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adMinistRatiVO
iMPREsCRitiBilidadE dOs
CRiMEs dE tORtuRa
iSSN2316-1485
O constitucionalista
Vice-Presidente
mIChEL TEmEr
n O n O n O n O n O n O n O nr e t r a n c aM i C h E l t E M E R
eQuipe eDitorial: FernanDa Merouço e laura Martins
CoorDenação: Felipe Daier
Colaboração: Giovanna Cezario e Felipe KaChan
Fotos: assessoria De iMprensa Da viCe-presiDÊnCia Da repÚbliCa
O constitucionalista
Vice-Presidente
O constitucionalistaO constitucionalista
p e r f i l
Fórum jurídico26
27Fórum jurídico
Fórum jurídico28
Minha avaliação é muito posi-
tiva,porumarazãosingela:nós
conseguimos colocar na Cons-
tituição de 1988 princípios do
liberalismo e princípios do
socialismo, ou seja, amalgama-
mos os direitos liberais com os
direitos sociais. E tudo isto per-
mitiu que nós, logo depois da
Constituinte, tivéssemos um
verdadeiro banho de demo-
cracia. Nós desfrutamos das
teses liberais, entre elas, evi-
dentemente, além da liberda-
de de expressão, da liberdade
de imprensa, da liberdade de
informação, de reunião, estão
direitos tais como o direito à
propriedade, que é um direito
catalogado como um direito
individual no artigo 5º. O pres-
tígio da iniciativa privada tam-
bém é tese do liberalismo. E ao
lado disso, nós conseguimos
p e r f i l
Michel Miguel Elias Temer Lulia nasceu em 23 de setembro de 1940, na cidade de Tietê, in-
terior do Estado de São Paulo. Formado em direito pela universidade de São Paulo (1963), é
doutor em direito constitucional pela Faculdade de direito da Pontifícia universidade católica
deSãoPaulo,daqualfoiprofessornagraduaçãoenomestrado.TambémlecionounaFaculda-
de de direito de itu, foi diretor do instituto Brasileiro de direito constitucional (iBdc) e é mem-
bro do instituto ibero Americano de direito constitucional. Foi Procurador Geral do Estado de
São Paulo (1983), Secretário de Segurança Pública do Estado de São Paulo por duas vezes
(1984-1986 e 1992-1993) e deputado federal na Assembleia Nacional constituinte, entre
1987 e 1991, além de outros seis mandatos. Foi eleito três vezes para a Presidência da câ-
mara dos deputados (1997, 1999 e 2009). Entre seus projetos aprovados como parlamentar
constam o código de defesa do consumidor (Lei nº 8.078/90), a Lei dos juizados Especiais
(Lei nº 9.099/95), a Lei de combate ao crime organizado (Lei nº 90341/95), entre outros. É o
24º vice-presidente da república.
PErFIL DO JurISTA
aplicar parte referente aos di-
reitos sociais. Eu dou exemplo:
A Constituição garante o direi-
to à alimentação e o direito à
moradia. Quando estes direitos
foram encartados na Consti-
tuição, as pessoas me pergun-
tavam: “Temer, como você, que
é da área jurídica, permite uma
coisa desta?”. Eu digo que es-
tas são normas programáticas,
mas como toda norma progra-
mática,elatemumefeitoimpo-
sitivo. Ela exige que as políticas
públicas não sejam contrárias a
esses preceitos. Ao lado dos di-
reitos liberais, nós aplicamos os
direitos sociais. E isto fez acon-
tecer uma coisa que não acon-
tecia no passado, antes de 1988.
Ou seja, uma coincidência en-
tre a Constituição formal, quer
dizer, aquilo que está escrito,
e a Constituição real, ou seja,
M i C h E l t E M E R
O CONSTITuCIONALISTA E POETA
Reconhecido nacional e in-
ternacionalmente como um
dos maiores constitucionalis-
tas do País, Michel Temer é
autor de “Elementos de Direito
Constitucional”, já na 24ª edi-
ção, servindo como norte para
diversos estudantes de gradua-
ção e pós-graduação. Também
escreveu “Território Federal nas
Constituições Brasileiras”, “Seus
direitos na Constituinte”, “Cons-
tituição e Política”, “Democracia
eCidadania”e“AnônimaIntimi-
dade”, além de diversos artigos
em publicações especializadas.
Comemorados os 25 anos de
promulgação da Constituição
Federal de 1988, qual é a sua
avaliação? O Senhor acredita
que ela tem sido respeitada?
29Fórum jurídico
aquilo que acontece na vida
do Estado. Isso é que tem dado
muita segurança jurídica e ins-
titucional. Vocês percebem que
nós estamos há 25, 26 anos na
nova Constituição e não temos
uma crise institucional no ho-
rizonte? Nós estamos elegendo
Presidentes.Elegemosuminte-
lectual,depoisumoperário,de-
pois uma mulher e não temos
nenhuma crise institucional
pela frente. E com isso eu que-
ro dizer o seguinte: do instante
em que você obedece a ordem
jurídica, especialmente aquela
que é nascente do Estado, que é
aConstituição,vocêgarantees-
tabilidade nas relações sociais,
que é o que nós temos vivido.
O Senhor acredita que é ne-
cessária uma Reforma Políti-
ca no Brasil? Como Deputa-
do da Assembleia Nacional
Constituinte, reputa possível
uma nova Constituinte para
realizá-la?
Eu acho que não é preciso
Constituinte. E até a Cons-
tituinte é perigosa. Porque a
ideia de Constituinte é uma
ideia de ruptura com a ordem
jurídica. Toda vez que você
fala numa Assembleia Cons-
tituinte é porque houve tais e
tantos problemas institucio-
nais que você precisa criar um
novo Estado. Então dizer que
você vai fazer uma Consti-
tuinte limitada é muito difícil,
porque o pressuposto de uma
Constituinte é que ela seja
incondicionada, ilimitada.
