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Teoria e técnicas em anestesiologia veterinária | 11
C A P Í T U L O 1
INTRODUÇÃO À
ANESTESIOLOGIA VETERINÁRIA
TERMINOLOGIA UTILIZADA EM ANESTESIOLOGIA
ANESTESIOLOGIA
É o termo utilizado para descrever o estudo dos fármacos e das técnicas empregadas
para a obtenção do estado anestésico. A anestesiologia se ocupa também de todo
conhecimento necessário para o entendimento e a correção das alterações fisiológi-
cas ocorridas antes, durante e após o procedimento anestésico. Deve ser diferencia-
da de anestesia, que significa o ato anestésico em si. A anestesiologia veterinária
foi criada na Inglaterra, em 1846, logo após a demonstração do uso do éter em
humanos pelo odontologista inglês Morton no mesmo ano. Desde então, as técnicas
e as drogas anestésicas utilizadas em animais acompanham a evolução da anes-
tesiologia em humanos.
ANESTESIA
Anestesia é a obtenção de um estado reversível de não-reconhecimento do estímulo
doloroso pelo córtex cerebral, podendo ser localizada ou geral em estado inconscien-
te. Cabe lembrar que o estado de inconsciência não implica, obrigatoriamente, a
ocorrência de anestesia apropriada para determinados procedimentos cirúrgicos.
Esta é produzida mediante o uso de fármacos anestésicos que deprimem o sistema
nervoso central ou periférico. Assim, os fármacos anestésicos desejáveis são aqueles
que produzem seu efeito farmacológico com a menor freqüência possível de efeitos
adversos. A obtenção do estado anestésico pode envolver a associação de diversas
técnicas e agentes.
ANESTESIA CLÍNICA
Refere-se à utilização de técnicas, equipamentos e conhecimentos de várias discipli-
nas correlatas para a realização da anestesia em pacientes da rotina clínica anes-
12 | Cláudio C. Natalini
tésica. A responsabilidade da anestesia clínica deverá ser sempre de um médico
veterinário legalmente responsável pelo caso clínico e certificado ou habilitado
em anestesiologia veterinária. A anestesia clínica pode ser realizada por aluno,
enfermeiro ou médico veterinário não-especializado, desde que sob orientação e
supervisão de um médico veterinário anestesiologista.
ANESTESIA LOCAL
Compreende a administração local de um ou mais agentes anestésicos com o
objetivo de produzir anestesia de uma parte localizada do organismo. Quando
utilizada isoladamente, não envolve inconsciência.
ANESTESIA REGIONAL
Compreende o bloqueio anestésico de uma parte localizada do organismo à seme-
lhança da anestesia local, embora seu objetivo seja o de anestesiar um tronco
nervoso e produzir anestesia de uma área maior do organismo. De forma semelhan-
te à anestesia local, quando utilizada isoladamente, não envolve inconsciência.
ANESTESIA GERAL
Significa perda total e reversível da consciência e ausência de reconhecimento do
estímulo doloroso ou de resposta à manipulação diagnóstica. A anestesia geral
pode ser obtida com fármacos injetáveis ou inalatórios. Além disso, envolve a
combinação de mais de um fármaco, ainda que seja possível o uso de um único
agente (p. ex., propofol ou isoflurano).
ANESTÉSICO
Adjetivo que define o fármaco empregado para anestesiar o paciente, os equipa-
mentos e os aparelhos utilizados, bem como as demais condutas clínicas relaciona-
das ao ato anestésico, como, por exemplo, os exames pré-anestésicos. O termo “pré-
anestésico” pode ser utilizado para designar os procedimentos e os fármacos utili-
zados antes da indução anestésica. O termo “pré-anestesia” não é adequado, pois
indica uma “anestesia antes da anestesia”, o que é tecnicamente incorreto.
TRANQÜILIZAÇÃO OU NEUROLEPSE
Estado obtido com fármacos ou outras técnicas, como hipnose ou acupuntura,
em que o paciente permanece consciente, embora calmo, sem responder exagerada-
mente à manipulação. O animal tranqüilizado não deve ser submetido a procedi-
mentos dolorosos ou manipulado em excesso, pois a consciência não foi abolida e
Teoria e técnicas em anestesiologia veterinária | 13
um movimento repentino do paciente pode causar lesão a este ou aos profissio-
nais envolvidos no processo.
SEDAÇÃO
Estado semelhante à tranqüilização, embora com maior depressão do sistema
nervoso central, em que o animal está consciente e responde com menos intensida-
de à manipulação. No animal sedado com fármacos analgésicos, é possível a reali-
zação de procedimentos pouco dolorosos ou minimamente invasivos, como remo-
ção de suturas de pele, exames otoscópicos, exames radiográficos que não envolvam
administração parenteral de contrastes, entre outros.
HIPNOSE
Também chamada de sono artificial, porque pode ser induzida farmacologicamente
ou por meio de técnicas de auto-sugestão, no caso de humanos. Trata-se de um
estado característico da anestesia geral, pois o animal é induzido ao sono de forma
artificial.
NARCOSE
Estado de profunda sedação, em que o animal não está em sono artificial, mas
completamente desligado do ambiente que o cerca. Trata-se de uma condição
característica produzida por analgésicos narcóticos em cães e em casos de intoxica-
ção por gases como monóxido e dióxido de carbono.
ANALGESIA
Consiste em perda da percepção e ausência de reposta ao estímulo doloroso. Os
fármacos analgésicos produzem sua ação no sistema nervoso central, principal-
mente na medula espinal. Dessa forma, interrompem a transmissão do estímulo
doloroso ao córtex cerebral e inibem a resposta de regiões supra-espinais. A anal-
gesia é de extrema importância clínica quando ocorre um evento que provoca dor
e induz a estimulação espinal e cerebral. Os sistemas nervoso central e periférico
são capazes de moldarem-se (neuroplastia) e tornarem-se mais aptos a responder
ao estímulo doloroso. Esse fenômeno é o principal responsável pela ocorrência de
dor crônica em pessoas e animais.
ACINESIA
Consiste em perda do controle motor e ausência de movimento. Essa definição é
importante, pois a maior parte das técnicas anestésicas produz efeito acinético, o
14 | Cláudio C. Natalini
que é desejável, pois o paciente não deve apresentar movimento voluntário ou
involuntário sob anestesia.
NEUROLEPTO-ANALGESIA
Termo que descreve o estado de narcose associado com profunda analgesia. Na
neurolepto-analgesia, o paciente não reconhece estímulos dolorosos, embora não
seja possível a realização de procedimentos cirúrgicos maiores, tendo em vista
que o paciente ainda está consciente. Dessa forma, o relaxamento muscular ade-
quado não é obtido, tornando o procedimento cirúrgico inapropiado em animais
apenas submetidos a neurolepto-analgesia. A abolição da dor não confere por si
só condição própria para procedimentos cirúrgicos maiores.
CATALEPSIA
É um estado característico produzido por anestésicos dissociativos derivados da
fenciclidina (como a quetamina e a tiletamina). Ocorre rigidez muscular dos mem-
bros locomotores, e o animal em geral não responde à estimulação ou à manipu-
lação. Trata-se de um estado inadequado para cirurgia e para alguns procedimentos
diagnósticos, pois não ocorre relaxamento muscular.
