
de Direito, tão prejudicial a toda a população.
Nesses termos, pedem deferimento.
Brasília, 15 de novembro de 2022.
Lucas Azevedo Paulino
OAB MG nº 142.006
Thiago Süssekind
OAB/RJ nº 221.862-E
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24. Gabriela Moura Guimarães
OAB MG nº 204.554
Pedro Martins
OAB MG n° 188.890
Felipe Autran D. L. Ribeiro
OAB/MG nº 124.188
Vitório Paulino de Paiva Silvestre
CPF 037.510.856-45
Nicholas Vieira de Carvalho
CPF n° 113.699.846-26
Alexandre Mendonça
CPF 252.249.718-96
Letícia Regina Camargo Kreuz
OAB/PR 65.860
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25. V - ROL DE TESTEMUNHAS
1. Jair Messias Bolsonaro, Presidente da República; localizado na Praça dos Três
Poderes, S/N, - 3º andar - Palácio do Planalto, Zona Cívico-Administrativa,
70150-900 - Brasília- DF
2. Marco Antônio Freire Gomes, Comandante do Exército Brasileiro; localizado no
Quartel-General do Exército - Bloco A - 3º Andar - Setor Militar Urbano.
70630-901 - Brasília-DF
3. Almir Garnier Santos, Comandante da Marinha; localizado na Esplanada dos
Ministérios, Bloco "N", 2º, 3º e 4º andar, Brasília, DF CEP: 70055-900
4. Carlos de Almeida Baptista Júnior Gilmar Santos, Comandante da Aeronáutica;
localizado na Esplanada dos Ministérios - Bloco M - 8º Andar, 70.045-900 -
Brasília - DF
5. Marcelo Nogueira de Sousa, Coronel do Exército e integrante da Equipe das
Forças Armadas de Fiscalização e Auditoria do Sistema Eletrônico de Votação
(EFASEV), localizado no Instituto Militar de Engenharia, Departamento de
Engenharia Elétrica, Praça General Tiburcio, Urca, 22290270 - Rio de Janeiro,
RJ - Brasil.
6. Wagner Oliveira da Silva, Coronel Aviador e integrante da Equipe das Forças
Armadas de Fiscalização e Auditoria do Sistema Eletrônico de Votação
(EFASEV), que pode ser localizado na Força Aérea Brasileira, Bloco M - 7º
Andar, Esplanada dos Ministérios
7. Marcus Roger Cavalcante Andrade, Capitão de Fragata e integrante da Equipe
das Forças Armadas de Fiscalização e Auditoria do Sistema Eletrônico de
Votação (EFASEV), que pode ser localizado na Marinha, Esplanada dos
Ministérios, Bloco "N", 2º, 3º e 4º andar,
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