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FOTOGRAFIA
AS leNtES de UM
CAtaDOr De hIStóRIas
3
FOTOGRAFIA ARTE.
Dominar a arte da fotografia é um pouco como
ser um mágico, como ter um poder misterioso, por-
que não há quem permaneça impassível diante das
imagens. Alguns se encantam com as fotos antigas,
mesmo desbotadas e danificadas pelo tempo. Outros
são aficionados pelos rostos e paisagens de lugares
distantes, onde nunca estive-ram. Muita gente adora
olhar e rever as fotos de artistas, amigos, parentes, lo-
cais onde esteve, lembrar do que vi-veu. As fotografias
documentam também cenas incríveis, que vão além
da nossa imaginação, coisas que só pode-mos acre-
ditar depois de vê-las retratas. Uma foto pode, ainda,
fazer muito mais, como forçar um diálogo entre o
passado e o presente de uma pessoa, entre o que ela
já foi e o que se tornou, exibindo, com franqueza, as
transfor-mações, os ganhos, as perdas. A maioria de
nós se desespera com a superfície, com os sinais do
envelhecimento em nossos rostos e corpos. Mas, se
olharmos nos olhos de nós mesmos, numa foto, pode-
remos viver um momento especial, como se reencon-
trássemos um amigo distante que, com certeza, terá
algo de importante para nos dizer.
O irresistível desejo de conhecer rostos e paisagens
desconhecidos sempre foi um grande impulsionador
da fo-tografia. A maioria dos fotógrafos pioneiros veio
de longe: Alemanha, Inglaterra, Suiça. Demoravam-se
apenas al-guns meses ou poucos anos, fotografando
para empresas e clientes abastados. A nossa sorte é
que seus olhos sen-síveis não resistiam à curiosida-
de de conhecer também outros cenários e modelos.
Como Benjamim Mulock, que veio na década de 1860,
a serviço de uma companhia inglesa que construía es-
tradas de ferro, e nos fez o favor de registrar imagens
do Rio Vermelho, além de produzir, pela primeira vez,
um grande panorama de Salvador vista do mar. Fotó-
grafos como Lindemann, autor de dezenas de ima-
gens de tipos populares, demonstrando quem era e
como vivia o povo que andava pelas ruas de Salvador.
Ou como Marc Ferrez, que paciente e corajosamente
levou sua parafernália a locais distantes e tirou as pri-
meiras fotos dos temidos botocudos no sul do Estado
e as vistas dos Abrolhos, de Salvador e da cachoeira de
Paulo Afonso, conta o pesquisador Gilberto Ferrez, em
seu livro Bahia – ve-lhas fotografias.
Foi nos anos 70 que a Bahia começou a descobrir a
sua própria beleza e revelar com mais agudeza os seus
fotógra-fos. Esboçando alguns saltos históricos, até
hoje, qualquer dia claro com uma luz bonita, já é sufi-
ciente para fazer alguns deles colocarem a câmera na
sacola e sair por aí, para homenagear a beleza da ci-
dade. A partir daí que um bando de jovens fotógrafos
começou a revelar para o mundo a morenice dos aca-
rajés, o indefinível azul do mar, o dourado das igrejas,
os tons de pele e todas as outras cores que fazem da
Bahia um lugar inebriante. Onde houves-se pescado-
res, vaqueiros, índios, candomblés, romarias, artesãos,
festas populares, feiras, matas, caatingas e praias, eles
estariam.
NÃOÉAPENASAFOTOGRAFIA,MASTUDOQUE
SEREVELAANTESDELA.COMOUMCATADORDE
HISTÓRIAS,RICARDOPRADODES-BRAVAEABRAÇA
ASMINÚCIASEARRANJOSDESEUSPERSONAGENS
4
RICARDO PRADO, UM CATADOR DE HISTÓRIAS.
Adiante as muitas mudanças, em seus mais di-
versos aspectos, cada lugar vem consagrando conta-
do-res/catadores de histórias singulares, reavivando
narrativas. É o caso do fotógrafo Ricardo Prado.