ANESTESIA DISSOCIATIVA
Estado de anestesia geral em que o animal está dissociado do ambiente. Ocorre a
interrupção da neurotransmissão no nível talâmico, embora a atividade no nível
do córtex cerebral seja mantida. Em geral, o animal não responde a estímulos
dolorosos, mas continua consciente, e os reflexos protetores laríngeos, como a
tosse, e faríngeos, como a deglutição, estão presentes.
USOS DOS FÁRMACOS ANESTÉSICOS
E DAS TÉCNICAS DE ANESTESIA
As indicações para a utilização de técnicas anestésicas podem ser as seguintes:
• Contenção química
• Exames diagnósticos
• Manipulação de animais agressivos e espécies silvestres
• Cirurgias
• Controle de convulsões
• Eutanásia
Teoria e técnicas em anestesiologia veterinária | 15
VIAS DE ADMINISTRAÇÃO DOS ANESTÉSICOS
As principais vias de administração de fármacos anestésicos são:
• Intravenosa
• Intramuscular
• Inalatória
• Subcutânea
• Tópica
• Epidural
• Espinal (subaracnóide)
• Intra-óssea
ACESSO VENOSO E CATETERIZAÇÃO VENOSA
O acesso venoso é utilizado em anestesiologia para administração de fármacos
anestésicos, medicamentos para o período perioperatório (antibióticos, fluidos,
antiinflamatórios) e medicamentos em casos de emergência, como parada cardíaca
ou respiratória.
As veias utilizadas com mais freqüência são a cefálica e a safena (em pequenos
animais) e a jugular (em grandes animais). Em suínos e leporinos, ainda se utiliza
a veia marginal da orelha.
O acesso venoso poder ser realizado com uma agulha de calibre apropriado
para a espécie, um dispositivo venoso como o butterfly ou um cateter venoso. Exis-
tem vários calibres e tipos de cateteres disponíveis. A grande vantagem do cateter
plástico está no fato de o dispositivo não se deslocar quando instalado e poder ser
mantido por longos períodos para posterior terapia de suporte (fluidos e antibióti-
cos). Os dispositivos do tipo agulha hipodérmica e butterfly podem lacerar o vaso
sangüíneo. A regra para a instalação de um cateter venoso ou para a punção
venosa consiste em tricotomia da região, anti-sepsia com álcool para os casos de
punção simples ou de cateteres que ficarão instalados por curto período, ou com
iodo-povidona e álcool para a instalação de um cateter de uso prolongado, por
mais de quatro horas.
Acesso venoso periférico
O acesso venoso pode ser realizado com agulhas, dispositivos intravenosos, também
conhecidos como butterfly, ou com cateteres intravenosos de material plástico. A
vantagem dos cateteres é que, por serem fabricados com plásticos de vários tipos,
como teflon, náilon e outros, o risco de ruptura vascular é menor, e podem ser
mantidos instalados por várias horas ou dias. O acesso venoso periférico é realizado
em vasos da circulação periférica, tais como as veias cefálica e safena, em pequenos
16 | Cláudio C. Natalini
animais e pequenos ruminantes, e as veias mamárias e auriculares, em bovinos e
suínos. Em algumas situações, a veia safena ou cefálica também pode ser acessada
em animais de grande porte (caso quantidades maiores de fluido sejam necessá-
rias, como nas cólicas em eqüinos ou em torções e deslocamentos gástricos em
bovinos).
Punção e cateterização venosa periférica (Fig. 1.1a-i)
Observar o posicionamento das mãos do auxiliar na figura a seguir. O cotovelo do
animal deve estar bem estabilizado pela mão do auxiliar, o qual, com a outra mão,
segura firmemente a cabeça do animal. Então, com o polegar da mão que apóia o
cotovelo do animal, realizar o garrote para engurgitar a veia cefálica.
d1c
ba
Figura 1.1
(a) Agulhas para punção venosa.
(b) Butterfly ou dipositivo intravenoso.
(c) Cateteres venosos.
(d) Punção venosa periférica no cão.
Teoria e técnicas em anestesiologia veterinária | 17
fe
hg
i
Figura 1.1 (continuação)
(e) Cateterização venosa periférica no cão.
(f) Cateterização venosa periférica no cão.
(g) Cateterizaçãovenosaperiféricaemcoelhos.
(h) Cateterização venosa periférica no rato.
(i) Cateterizaçãovenosaperiféricaemiguanas.
d3d2
18 | Cláudio C. Natalini
De preferência, a tricotomia deve ser realizada com máquina a fim de evitar
cortes, sangramento ou lacerações na pele. Após esse procedimento, deve-se fazer
a anti-sepsia com germicidas.
Cateterização venosa central no cão
A cateterização venosa cental (jugular) no cão é indicada em casos de necessidade
de monitoração do retorno venoso para o coração. Pode ser utilizada em casos de
fluidoterapia agressiva em animais sob choque e em casos de parada cardiorres-
piratória. Observar, na Figura 1.2, a coluna de água utilizada para a determinação
da pressão venosa central.
Figura 1.2
Cateterização venosa central (jugular) no cão.
Cateterização venosa em grandes animais
Na cateterização venosa central (jugular) no eqüino (Fig. 1.3a), deve-se observar
o correto posicionamento do cateter, que deve estar direcionado no sentido do
fluxo sangüíneo para evitar o preenchimento com sangue e obstrução. Recomenda-
se fixar o cateter à pele do animal mediante sutura não-absorvível.
A cateterização venosa no suíno e nos ruminantes pode ser realizada na veia
marginal da orelha, que é facilmente visualizada nas raças de pele clara ou na
veia jugular. A cateterização jugular em suínos requer anestesia geral e dissecação
cirúrgica da região. Pode-se realizar a punção jugular transcutânea com agulha
longa, mas uma cateterização como essa não é recomendada.
Teoria e técnicas em anestesiologia veterinária | 19
Acessos intra-ósseo e venoso em aves
A via intra-óssea é indicada principalmente para animais pequenos, nos quais se
encontra maior dificuldade de obtenção do acesso venoso. Essa via é adequada
para fluidoterapia e manutenção da anestesia desde que haja um único ponto de
punção, evitando, assim, o extravasamento do fármaco por outros orifícios. As
contra-indicações da técnica incluem ossos pneumáticos, septicemia, alterações
esqueléticas, infecções e feridas na pele e abscessos e fraturas recentes no osso a
ser utilizado.
O local mais adequado para a manutenção da agulha intra-óssea é a porção
distal da ulna. A técnica é eficaz, segura, prática e pode ser realizada rapidamente.
As penas da articulação carpo-radioulnar devem ser removidas; além disso, deve-
se fazer a anti-sepsia do local. Posiciona-se a agulha no centro da porção distal da
ulna, paralela ao plano médio deste osso (Fig. 1.4a–c). A porção cortical é perfurada
por meio de pressão e leve movimento de rotação da agulha e, após a perda da
resistência, deve-se introduzir a mesma, em todo o seu comprimento, no interior
ba
Figura 1.3
(a) Cateterização venosa central no eqüino.
(b, c, d) Cateterização venosa no suíno.
dc
20 | Cláudio C. Natalini
do canal medular. A comprovação de um acesso adequado pode ser obtida por
aspiração da medula óssea, perda de resistência na administração do fluido ou do
anestésico, leve movimento da agulha e palpação simultânea da ulna (na tentativa
de identificar perfuração e saída da mesma através da região cortical do osso) ou
radiografia. A colocação de um cateter intra-ósseo também é possível utilizando-
se a mesma técnica. O acesso venoso em aves pode ser realizado na asa, na veia
radial ou cefálica (Figs. 1.5 e 1.6).