Então, quando você tem ins-
tituições sólidas, instituir uma
Constituinte exclusiva é um
perigo para as próprias insti-
tuições. Quem tem que fazer
isso é o Congresso Nacional.
Agora, você tem duas vias para
fazer isso: ou você faz um ple-
biscito prévio, uma consulta
popular, convocada pelo Con-
gresso Nacional, com pergun-
tas para dizer qual a Reforma
Política que o povo quer; ou
você elabora um projeto no
Congresso e submete esse pro-
jeto a referendo popular. Ou-
vir o povo na questão da Re-
forma Política é fundamental,
porque quem decide sobre os
destinos políticos no país fun-
damentalmente é o povo. Não
é sem razão que a Constituição
se abre dizendo que o povo é
o dono do poder. Todo poder
emana do povo e em seu nome
é exercido. Então é fundamen-
tal reforma política, mas po-
deríamos fazer longo discurso
sobre o que é importante nessa
reforma.
O que o levou a escrever
“Anônima Intimidade”? Fal-
ta estímulo à produção lite-
rária no âmbito jurídico?
Você sabe que quando eu era
criança, menino, com 15 anos,
eu sempre achei que seria es-
critor, pois lia bastante. E de-
pois quando entrei na faculda-
de a vida me encaminhou para
outros setores. Encaminhou-
-me primeiro para a política
universitária, depois para o as-
pecto profissional: advogado,
procurador do Estado, univer-
sidade. E eu escrevi livros téc-
nicos, como vocês sabem, es-
pecialmente na área do Direito
Constitucional. Mas eu fiquei
Nós conseguimos colocar na
Constituição de 1988 princípios do
liberalismo e princípios do
socialismo, ou seja, amalgamamos os
direitos liberais com os direitos so-
ciais. E tudo isso permitiu que nós,
logo depois da Constituinte,
tivéssemos um banho de democracia
‘
Fórum jurídico30
com aquilo na minha cabeça,
de escrever um dia alguma
coisa na área literária. E quan-
do eu ia à Brasília e voltava de
Brasília, eu pegava um guar-
danapo de avião, e assim que
me surgia uma ideia escrevia
alguma coisa. E fui guardan-
do esse material. E num dado
momento eu tinha uns 120,
130 escritos. Um dia o José
Yunes viu sobre minha mesa e
falou: “me deixe ver isso”. Ele
leu, e achou que eu deveria
publicar. Até então eu escre-
via para mim. Depois o Gau-
dêncio Torquato, um analista
político, também viu, insistiu
em ler, e me sugeriu: “olhe,
você tem um jeito muito me-
tálico, muito cerimonioso,
e isso aqui dará um lado hu-
mano seu”. Depois o Carlos
Ayres Britto, que é poeta. Um
dia eu falei: “Carlinhos, você
é meu amigo e vai me dizer
o que acha disso daqui, por-
que tem pessoas me sugerin-
do que eu publique”. Daí ele
leu, voltou-se a mim e disse:
“Olhe, Michel, eu gostei tan-
to que se você não tiver quem
faça o prefácio eu gostaria de
prefaciar”. Então eu resolvi
publicar. São pensamentos,
ideias, poemas que recordam
um pouco meu passado. Eu
confesso que, se puder, conti-
nuarei escrevendo. Agora na
área literária.
espaço muito grande para o
ingresso dos jovens na Políti-
ca. O que eu digo sempre em
palestras: nós, da classe jurí-
dica, temos muitas condições
para participar de um sistema
democrático, porque nós esta-
mos acostumados à contesta-
ção. A primeira peça que um
advogado recebe quando ini-
cia a carreira é uma contesta-
ção. O recurso tenta destruir a
sentença, portanto, contesta as
razões do juiz, do promotor,
do inquérito policial. Então
estamos muito acostumados
à contestação. E a democracia
é o regime da contrariedade,
da contestação. Assim, nós,
da área jurídica, embora seja-
mos técnicos de uma ciência
determinada, que é o Direito,
estamos muito acostumados à
contestação, e, portanto, sere-
mos muito úteis se participar-
mos da vida democrática do
País.
p e r f i l
O vICE-PrESIDENTE
Atualmente, qual o espaço
do jovem na política? Ela
encontra-se distanciada da
universidade?
Eu acho que se recuperou o
espaço para a juventude na
política brasileira. Eu mesmo
fiz parte de um período em
que o jovem participava mui-
to do cenário político do País,
que foi um cenário anterior a
1964. De 1964 em diante, em
face da instalação de um siste-
ma autoritário no País, houve
uma redução muito grande da
possibilidade de participação
do jovem na política brasilei-
ra. A partir de 1988 estabele-
ceu-se uma abertura muito
grande para a participação da
juventude na Política. Você
percebe que no Congresso
mesmo, atualmente, há líde-
res da atividade universitária.
Eu creio que hoje existe um
M i C h E l t E M E R
A ideia de Constituinte é uma
ideia de ruptura com a ordem
jurídica. Toda vez que você fala
numa Assembleia Constituinte é
porque houve tais e tantos
problemas institucionais que você
precisa criar um novo Estado
‘
31Fórum jurídico
O que o levou a trilhar o ca-
minho da política?
Eu tenho uma história da
academia. Fiz a Faculdade de
Direito do Largo de São Fran-
cisco. E lá fui, logo no primei-
ro ano da faculdade, segundo
tesoureiro do Centro Acadê-
mico XI de Agosto, que era o
cargo que cabia aos calouros.
