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Secretaria Executiva – Monitoramento dos Direitos Humanos no Brasil
Rua Liberdade, 255 / 201 – Bairro Rio Branco – POA/RS CEP: 90420-090
Fone / Fax: (62) 3012-9874/ 8141-0084 – secretaria.dhesc@gmail.com
DOCUMENTO SÍNTESE DO SEMINÁRIO NACIONAL “DIREITOS HUMANOS NO BRASIL – A
PROMESSA É A CERTEZA DE QUE A LUTA PRECISA CONTINUAR”.
ASPECTOS DA CONJUNTURA E DA REALIDADE DOS DIREITOS HUMANOS NO BRASIL
Em âmbito geral, três aspectos parecem desenhar a centralidada da conjuntura nacional, com
reflexos diretos na agenda atual de luta pela defesa e garantia dos direitos humanos no Brasil: a) A
crise econômica e o ajuste fiscal que tendem a “corroer” direitos; b) O esfacelamento do “bloco”
popular e de luta pelos direitos humanos; c) O avanço “galopante” da agenda conservadora em
diferentes frentes e espaços.
Estes aspectos que estão na centralidade da conjuntura nacional com reflexos sobre a agenda e
sobre a efetividade dos direitos humanos no Brasil, têm por bases uma série de motivações, quais
sejam elas:
A) As mudanças recentes, em especial na última década, ainda não geraram grandes
transformações estruturais, com capacidade de inverter ou ao menos equilibrar a lógica da
desigualdade que é histórica no Brasil. Neste sentido, a incorporação ou inclusão social de amplos
grupos a setores médios da sociedade não significou muito mais do que ingresso no mercado do
consumo de massa [cumprindo promessa de 2002], e ser cliente não é ser cidadão.
B) Apesar de conquistas socioeconômicas importantes, como é o caso do salário mínimo, do
emprego e do acesso ao crédito, o governo não avançou em nada ou muito pouco em reformas
econômicas estruturantes (reforma fiscal e tributária; reforma agrária etc). As políticas
governamentais de transferência de renda (bolsa família entre outros) não foram acompanhadas de
uma massiva política de ampliação de acesso e usufruto dos DESC, e neste momento parecem
demonstrar certo esgotamento. Segue-se a isto, o fato de que os setores populares ainda não
conseguiram constituir organizações autônomas consistentes e coletivas, com capacidade de
produzir resultados econômicos em seu benefício, que gere capacidade de enfrentar a dependência
do trabalho, do emprego e da entrega da mais valia, mantendo a classe trabalhadora subordinada
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aos donos dos meios de produção e frágil na capacidade de decisão e de afirmação de agendas
próprias.
C) A adoção de uma política de “conciliação” implementada pelo governo em todos os campos levou
ao mascaramento das contradições. Mesmo que a direita sempre tenha reagido, cada vez com mais
força, revelando as contradições, a resposta sempre foi “conciliação” - assim foi com o mensalão e
com o PNDH-3, por exemplo. No momento atual, em face da crise da corrupção na Petrobrás e
outras grandes obras, bem como da desarticulação das forças políticas da “base governista”, e do
ajuste fiscal e econômico imposto pela pressão dos mercados e da grande mídia, o governo
encontra-se acuado e gere a situação sem grande poder de reação nos diferentes frontes. Isto tudo
resulta que a direita só acumulou forças, enquanto os setores progressistas, tanto institucionais,
quanto da sociedade organizada, a perderam.
D) Não se tem conseguido avançar efetivamente na responsabilização do setor privado no que se
refere as violações de direitos humanos. Isto, casado com a lógica desenvolvimentista calcada nos
grandes projetos, na ânsia pelas commodities [agrícolas e minerais] e de investimento em
infraestrutura, em muitos casos voltados a interesses puramente privados, gerou violações
sistemáticas de direitos humanos de grupos populacionais inteiros nas cidades e de grupos
tradicionais, estes últimos, especialmente os indígenas e quilombolas, ainda mais ameaçados. De
modo geral, o que se percebe, é que o modelo adotado como lógica de desenvolvimento, tem gerado
a inviabilização da produção e da reprodução dos modos de vida de boa parte da população e é
gerador de muitas violações nas diferentes frentes.