AVALIAÇÃO DO PACIENTE ANTES DO PROCEDIMENTO ANESTÉSICO
Uma avaliação clínica apropriada do paciente se faz necessária antes da administra-
ção de fármacos anestésicos. O cliente ou proprietário do animal deve ser informado
Figura 1.4
(a) Agulha hipodérmica posicionada no centro da porção distal da ulna, paralelamente ao plano
médio do osso.
(b) Confirmação do acesso intra-ósseo por meio da aspiração da medula óssea.
(c) Confirmação do acesso intra-ósseo por meio da ausência de resistência à injeção.
ba
c
Teoria e técnicas em anestesiologia veterinária | 21
dos riscos que a anestesia envolve, sendo recomendado que se assine um termo
de autorização para o profissional proceder à anestesia. Na autorização, deve cons-
tar claramente que o cliente está a par dos riscos anestésicos e permite o procedi-
mento em seu animal. Mesmo diante de técnicas e fármacos mais seguros, a falta
de uma acurada avaliação clínica do paciente pode gerar complicações que pode-
riam ser facilmente evitadas. Muitos fatores estão envolvidos na avaliação do
paciente e na conseqüente seleção das técnicas e dos fármacos anestésicos mais
apropriados. O exame inicial deve começar com uma avaliação física e com a
história clínica do paciente. Para tanto, uma anamnese abrangente deve ser reali-
zada, procurando obter do cliente a mais completa e acurada informação sobre o
animal, principalmente no que se refere aos sistemas cardiovascular, respiratório,
renal e hepático. Informações sobre episódios anestésicos anteriores também são
Figura 1.6
Acessovenosoperiféricoeadminis-
tração de fluido com auxílio de se-
ringa de infusão em uma arara.
Figura 1.5
Acesso venoso periférico em aves.
22 | Cláudio C. Natalini
valiosas. Os resultados dos exames físicos de ausculta cardíaca e pulmonar, inspe-
ção de coloração de mucosas, estado nutricional, bem como as informações obtidas
do proprietário, ditam a necessidade ou não de exames especializados, como pa-
tologia clínica, por exemplo.
OUTROS FATORES IMPORTANTES
Outros fatores são importantes na seleção da técnica anestésica, como espécie
animal, raça, idade, sexo, peso corporal, temperamento do animal, tipo de procedi-
mento a ser realizado (cirúrgico ou diagnóstico), anestésicos e equipamentos dispo-
níveis e experiência profissional.
A raça do animal tem importância, como no caso da raça Dobermann Pinscher,
que freqüentemente apresenta problemas de coagulação pela deficiência do fator
de von Willebrand. Nesses casos, o animal deve ser tratado com acetato de des-
mopressina por via intravenosa (IV) ou intranasal 30 a 50 minutos antes do proce-
dimento cirúrgico. O tempo de sangramento da mucosa oral deve ser avaliado
antes da indução anestésica e deve ser inferior a três minutos. Schnauzers minia-
tura, em especial as fêmeas, não raramente apresentam arritmias cardíacas, o
que requer uma atenciosa ausculta e a realização de um ECG. Cães da raça
Greyhound ou outros galgos não devem ser anestesiados com tiobarbitúricos,
pois são mais suscetíveis a complicações anestésicas com estes fármacos, tais como
recuperação prolongada e excitação durante a recuperação. Já os da raça Boxer
são mais suscetíveis aos efeitos dos derivados fenotiazínicos, e as doses utilizadas
devem ser as mínimas necessárias para a obtenção do efeito tranqüilizante deseja-
do. As raças braquicefálicas, como o Buldogue e o Pug, com freqüência apresentam
obstruções anatômicas das vias aéreas superiores. Nesses animais, o uso de fár-
macos pré-anestésicos depressores da função respiratória, como os derivados opiói-
des, merece extrema atenção. É comum os animais braquicefálicos precisarem
receber oxigênio via máscara antes da indução anestésica, que deve ser obtida
com fármaco de efeito rápido, como os tiobarbitúricos ou o propofol; além disso,
a intubação traqueal deve ser procedida o mais rápido possível.
Outro fator a ser observado é a utilização de medicamentos antes ou durante a
anestesia. Antibióticos aminoglicosídeos (gentamicina, neomicina) podem causar
bloqueio neuromuscular. Quando associados a anestésicos voláteis (inalatórios),
podem causar depressão respiratória acentuada. Gentamicina em altas doses ou
utilizada por períodos prolongados pode causar insuficiência renal, e pacientes
que receberam esse medicamento devem ter a função renal avaliada. Barbitúricos
utilizados para tratar convulsões, como fenobarbital, devem ser mantidos, embora
possam induzir a produção de enzimas hepáticas que metabolizam esses fármacos,
o que exige doses maiores de tiobarbitúricos (tiopental sódico) para indução anes-
tésica. O uso de corticosteróides por mais de dois dias deprime a liberação de
hormônios adrenocorticotróficos (ACTH), reduzindo a capacidade do organismo
Teoria e técnicas em anestesiologia veterinária | 23
de reagir ao estresse imposto pela anestesia e pelas cirurgias. Os animais tratados
com corticosteróides devem receber hidrocortisona ou dexametasona IV antes da
anestesia.
As condições nutricionais do paciente podem interferir na anestesia, porque
animais muito obesos em geral têm algum grau de insuficiência cardíaca e podem
apresentar dificuldades ventilatórias, principalmente quando posicionados em
decúbito dorsal. Aqueles com peso corporal e percentual de gordura abaixo do
normal têm menor volume para distribuição dos anestésicos; como conseqüência,
maior concentração anestésica sangüínea será produzida para uma mesma dose,
com maiores riscos de efeito adverso.
A seqüência de procedimentos que deve ser realizada para uma adequada ava-
liação do paciente submetido à anestesia está resumida no Quadro 1.1.
EXAMES LABORATORIAIS E COMPLEMENTARES UTILIZADOS
PARA A AVALIAÇÃO DO PACIENTE ANESTÉSICO
Se houver necessidade de exames complementares de patologia clínica ou outros,
o ideal é que estes sejam recentes, com, no máximo, sete dias de antecedência, e,
em alguns casos, com menos de 24 horas. Resultados de exames como gases
sangüíneos, hematócrito e proteínas totais plasmáticas podem alterar-se rapida-
Quadro 1.1
AVALIAÇÃO DO PACIENTE PARA A SELEÇÃO DA TÉCNICA ANESTÉSICA
Resenha
Espécie Idade
Raça Sexo
História clínica
Afecção médica ou cirúrgica Envolvimento de orgãos vitais
Tempo de evolução da doença Medicação recente ou atual
Sinais e sintomas Anestesias prévias
Exame físico
Peso corporal (kg) Palpação abdominal
Estado físico (nutrição, hidratação) Avaliação neurológica
Sistema cardiovascular Sistema locomotor
Sistema respiratório Tegumento
24 | Cláudio C. Natalini
mente, em especial nos casos de afecções agudas. Alguns exames laboratoriais
podem ser indicados de acordo com a idade do animal e seu estado clínico (hígido
ou doente), podendo ser agrupados como mostra o Quadro 1.2.