E depois, no quarto ano, eu
fui candidato à presidência
do Centro Acadêmico XI de
Agosto, em 1962. Eu já tinha
uma atuação política, que
foi cortada precisamente em
1964, quando eu me formei
(sou da turma de 1963). E daí
não havia condições de fazer
Política. Eu me afastei, fui para
o aspecto profissional, para a
área universitária. Daí que eu
comecei a ingressar na PUC,
fiz lá a minha tese de douto-
ramento, e dava aulas na Fa-
culdade de Itu. Enfim, entrei
no ensino universitário forte-
Fórum jurídico32
mente. Posteriormente, quan-
do o André Franco Montoro,
professor da PUC, foi eleito
governador, ele me nomeou
Procurador Geral do Estado. E
um dia o governador Montoro
me ligou e disse: “olhe, Temer,
você será Secretário da Se-
gurança Pública”. Fiquei dois
anos e meio lá, aproximada-
mente. Equacionei um pouco
a questão da Segurança Públi-
ca no Estado de São Paulo. E
um dia ele mesmo me chamou
e disse: “olhe, você, professor
de Direito Constitucional –
eu já era professor de Direito
Constitucional da PUC - vem
aí a Constituinte, e acho que
você deveria se candidatar”.
E foi assim que, em 1986, eu
me candidatei pensando que
iria fazer só a Constituinte, e
que voltaria para a minha ati-
vidade. Mas eu fui para lá, tive
uma atuação muito grande na
Constituinte, porque eu era da
área de Direito Constitucio-
nal, e depois cumpri a legis-
latura ordinária. Daí, curio-
samente, eu não saí mais. Foi
assim que eu ingressei na vida
pública.
p e r f i l
institucional muito grande
no País. E é claro que quando
eu falo desse desafio outros
desafios surgem – que são os
problemas da infraestrutura
do Estado, da Saúde, da Se-
gurança Pública, da educa-
ção. São todos desafios ins-
tantes e presentes em todos
os momentos da nossa vida
pública.
O PArLAmENTAr
Como autor do projeto ori-
ginal da Lei nº 9.099/95,
como o senhor avalia o de-
sempenho dos Juizados Es-
peciais?
Muito positivamente. Aliás,
eu, durante a Constituinte,
trabalhei muito pelos Juiza-
dos Especiais. Tanto os cri-
minais, das causas de menor
potencial ofensivo, como os
cíveis, ou seja, aquelas cau-
sas de menor complexidade.
Ajudei a inserir esse tema na
Constituição Federal e, sub-
sequentemente, trabalhei no
projeto da Lei nº 9.099, que
tem dado grandes resulta-
dos. Uma das maneiras de
desafogar o Poder Judiciário
é exatamente tentar resolver
várias questões na área des-
ses Juizados.
Sendo o idealizador da De-
legacia de Crimes Raciais
e Delitos de Intolerância, o
senhor acredita que a men-
M i C h E l t E M E R
Como o direito influiu nessa
decisão?
Pelo seguinte: o Direito é
uma ciência, especialmente
o Direito Constitucional, que
vocaciona de alguma manei-
ra as pessoas para a vida pú-
blica. Então eu tinha muita
participação na vida pública,
e, embora estando na univer-
sidade, dando aulas, eu tenta-
va, mesmo com aqueles atos
institucionais autoritários,
mostrar que o estudante, o
jurista, pode dar uma inter-
pretação democrática se fizer
uma interpretação sistêmica
do Direito, e não somente
uma interpretação literal.
Qual seu maior desafio
como vice-presidente da Re-
pública?
É retirar pessoas da extrema
pobreza para levá-los à classe
média. E, ao mesmo tempo,
manter os padrões demo-
cráticos no País. Nós vive-
mos sob o império de uma
Constituição, a Constituição
de 1988, que vem sendo apli-
cada na vida real, e por isso
nós temos uma estabilidade
O estudante, o jurista, pode dar
uma interpretação democrática se
fizer uma interpretação sistêmica
do Direito, e não somente uma
interpretação literal
‘
33Fórum jurídico
talidade brasileira acerca da
questão mudou?
Eu acho que vem mudando.
É interessante notar que nós
sempre tivemos um precon-
ceito no Brasil, só que não era
um preconceito raivoso, mas
um preconceito disfarçado.
Mas mesmo esse preconceito
disfarçado, eu acho que vem
sendo eliminado precisamen-
te em função das políticas
integradoras de todas as clas-
ses sociais, especialmente dos
negros. A criação da delegacia
de apuração de crimes raciais
data da segunda vez que eu fui
Secretário de Segurança Públi-
ca, que foi em 1994. Eu a criei
precisamente porque estavam
havendo atentados raciais na
região do ABC, e quando ins-
talada havia um delegado, um
escrivão e cinco ou seis inves-
tigadores. Bastou criá-la para
diminuírem expressivamente
os atentados raciais. Então eu
acho que o Brasil vem evo-
luindo muito nessa direção, e
saudavelmente.
Em 1985, como Secretário
de Segurança Pública de
São Paulo, o Senhor criou a
Delegacia de Defesa da Mu-
lher. Quais os desafios ne-
cessários no enfrentamento
da violência doméstica? Em
qual aspecto as coordena-
dorias da mulher dos Tri-
bunais de Justiça do Brasil
podem auxiliar?