E) Temos acompanhado ao enfraquecimento de sujeitos populares que historicamente deram
sustentação à luta em defesa dos direitos humanos. Isto ocorre por várias questões, seja por
pactuação com a lógica de “conciliação”, por dificuldade de radicalizar as políticas de direitos, por
perda da capacidade de aglutinação e de proposição de agendas comuns, levando ao
enfraquecimento das coalizões e ao crescimento da segmentação e das disputas internas. Após um
processo de envolvimento importante da sociedade civil na construção do PNDH3, como marco
importante da experiência histórica de convergência e de construção conjunta, o “bloco” dos
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direitos humanos fragilizou-se. Fato é que, de lá para cá, o que vimos é, senão um refluxo, uma
quase total estagnação na implementação da agenda proposta pelo PNDH3.
F) Vivemos um período de acirramento da criminalização dos movimentos e das lutas sociais por
setores conservadores da sociedade (mídia; judiciário; setores conservadores do empresariado e
do agronegócio etc), que junto a um movimento de recuo de parte da cooperação internacional com
relação à agenda Brasil, fragilizou bastante as organizações em diferentes frentes e regiões, gerando
fragmentação das lutas sociais e segmentos cada vez mais diversos e isolados. Junto a isto, percebe-
se que o modo de construção das lutas, de articulação e mobilização por parte dos movimentos
sociais e das organizações da sociedade civil organizada, encontra-se com dinâmicas
desatualizadas, sem capacidade de incorporar novas dinâmicas e novas linguagens, fato este que
gerou certa surpresa frente à capacidade de mobilidade exposta pelas grandes manifestações de
massa – já em 2013 e agora de forma mais recente.
G) Apesar do amplo crescimento do envolvimento e da adesão das organizações da sociedade civil
organizada e do movimento social nos espaços institucionais (conferências, conselhos etc), isto não
resultou em efetiva alteração na dinâmica de enfrentamento da baixa institucionalidade
confrontando com relativa normatividade, o que continua ameaçando de forma consistente a
eficácia dos direitos humanos. Em contrapartida a este deslocamento de foco, houve em muitos
setores da luta social, um afastamento e um descuido das organizações e do movimento social, com
relação ao fortalecimento da atuação nas bases. Por fim, não se pode negar que em diferentes
espaços e setores de governo, houve algum grau de “aliciamento” das forças populares, o que
também contribui para a fragilização da atuação na base.
H) A lógica da indústria cultural nas mais modernas versões eletrônicas atravessa e devasta as
culturas populares, gerando monoculturas e posicionamentos dóceis e servis às dinâmicas
consumistas e individualistas adequadas ao capital. Isto é reforçado pelo não enfrentamento da
concentração dos mídia e de sua transformação em agentes econômicos, que já não só transmitem
ideologia do capital, mas se organizam como uma da vertentes do capital, pautando e orientando de
forma direta, inclusive, as pautas e políticas governamentais e de Estado.
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I) Acompanhamos ao crescimento acelerado da violência sem perspectivas consistentes de
enfrentamento por vias que não sejam “mais do mesmo”, isto é, ação e repressão policial,
criminalização e encarceramento em massa entre outras. Esta posição torna-se funcional à
dinâmica reprodutiva do mimetismo social e faz vítimas os mais fracos e pobres (juventude negra,
crianças, mulheres), ao mesmo tempo em que assanha o conservadorismo que defende redução da
maioridade penal, armamento da sociedade de bem entre outras questões.
J) A funcionalização da democracia chegou ao seu limite com a eleição de uma composição das mais
conservadoras do congresso dos últimos 50 anos, sendo a imensa maioria eleita por financiamento
privado e com compromissos escusos com “BOI, BALA e BÍBLIA”. A agenda defendida por boa parte
desta composição e seus aliados conservadores da sociedade, vem também sendo defendida e
explicitamente visualizada nas recentes manifestações de rua, através da defesa da volta do
governo militar, da ameaça golpista à democracia, da criminalização da mobilização e das lutas
sociais etc.
K) E, ainda, os espaços públicos de participação social não tem conseguido corresponder às
demandas e expectativas de participação, considerando seus limites institucionais e os poucos
resultados efetivos no campo da implementação das deliberações realizadas. Por outro lado, a
proposta popular de reforma política via Plebiscito, que prevê processos e definições políticos com
maior participação social nos rumos do país, mesmo que tenha sido o maior movimento de
mobilização e articulação dos setores populares dos últimos anos [mais de 8 milhões de votos], não
emplacou. Neste momento, estamos mais próximos de termos uma reforma política maquiada e que
legitime de forma constitucional o jogo dos interesses privados e dos mandatários em suas regiões
e currais eleitorais.
