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João Miguel Pereira – joaofreigil@hotmail.com
Universidade Católica Portuguesa – Faculdade de Teologia
Braga, 2020
Unidade: Hermenêutica dos Textos Religiosos
Aluno: João Miguel Pereira
Estudo do texto: João Manuel Duque, Teologia das religiões.
1. O autor começa por fazer uma distinção entre teologia das religiões e diálogo inter-religioso. Para ele,
«o que pretende a teologia das religiões é sistematizar os fundamentos teológicos para qualquer diálogo
inter-religioso, centrando-se nas questões de se esse diálogo é possível, a partir de pressupostos
teológicos; ou mesmo, se esse diálogo é exigido por esses pressupostos teológicos».
2. Segundo nos diz, a teologia das religiões «normalmente realiza-se como reflexão sistemática sobre
uma determinada tradição crente e é, por isso, normalmente confessional, ou seja, parte já de uma
comunidade religiosa, como seu pressuposto».
3. Por isso, o estudo que aqui se faz, sobre o «significado da existência de várias tradições religiosas
diferentes», assenta inevitavelmente em pressupostos da teologia cristã. Chama-lhe por isso «teologia
cristã das religiões».
4. Na teologia medieval o trabalho teológico consistia na análise racional dos dogmas aplicando-lhes as
categorias da razão (sobretudo de matriz aristotélica) para um melhor esclarecimento. Isto acontecia
em relação apenas ao cristianismo já que «as outras religiões não eram propriamente vistas como
religiões – a única digna desse nome era o cristianismo».
5. Na renascença, sobretudo com o processo da modernidade, a consciência da existência de «diferentes
tradições religiosas, ditas “positivas”, levou sobretudo à relativização da religião». Deu-se origem a
uma espécie de «religião da razão» que divinizou a «razão puramente humana» e pretendeu «eliminar
o “factor” Deus, em nome da liberdade, autonomia e capacidade do ser humano (“morte de Deus”)».
Neste contexto histórico, «se algo semelhante a Deus existisse, esse teria que ser o próprio ser
humano».
6. À modernidade, a teologia reagiu «agressivamente, na manutenção da forma medieval pura e
simples». Mais tarde passou a aceitar o paradigma antropológico da modernidade: «O ser humano,
enquanto tal e analisado até à sua mais profunda raiz, passou a ser o ponto de partida imediato do
trabalho teológico».
7. Não deveremos esquecer é que «o ser humano analisado foi, essencialmente, o ser humano ocidental,
resultante do processo de secularização e, por isso, sempre marcado pela questão do ateísmo ou da
ausência do religioso».
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João Miguel Pereira – joaofreigil@hotmail.com
8. Para lá disso, diz-nos o autor que no séc. XX, «mesmo no coração do ocidente secularizado, assistiu-
se ao regresso do interesse pessoal e social pelo fenómeno religioso, com o aumento da correspondente
vivência prática». Ao mesmo tempo, a descoberta de novos mundos, culturas, e religiões, tornou a
consciência ocidental «tolerante e pluralista obriga[da] a considerar a validade – pelo menos potencial
– de todas essas culturas e religiões».
9. Este facto fez alterar o pressuposto antropológico da teologia cristã. «De facto, já não se trata de
assumir o homem tendencialmente ateu, mas de ir ao encontro do homo religiosus, tal como vive a
sua religiosidade, nos mais diversos contextos». A teologia cristã vê-se agora confrontada com uma
«conceção que parece colocar em causa a sua pretensão de verdade absoluta».
10. «Assim se justifica que o ponto de partida antropológico e cultural, isto é, o contexto hermenêutico da
teologia cristã atual seja, cada vez mais, o fenómeno do pluralismo religioso e tudo o que isso implica».
11. Paul Tillich apresentou uma formulação teológica segundo a qual «a história das religiões constitui o
próprio acontecimento da manifestação ou revelação de Deus. É, pois, um acontecimento de constante
incarnação de Deus na história, em crenças e ritos concretos». Esse processo de incarnação está sempre
sujeito à crítica». «Em Jesus Cristo cumpre-se em plenitude toda a história da religião, pois ele é a
conjugação mais perfeita entre incarnação de Deus e crítica de toda a incarnação. O cristianismo deve
viver dessa atitude recetiva do incondicionado, na forma histórica da sua realização».
12. Karl Rahner aborda uma dupla dimensão transcendental e categorial do ser humano. «A orientação
para Deus constitui um existencial do ser humano, que desse modo está transcendentalmente
relacionado com esse mesmo Deus, quer o assuma conscientemente ou não. Mas essa orientação
transcendental só acontece categorialmente, em expressões religiosas concretas. Em Jesus Cristo
encontramos uma união exemplar e plena entre transcendental e categorial, de tal modo que ele
constitui referência originária de toda a atitude religiosa do ser humano, cristão ou não».
13. Wolfhart Pannenberg é da opinião que «sendo a história humana um processo ainda inacabado e
sendo cada contexto histórico sempre limitado, a verdade absoluta de cada tradição religiosa – e a
resposta definitiva à questão da verdade, no debate entre essas tradições – só será conhecida no final
da história. No interior da história, vive-se apenas o debate provisório e inacabado da questão dessa
verdade».