EXAMES COMPLEMENTARES
Alguns exames complementares podem ser indicados antes do procedimento anes-
tésico, principalmente para pacientes portadores de afecções cardiovasculares e
respiratórias e para os geriátricos ou traumatizados. Exames de eletrocardiograma
(ECG), pressão arterial, ultra-sonografia (US), radiologia e ecocardiograma podem
identificar lesões específicas, como alterações anatômicas cardíacas, arritmias car-
díacas, obstruções vasculares e gastrintestinais e hiper ou hipotensão arterial. O
Quadro 1.5 apresenta um resumo das indicações de exames de acordo com a
afecção apresentada pelo paciente.
Quadro 1.2
EXAMES LABORATORIAIS INDICADOS POR ESTADO CLÍNICO E IDADE DO PACIENTE
Estado clínico Exames
Hígido com menos de 5 anos de idade 1. Hemograma
2. Proteínas totais plasmáticas
3. Uréia sangüínea
4. Creatinina sangüínea
5. Alamina transaminase (ALT)
Animais com mais de 5anos de idade ou doença 1 . Hemograma completo
moderada sem risco imediato 2. Uréia sangüínea
3. Creatinina sangüínea
4. Glicose sangüínea
5. Alamina transaminase (ALT)
6. Eletrólitos (Na+
, Ca++
, K+
, Cl–
)
Doença grave com risco imediato 1. Todos os anteriores
2. Análise de gases sangüíneos
3. Exames específicos (coagulação,
cortisol, hormônios, etc.)
Teoria e técnicas em anestesiologia veterinária | 25
CLASSIFICAÇÃO DO PACIENTE – ESTADO FÍSICO
Após a realização dos exames físico e clínico e a obtenção e interpretação dos
exames laboratoriais, o paciente deve ser enquadrado em um dos estados físicos
estabelecidos pela classificação da American Society of Anesthesiology (ASA). O
Quadro 1.3 apresenta a relação dos estados físicos e a classificação que o paciente
vai obter após a realização dos exames. Tal classificação é importante, pois indica
o risco anestésico a que o paciente será submetido. Trata-se de um indicador
rápido acerca dos riscos anestésicos de determinado paciente.
PREPARAÇÃO DO PACIENTE
O paciente a ser anestesiado deve ser preparado com cuidado a fim de se prevenir
complicações.
Quadro 1.3
CLASSIFICAÇÃO DO ESTADO FÍSICO (ASA)
Estado físico Condição do paciente
Estado físico 1 Normal, hígido
Estado físico 2 Doença sistêmica compensada (p. ex., infecções
urinárias em tratamento)
Estado físico 3 Doença sistêmica moderada parcialmente
compensada (p. ex., insuficiência cardíaca em
tratamento, embora o animal apresente sinais clínicos)
Estado físico 4 Doença sistêmica grave não-compensada, constituindo risco
de vida constante ao paciente (p. ex., dilatação/torção gástrica)
Estado físico 5 Animal com risco de morte iminente, com poucas chances de
sobrevivência (p. ex., hemorragias agudas graves)
Categoria “E” Utilizada nos casos em que a intervenção anestésico-
(Emergência) cirúrgica deve ser imediata. Aplica-se a qualquer estado físico.
Assim, um animal pode ser tanto 1E quanto 5E (p. ex., um cão
com laceração de córnea sem nenhum outro problema médico
seria 1E. Um eqüino em estado de choque devido a uma
ruptura intestinal seria 5E. Ambos os animais necessitam de
intervenção anestésico-cirúrgica imediata)
26 | Cláudio C. Natalini
• Hospitalização: De preferência, o animal deve ser hospitalizado na noite ante-
rior ao procedimento anestésico-cirúrgico. Isso lhe dá chances de se aclimatar
ao ambiente hospitalar de forma gradativa e proporciona ao anestesiologista
a chance de melhor avaliação, além de instituir qualquer terapia necessária,
como, por exemplo, hidratação em animais desidratados ou transfusão san-
güínea em animais anêmicos.
• Jejum: Seu objetivo é evitar vômito e possível aspiração de conteúdos gástricos,
que podem levar a uma pneumonia grave. O jejum deve ser instituído sempre
que possível em animais que serão submetidos à anestesia geral e, em alguns
casos, à anestesia local ou regional, como laparotomias pelo flanco em rumi-
nantes. O Quadro 1.4 apresenta o tempo em horas recomendado para jejum
nas diferentes espécies domésticas. O tempo de jejum para as espécies silves-
tres e exóticas pode ser o mesmo utilizado para as espécies domésticas.
Ressalta-se que, em filhotes e nas espécies de metabolismo elevado, como
aves e pequenos roedores, o jejum deve ser evitado devido ao risco de hipo-
glicemia. Se o jejum for absolutamente necessário, deve-se monitorar a gli-
cose sangüínea e, se indicado, administrar solução de dextrose ou glicose
de 1 a 2,5% até que os valores de glicemia estejam dentro da variação normal
para a espécie.
• Estabilização do paciente: O paciente a ser anestesiado deve ser adequadamente
estabilizado antes de receber fármacos anestésicos. O profissional precisa
ter em mente que os anestésicos têm potencial para produzir alterações
fisiológicas importantes, tais como hipotensão, bradicardia, taquicardia e
Quadro 1.4
TEMPO DE JEJUM PRÉVIO À ANESTESIA EM ESPÉCIES DOMÉSTICAS
Espécie Tempo
Pequenos animais De 8 a 12 horas para sólidos
De 1 a 2 horas para líquidos
Eqüinos De 12 horas para sólidos
De 1 a 2 horas para líquidos
Bovinos De 24 a 48 horas para sólidos
De 12 a 24 horas para líquidos
Ovinos e caprinos De 24 horas para sólidos
De 12 horas para líquidos
Teoria e técnicas em anestesiologia veterinária | 27
Quadro1.5
EXAMESRECOMENDADOSDEACORDOCOMOQUADROCLÍNICO(VERMONITORAÇÃODOPACIENTEANESTESIADO)
CondiçãoHistóriaFísicoHt+PPTUréiaECGFunçãoGlicemiaEletrólitosCoagulaçãoRaioX
Creat.hepática
<12semanasXXXX
AdultohígidoXXX
GeriátricoXXXXXX
DesidratadoXXXXXX
DoençaGIXXXX
CardiopatiaXXXXXXX
InsuficiênciarespiratóriaXXXX
NefropatiasXXXXX
HepatopatiasXXXXXXXX
TerapiacomesteróidesXXXXXX
ouAINEs
DiabetemelitoXXXXXXX
DoençasdoSNCXXXXXXX
TraumaXXXXX
DiátesehemorrágicaXXXXX
28 | Cláudio C. Natalini
hipoxia. Assim, cuidados relacionados com hidratação do animal, transfusões
sangüíneas quando o hematócrito for inferior a 20%, antibioticoterapia pre-
ventiva, controle da temperatura corporal e controle da dor e terapia de
apoio em animais politraumatizados ou sofrendo de afecções mais graves
devem ser instituídos antes do uso de técnicas anestésicas, principalmente
em casos de anestesia geral. Pacientes que deverão ser submetidos à anestesia
local também devem receber cuidados prévios a esse procedimento, pois,
em algumas situações, como infecções no local de administração dos anesté-
sicos e hipotensão arterial, podem ser contra-indicações para o uso de técni-
cas como anestesia epidural ou bloqueios locais. O Quadro 1.5 relaciona as
diversas condições clínicas encontradas com freqüência em animais que
necessitam de anestesia geral, bem como os exames recomendados para a
avaliação desses pacientes.