ALGUNS DESAFIOS POSTOS À RETOMADA DA CENTRALIDADE DA PAUTA DE LUTA EM
DEFESA DOS DIREITOS HUMANOS NO PRÓXIMO PERÍODO
1. Fazer convergir entre si agendas emergentes, agendas urgentes e agendas represadas,
recuperando a força e a legitimidade das lutas coletivas e das agendas estratégicas e comuns à
sociedade.
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2. Defender a centralidade dos bens e serviços públicos como universais e não passíveis de serem
corroídos pelo ajuste fiscal e econômico imposto pelos mercados, bem como investir em iniciativas
alternativas autônomas e populares, como meio de fortalecer a capacidade de enfrentamento da
hegemonia no campo econômico.
3. Defender uma reforma política ampla que não só modifique o jogo eleitoral e os interesses
privados dos grupos ligados ao mercado e ao poder político, mas que também abra espaços de
participação efetiva da sociedade na definição de agendas e políticas de interesse comum à
sociedade.
4. Fortalecer a agenda de luta das organizações populares para avançar no enfrentamento à
criminalização e à desmoralização dos movimentos e das lutas sociais, que se dá em diferentes
frentes (judiciário; legislativo; mídia etc).
5. Avançar na construção de uma agenda política positiva que promova o debate público amplo em
favor da democratização e da regulação econômica dos meios de comunicação e da cultura no
Brasil.
6. Retomar e ampliar a agenda de capacitação e formação política dos sujeitos sociais, a fim de
fortalecer a base dos movimentos e organizações para atuação em rede e no campo da
institucionalidade, contribuindo também com a conectividade entre a atuação na base (local) e as
agendas e processos nacionais.
7. Retomar o debate sobre a construção de um Sistema Nacional de Direitos Humanos, a fim de
orientar uma política nacional de direitos humanos e de estabelecer instrumentos e procedimentos
efetivos de implementação de ações, políticas e programas de DH (PNDH3).
8. Promover momentos ampliados de diálogo, debates, monitoramento e definição de estratégias
para atuação na agenda de direitos humanos de forma conjunta e parceira, entre as organizações
locais, as redes de articulação nacionais e a cooperação internacional.
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9. Estabelecer uma agenda pública positiva e de visibilidade dos direitos humanos como forma de
fazer o enfrentamento com os conservadorismos e os particularismos interesseiros, interessados e
recessivos de compreensão dos direitos humanos em nível local e nacional.
10. Definir uma agenda estratégica de incidência política nos espaços institucionais e órgãos
públicos (executivo; legislativo e judiciário), a fim de bancar a agenda de direitos humanos na
formulação da agenda política destes espaços.
11. Pautar o fortalecimento dos programas e das ações de direitos humanos que visam o
enfrentamento das chagas históricas e persistentes de violação de direitos humanos, como a luta
contra a discriminação, violência e o extermínio de grupos e populações, contra a perseguição e
tortura, contra a impunidade dos violadores de direitos etc.
12. O desafio fundamental está em fortalecer a organização e a luta dos diversos sujeitos de
direitos, tanto nas suas agendas específicas quanto no sentido de consolidar uma agenda popular
de articulação das diversas lutas, na qual os diversos possam se expressar de forma consistente e
significativa, a partir de um projeto de desenvolvimento com e para a garantia efetiva dos direitos
humanos.
Brasília, 30 e 31 de março de 2015.
Coordenação geral
Movimento Nacional de Direitos Humanos (MNDH)
Parceiros de MISEREOR no Brasil
Processo de Articulação e Diálogo entre as Agências Ecumênicas Europeias e Parceiros Brasileiros
(PAD).