Em 1985 eu criei a primei-
ra Delegacia da Mulher. Na
ocasião, eu recebi um grupo
de mulheres que vinham re-
clamar do atendimento nas
Delegacias de Polícia, em que
as mulheres que foram agre-
didas pelo marido ou que so-
freram uma violência sexual
qualquer iam lá falar com o
delegado ou com o escrivão e,
no geral, quando um homem
as atendia, o atendimento era
do tipo: “bom, você certa-
mente é culpada”. E quando
elas me contavam os vários
episódios, eu pensava comi-
go: porque eu não crio uma
Delegacia, com uma delegada
mulher, com quatro ou cinco
escrivãs mulheres e dez ou
quinze investigadoras mulhe-
res para atender exatamente
elas? Depois que saíram de
lá, eu pedi pra estudar esse
assunto, redigi um Decre-
to, levei ao governador - que
imediatamente aceitou - e eu
criei a primeira Delegacia da
Mulher, instalada na região
central de São Paulo. E com
grande resultado, porque
logo depois o interior de São
Paulo, por exemplo, e os bair-
ros da Capital, começaram a
pedir unidades. E eu mesmo
inaugurei várias naquela épo-
ca. Quando eu voltei a ser Se-
cretário de Segurança Pública
em 1993/1994, havia mais
de 80 Delegacias da Mulher
Quem decide sobre os
destinos políticos no país
fundamentalmente é o povo
‘
Algumas obras
de Michel Temer
Fórum jurídico34
der. Até quando dava aulas
eu chegava ao primeiro dia
de aula e dizia o seguinte:
“vocês estão todos aprova-
dos, não tenham a menor
sensação de que serão re-
provados – primeiro ponto”.
Segundo ponto: “eu só que-
ro aqui dentro da sala quem
tiver interesse em aprender.
Quem for ler jornal aqui
dentro, ficar conversando,
pode ficar lá fora, que é por-
que não se interessa”. E por
uma razão evidente, que se
vocês levarem aos seus pais
eles entenderão. Vocês pa-
p e r f i l
criadas em todo o Estado de
São Paulo. Eu me lembro de
que quando se discutiu a Lei
Maria da Penha era invocada
muitas vezes a questão da De-
legacia da Mulher. Estas Co-
ordenadorias da Mulher dos
Tribunais de Justiça também
ajudam muito na defesa dessa
causa. Acho que ainda há um
grande espaço a percorrer,
mas o avanço foi inegável.
O PrOFESSOr E EX-ALuNO
Como professor e ex-alu-
no, qual a sua visão sobre
a Faculdade de Direito da
PUCSP?
Eu acho que é uma grande
Faculdade. É uma Faculda-
de que forma muito adequa-
damente os estudantes. Eu
tive a honra de dar aula nela
durante muito tempo, tan-
to no bacharelado como no
mestrado, e os professores
levam muito a sério o que
fazem, tal qual os alunos. Eu
sempre tive essa impressão,
muito solidificada, de que
os alunos que vão lá tem a
ideia de que devem apro-
veitar as aulas para apren-
M i C h E l t E M E R
35Fórum jurídico
gam para a eu dar aula. Eu
sou pago para dar aula. En-
tão quem tem obrigação de
dar aula sou eu, vocês que
tem que exigir que eu esteja
na sala dando aula. Não sou
eu que devo exigir que vo-
cês estejam presentes. Então
vamos combinar o seguin-
te: não tem lista de presen-
ça, vocês estão aprovados.
Quem quiser frequenta a
aula. Até se vocês não vie-
rem, vocês facilitam minha
vida, porque eu vou ao es-
critório mais cedo, e vou
trabalhar na advocacia. Mas
o fato é que eu nunca con-
segui sair cedo. Eles compa-
reciam. E é por isso que eu
digo que os alunos tem uma
seriedade muito grande. Se
eles quisessem aproveitar
eles diriam: “já estou apro-
vado, não vou mais”.
Comecei na PUC como as-
sistente do professor Geral-
do Ataliba. Até vou contar
um episódio curioso: eu
era assistente – que naque-
la época era aprovado pela
congregação – e frequentava
as aulas com ele. Passados
quinze dias da minha apro-
vação pela congregação ele
me liga e diz: “olhe, eu vou
passar um mês na Argentina
dando um curso, e você vai
dar as aulas no noturno, de
Direito Constitucional”. E eu
tremi, porque nunca tinha
dado uma aula. Ele me deu
alguns pontos e fui me pre-
parar para a primeira aula,
mas trêmulo. Por que naque-
le tempo, no noturno – eu ti-
nha uns 27 anos – o pessoal
era mais velho. Hoje não, os
jovens também fazem o no-
turno. Então eu entrei e era o
mais moço da turma. Quan-
do eu cheguei, entrei na sala
dos professores e encontrei
o Montoro. Ele falou comi-
go, e eu não ouvia nada do
que ele dizia. Eu estava tão
nervoso. Simplesmente não
ouvia nada. Fui para a sala.
Lembro que eu transpirava.
Comecei a dar a aula com
aquela conversa, mas depois
o pessoal foi ficando quieto.
Eu tinha treinado bastante.
E dei a aula de 45 minutos.
Quando terminei o pessoal
aplaudiu. Fiquei num entu-
siasmo. Daí na quinta-feira
eu tinha que voltar e me
preparei para valer, e de vez
em quando eu digo: eu devo
a esse aplauso a minha car-
reira universitária. Porque se
tivesse sido um fracasso eu
não teria prosseguido.
Que mensagem o senhor
gostaria de deixar aos alu-
nos da PUC?
A primeira delas é o seguin-
te: leiam bastante. Tudo que
lhes cair à mão. Não só os
livros técnicos, evidente-
mente, fundamentais; como
qualquer romance, qualquer
coisa. Porque o advogado,
diferentemente de qualquer
outra profissão, trabalha
com a palavra: ou é a pala-
vra escrita ou é a oral. Então
a leitura é algo que faz com
que a imaginação vá solidi-
ficando certos conceitos. E
o advogado precisa trabalhar
exatamente com esses dados.