A exposição Fé, em cartaz no Foyer do Teatro Cas-
tro Alves, em Salvador, do fotógrafo Ricardo Prado
traduz “a pro-fundidade e a beleza de uma das mais
autênticas representações de fé e devoção do Brasil,
a romaria de Bom Jesus da Lapa, a terceira maior
do país”. “Busquei a manifestação espontânea, pura,
e o que há de mais singelo na busca individual pelo
elo com a divindade, a crença no invisível”, afirma o
Prado, que por três anos registrou a romaria rea-li-
zada no mês de agosto, no sertão baiano. “Presenciei
momentos de epifania. É muito belo ver o profundo
senti-mento de pessoas que têm muito pouco, mas
que revelam uma grande conexão com a divindade. É
a força desse sentimento que faz com que elas cami-
nhem”, relata Prado, que é formado em Comunicação
Social e atua como fo-tógrafo profissional desde 1997,
nas áreas de fotojornalismo, documentário e publici-
dade.
Nas palavras de Valéria Simões, curadora de algu-
mas das exposições de Prado incluindo a do TCA, “A
força da crença dos romeiros retratados nas imagens
colhidas por Ricardo Prado nos emociona pela plas-
ticidade e pela sensibilidade. O fotógrafo consegue
flagrar momentos mágicos de seus personagens, em
plena conexão com a sua fé, provocando uma refle-
xão de quão grande é a devoção e entrega desse povo
tão sofrido, mas que não deixa de insistir na vida, re-
afirmando a cada ida neste santuário religioso, a sua
crença e esperança em dias melhores”. A Romaria de
Bom Jesus da Lapa é terceira maior, do Brasil, e é re-
alizada em agosto, no município da região oeste da
Bahia situado a 850 km de Salvador. Milhares de fiéis
participam das manifestações não apenas durante o
mês festivo, mas durante todo o ano. A grande marca
desta peregrinação, além do grande número de aces-
sos, é sua relação com os aspectos geológicos da re-
gião, onde se destaca um maciço de calcário de 90 me-
tros de altura recor-tado em galerias e grutas. Nesse
cenário natural em que milhares de romeiros cultuam
o Bom Jesus, fé e natureza se unem de forma peculiar.
O lugar tornou-se destino de romaria há mais de 300
anos. Em 1691, Francisco de Mendonça Mar desco-
briu a gruta que até hoje serve como Igreja do Bom
Jesus da Lapa. No altar, construído na pe-dra, ouve-se
romeiros vindos de diversas áreas, em sua maioria
5
pequenos agricultores, balbuciando preces, fazen-do
seus pedidos e agradecimentos; outros misturam pa-
lavras com lágrimas; outros pagam promessas deixan-
do ex-votos, como fotos, cartas, muletas, etc.
A mostra Fé faz também a junção de duas lingua-
gens artísticas, ao unir as imagens de Ricardo Prado à
po-esia de José Inácio Vieira de Melo, alagoano radica-
do na Bahia: “Fé não é da boca pra fora. Só se conhece
quem tem fé, quando o tempo crava as esporas”. José
Inácio Vieira de Melo é poeta, produtor cultural e jor-
nalista forma-do na UFBA, com cinco livros de poe-
mas publicados e traduzidos em vários idiomas.
Mas, as lentes do fotógrafo são olhos despertos,
treinados e sempre à espreita de instante exato de
captura. E, em fração de segundos, Ricardo consegue
flagrar emoções, cores, texturas e o próprio tempo,
congelando cada um desses elementos e argumentos,
com um simples clic. Para, em um momento seguin-
te, iniciar um processo de re-velação perseverante,
cuidado, técnico, que devolve o movimento, a graça
ao movimento capturado. Descongela-se a cena, que
ganha novos contornos através dos olhos dos outros.