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  • 1. Teoria e técnicas em anestesiologia veterinária | 11 C A P Í T U L O 1 INTRODUÇÃO À ANESTESIOLOGIA VETERINÁRIA TERMINOLOGIA UTILIZADA EM ANESTESIOLOGIA ANESTESIOLOGIA É o termo utilizado para descrever o estudo dos fármacos e das técnicas empregadas para a obtenção do estado anestésico. A anestesiologia se ocupa também de todo conhecimento necessário para o entendimento e a correção das alterações fisiológi- cas ocorridas antes, durante e após o procedimento anestésico. Deve ser diferencia- da de anestesia, que significa o ato anestésico em si. A anestesiologia veterinária foi criada na Inglaterra, em 1846, logo após a demonstração do uso do éter em humanos pelo odontologista inglês Morton no mesmo ano. Desde então, as técnicas e as drogas anestésicas utilizadas em animais acompanham a evolução da anes- tesiologia em humanos. ANESTESIA Anestesia é a obtenção de um estado reversível de não-reconhecimento do estímulo doloroso pelo córtex cerebral, podendo ser localizada ou geral em estado inconscien- te. Cabe lembrar que o estado de inconsciência não implica, obrigatoriamente, a ocorrência de anestesia apropriada para determinados procedimentos cirúrgicos. Esta é produzida mediante o uso de fármacos anestésicos que deprimem o sistema nervoso central ou periférico. Assim, os fármacos anestésicos desejáveis são aqueles que produzem seu efeito farmacológico com a menor freqüência possível de efeitos adversos. A obtenção do estado anestésico pode envolver a associação de diversas técnicas e agentes. ANESTESIA CLÍNICA Refere-se à utilização de técnicas, equipamentos e conhecimentos de várias discipli- nas correlatas para a realização da anestesia em pacientes da rotina clínica anes-
  • 2. 12 | Cláudio C. Natalini tésica. A responsabilidade da anestesia clínica deverá ser sempre de um médico veterinário legalmente responsável pelo caso clínico e certificado ou habilitado em anestesiologia veterinária. A anestesia clínica pode ser realizada por aluno, enfermeiro ou médico veterinário não-especializado, desde que sob orientação e supervisão de um médico veterinário anestesiologista. ANESTESIA LOCAL Compreende a administração local de um ou mais agentes anestésicos com o objetivo de produzir anestesia de uma parte localizada do organismo. Quando utilizada isoladamente, não envolve inconsciência. ANESTESIA REGIONAL Compreende o bloqueio anestésico de uma parte localizada do organismo à seme- lhança da anestesia local, embora seu objetivo seja o de anestesiar um tronco nervoso e produzir anestesia de uma área maior do organismo. De forma semelhan- te à anestesia local, quando utilizada isoladamente, não envolve inconsciência. ANESTESIA GERAL Significa perda total e reversível da consciência e ausência de reconhecimento do estímulo doloroso ou de resposta à manipulação diagnóstica. A anestesia geral pode ser obtida com fármacos injetáveis ou inalatórios. Além disso, envolve a combinação de mais de um fármaco, ainda que seja possível o uso de um único agente (p. ex., propofol ou isoflurano). ANESTÉSICO Adjetivo que define o fármaco empregado para anestesiar o paciente, os equipa- mentos e os aparelhos utilizados, bem como as demais condutas clínicas relaciona- das ao ato anestésico, como, por exemplo, os exames pré-anestésicos. O termo “pré- anestésico” pode ser utilizado para designar os procedimentos e os fármacos utili- zados antes da indução anestésica. O termo “pré-anestesia” não é adequado, pois indica uma “anestesia antes da anestesia”, o que é tecnicamente incorreto. TRANQÜILIZAÇÃO OU NEUROLEPSE Estado obtido com fármacos ou outras técnicas, como hipnose ou acupuntura, em que o paciente permanece consciente, embora calmo, sem responder exagerada- mente à manipulação. O animal tranqüilizado não deve ser submetido a procedi- mentos dolorosos ou manipulado em excesso, pois a consciência não foi abolida e
  • 3. Teoria e técnicas em anestesiologia veterinária | 13 um movimento repentino do paciente pode causar lesão a este ou aos profissio- nais envolvidos no processo. SEDAÇÃO Estado semelhante à tranqüilização, embora com maior depressão do sistema nervoso central, em que o animal está consciente e responde com menos intensida- de à manipulação. No animal sedado com fármacos analgésicos, é possível a reali- zação de procedimentos pouco dolorosos ou minimamente invasivos, como remo- ção de suturas de pele, exames otoscópicos, exames radiográficos que não envolvam administração parenteral de contrastes, entre outros. HIPNOSE Também chamada de sono artificial, porque pode ser induzida farmacologicamente ou por meio de técnicas de auto-sugestão, no caso de humanos. Trata-se de um estado característico da anestesia geral, pois o animal é induzido ao sono de forma artificial. NARCOSE Estado de profunda sedação, em que o animal não está em sono artificial, mas completamente desligado do ambiente que o cerca. Trata-se de uma condição característica produzida por analgésicos narcóticos em cães e em casos de intoxica- ção por gases como monóxido e dióxido de carbono. ANALGESIA Consiste em perda da percepção e ausência de reposta ao estímulo doloroso. Os fármacos analgésicos produzem sua ação no sistema nervoso central, principal- mente na medula espinal. Dessa forma, interrompem a transmissão do estímulo doloroso ao córtex cerebral e inibem a resposta de regiões supra-espinais. A anal- gesia é de extrema importância clínica quando ocorre um evento que provoca dor e induz a estimulação espinal e cerebral. Os sistemas nervoso central e periférico são capazes de moldarem-se (neuroplastia) e tornarem-se mais aptos a responder ao estímulo doloroso. Esse fenômeno é o principal responsável pela ocorrência de dor crônica em pessoas e animais. ACINESIA Consiste em perda do controle motor e ausência de movimento. Essa definição é importante, pois a maior parte das técnicas anestésicas produz efeito acinético, o