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  • 1. Secretaria Executiva – Monitoramento dos Direitos Humanos no Brasil Rua Liberdade, 255 / 201 – Bairro Rio Branco – POA/RS CEP: 90420-090 Fone / Fax: (62) 3012-9874/ 8141-0084 – secretaria.dhesc@gmail.com DOCUMENTO SÍNTESE DO SEMINÁRIO NACIONAL “DIREITOS HUMANOS NO BRASIL – A PROMESSA É A CERTEZA DE QUE A LUTA PRECISA CONTINUAR”. ASPECTOS DA CONJUNTURA E DA REALIDADE DOS DIREITOS HUMANOS NO BRASIL Em âmbito geral, três aspectos parecem desenhar a centralidada da conjuntura nacional, com reflexos diretos na agenda atual de luta pela defesa e garantia dos direitos humanos no Brasil: a) A crise econômica e o ajuste fiscal que tendem a “corroer” direitos; b) O esfacelamento do “bloco” popular e de luta pelos direitos humanos; c) O avanço “galopante” da agenda conservadora em diferentes frentes e espaços. Estes aspectos que estão na centralidade da conjuntura nacional com reflexos sobre a agenda e sobre a efetividade dos direitos humanos no Brasil, têm por bases uma série de motivações, quais sejam elas: A) As mudanças recentes, em especial na última década, ainda não geraram grandes transformações estruturais, com capacidade de inverter ou ao menos equilibrar a lógica da desigualdade que é histórica no Brasil. Neste sentido, a incorporação ou inclusão social de amplos grupos a setores médios da sociedade não significou muito mais do que ingresso no mercado do consumo de massa [cumprindo promessa de 2002], e ser cliente não é ser cidadão. B) Apesar de conquistas socioeconômicas importantes, como é o caso do salário mínimo, do emprego e do acesso ao crédito, o governo não avançou em nada ou muito pouco em reformas econômicas estruturantes (reforma fiscal e tributária; reforma agrária etc). As políticas governamentais de transferência de renda (bolsa família entre outros) não foram acompanhadas de uma massiva política de ampliação de acesso e usufruto dos DESC, e neste momento parecem demonstrar certo esgotamento. Segue-se a isto, o fato de que os setores populares ainda não conseguiram constituir organizações autônomas consistentes e coletivas, com capacidade de produzir resultados econômicos em seu benefício, que gere capacidade de enfrentar a dependência do trabalho, do emprego e da entrega da mais valia, mantendo a classe trabalhadora subordinada
  • 2. Secretaria Executiva – Monitoramento dos Direitos Humanos no Brasil Rua Liberdade, 255 / 201 – Bairro Rio Branco – POA/RS CEP: 90420-090 Fone / Fax: (62) 3012-9874/ 8141-0084 – secretaria.dhesc@gmail.com aos donos dos meios de produção e frágil na capacidade de decisão e de afirmação de agendas próprias. C) A adoção de uma política de “conciliação” implementada pelo governo em todos os campos levou ao mascaramento das contradições. Mesmo que a direita sempre tenha reagido, cada vez com mais força, revelando as contradições, a resposta sempre foi “conciliação” - assim foi com o mensalão e com o PNDH-3, por exemplo. No momento atual, em face da crise da corrupção na Petrobrás e outras grandes obras, bem como da desarticulação das forças políticas da “base governista”, e do ajuste fiscal e econômico imposto pela pressão dos mercados e da grande mídia, o governo encontra-se acuado e gere a situação sem grande poder de reação nos diferentes frontes. Isto tudo resulta que a direita só acumulou forças, enquanto os setores progressistas, tanto institucionais, quanto da sociedade organizada, a perderam. D) Não se tem conseguido avançar efetivamente na responsabilização do setor privado no que se refere as violações de direitos humanos. Isto, casado com a lógica desenvolvimentista calcada nos grandes projetos, na ânsia pelas commodities [agrícolas e minerais] e de investimento em infraestrutura, em muitos casos voltados a interesses puramente privados, gerou violações sistemáticas de direitos humanos de grupos populacionais inteiros nas cidades e de grupos tradicionais, estes últimos, especialmente os indígenas e quilombolas, ainda mais ameaçados. De modo geral, o que se percebe, é que o modelo adotado como lógica de desenvolvimento, tem gerado a inviabilização da produção e da reprodução dos modos de vida de boa parte da população e é gerador de muitas violações nas diferentes frentes. E) Temos acompanhado ao enfraquecimento de sujeitos populares que historicamente deram sustentação à luta em defesa dos direitos humanos. Isto ocorre por várias questões, seja por pactuação com a lógica de “conciliação”, por dificuldade de radicalizar as políticas de direitos, por perda da capacidade de aglutinação e de proposição de agendas comuns, levando ao enfraquecimento das coalizões e ao crescimento da segmentação e das disputas internas. Após um processo de envolvimento importante da sociedade civil na construção do PNDH3, como marco importante da experiência histórica de convergência e de construção conjunta, o “bloco” dos