E a segunda mensagem é: te-
nham orgulho da Faculdade
que frequentam, porque é a
Faculdade que vai formá-los
muito bem para a profissão,
para ser juiz, advogado, pro-
curador, delegado, promotor,
o que seja. n
Do instante em que você obedece
a ordem jurídica, especialmente
aquela que é nascente do Estado,
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Entrevista/Perfil de Michel Temer pela Revista Fórum Jurídico

  • 1. diSTriBuiÇÃoGrATuiTA•EdiÇÃo5•ANo3•juLHo2014 ENTREVISTA aCadÊMiCOs COntRa a POBREza – thOMas POggE ESCRITÓRIO dEMaREst adVOgadOs ARTIGOS as diVERgÊnCias nO diREitO adMinistRatiVO iMPREsCRitiBilidadE dOs CRiMEs dE tORtuRa iSSN2316-1485 O constitucionalista Vice-Presidente mIChEL TEmEr
  • 2. n O n O n O n O n O n O n O nr e t r a n c aM i C h E l t E M E R eQuipe eDitorial: FernanDa Merouço e laura Martins CoorDenação: Felipe Daier Colaboração: Giovanna Cezario e Felipe KaChan Fotos: assessoria De iMprensa Da viCe-presiDÊnCia Da repÚbliCa O constitucionalista Vice-Presidente O constitucionalistaO constitucionalista p e r f i l Fórum jurídico26
  • 4. Fórum jurídico28 Minha avaliação é muito posi- tiva,porumarazãosingela:nós conseguimos colocar na Cons- tituição de 1988 princípios do liberalismo e princípios do socialismo, ou seja, amalgama- mos os direitos liberais com os direitos sociais. E tudo isto per- mitiu que nós, logo depois da Constituinte, tivéssemos um verdadeiro banho de demo- cracia. Nós desfrutamos das teses liberais, entre elas, evi- dentemente, além da liberda- de de expressão, da liberdade de imprensa, da liberdade de informação, de reunião, estão direitos tais como o direito à propriedade, que é um direito catalogado como um direito individual no artigo 5º. O pres- tígio da iniciativa privada tam- bém é tese do liberalismo. E ao lado disso, nós conseguimos p e r f i l Michel Miguel Elias Temer Lulia nasceu em 23 de setembro de 1940, na cidade de Tietê, in- terior do Estado de São Paulo. Formado em direito pela universidade de São Paulo (1963), é doutor em direito constitucional pela Faculdade de direito da Pontifícia universidade católica deSãoPaulo,daqualfoiprofessornagraduaçãoenomestrado.TambémlecionounaFaculda- de de direito de itu, foi diretor do instituto Brasileiro de direito constitucional (iBdc) e é mem- bro do instituto ibero Americano de direito constitucional. Foi Procurador Geral do Estado de São Paulo (1983), Secretário de Segurança Pública do Estado de São Paulo por duas vezes (1984-1986 e 1992-1993) e deputado federal na Assembleia Nacional constituinte, entre 1987 e 1991, além de outros seis mandatos. Foi eleito três vezes para a Presidência da câ- mara dos deputados (1997, 1999 e 2009). Entre seus projetos aprovados como parlamentar constam o código de defesa do consumidor (Lei nº 8.078/90), a Lei dos juizados Especiais (Lei nº 9.099/95), a Lei de combate ao crime organizado (Lei nº 90341/95), entre outros. É o 24º vice-presidente da república. PErFIL DO JurISTA aplicar parte referente aos di- reitos sociais. Eu dou exemplo: A Constituição garante o direi- to à alimentação e o direito à moradia. Quando estes direitos foram encartados na Consti- tuição, as pessoas me pergun- tavam: “Temer, como você, que é da área jurídica, permite uma coisa desta?”. Eu digo que es- tas são normas programáticas, mas como toda norma progra- mática,elatemumefeitoimpo- sitivo. Ela exige que as políticas públicas não sejam contrárias a esses preceitos. Ao lado dos di- reitos liberais, nós aplicamos os direitos sociais. E isto fez acon- tecer uma coisa que não acon- tecia no passado, antes de 1988. Ou seja, uma coincidência en- tre a Constituição formal, quer dizer, aquilo que está escrito, e a Constituição real, ou seja, M i C h E l t E M E R O CONSTITuCIONALISTA E POETA Reconhecido nacional e in- ternacionalmente como um dos maiores constitucionalis- tas do País, Michel Temer é autor de “Elementos de Direito Constitucional”, já na 24ª edi- ção, servindo como norte para diversos estudantes de gradua- ção e pós-graduação. Também escreveu “Território Federal nas Constituições Brasileiras”, “Seus direitos na Constituinte”, “Cons- tituição e Política”, “Democracia eCidadania”e“AnônimaIntimi- dade”, além de diversos artigos em publicações especializadas. Comemorados os 25 anos de promulgação da Constituição Federal de 1988, qual é a sua avaliação? O Senhor acredita que ela tem sido respeitada?