  • 4. 14 | Cláudio C. Natalini que é desejável, pois o paciente não deve apresentar movimento voluntário ou involuntário sob anestesia. NEUROLEPTO-ANALGESIA Termo que descreve o estado de narcose associado com profunda analgesia. Na neurolepto-analgesia, o paciente não reconhece estímulos dolorosos, embora não seja possível a realização de procedimentos cirúrgicos maiores, tendo em vista que o paciente ainda está consciente. Dessa forma, o relaxamento muscular ade- quado não é obtido, tornando o procedimento cirúrgico inapropiado em animais apenas submetidos a neurolepto-analgesia. A abolição da dor não confere por si só condição própria para procedimentos cirúrgicos maiores. CATALEPSIA É um estado característico produzido por anestésicos dissociativos derivados da fenciclidina (como a quetamina e a tiletamina). Ocorre rigidez muscular dos mem- bros locomotores, e o animal em geral não responde à estimulação ou à manipu- lação. Trata-se de um estado inadequado para cirurgia e para alguns procedimentos diagnósticos, pois não ocorre relaxamento muscular. ANESTESIA DISSOCIATIVA Estado de anestesia geral em que o animal está dissociado do ambiente. Ocorre a interrupção da neurotransmissão no nível talâmico, embora a atividade no nível do córtex cerebral seja mantida. Em geral, o animal não responde a estímulos dolorosos, mas continua consciente, e os reflexos protetores laríngeos, como a tosse, e faríngeos, como a deglutição, estão presentes. USOS DOS FÁRMACOS ANESTÉSICOS E DAS TÉCNICAS DE ANESTESIA As indicações para a utilização de técnicas anestésicas podem ser as seguintes: • Contenção química • Exames diagnósticos • Manipulação de animais agressivos e espécies silvestres • Cirurgias • Controle de convulsões • Eutanásia
  • 5. Teoria e técnicas em anestesiologia veterinária | 15 VIAS DE ADMINISTRAÇÃO DOS ANESTÉSICOS As principais vias de administração de fármacos anestésicos são: • Intravenosa • Intramuscular • Inalatória • Subcutânea • Tópica • Epidural • Espinal (subaracnóide) • Intra-óssea ACESSO VENOSO E CATETERIZAÇÃO VENOSA O acesso venoso é utilizado em anestesiologia para administração de fármacos anestésicos, medicamentos para o período perioperatório (antibióticos, fluidos, antiinflamatórios) e medicamentos em casos de emergência, como parada cardíaca ou respiratória. As veias utilizadas com mais freqüência são a cefálica e a safena (em pequenos animais) e a jugular (em grandes animais). Em suínos e leporinos, ainda se utiliza a veia marginal da orelha. O acesso venoso poder ser realizado com uma agulha de calibre apropriado para a espécie, um dispositivo venoso como o butterfly ou um cateter venoso. Exis- tem vários calibres e tipos de cateteres disponíveis. A grande vantagem do cateter plástico está no fato de o dispositivo não se deslocar quando instalado e poder ser mantido por longos períodos para posterior terapia de suporte (fluidos e antibióti- cos). Os dispositivos do tipo agulha hipodérmica e butterfly podem lacerar o vaso sangüíneo. A regra para a instalação de um cateter venoso ou para a punção venosa consiste em tricotomia da região, anti-sepsia com álcool para os casos de punção simples ou de cateteres que ficarão instalados por curto período, ou com iodo-povidona e álcool para a instalação de um cateter de uso prolongado, por mais de quatro horas. Acesso venoso periférico O acesso venoso pode ser realizado com agulhas, dispositivos intravenosos, também conhecidos como butterfly, ou com cateteres intravenosos de material plástico. A vantagem dos cateteres é que, por serem fabricados com plásticos de vários tipos, como teflon, náilon e outros, o risco de ruptura vascular é menor, e podem ser mantidos instalados por várias horas ou dias. O acesso venoso periférico é realizado em vasos da circulação periférica, tais como as veias cefálica e safena, em pequenos
  • 6. 16 | Cláudio C. Natalini animais e pequenos ruminantes, e as veias mamárias e auriculares, em bovinos e suínos. Em algumas situações, a veia safena ou cefálica também pode ser acessada em animais de grande porte (caso quantidades maiores de fluido sejam necessá- rias, como nas cólicas em eqüinos ou em torções e deslocamentos gástricos em bovinos). Punção e cateterização venosa periférica (Fig. 1.1a-i) Observar o posicionamento das mãos do auxiliar na figura a seguir. O cotovelo do animal deve estar bem estabilizado pela mão do auxiliar, o qual, com a outra mão, segura firmemente a cabeça do animal. Então, com o polegar da mão que apóia o cotovelo do animal, realizar o garrote para engurgitar a veia cefálica. d1c ba Figura 1.1 (a) Agulhas para punção venosa. (b) Butterfly ou dipositivo intravenoso. (c) Cateteres venosos. (d) Punção venosa periférica no cão.
  • 7. Teoria e técnicas em anestesiologia veterinária | 17 fe hg i Figura 1.1 (continuação) (e) Cateterização venosa periférica no cão. (f) Cateterização venosa periférica no cão. (g) Cateterizaçãovenosaperiféricaemcoelhos. (h) Cateterização venosa periférica no rato. (i) Cateterizaçãovenosaperiféricaemiguanas. d3d2
  • 8. 18 | Cláudio C. Natalini De preferência, a tricotomia deve ser realizada com máquina a fim de evitar cortes, sangramento ou lacerações na pele. Após esse procedimento, deve-se fazer a anti-sepsia com germicidas. Cateterização venosa central no cão A cateterização venosa cental (jugular) no cão é indicada em casos de necessidade de monitoração do retorno venoso para o coração. Pode ser utilizada em casos de fluidoterapia agressiva em animais sob choque e em casos de parada cardiorres- piratória. Observar, na Figura 1.2, a coluna de água utilizada para a determinação da pressão venosa central. Figura 1.2 Cateterização venosa central (jugular) no cão. Cateterização venosa em grandes animais Na cateterização venosa central (jugular) no eqüino (Fig. 1.3a), deve-se observar o correto posicionamento do cateter, que deve estar direcionado no sentido do fluxo sangüíneo para evitar o preenchimento com sangue e obstrução. Recomenda- se fixar o cateter à pele do animal mediante sutura não-absorvível. A cateterização venosa no suíno e nos ruminantes pode ser realizada na veia marginal da orelha, que é facilmente visualizada nas raças de pele clara ou na veia jugular. A cateterização jugular em suínos requer anestesia geral e dissecação cirúrgica da região. Pode-se realizar a punção jugular transcutânea com agulha longa, mas uma cateterização como essa não é recomendada.