A sua mais nova imersão se insinua agora, ao lei-
tor, em formato de livro. Três Marias, três mulheres
do sertão, acostumadas a trabalhar sob o sol, a saber
que só com o suor no rosto e os calos nas mãos é que
podem ter na mesa o pão de cada dia. A coragem e a
fé em dias melhores é herdada de seus pais, que como
milhares de bra-sileiros, são pessoas simples, traba-
lhadoras, honestas. Como expressa Prado “Em tempos
em que ninguém se es-panta mais com tanta rouba-
lheira e escândalos de corrupção, vistos todos os dias
nos noticiários das TVs, eu tenho fé nessas Marias,
que na plenitude de seus 87, 92 e 94 anos, têm nos
olhos um espelho cristalino, que irradia uma luz pura,
limpa e verdadeira”. E é com essa precisão do olhar
que apresenta estas três Marias no livro Epifania, pri-
-meiro trabalho 100% autoral.
Hoje em dia, há quem afirme que a profissão de
fotógrafo está com os dias contados, pois os equipa-
mentos es-tão cada vez mais sofisticados e acessíveis,
sendo usados por um número sempre crescente de
pessoas. E, com as facilidades proporcionadas pela
computação, ter suas fotos copiadas é tão fácil que
torna difícil o controle da pirata-ria e a garantia de re-
muneração. Mas, talvez, as coisas não sejam tão sim-
ples assim, porque, para fazer uma boa foto, que co-
munique, seduza, desconcerte, surpreenda, é preciso
ter nascido com algumas habilidades especiais. É pre-
ciso estar sempre atento aos pequenos detalhes, saber
ser invisível, ser apaixonado pela vida, com todas as
su-as imperfeições. É preciso ser capaz de emudecer
diante de uma paisagem, de desvendar a beleza de
outro ser humano, de indignar-se com as injustiças.
Porque metade da emoção que encontramos nas fo-
tografias está no mundo, e a outra metade, está nos
olhos de quem a viu.
Exposição “Fé” – Ricardo Prado | 30 fotografias em
Preto-e-Branco, visitação gratuita
Foyer do Teatro Castro Alves, em AGOSTO, diariamente,
das 12h às 18h.
Cidade de Bom Jesus da Lapa - oeste baiano, em SE-
TEMBRO
Livro “Epifanias” – Ricardo Prado | Lançado em
abril/2016, e disponível para compra em www.ricardo-
prado.net

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O olhar de um contador de histórias

  • 1. 22 FOTOGRAFIA AS leNtES de UM CAtaDOr De hIStóRIas
  • 2. 3 FOTOGRAFIA ARTE. Dominar a arte da fotografia é um pouco como ser um mágico, como ter um poder misterioso, por- que não há quem permaneça impassível diante das imagens. Alguns se encantam com as fotos antigas, mesmo desbotadas e danificadas pelo tempo. Outros são aficionados pelos rostos e paisagens de lugares distantes, onde nunca estive-ram. Muita gente adora olhar e rever as fotos de artistas, amigos, parentes, lo- cais onde esteve, lembrar do que vi-veu. As fotografias documentam também cenas incríveis, que vão além da nossa imaginação, coisas que só pode-mos acre- ditar depois de vê-las retratas. Uma foto pode, ainda, fazer muito mais, como forçar um diálogo entre o passado e o presente de uma pessoa, entre o que ela já foi e o que se tornou, exibindo, com franqueza, as transfor-mações, os ganhos, as perdas. A maioria de nós se desespera com a superfície, com os sinais do envelhecimento em nossos rostos e corpos. Mas, se olharmos nos olhos de nós mesmos, numa foto, pode- remos viver um momento especial, como se reencon- trássemos um amigo distante que, com certeza, terá algo de importante para nos dizer. O irresistível desejo de conhecer rostos e paisagens desconhecidos sempre foi um grande impulsionador da fo-tografia. A maioria dos fotógrafos pioneiros veio de longe: Alemanha, Inglaterra, Suiça. Demoravam-se apenas al-guns meses ou poucos anos, fotografando para empresas e clientes abastados. A nossa sorte é que seus olhos