SlideShare uma empresa Scribd logo
1 de 3
Baixar para ler offline
FECHEM
                           ESSA
                          JANELA
                                           Domingo de Carnaval




  D antes     os homens usavam cabeleiras. Eram as
perucas. Já se vê que nem todos os homens usavam
cabeleiras. Apenas os grandes fidalgos, os reis, os nobres
da corte. E só em determinadas épocas da História.
Noutras, usavam o cabelo ou comprido ou curto, mas
deles, sem disfarce.
  Luís XIV, um grande rei francês, mas também muito
vaidoso, tinha ao seu serviço quarenta cabeleireiros de
perucas, que só trabalhavam para ele. Os nobres da corte
ultrapassavam-se em presunção, para ostentarem as mais
belas cabeleiras, umas frisadas, outras escorridas, quase
todas empoadas e algumas com lacinhos e laçadas
coloridas. Cavaleiros, generais, espadachins, mosqueteiros
usavam perucas e, no intervalo das guerras, penteavam-nas
sobre os joelhos.
                            1
Uma vez, perguntaram-nos se o Marquês de Pombal
usava o cabelo caído para os ombros, como vemos nas
gravuras que o representam. Não há a certeza, mas,
segundo consta, o Marquês de Pombal até era careca…
   Ora o rei da nossa história, o rei Olindo – rei de um reino
qualquer, lá para algures ou mais longe ainda -, também
tinha em muita estima os seus caracóis.
   Vivia ele num palácio admirável, num palácio de sonho,
mas não de todos os sonhos, num palácio de alto lá com
ele, não fossem as correntes de ar.
   Como o palácio tinha muitas janelas – 365 janelas, mais
precisamente – e muitas portas e muitos criados, que iam e
vinham e abriam portas e fechavam portas, as salas do
palácio eram mais desconfortáveis do que uma praça
pública, em dia de vendaval…
   Pois era. As correntes de ar é que estragavam tudo, até as
audiências em que o rei Olindo tinha de receber, por dever
de oficio, os seus súbditos mais humildes.
   – Estejam descansados. Vou tentar resolver o vosso caso
– assim respondia a todos os pedidos, para despachar.
   Estava o rei a dizer isto mesmo, quando uma janela se
abriu por si e … o resto está à vista ou imagina-se.
   – Onde se teria metido a minha cabeleira? Onde se teria
metido? – balbuciava, de gatas, o rei Olindo, um pouco
menos lindo do que era costume.
   Quando a encontraram, o rei deu por finda a audiência.
   Que desastre!
   Daí em diante, só passou a aparecer em público com
uma pesada coroa por cima da cabeleira, espécie de
pisa-papéis, isto é de pisa-cabeleiras. A coroa de muito


                              2
peso fazia-lhe dores de cabeça. Que remédio! Sujeitar-se a
outra desfeita do vento é que não.
  Os sacrifícios que um rei tem de fazer para conservar a
cabeleira… E o reino.


  FIM




                            3

Mais conteúdo relacionado

Mais procurados (10)

O milagre das rosas
O milagre das rosasO milagre das rosas
O milagre das rosas
 
Os LusiAdas (Canto Iv) 9 D
Os LusiAdas (Canto Iv)  9 DOs LusiAdas (Canto Iv)  9 D
Os LusiAdas (Canto Iv) 9 D
 
Ulisses
UlissesUlisses
Ulisses
 
Milagre das rosas
Milagre das rosasMilagre das rosas
Milagre das rosas
 
Ulisses
UlissesUlisses
Ulisses
 
Pedro e inês 1 m
Pedro  e  inês 1 mPedro  e  inês 1 m
Pedro e inês 1 m
 
O conde de monte cristo
O conde de monte cristoO conde de monte cristo
O conde de monte cristo
 
Capítulo XXII - MC
Capítulo XXII - MCCapítulo XXII - MC
Capítulo XXII - MC
 
Ato 02 nunca seja mais do que o seu superior
Ato 02   nunca seja mais do que o seu superiorAto 02   nunca seja mais do que o seu superior
Ato 02 nunca seja mais do que o seu superior
 