  • 5. 29Fórum jurídico aquilo que acontece na vida do Estado. Isso é que tem dado muita segurança jurídica e ins- titucional. Vocês percebem que nós estamos há 25, 26 anos na nova Constituição e não temos uma crise institucional no ho- rizonte? Nós estamos elegendo Presidentes.Elegemosuminte- lectual,depoisumoperário,de- pois uma mulher e não temos nenhuma crise institucional pela frente. E com isso eu que- ro dizer o seguinte: do instante em que você obedece a ordem jurídica, especialmente aquela que é nascente do Estado, que é aConstituição,vocêgarantees- tabilidade nas relações sociais, que é o que nós temos vivido. O Senhor acredita que é ne- cessária uma Reforma Políti- ca no Brasil? Como Deputa- do da Assembleia Nacional Constituinte, reputa possível uma nova Constituinte para realizá-la? Eu acho que não é preciso Constituinte. E até a Cons- tituinte é perigosa. Porque a ideia de Constituinte é uma ideia de ruptura com a ordem jurídica. Toda vez que você fala numa Assembleia Cons- tituinte é porque houve tais e tantos problemas institucio- nais que você precisa criar um novo Estado. Então dizer que você vai fazer uma Consti- tuinte limitada é muito difícil, porque o pressuposto de uma Constituinte é que ela seja incondicionada, ilimitada. Então, quando você tem ins- tituições sólidas, instituir uma Constituinte exclusiva é um perigo para as próprias insti- tuições. Quem tem que fazer isso é o Congresso Nacional. Agora, você tem duas vias para fazer isso: ou você faz um ple- biscito prévio, uma consulta popular, convocada pelo Con- gresso Nacional, com pergun- tas para dizer qual a Reforma Política que o povo quer; ou você elabora um projeto no Congresso e submete esse pro- jeto a referendo popular. Ou- vir o povo na questão da Re- forma Política é fundamental, porque quem decide sobre os destinos políticos no país fun- damentalmente é o povo. Não é sem razão que a Constituição se abre dizendo que o povo é o dono do poder. Todo poder emana do povo e em seu nome é exercido. Então é fundamen- tal reforma política, mas po- deríamos fazer longo discurso sobre o que é importante nessa reforma. O que o levou a escrever “Anônima Intimidade”? Fal- ta estímulo à produção lite- rária no âmbito jurídico? Você sabe que quando eu era criança, menino, com 15 anos, eu sempre achei que seria es- critor, pois lia bastante. E de- pois quando entrei na faculda- de a vida me encaminhou para outros setores. Encaminhou- -me primeiro para a política universitária, depois para o as- pecto profissional: advogado, procurador do Estado, univer- sidade. E eu escrevi livros téc- nicos, como vocês sabem, es- pecialmente na área do Direito Constitucional. Mas eu fiquei Nós conseguimos colocar na Constituição de 1988 princípios do liberalismo e princípios do socialismo, ou seja, amalgamamos os direitos liberais com os direitos so- ciais. E tudo isso permitiu que nós, logo depois da Constituinte, tivéssemos um banho de democracia ‘
  • 6. Fórum jurídico30 com aquilo na minha cabeça, de escrever um dia alguma coisa na área literária. E quan- do eu ia à Brasília e voltava de Brasília, eu pegava um guar- danapo de avião, e assim que me surgia uma ideia escrevia alguma coisa. E fui guardan- do esse material. E num dado momento eu tinha uns 120, 130 escritos. Um dia o José Yunes viu sobre minha mesa e falou: “me deixe ver isso”. Ele leu, e achou que eu deveria publicar. Até então eu escre- via para mim. Depois o Gau- dêncio Torquato, um analista político, também viu, insistiu em ler, e me sugeriu: “olhe, você tem um jeito muito me- tálico, muito cerimonioso, e isso aqui dará um lado hu- mano seu”. Depois o Carlos Ayres Britto, que é poeta. Um dia eu falei: “Carlinhos, você é meu amigo e vai me dizer o que acha disso daqui, por- que tem pessoas me sugerin- do que eu publique”. Daí ele leu, voltou-se a mim e disse: “Olhe, Michel, eu gostei tan- to que se você não tiver quem faça o prefácio eu gostaria de prefaciar”. Então eu resolvi publicar. São pensamentos, ideias, poemas que recordam um pouco meu passado. Eu confesso que, se puder, conti- nuarei escrevendo. Agora na área literária. espaço muito grande para o ingresso dos jovens na Políti- ca. O que eu digo sempre em palestras: nós, da classe jurí- dica, temos muitas condições para participar de um sistema democrático, porque nós esta- mos acostumados à contesta- ção. A primeira peça que um advogado recebe quando ini- cia a carreira é uma contesta- ção. O recurso tenta destruir a sentença, portanto, contesta as razões do juiz, do promotor, do inquérito policial. Então estamos muito acostumados à contestação. E a democracia é o regime da contrariedade, da contestação. Assim, nós, da área jurídica, embora seja- mos técnicos de uma ciência determinada, que é o Direito, estamos muito acostumados à contestação, e, portanto, sere- mos muito úteis se participar- mos da vida democrática do País. p e r f i l O vICE-PrESIDENTE Atualmente, qual o espaço do jovem na política? Ela encontra-se distanciada da universidade? Eu acho que se recuperou o espaço para a juventude na política brasileira. Eu mesmo fiz parte de um período em que o jovem participava mui- to do cenário político do País, que foi um cenário anterior a 1964. De 1964 em diante, em face da instalação de um siste- ma autoritário no País, houve uma redução muito grande da possibilidade de participação do jovem na política brasilei- ra. A partir de 1988 estabele- ceu-se uma abertura muito grande para a participação da juventude na Política. Você percebe que no Congresso mesmo, atualmente, há líde- res da atividade universitária. Eu creio que hoje existe um M i C h E l t E M E R A ideia de Constituinte é uma ideia de ruptura com a ordem jurídica. Toda vez que você fala numa Assembleia Constituinte é porque houve tais e tantos problemas institucionais que você precisa criar um novo Estado ‘