  • 3. Secretaria Executiva – Monitoramento dos Direitos Humanos no Brasil Rua Liberdade, 255 / 201 – Bairro Rio Branco – POA/RS CEP: 90420-090 Fone / Fax: (62) 3012-9874/ 8141-0084 – secretaria.dhesc@gmail.com direitos humanos fragilizou-se. Fato é que, de lá para cá, o que vimos é, senão um refluxo, uma quase total estagnação na implementação da agenda proposta pelo PNDH3. F) Vivemos um período de acirramento da criminalização dos movimentos e das lutas sociais por setores conservadores da sociedade (mídia; judiciário; setores conservadores do empresariado e do agronegócio etc), que junto a um movimento de recuo de parte da cooperação internacional com relação à agenda Brasil, fragilizou bastante as organizações em diferentes frentes e regiões, gerando fragmentação das lutas sociais e segmentos cada vez mais diversos e isolados. Junto a isto, percebe- se que o modo de construção das lutas, de articulação e mobilização por parte dos movimentos sociais e das organizações da sociedade civil organizada, encontra-se com dinâmicas desatualizadas, sem capacidade de incorporar novas dinâmicas e novas linguagens, fato este que gerou certa surpresa frente à capacidade de mobilidade exposta pelas grandes manifestações de massa – já em 2013 e agora de forma mais recente. G) Apesar do amplo crescimento do envolvimento e da adesão das organizações da sociedade civil organizada e do movimento social nos espaços institucionais (conferências, conselhos etc), isto não resultou em efetiva alteração na dinâmica de enfrentamento da baixa institucionalidade confrontando com relativa normatividade, o que continua ameaçando de forma consistente a eficácia dos direitos humanos. Em contrapartida a este deslocamento de foco, houve em muitos setores da luta social, um afastamento e um descuido das organizações e do movimento social, com relação ao fortalecimento da atuação nas bases. Por fim, não se pode negar que em diferentes espaços e setores de governo, houve algum grau de “aliciamento” das forças populares, o que também contribui para a fragilização da atuação na base. H) A lógica da indústria cultural nas mais modernas versões eletrônicas atravessa e devasta as culturas populares, gerando monoculturas e posicionamentos dóceis e servis às dinâmicas consumistas e individualistas adequadas ao capital. Isto é reforçado pelo não enfrentamento da concentração dos mídia e de sua transformação em agentes econômicos, que já não só transmitem ideologia do capital, mas se organizam como uma da vertentes do capital, pautando e orientando de forma direta, inclusive, as pautas e políticas governamentais e de Estado.
  • 4. Secretaria Executiva – Monitoramento dos Direitos Humanos no Brasil Rua Liberdade, 255 / 201 – Bairro Rio Branco – POA/RS CEP: 90420-090 Fone / Fax: (62) 3012-9874/ 8141-0084 – secretaria.dhesc@gmail.com I) Acompanhamos ao crescimento acelerado da violência sem perspectivas consistentes de enfrentamento por vias que não sejam “mais do mesmo”, isto é, ação e repressão policial, criminalização e encarceramento em massa entre outras. Esta posição torna-se funcional à dinâmica reprodutiva do mimetismo social e faz vítimas os mais fracos e pobres (juventude negra, crianças, mulheres), ao mesmo tempo em que assanha o conservadorismo que defende redução da maioridade penal, armamento da sociedade de bem entre outras questões. J) A funcionalização da democracia chegou ao seu limite com a eleição de uma composição das mais conservadoras do congresso dos últimos 50 anos, sendo a imensa maioria eleita por financiamento privado e com compromissos escusos com “BOI, BALA e BÍBLIA”. A agenda defendida por boa parte desta composição e seus aliados conservadores da sociedade, vem também sendo defendida e explicitamente visualizada nas recentes manifestações de rua, através da defesa da volta do governo militar, da ameaça golpista à democracia, da criminalização da mobilização e das lutas sociais etc. K) E, ainda, os espaços públicos de participação social não tem conseguido corresponder às demandas e expectativas de participação, considerando seus limites institucionais e os poucos resultados efetivos no campo da implementação das deliberações realizadas. Por outro lado, a proposta popular de reforma política via Plebiscito, que prevê processos e definições políticos com maior participação social nos rumos do país, mesmo que tenha sido o maior movimento de mobilização e articulação dos setores populares dos últimos anos [mais de 8 milhões de votos], não emplacou. Neste momento, estamos mais próximos de termos uma reforma política maquiada e que legitime de forma constitucional o jogo dos interesses privados e dos mandatários em suas regiões e currais eleitorais. ALGUNS DESAFIOS POSTOS À RETOMADA DA CENTRALIDADE DA PAUTA DE LUTA EM DEFESA DOS DIREITOS HUMANOS NO PRÓXIMO PERÍODO 1. Fazer convergir entre si agendas emergentes, agendas urgentes e agendas represadas, recuperando a força e a legitimidade das lutas coletivas e das agendas estratégicas e comuns à sociedade.