sen-síveis não resistiam à curiosida- de de conhecer também outros cenários e modelos. Como Benjamim Mulock, que veio na década de 1860, a serviço de uma companhia inglesa que construía es- tradas de ferro, e nos fez o favor de registrar imagens do Rio Vermelho, além de produzir, pela primeira vez, um grande panorama de Salvador vista do mar. Fotó- grafos como Lindemann, autor de dezenas de ima- gens de tipos populares, demonstrando quem era e como vivia o povo que andava pelas ruas de Salvador. Ou como Marc Ferrez, que paciente e corajosamente levou sua parafernália a locais distantes e tirou as pri- meiras fotos dos temidos botocudos no sul do Estado e as vistas dos Abrolhos, de Salvador e da cachoeira de Paulo Afonso, conta o pesquisador Gilberto Ferrez, em seu livro Bahia – ve-lhas fotografias. Foi nos anos 70 que a Bahia começou a descobrir a sua própria beleza e revelar com mais agudeza os seus fotógra-fos. Esboçando alguns saltos históricos, até hoje, qualquer dia claro com uma luz bonita, já é sufi- ciente para fazer alguns deles colocarem a câmera na sacola e sair por aí, para homenagear a beleza da ci- dade. A partir daí que um bando de jovens fotógrafos começou a revelar para o mundo a morenice dos aca- rajés, o indefinível azul do mar, o dourado das igrejas, os tons de pele e todas as outras cores que fazem da Bahia um lugar inebriante. Onde houves-se pescado- res, vaqueiros, índios, candomblés, romarias, artesãos, festas populares, feiras, matas, caatingas e praias, eles estariam. NÃOÉAPENASAFOTOGRAFIA,MASTUDOQUE SEREVELAANTESDELA.COMOUMCATADORDE HISTÓRIAS,RICARDOPRADODES-BRAVAEABRAÇA ASMINÚCIASEARRANJOSDESEUSPERSONAGENS
  • 3. 4 RICARDO PRADO, UM CATADOR DE HISTÓRIAS. Adiante as muitas mudanças, em seus mais di- versos aspectos, cada lugar vem consagrando conta- do-res/catadores de histórias singulares, reavivando narrativas. É o caso do fotógrafo Ricardo Prado. A exposição Fé, em cartaz no Foyer do Teatro Cas- tro Alves, em Salvador, do fotógrafo Ricardo Prado traduz “a pro-fundidade e a beleza de uma das mais autênticas representações de fé e devoção do Brasil, a romaria de Bom Jesus da Lapa, a terceira maior do país”. “Busquei a manifestação espontânea, pura, e o que há de mais singelo na busca individual pelo elo com a divindade, a crença no invisível”, afirma o Prado, que por três anos registrou a romaria rea-li- zada no mês de agosto, no sertão baiano. “Presenciei momentos de epifania. É muito belo ver o profundo senti-mento de pessoas que têm muito pouco, mas que revelam uma grande conexão com a divindade. É a força desse sentimento que faz com que elas cami- nhem”, relata Prado, que é formado em Comunicação Social e atua como fo-tógrafo profissional desde 1997, nas áreas de fotojornalismo, documentário e publici- dade. Nas palavras de Valéria Simões, curadora de algu- mas das exposições de Prado incluindo a do TCA, “A força da crença dos romeiros retratados nas imagens colhidas por Ricardo Prado nos emociona pela plas- ticidade e pela sensibilidade. O fotógrafo consegue flagrar momentos mágicos de seus personagens, em plena conexão com a sua fé, provocando uma refle- xão de quão grande é a devoção e entrega desse povo tão sofrido, mas que não deixa de insistir na vida, re- afirmando a cada ida neste santuário religioso, a sua crença e esperança em dias melhores”. A Romaria de Bom Jesus da Lapa é terceira maior, do Brasil, e é re- alizada em agosto, no município da região oeste da Bahia situado a 850 km de Salvador. Milhares de fiéis participam das manifestações não apenas durante o mês festivo, mas durante todo o ano. A grande marca desta peregrinação, além do grande número de aces- sos, é sua relação com os aspectos geológicos da re- gião, onde se destaca um maciço de calcário de 90 me- tros de altura recor-tado em galerias e grutas. Nesse cenário natural em que milhares de romeiros cultuam o Bom Jesus, fé e natureza se unem de forma peculiar. O lugar tornou-se destino de romaria há mais de 300 anos. Em 1691, Francisco de Mendonça Mar desco- briu a gruta que até hoje serve como Igreja do Bom Jesus da Lapa. No altar, construído na pe-dra, ouve-se romeiros vindos de diversas áreas, em sua maioria