  • 7. 31Fórum jurídico O que o levou a trilhar o ca- minho da política? Eu tenho uma história da academia. Fiz a Faculdade de Direito do Largo de São Fran- cisco. E lá fui, logo no primei- ro ano da faculdade, segundo tesoureiro do Centro Acadê- mico XI de Agosto, que era o cargo que cabia aos calouros. E depois, no quarto ano, eu fui candidato à presidência do Centro Acadêmico XI de Agosto, em 1962. Eu já tinha uma atuação política, que foi cortada precisamente em 1964, quando eu me formei (sou da turma de 1963). E daí não havia condições de fazer Política. Eu me afastei, fui para o aspecto profissional, para a área universitária. Daí que eu comecei a ingressar na PUC, fiz lá a minha tese de douto- ramento, e dava aulas na Fa- culdade de Itu. Enfim, entrei no ensino universitário forte-
  • 8. Fórum jurídico32 mente. Posteriormente, quan- do o André Franco Montoro, professor da PUC, foi eleito governador, ele me nomeou Procurador Geral do Estado. E um dia o governador Montoro me ligou e disse: “olhe, Temer, você será Secretário da Se- gurança Pública”. Fiquei dois anos e meio lá, aproximada- mente. Equacionei um pouco a questão da Segurança Públi- ca no Estado de São Paulo. E um dia ele mesmo me chamou e disse: “olhe, você, professor de Direito Constitucional – eu já era professor de Direito Constitucional da PUC - vem aí a Constituinte, e acho que você deveria se candidatar”. E foi assim que, em 1986, eu me candidatei pensando que iria fazer só a Constituinte, e que voltaria para a minha ati- vidade. Mas eu fui para lá, tive uma atuação muito grande na Constituinte, porque eu era da área de Direito Constitucio- nal, e depois cumpri a legis- latura ordinária. Daí, curio- samente, eu não saí mais. Foi assim que eu ingressei na vida pública. p e r f i l institucional muito grande no País. E é claro que quando eu falo desse desafio outros desafios surgem – que são os problemas da infraestrutura do Estado, da Saúde, da Se- gurança Pública, da educa- ção. São todos desafios ins- tantes e presentes em todos os momentos da nossa vida pública. O PArLAmENTAr Como autor do projeto ori- ginal da Lei nº 9.099/95, como o senhor avalia o de- sempenho dos Juizados Es- peciais? Muito positivamente. Aliás, eu, durante a Constituinte, trabalhei muito pelos Juiza- dos Especiais. Tanto os cri- minais, das causas de menor potencial ofensivo, como os cíveis, ou seja, aquelas cau- sas de menor complexidade. Ajudei a inserir esse tema na Constituição Federal e, sub- sequentemente, trabalhei no projeto da Lei nº 9.099, que tem dado grandes resulta- dos. Uma das maneiras de desafogar o Poder Judiciário é exatamente tentar resolver várias questões na área des- ses Juizados. Sendo o idealizador da De- legacia de Crimes Raciais e Delitos de Intolerância, o senhor acredita que a men- M i C h E l t E M E R Como o direito influiu nessa decisão? Pelo seguinte: o Direito é uma ciência, especialmente o Direito Constitucional, que vocaciona de alguma manei- ra as pessoas para a vida pú- blica. Então eu tinha muita participação na vida pública, e, embora estando na univer- sidade, dando aulas, eu tenta- va, mesmo com aqueles atos institucionais autoritários, mostrar que o estudante, o jurista, pode dar uma inter- pretação democrática se fizer uma interpretação sistêmica do Direito, e não somente uma interpretação literal. Qual seu maior desafio como vice-presidente da Re- pública? É retirar pessoas da extrema pobreza para levá-los à classe média. E, ao mesmo tempo, manter os padrões demo- cráticos no País. Nós vive- mos sob o império de uma Constituição, a Constituição de 1988, que vem sendo apli- cada na vida real, e por isso nós temos uma estabilidade O estudante, o jurista, pode dar uma interpretação democrática se fizer uma interpretação sistêmica do Direito, e não somente uma interpretação literal ‘
  • 9. 33Fórum jurídico talidade brasileira acerca da questão mudou? Eu acho que vem mudando. É interessante notar que nós sempre tivemos um precon- ceito no Brasil, só que não era um preconceito raivoso, mas um preconceito disfarçado. Mas mesmo esse preconceito disfarçado, eu acho que vem sendo eliminado precisamen- te em função das políticas integradoras de todas as clas- ses sociais, especialmente dos negros. A criação da delegacia de apuração de crimes raciais data da segunda vez que eu fui Secretário de Segurança Públi- ca, que foi em 1994. Eu a criei precisamente porque estavam havendo atentados raciais na região do ABC, e quando ins- talada havia um delegado, um escrivão e cinco ou seis inves- tigadores. Bastou criá-la para diminuírem expressivamente os atentados raciais. Então eu acho que o Brasil vem evo- luindo muito nessa direção, e saudavelmente. Em 1985, como Secretário de Segurança Pública de São Paulo, o Senhor criou a Delegacia de Defesa da Mu- lher. Quais os desafios ne- cessários no enfrentamento da violência doméstica? Em qual aspecto as coordena- dorias da mulher dos Tri- bunais de Justiça do Brasil podem auxiliar? Em 1985 eu criei a primei- ra Delegacia da Mulher. Na ocasião, eu recebi um grupo de mulheres que vinham