  • 5. Secretaria Executiva – Monitoramento dos Direitos Humanos no Brasil Rua Liberdade, 255 / 201 – Bairro Rio Branco – POA/RS CEP: 90420-090 Fone / Fax: (62) 3012-9874/ 8141-0084 – secretaria.dhesc@gmail.com 2. Defender a centralidade dos bens e serviços públicos como universais e não passíveis de serem corroídos pelo ajuste fiscal e econômico imposto pelos mercados, bem como investir em iniciativas alternativas autônomas e populares, como meio de fortalecer a capacidade de enfrentamento da hegemonia no campo econômico. 3. Defender uma reforma política ampla que não só modifique o jogo eleitoral e os interesses privados dos grupos ligados ao mercado e ao poder político, mas que também abra espaços de participação efetiva da sociedade na definição de agendas e políticas de interesse comum à sociedade. 4. Fortalecer a agenda de luta das organizações populares para avançar no enfrentamento à criminalização e à desmoralização dos movimentos e das lutas sociais, que se dá em diferentes frentes (judiciário; legislativo; mídia etc). 5. Avançar na construção de uma agenda política positiva que promova o debate público amplo em favor da democratização e da regulação econômica dos meios de comunicação e da cultura no Brasil. 6. Retomar e ampliar a agenda de capacitação e formação política dos sujeitos sociais, a fim de fortalecer a base dos movimentos e organizações para atuação em rede e no campo da institucionalidade, contribuindo também com a conectividade entre a atuação na base (local) e as agendas e processos nacionais. 7. Retomar o debate sobre a construção de um Sistema Nacional de Direitos Humanos, a fim de orientar uma política nacional de direitos humanos e de estabelecer instrumentos e procedimentos efetivos de implementação de ações, políticas e programas de DH (PNDH3). 8. Promover momentos ampliados de diálogo, debates, monitoramento e definição de estratégias para atuação na agenda de direitos humanos de forma conjunta e parceira, entre as organizações locais, as redes de articulação nacionais e a cooperação internacional.
  • 6. Secretaria Executiva – Monitoramento dos Direitos Humanos no Brasil Rua Liberdade, 255 / 201 – Bairro Rio Branco – POA/RS CEP: 90420-090 Fone / Fax: (62) 3012-9874/ 8141-0084 – secretaria.dhesc@gmail.com 9. Estabelecer uma agenda pública positiva e de visibilidade dos direitos humanos como forma de fazer o enfrentamento com os conservadorismos e os particularismos interesseiros, interessados e recessivos de compreensão dos direitos humanos em nível local e nacional. 10. Definir uma agenda estratégica de incidência política nos espaços institucionais e órgãos públicos (executivo; legislativo e judiciário), a fim de bancar a agenda de direitos humanos na formulação da agenda política destes espaços. 11. Pautar o fortalecimento dos programas e das ações de direitos humanos que visam o enfrentamento das chagas históricas e persistentes de violação de direitos humanos, como a luta contra a discriminação, violência e o extermínio de grupos e populações, contra a perseguição e tortura, contra a impunidade dos violadores de direitos etc. 12. O desafio fundamental está em fortalecer a organização e a luta dos diversos sujeitos de direitos, tanto nas suas agendas específicas quanto no sentido de consolidar uma agenda popular de articulação das diversas lutas, na qual os diversos possam se expressar de forma consistente e significativa, a partir de um projeto de desenvolvimento com e para a garantia efetiva dos direitos humanos. Brasília, 30 e 31 de março de 2015. Coordenação geral Movimento Nacional de Direitos Humanos (MNDH) Parceiros de MISEREOR no Brasil Processo de Articulação e Diálogo entre as Agências Ecumênicas Europeias e Parceiros Brasileiros (PAD).