  • 4. 5 pequenos agricultores, balbuciando preces, fazen-do seus pedidos e agradecimentos; outros misturam pa- lavras com lágrimas; outros pagam promessas deixan- do ex-votos, como fotos, cartas, muletas, etc. A mostra Fé faz também a junção de duas lingua- gens artísticas, ao unir as imagens de Ricardo Prado à po-esia de José Inácio Vieira de Melo, alagoano radica- do na Bahia: “Fé não é da boca pra fora. Só se conhece quem tem fé, quando o tempo crava as esporas”. José Inácio Vieira de Melo é poeta, produtor cultural e jor- nalista forma-do na UFBA, com cinco livros de poe- mas publicados e traduzidos em vários idiomas. Mas, as lentes do fotógrafo são olhos despertos, treinados e sempre à espreita de instante exato de captura. E, em fração de segundos, Ricardo consegue flagrar emoções, cores, texturas e o próprio tempo, congelando cada um desses elementos e argumentos, com um simples clic. Para, em um momento seguin- te, iniciar um processo de re-velação perseverante, cuidado, técnico, que devolve o movimento, a graça ao movimento capturado. Descongela-se a cena, que ganha novos contornos através dos olhos dos outros. A sua mais nova imersão se insinua agora, ao lei- tor, em formato de livro. Três Marias, três mulheres do sertão, acostumadas a trabalhar sob o sol, a saber que só com o suor no rosto e os calos nas mãos é que podem ter na mesa o pão de cada dia. A coragem e a fé em dias melhores é herdada de seus pais, que como milhares de bra-sileiros, são pessoas simples, traba- lhadoras, honestas. Como expressa Prado “Em tempos em que ninguém se es-panta mais com tanta rouba- lheira e escândalos de corrupção, vistos todos os dias nos noticiários das TVs, eu tenho fé nessas Marias, que na plenitude de seus 87, 92 e 94 anos, têm nos olhos um espelho cristalino, que irradia uma luz pura, limpa e verdadeira”. E é com essa precisão do olhar que apresenta estas três Marias no livro Epifania, pri- -meiro trabalho 100% autoral. Hoje em dia, há quem afirme que a profissão de fotógrafo está com os dias contados, pois os equipa- mentos es-tão cada vez mais sofisticados e acessíveis, sendo usados por um número sempre crescente de pessoas. E, com as facilidades proporcionadas pela computação, ter suas fotos copiadas é tão fácil que torna difícil o controle da pirata-ria e a garantia de re- muneração. Mas, talvez, as coisas não sejam tão sim- ples assim, porque, para fazer uma boa foto, que co- munique, seduza, desconcerte, surpreenda, é preciso ter nascido com algumas habilidades especiais. É pre- ciso estar sempre atento aos pequenos detalhes, saber ser invisível, ser apaixonado pela vida, com todas as su-as imperfeições. É preciso ser capaz de emudecer diante de uma paisagem, de desvendar a beleza de outro ser humano, de indignar-se com as injustiças. Porque metade da emoção que encontramos nas fo- tografias está no mundo, e a outra metade, está nos olhos de quem a viu. Exposição “Fé” – Ricardo Prado | 30 fotografias em Preto-e-Branco, visitação gratuita Foyer do Teatro Castro Alves, em AGOSTO, diariamente, das 12h às 18h. Cidade de Bom Jesus da Lapa - oeste baiano, em SE- TEMBRO Livro “Epifanias” – Ricardo Prado | Lançado em abril/2016, e disponível para compra em www.ricardo- prado.net