  • 9. Teoria e técnicas em anestesiologia veterinária | 19 Acessos intra-ósseo e venoso em aves A via intra-óssea é indicada principalmente para animais pequenos, nos quais se encontra maior dificuldade de obtenção do acesso venoso. Essa via é adequada para fluidoterapia e manutenção da anestesia desde que haja um único ponto de punção, evitando, assim, o extravasamento do fármaco por outros orifícios. As contra-indicações da técnica incluem ossos pneumáticos, septicemia, alterações esqueléticas, infecções e feridas na pele e abscessos e fraturas recentes no osso a ser utilizado. O local mais adequado para a manutenção da agulha intra-óssea é a porção distal da ulna. A técnica é eficaz, segura, prática e pode ser realizada rapidamente. As penas da articulação carpo-radioulnar devem ser removidas; além disso, deve- se fazer a anti-sepsia do local. Posiciona-se a agulha no centro da porção distal da ulna, paralela ao plano médio deste osso (Fig. 1.4a–c). A porção cortical é perfurada por meio de pressão e leve movimento de rotação da agulha e, após a perda da resistência, deve-se introduzir a mesma, em todo o seu comprimento, no interior ba Figura 1.3 (a) Cateterização venosa central no eqüino. (b, c, d) Cateterização venosa no suíno. dc
  • 10. 20 | Cláudio C. Natalini do canal medular. A comprovação de um acesso adequado pode ser obtida por aspiração da medula óssea, perda de resistência na administração do fluido ou do anestésico, leve movimento da agulha e palpação simultânea da ulna (na tentativa de identificar perfuração e saída da mesma através da região cortical do osso) ou radiografia. A colocação de um cateter intra-ósseo também é possível utilizando- se a mesma técnica. O acesso venoso em aves pode ser realizado na asa, na veia radial ou cefálica (Figs. 1.5 e 1.6). AVALIAÇÃO DO PACIENTE ANTES DO PROCEDIMENTO ANESTÉSICO Uma avaliação clínica apropriada do paciente se faz necessária antes da administra- ção de fármacos anestésicos. O cliente ou proprietário do animal deve ser informado Figura 1.4 (a) Agulha hipodérmica posicionada no centro da porção distal da ulna, paralelamente ao plano médio do osso. (b) Confirmação do acesso intra-ósseo por meio da aspiração da medula óssea. (c) Confirmação do acesso intra-ósseo por meio da ausência de resistência à injeção. ba c
  • 11. Teoria e técnicas em anestesiologia veterinária | 21 dos riscos que a anestesia envolve, sendo recomendado que se assine um termo de autorização para o profissional proceder à anestesia. Na autorização, deve cons- tar claramente que o cliente está a par dos riscos anestésicos e permite o procedi- mento em seu animal. Mesmo diante de técnicas e fármacos mais seguros, a falta de uma acurada avaliação clínica do paciente pode gerar complicações que pode- riam ser facilmente evitadas. Muitos fatores estão envolvidos na avaliação do paciente e na conseqüente seleção das técnicas e dos fármacos anestésicos mais apropriados. O exame inicial deve começar com uma avaliação física e com a história clínica do paciente. Para tanto, uma anamnese abrangente deve ser reali- zada, procurando obter do cliente a mais completa e acurada informação sobre o animal, principalmente no que se refere aos sistemas cardiovascular, respiratório, renal e hepático. Informações sobre episódios anestésicos anteriores também são Figura 1.6 Acessovenosoperiféricoeadminis- tração de fluido com auxílio de se- ringa de infusão em uma arara. Figura 1.5 Acesso venoso periférico em aves.
  • 12. 22 | Cláudio C. Natalini valiosas. Os resultados dos exames físicos de ausculta cardíaca e pulmonar, inspe- ção de coloração de mucosas, estado nutricional, bem como as informações obtidas do proprietário, ditam a necessidade ou não de exames especializados, como pa- tologia clínica, por exemplo. OUTROS FATORES IMPORTANTES Outros fatores são importantes na seleção da técnica anestésica, como espécie animal, raça, idade, sexo, peso corporal, temperamento do animal, tipo de procedi- mento a ser realizado (cirúrgico ou diagnóstico), anestésicos e equipamentos dispo- níveis e experiência profissional. A raça do animal tem importância, como no caso da raça Dobermann Pinscher, que freqüentemente apresenta problemas de coagulação pela deficiência do fator de von Willebrand. Nesses casos, o animal deve ser tratado com acetato de des- mopressina por via intravenosa (IV) ou intranasal 30 a 50 minutos antes do proce- dimento cirúrgico. O tempo de sangramento da mucosa oral deve ser avaliado antes da indução anestésica e deve ser inferior a três minutos. Schnauzers minia- tura, em especial as fêmeas, não raramente apresentam arritmias cardíacas, o que requer uma atenciosa ausculta e a realização de um ECG. Cães da raça Greyhound ou outros galgos não devem ser anestesiados com tiobarbitúricos, pois são mais suscetíveis a complicações anestésicas com estes fármacos, tais como recuperação prolongada e excitação durante a recuperação. Já os da raça Boxer são mais suscetíveis aos efeitos dos derivados fenotiazínicos, e as doses utilizadas devem ser as mínimas necessárias para a obtenção do efeito tranqüilizante deseja- do. As raças braquicefálicas, como o Buldogue e o Pug, com freqüência apresentam obstruções anatômicas das vias aéreas superiores. Nesses animais, o uso de fár- macos pré-anestésicos depressores da função respiratória, como os derivados opiói- des, merece extrema atenção. É comum os animais braquicefálicos precisarem receber oxigênio via máscara antes da indução anestésica, que deve ser obtida com fármaco de efeito rápido, como os tiobarbitúricos ou o propofol; além disso, a intubação traqueal deve ser procedida o mais rápido possível. Outro fator a ser observado é a utilização de medicamentos antes ou durante a anestesia. Antibióticos aminoglicosídeos (gentamicina, neomicina) podem causar bloqueio neuromuscular. Quando associados a anestésicos voláteis (inalatórios), podem causar depressão respiratória acentuada. Gentamicina em altas doses ou utilizada por períodos prolongados pode causar insuficiência renal, e pacientes que receberam esse medicamento devem ter a função renal avaliada. Barbitúricos utilizados para tratar convulsões, como fenobarbital, devem ser mantidos, embora possam induzir a produção de enzimas hepáticas que metabolizam esses fármacos, o que exige doses maiores de tiobarbitúricos (tiopental sódico) para indução anes- tésica. O uso de corticosteróides por mais de dois dias deprime a liberação de hormônios adrenocorticotróficos (ACTH), reduzindo a capacidade do organismo
  • 13. Teoria e técnicas em anestesiologia veterinária | 23 de reagir ao estresse imposto pela anestesia e pelas cirurgias. Os animais tratados com corticosteróides devem receber hidrocortisona ou dexametasona IV antes da anestesia. As condições nutricionais do paciente podem interferir na anestesia, porque animais muito obesos em geral têm algum grau de insuficiência cardíaca e podem apresentar dificuldades ventilatórias, principalmente quando posicionados em decúbito dorsal. Aqueles com peso corporal e percentual de gordura abaixo do normal têm menor volume para distribuição dos anestésicos; como conseqüência, maior concentração anestésica sangüínea será produzida para uma mesma dose, com maiores riscos de efeito adverso. A seqüência de procedimentos que deve ser realizada para uma adequada ava- liação do paciente submetido à anestesia está resumida no Quadro 1.1. EXAMES LABORATORIAIS E COMPLEMENTARES UTILIZADOS PARA A AVALIAÇÃO DO PACIENTE ANESTÉSICO Se houver necessidade de exames complementares de patologia clínica ou outros, o ideal é que estes sejam recentes, com, no máximo, sete dias de antecedência, e, em alguns casos, com menos de 24 horas. Resultados de exames como gases sangüíneos, hematócrito e proteínas totais plasmáticas podem alterar-se rapida- Quadro 1.1 AVALIAÇÃO DO PACIENTE PARA A SELEÇÃO DA TÉCNICA ANESTÉSICA Resenha Espécie Idade Raça Sexo História clínica Afecção médica ou cirúrgica Envolvimento de orgãos vitais Tempo de evolução da doença Medicação recente ou atual Sinais e sintomas Anestesias prévias Exame físico Peso corporal (kg) Palpação abdominal Estado físico (nutrição, hidratação) Avaliação neurológica Sistema cardiovascular Sistema locomotor Sistema respiratório Tegumento
  • 14. 24 | Cláudio C. Natalini mente, em especial nos casos de afecções agudas. Alguns exames laboratoriais podem ser indicados de acordo com a idade do animal e seu estado clínico (hígido ou doente), podendo ser agrupados como mostra o Quadro 1.2. EXAMES COMPLEMENTARES Alguns exames complementares podem ser indicados antes do procedimento anes- tésico, principalmente para pacientes portadores de afecções cardiovasculares e respiratórias e para os geriátricos ou traumatizados. Exames de eletrocardiograma (ECG), pressão arterial, ultra-sonografia (US), radiologia e ecocardiograma podem identificar lesões específicas, como alterações anatômicas cardíacas, arritmias car- díacas, obstruções vasculares e gastrintestinais e hiper ou hipotensão arterial. O Quadro 1.5 apresenta um resumo das indicações de exames de acordo com a afecção apresentada pelo paciente. Quadro 1.2 EXAMES LABORATORIAIS INDICADOS POR ESTADO CLÍNICO E IDADE DO PACIENTE Estado clínico Exames Hígido com menos de 5 anos de idade 1. Hemograma 2. Proteínas totais plasmáticas 3. Uréia sangüínea 4. Creatinina sangüínea 5. Alamina transaminase (ALT) Animais com mais de 5anos de idade ou doença 1 . Hemograma completo moderada sem risco imediato 2. Uréia sangüínea 3. Creatinina sangüínea 4. Glicose sangüínea 5. Alamina transaminase (ALT) 6. Eletrólitos (Na+ , Ca++ , K+ , Cl– ) Doença grave com risco imediato 1. Todos os anteriores 2. Análise de gases sangüíneos 3. Exames específicos (coagulação, cortisol, hormônios, etc.)