01.04 quiterio atrevido
01.04   quiterio atrevido01.04   quiterio atrevido
01.04 quiterio atrevido
 

Semelhante a 02.22 fechem essa janela

Agrupamento de escolas
Agrupamento de escolasAgrupamento de escolas
Agrupamento de escolas1cdepartamento
 
Sugestão de atividade de leitura e escrita (1)
Sugestão de atividade de leitura e escrita (1)Sugestão de atividade de leitura e escrita (1)
Sugestão de atividade de leitura e escrita (1)helena takahashi
 
47792084 o-visconde-de-bragelonne-01-alexandre-dumas
47792084 o-visconde-de-bragelonne-01-alexandre-dumas47792084 o-visconde-de-bragelonne-01-alexandre-dumas
47792084 o-visconde-de-bragelonne-01-alexandre-dumasAllesandra Melo
 
Os doze de inglaterra
Os doze de inglaterraOs doze de inglaterra
Os doze de inglaterraagnes2012
 
Os doze de inglaterra
Os doze de inglaterraOs doze de inglaterra
Os doze de inglaterraagnes2012
 
A Aia - sistematização.pptx
A Aia - sistematização.pptxA Aia - sistematização.pptx
A Aia - sistematização.pptxfernandomondim
 
O espelho e a máscara
O espelho e a máscaraO espelho e a máscara
O espelho e a máscaraasevero81
 
Italo calvino o visconde partido ao meio
Italo calvino   o visconde partido ao meioItalo calvino   o visconde partido ao meio
Italo calvino o visconde partido ao meioBeatriz Felice
 
Alexandre herculano o castelo de faria
Alexandre herculano   o castelo de fariaAlexandre herculano   o castelo de faria
Alexandre herculano o castelo de fariaTulipa Zoá
 
Alexandre dumas memórias de um médico 1 - josé bálsamo 2 (pdf) (rev) (1)
Alexandre dumas   memórias de um médico 1 - josé bálsamo 2 (pdf) (rev) (1)Alexandre dumas   memórias de um médico 1 - josé bálsamo 2 (pdf) (rev) (1)
Alexandre dumas memórias de um médico 1 - josé bálsamo 2 (pdf) (rev) (1)Attitude Agro Cons. Ltda.
 
Lendas de Portugal Gentil Marques
Lendas de Portugal Gentil MarquesLendas de Portugal Gentil Marques
Lendas de Portugal Gentil MarquesFernanda Sousa
 
Novelas de Cavalaria e Humanismo
Novelas de Cavalaria e HumanismoNovelas de Cavalaria e Humanismo
Novelas de Cavalaria e HumanismoCrisBiagio
 
Angelica a marquesa dos anjos 2 - o suplicio de angelica
Angelica a marquesa dos anjos   2 - o suplicio de angelicaAngelica a marquesa dos anjos   2 - o suplicio de angelica
Angelica a marquesa dos anjos 2 - o suplicio de angelicakennyaeduardo
 

Semelhante a 02.22 fechem essa janela (20)

Agrupamento de escolas
Agrupamento de escolasAgrupamento de escolas
Agrupamento de escolas
 
A bela adormecida
A bela adormecidaA bela adormecida
A bela adormecida
 
Sugestão de atividade de leitura e escrita (1)
Sugestão de atividade de leitura e escrita (1)Sugestão de atividade de leitura e escrita (1)
Sugestão de atividade de leitura e escrita (1)
 
47792084 o-visconde-de-bragelonne-01-alexandre-dumas
47792084 o-visconde-de-bragelonne-01-alexandre-dumas47792084 o-visconde-de-bragelonne-01-alexandre-dumas
47792084 o-visconde-de-bragelonne-01-alexandre-dumas
 
Os doze de inglaterra
Os doze de inglaterraOs doze de inglaterra
Os doze de inglaterra
 