re- clamar do atendimento nas Delegacias de Polícia, em que as mulheres que foram agre- didas pelo marido ou que so- freram uma violência sexual qualquer iam lá falar com o delegado ou com o escrivão e, no geral, quando um homem as atendia, o atendimento era do tipo: “bom, você certa- mente é culpada”. E quando elas me contavam os vários episódios, eu pensava comi- go: porque eu não crio uma Delegacia, com uma delegada mulher, com quatro ou cinco escrivãs mulheres e dez ou quinze investigadoras mulhe- res para atender exatamente elas? Depois que saíram de lá, eu pedi pra estudar esse assunto, redigi um Decre- to, levei ao governador - que imediatamente aceitou - e eu criei a primeira Delegacia da Mulher, instalada na região central de São Paulo. E com grande resultado, porque logo depois o interior de São Paulo, por exemplo, e os bair- ros da Capital, começaram a pedir unidades. E eu mesmo inaugurei várias naquela épo- ca. Quando eu voltei a ser Se- cretário de Segurança Pública em 1993/1994, havia mais de 80 Delegacias da Mulher Quem decide sobre os destinos políticos no país fundamentalmente é o povo ‘ Algumas obras de Michel Temer
  • 10. Fórum jurídico34 der. Até quando dava aulas eu chegava ao primeiro dia de aula e dizia o seguinte: “vocês estão todos aprova- dos, não tenham a menor sensação de que serão re- provados – primeiro ponto”. Segundo ponto: “eu só que- ro aqui dentro da sala quem tiver interesse em aprender. Quem for ler jornal aqui dentro, ficar conversando, pode ficar lá fora, que é por- que não se interessa”. E por uma razão evidente, que se vocês levarem aos seus pais eles entenderão. Vocês pa- p e r f i l criadas em todo o Estado de São Paulo. Eu me lembro de que quando se discutiu a Lei Maria da Penha era invocada muitas vezes a questão da De- legacia da Mulher. Estas Co- ordenadorias da Mulher dos Tribunais de Justiça também ajudam muito na defesa dessa causa. Acho que ainda há um grande espaço a percorrer, mas o avanço foi inegável. O PrOFESSOr E EX-ALuNO Como professor e ex-alu- no, qual a sua visão sobre a Faculdade de Direito da PUCSP? Eu acho que é uma grande Faculdade. É uma Faculda- de que forma muito adequa- damente os estudantes. Eu tive a honra de dar aula nela durante muito tempo, tan- to no bacharelado como no mestrado, e os professores levam muito a sério o que fazem, tal qual os alunos. Eu sempre tive essa impressão, muito solidificada, de que os alunos que vão lá tem a ideia de que devem apro- veitar as aulas para apren- M i C h E l t E M E R
  • 11. 35Fórum jurídico gam para a eu dar aula. Eu sou pago para dar aula. En- tão quem tem obrigação de dar aula sou eu, vocês que tem que exigir que eu esteja na sala dando aula. Não sou eu que devo exigir que vo- cês estejam presentes. Então vamos combinar o seguin- te: não tem lista de presen- ça, vocês estão aprovados. Quem quiser frequenta a aula. Até se vocês não vie- rem, vocês facilitam minha vida, porque eu vou ao es- critório mais cedo, e vou trabalhar na advocacia. Mas o fato é que eu nunca con- segui sair cedo. Eles compa- reciam. E é por isso que eu digo que os alunos tem uma seriedade muito grande. Se eles quisessem aproveitar eles diriam: “já estou apro- vado, não vou mais”. Comecei na PUC como as- sistente do professor Geral- do Ataliba. Até vou contar um episódio curioso: eu era assistente – que naque- la época era aprovado pela congregação – e frequentava as aulas com ele. Passados quinze dias da minha apro- vação pela congregação ele me liga e diz: “olhe, eu vou passar um mês na Argentina dando um curso, e você vai dar as aulas no noturno, de Direito Constitucional”. E eu tremi, porque nunca tinha dado uma aula. Ele me deu alguns pontos e fui me pre- parar para a primeira aula, mas trêmulo. Por que naque- le tempo, no noturno – eu ti- nha uns 27 anos – o pessoal era mais velho. Hoje não, os jovens também fazem o no- turno. Então eu entrei e era o mais moço da turma. Quan- do eu cheguei, entrei na sala dos professores e encontrei o Montoro. Ele falou comi- go, e eu não ouvia nada do que ele dizia. Eu estava tão nervoso. Simplesmente não ouvia nada. Fui para a sala. Lembro que eu transpirava. Comecei a dar a aula com aquela conversa, mas depois o pessoal foi ficando quieto. Eu tinha treinado bastante. E dei a aula de 45 minutos. Quando terminei o pessoal aplaudiu. Fiquei num entu- siasmo. Daí na quinta-feira eu tinha que voltar e me preparei para valer, e de vez em quando eu digo: eu devo a esse aplauso a minha car- reira universitária. Porque se tivesse sido um fracasso eu não teria prosseguido. Que mensagem o senhor gostaria de deixar aos alu- nos da PUC? A primeira delas é o seguin- te: leiam bastante. Tudo que lhes cair à mão. Não só os livros técnicos, evidente- mente, fundamentais; como qualquer romance, qualquer coisa. Porque o advogado, diferentemente de qualquer outra profissão, trabalha com a palavra: ou é a pala- vra escrita ou é a oral. Então a leitura é algo que faz com que a imaginação vá solidi- ficando certos conceitos. E o advogado precisa trabalhar exatamente com esses dados. E a segunda mensagem é: te- nham orgulho da Faculdade que frequentam, porque é a Faculdade que vai formá-los muito bem para a profissão, para ser juiz, advogado, pro- curador, delegado, promotor, o que seja. n Do instante em que você obedece a ordem jurídica, especialmente aquela que é nascente do Estado, que é a Constituição, você garante estabilidade nas relações sociais, que é o que nós temos vivido ‘