O documento discute os direitos do leitor ao ler. Em três frases, resume que o autor argumenta que ler não pode ser imposto, mas deve ser um ato voluntário. Além disso, defende que os leitores, incluindo jovens, devem ter direito de não ler um livro inteiro, pular páginas e reler partes, como os leitores experientes fazem. Finalmente, destaca o direito de calar como um dos mais importantes direitos do leitor.
Introdução aos Estudios Literários - Os direitos do leitor
1. Introdução aos Estudos Literários
Professor Otoniel Machado
Os direitos do leitor
1
O verbo ler não suporta o imperativo. Aversão que partilha com alguns outros: o verbo “amar”... o
verbo “sonhar”...
Bem, é sempre possível tentar, é claro. Vamos lá: “Me ame!” “Sonhe!” “Leia!” “Leia logo, que diabo,
eu estou mandando você ler!”
- Vá para o seu quarto e leia!
Resultado?
Nulo.
Ele dormiu em cima do livro. A janela, de repente, lhe pareceu imensamente aberta sobre uma
coisa qualquer tentadora. Foi por ali que ele decolou. Para escapar ao livro. Mas é um sono vigilante: o livro
continua aberto diante dele. E no pouco que abrimos a porta de seu quarto, nós o encontramos sentado
junto à escrivaninha, seriamente ocupado em ler. Mesmo se nos aproximamos na ponta dos pés, da
superfície de seu sono ele nos terá escutado chegar.
- Então, está gostando?
Ele não vai responder que não, isto seria um crime de lesa-majestade. O livro é sagrado, como é
possível não gostar de ler? Não, ele vai dizer que as descrições são longas demais.
Tranqüilizados, voltamos ao nosso aparelho de televisão. E é até possível que esta reflexão suscite
um apaixonante debate entre nós e os outros como nós...
- Ele acha as descrições longas demais. É preciso entender, estamos no século do audiovisual,
evidentemente os romancistas do século dezenove tinham que descrever tudo...
- Mas isto não é razão para pular a metade das páginas!
Não vamos nos cansar, ele voltou a dormir.
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(...)
Em matéria de leitura, nós, os “leitores”, nos concedemos todos os direitos, a
começar pelos que recusamos a essa gente jovem que pretendemos iniciar na leitura.
1) O direito de não ler.
2) O direito de pular páginas.
3) O direito de não terminar um livro.
4) O direito de reler.
5) O direito de ler qualquer coisa.
6) O direito ao bovarismo [doença textualmente transmissível].
7) O direito de ler em qualquer lugar.
8) O direito de ler uma frase aqui e outra ali.
9) O direito de ler em voz alta.
10) O direito de calar.
Fico, arbitrariamente, com o número 10, primeiro porque faz conta redonda,
depois porque é o número sagrado dos famosos Mandamentos e é agradável vê-lo,
por uma vez que seja, servir a uma lista de autorizações.
Porque ser quisermos que filho, filha, que os jovens leiam, é urgente lhes
conceder os direitos que proporcionamos a nós mesmos.
Fonte bibliográfica: PENNAC, Daniel. Como um romance. Trad. de Leny Werneck. Rio de Janeiro: Rocco,
1998.