Os doze de inglaterra
Os doze de inglaterraOs doze de inglaterra
Os doze de inglaterra
 
O Rei Alfredo
O Rei AlfredoO Rei Alfredo
O Rei Alfredo
 
A Aia - sistematização.pptx
A Aia - sistematização.pptxA Aia - sistematização.pptx
A Aia - sistematização.pptx
 
Concelho de odivelas
Concelho de odivelasConcelho de odivelas
Concelho de odivelas
 
O espelho e a máscara
O espelho e a máscaraO espelho e a máscara
O espelho e a máscara
 
O Melhor
O MelhorO Melhor
O Melhor
 
Italo calvino o visconde partido ao meio
Italo calvino   o visconde partido ao meioItalo calvino   o visconde partido ao meio
Italo calvino o visconde partido ao meio
 
Inglaterra
InglaterraInglaterra
Inglaterra
 
Alexandre herculano o castelo de faria
Alexandre herculano   o castelo de fariaAlexandre herculano   o castelo de faria
Alexandre herculano o castelo de faria
 
04.13 uma historia de viriato
04.13   uma historia de viriato04.13   uma historia de viriato
04.13 uma historia de viriato
 
Alexandre dumas memórias de um médico 1 - josé bálsamo 2 (pdf) (rev) (1)
Alexandre dumas   memórias de um médico 1 - josé bálsamo 2 (pdf) (rev) (1)Alexandre dumas   memórias de um médico 1 - josé bálsamo 2 (pdf) (rev) (1)
Alexandre dumas memórias de um médico 1 - josé bálsamo 2 (pdf) (rev) (1)
 
Pedro Peixoto
Pedro PeixotoPedro Peixoto
Pedro Peixoto
 
Lendas de Portugal Gentil Marques
Lendas de Portugal Gentil MarquesLendas de Portugal Gentil Marques
Lendas de Portugal Gentil Marques
 
Novelas de Cavalaria e Humanismo
Novelas de Cavalaria e HumanismoNovelas de Cavalaria e Humanismo
Novelas de Cavalaria e Humanismo
 
Angelica a marquesa dos anjos 2 - o suplicio de angelica
Angelica a marquesa dos anjos   2 - o suplicio de angelicaAngelica a marquesa dos anjos   2 - o suplicio de angelica
Angelica a marquesa dos anjos 2 - o suplicio de angelica
 

Mais de Masterliduina Moreira (20)

04.14 as mazonas da gata borralheira
04.14   as mazonas da gata borralheira04.14   as mazonas da gata borralheira
04.14 as mazonas da gata borralheira
 
04.14 as mazonas da gata borralheira
04.14   as mazonas da gata borralheira04.14   as mazonas da gata borralheira
04.14 as mazonas da gata borralheira
 
04.12 o rato e a lua
04.12   o rato e a lua04.12   o rato e a lua
04.12 o rato e a lua
 
04.11 pegadas de gaivota
04.11   pegadas de gaivota04.11   pegadas de gaivota
04.11 pegadas de gaivota
 
04.10 o mar e o caracol
04.10   o mar e o caracol04.10   o mar e o caracol
04.10 o mar e o caracol
 
04.09 o salpico
04.09   o salpico04.09   o salpico
04.09 o salpico
 
04.03 o lobo e o mocho
04.03   o lobo e o mocho04.03   o lobo e o mocho
04.03 o lobo e o mocho
 
04.08 sapatos de passeio
04.08   sapatos de passeio04.08   sapatos de passeio
04.08 sapatos de passeio
 
04.07 no tempo dos mosqueteiros
04.07   no tempo dos mosqueteiros04.07   no tempo dos mosqueteiros
04.07 no tempo dos mosqueteiros
 
04.06 a côr dos gatos
04.06   a côr dos gatos04.06   a côr dos gatos
04.06 a côr dos gatos
 
04.05 a tina aflita
04.05   a tina aflita04.05   a tina aflita
04.05 a tina aflita
 