  • 15. Teoria e técnicas em anestesiologia veterinária | 25 CLASSIFICAÇÃO DO PACIENTE – ESTADO FÍSICO Após a realização dos exames físico e clínico e a obtenção e interpretação dos exames laboratoriais, o paciente deve ser enquadrado em um dos estados físicos estabelecidos pela classificação da American Society of Anesthesiology (ASA). O Quadro 1.3 apresenta a relação dos estados físicos e a classificação que o paciente vai obter após a realização dos exames. Tal classificação é importante, pois indica o risco anestésico a que o paciente será submetido. Trata-se de um indicador rápido acerca dos riscos anestésicos de determinado paciente. PREPARAÇÃO DO PACIENTE O paciente a ser anestesiado deve ser preparado com cuidado a fim de se prevenir complicações. Quadro 1.3 CLASSIFICAÇÃO DO ESTADO FÍSICO (ASA) Estado físico Condição do paciente Estado físico 1 Normal, hígido Estado físico 2 Doença sistêmica compensada (p. ex., infecções urinárias em tratamento) Estado físico 3 Doença sistêmica moderada parcialmente compensada (p. ex., insuficiência cardíaca em tratamento, embora o animal apresente sinais clínicos) Estado físico 4 Doença sistêmica grave não-compensada, constituindo risco de vida constante ao paciente (p. ex., dilatação/torção gástrica) Estado físico 5 Animal com risco de morte iminente, com poucas chances de sobrevivência (p. ex., hemorragias agudas graves) Categoria “E” Utilizada nos casos em que a intervenção anestésico- (Emergência) cirúrgica deve ser imediata. Aplica-se a qualquer estado físico. Assim, um animal pode ser tanto 1E quanto 5E (p. ex., um cão com laceração de córnea sem nenhum outro problema médico seria 1E. Um eqüino em estado de choque devido a uma ruptura intestinal seria 5E. Ambos os animais necessitam de intervenção anestésico-cirúrgica imediata)
  • 16. 26 | Cláudio C. Natalini • Hospitalização: De preferência, o animal deve ser hospitalizado na noite ante- rior ao procedimento anestésico-cirúrgico. Isso lhe dá chances de se aclimatar ao ambiente hospitalar de forma gradativa e proporciona ao anestesiologista a chance de melhor avaliação, além de instituir qualquer terapia necessária, como, por exemplo, hidratação em animais desidratados ou transfusão san- güínea em animais anêmicos. • Jejum: Seu objetivo é evitar vômito e possível aspiração de conteúdos gástricos, que podem levar a uma pneumonia grave. O jejum deve ser instituído sempre que possível em animais que serão submetidos à anestesia geral e, em alguns casos, à anestesia local ou regional, como laparotomias pelo flanco em rumi- nantes. O Quadro 1.4 apresenta o tempo em horas recomendado para jejum nas diferentes espécies domésticas. O tempo de jejum para as espécies silves- tres e exóticas pode ser o mesmo utilizado para as espécies domésticas. Ressalta-se que, em filhotes e nas espécies de metabolismo elevado, como aves e pequenos roedores, o jejum deve ser evitado devido ao risco de hipo- glicemia. Se o jejum for absolutamente necessário, deve-se monitorar a gli- cose sangüínea e, se indicado, administrar solução de dextrose ou glicose de 1 a 2,5% até que os valores de glicemia estejam dentro da variação normal para a espécie. • Estabilização do paciente: O paciente a ser anestesiado deve ser adequadamente estabilizado antes de receber fármacos anestésicos. O profissional precisa ter em mente que os anestésicos têm potencial para produzir alterações fisiológicas importantes, tais como hipotensão, bradicardia, taquicardia e Quadro 1.4 TEMPO DE JEJUM PRÉVIO À ANESTESIA EM ESPÉCIES DOMÉSTICAS Espécie Tempo Pequenos animais De 8 a 12 horas para sólidos De 1 a 2 horas para líquidos Eqüinos De 12 horas para sólidos De 1 a 2 horas para líquidos Bovinos De 24 a 48 horas para sólidos De 12 a 24 horas para líquidos Ovinos e caprinos De 24 horas para sólidos De 12 horas para líquidos
  • 17. Teoria e técnicas em anestesiologia veterinária | 27 Quadro1.5 EXAMESRECOMENDADOSDEACORDOCOMOQUADROCLÍNICO(VERMONITORAÇÃODOPACIENTEANESTESIADO) CondiçãoHistóriaFísicoHt+PPTUréiaECGFunçãoGlicemiaEletrólitosCoagulaçãoRaioX Creat.hepática <12semanasXXXX AdultohígidoXXX GeriátricoXXXXXX DesidratadoXXXXXX DoençaGIXXXX CardiopatiaXXXXXXX InsuficiênciarespiratóriaXXXX NefropatiasXXXXX HepatopatiasXXXXXXXX TerapiacomesteróidesXXXXXX ouAINEs DiabetemelitoXXXXXXX DoençasdoSNCXXXXXXX TraumaXXXXX DiátesehemorrágicaXXXXX
  • 18. 28 | Cláudio C. Natalini hipoxia. Assim, cuidados relacionados com hidratação do animal, transfusões sangüíneas quando o hematócrito for inferior a 20%, antibioticoterapia pre- ventiva, controle da temperatura corporal e controle da dor e terapia de apoio em animais politraumatizados ou sofrendo de afecções mais graves devem ser instituídos antes do uso de técnicas anestésicas, principalmente em casos de anestesia geral. Pacientes que deverão ser submetidos à anestesia local também devem receber cuidados prévios a esse procedimento, pois, em algumas situações, como infecções no local de administração dos anesté- sicos e hipotensão arterial, podem ser contra-indicações para o uso de técni- cas como anestesia epidural ou bloqueios locais. O Quadro 1.5 relaciona as diversas condições clínicas encontradas com freqüência em animais que necessitam de anestesia geral, bem como os exames recomendados para a avaliação desses pacientes.