04.04 o chorão e a trepadeira
04.04   o chorão e a trepadeira04.04   o chorão e a trepadeira
04.04 o chorão e a trepadeira
 
04.03 o lobo e o mocho
04.03   o lobo e o mocho04.03   o lobo e o mocho
04.03 o lobo e o mocho
 
04.02 livro fechado
04.02   livro fechado04.02   livro fechado
04.02 livro fechado
 
04.01 o risco das mentiras
04.01   o risco das mentiras04.01   o risco das mentiras
04.01 o risco das mentiras
 
02.29 os favores do borda d'agua
02.29   os favores do borda d'agua02.29   os favores do borda d'agua
02.29 os favores do borda d'agua
 
02.29 os favores do borda d'agua
02.29   os favores do borda d'agua02.29   os favores do borda d'agua
02.29 os favores do borda d'agua
 
02.28 não sou capaz
02.28   não sou capaz02.28   não sou capaz
02.28 não sou capaz
 
02.27 os dois feiticeiros
02.27   os dois feiticeiros02.27   os dois feiticeiros
02.27 os dois feiticeiros
 
02.26 a galinha avarenta
02.26   a galinha avarenta02.26   a galinha avarenta
02.26 a galinha avarenta
 

02.22 fechem essa janela

  • 1. FECHEM ESSA JANELA Domingo de Carnaval D antes os homens usavam cabeleiras. Eram as perucas. Já se vê que nem todos os homens usavam cabeleiras. Apenas os grandes fidalgos, os reis, os nobres da corte. E só em determinadas épocas da História. Noutras, usavam o cabelo ou comprido ou curto, mas deles, sem disfarce. Luís XIV, um grande rei francês, mas também muito vaidoso, tinha ao seu serviço quarenta cabeleireiros de perucas, que só trabalhavam para ele. Os nobres da corte ultrapassavam-se em presunção, para ostentarem as mais belas cabeleiras, umas frisadas, outras escorridas, quase todas empoadas e algumas com lacinhos e laçadas coloridas. Cavaleiros, generais, espadachins, mosqueteiros usavam perucas e, no intervalo das guerras, penteavam-nas sobre os joelhos. 1
  • 2. Uma vez, perguntaram-nos se o Marquês de Pombal usava o cabelo caído para os ombros, como vemos nas gravuras que o representam. Não há a certeza, mas, segundo consta, o Marquês de Pombal até era careca… Ora o rei da nossa história, o rei Olindo – rei de um reino qualquer, lá para algures ou mais longe ainda -, também tinha em muita estima os seus caracóis. Vivia ele num palácio admirável, num palácio de sonho, mas não de todos os sonhos, num palácio de alto lá com ele, não fossem as correntes de ar. Como o palácio tinha muitas janelas – 365 janelas, mais precisamente – e muitas portas e muitos criados, que iam e vinham e abriam portas e fechavam portas, as salas do palácio eram mais desconfortáveis do que uma praça pública, em dia de vendaval… Pois era. As correntes de ar é que estragavam tudo, até as audiências em que o rei Olindo tinha de receber, por dever de oficio, os seus súbditos mais humildes. – Estejam descansados. Vou tentar resolver o vosso caso – assim respondia a todos os pedidos, para despachar. Estava o rei a dizer isto mesmo, quando uma janela se abriu por si e … o resto está à vista ou imagina-se. – Onde se teria metido a minha cabeleira? Onde se teria metido? – balbuciava, de gatas, o rei Olindo, um pouco menos lindo do que era costume. Quando a encontraram, o rei deu por finda a audiência. Que desastre! Daí em diante, só passou a aparecer em público com uma pesada coroa por cima da cabeleira, espécie de pisa-papéis, isto é de pisa-cabeleiras. A coroa de muito 2
  • 3. peso fazia-lhe dores de cabeça. Que remédio! Sujeitar-se a outra desfeita do vento é que não. Os sacrifícios que um rei tem de fazer para conservar a cabeleira… E o reino. FIM 3