14. Nestas três visões vê-se uma evolução relativamente à ideia vigente até vésperas do Concílio Vaticano
II à qual se costuma denominar de «exclusivismo, e que se baseia na convicção e afirmação estrita de
que “fora da Igreja não há salvação”. Ou seja, à afirmação de que Jesus Cristo é o único mediador da
salvação, por isso da revelação ou auto-doação de Deus ao ser humano, junta-se a afirmação de que a
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João Miguel Pereira – joaofreigil@hotmail.com
Igreja, enquanto instituição, constitui a única mediadora da salvação crística. O cristianismo, enquanto
configuração histórica, é assim concebido como a incarnação da verdade absoluta, no que diz respeito
a Deus e à salvação da Humanidade. Face a esta concepção, as outras religiões só possuem elementos
válidos, na medida em que se identificam com o cristianismo. Na sua globalidade, são falsas. A única
via possível é a conversão dos seus fiéis ao espaço da Igreja, que possui a exclusividade da verdade
salvífica».
15. Esse exclusivismo foi sendo ultrapassado por um inclusivísmo nomeadamente presente na declaração
do Vaticano II “Nostra Aetate” «segundo a qual as outras religiões, pelo menos em muitos dos seus
elementos, estão incluídas no próprio cristianismo, mesmo se implicitamente. Espera-se a revelação
plena dessa inclusão no momento em que Cristo seja tudo em todos, de forma explícita».
16. «A chamada “teologia do cumprimento” é uma das versões deste inclusivismo, defendendo que o
cristianismo constitui a plenitude ou o cumprimento de todas as outras religiões, que se encontram a
caminho dessa perfeição e, por isso, a preparam. Ou então, prefere-se referir que Cristo está de algum
modo presente nas outras religiões, mesmo que de forma para nós encoberta e, por vezes, até
surpreendente para os cristãos. Por isso, o próprio cristianismo pode aprender e lucrar muito com o
conhecimento e a relação positiva a essas outras tradições religiosas».
17. «Alguns teólogos contemporâneos consideraram que mesmo o inclusivismo é, ainda, uma forma subtil
de afirmar a supremacia do cristianismo e a sua validade exclusiva». «Por isso, algumas tendências
mais radicais preferiram formular a teologia das religiões em termos de pluralismo absoluto».
18. Para o pluralismo absoluto «os diferentes conceitos de Deus e as formas de relacionamento com ele,
assim como a diversidade de mediadores, tudo isso se situa ao nível da manifestação. Como tal, são
elementos secundários, relativos. O que conta é a identificação ao nível do próprio Deus, enquanto
realidade última em que todas as religiões convergem. Em realidade, há apenas uma religião, porque
há um só Deus, sendo a diversidade fruto apenas da sua diferente manifestação em diferentes
contextos».
19. Jacques Dupuis, inicialmente era um exemplo do pluralismo absoluto, defendendo «uma distinção
básica entre a história de Jesus, sempre particular, por isso limitada, e o próprio Deus absoluto e
universal. Se é certo que Deus age, se revela e salva em Jesus Cristo, também é certo que, dado o
carácter particular da sua história, Jesus não esgota a ação salvífica de Deus, que se dá para além de si
mesmo, quer no espaço quer no tempo. Ou seja, em realidade não é possível falar do carácter absoluto,
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João Miguel Pereira – joaofreigil@hotmail.com
único e definitivo da revelação e doação de Deus em Jesus Cristo, o que permitiria um alargamento
das “vias de salvação” a todas as religiões, como base de todo o pluralismo religioso autêntico».
20. Mais recentemente Dupuis defende um pluralismo inclusivo aprofundando «mais a relação da
teologia das religiões com a identidade cristã». Propõe então que «a referência central a Jesus Cristo
como único mediador, de que uma teologia cristã não pode prescindir, não elimina o papel das outras
religiões, precisamente devido à dimensão trinitária da revelação de Deus em Jesus Cristo. Este, em
realidade, não se apresenta como auto-referencial, mas em essencial relação ao Pai e ao Espírito.
Concretamente, isso significa que, na revelação de Deus em Jesus Cristo se manifesta a distinção entre
o Filho e o Pai, que permanece maior do que todas as suas revelações ou manifestações históricas. Por
outro lado, manifesta-se também a referência ao Espírito, enquanto livre atuação de Deus na história,
para além das fronteiras de um espaço religioso determinado. Nesse sentido, em Jesus Cristo revela-
se um Deus e uma relação do ser humano a Deus que fundam a abertura à pluralidade dos caminhos
religiosos».
21. Claude Geffré sublinha a identidade kenótica como referência primordial para a vocação dialogante
do cristianismo. Defende «que a identidade do cristianismo passa pela relativização do si próprio, a
qual não lhe é exterior, mas é o próprio cristianismo que “comporta nele mesmo os seus próprios
princípios de relativização». «Só na medida em que o cristianismo, no aprofundamento da sua própria
identidade, descobre os seus limites, é que pode estar aberto a outros diferentes de si. Quer pela
dimensão escatológica – entenda-se, aqui, escatologia como orientação para uma plenitude a atingir
apenas no final da história […]; quer pela própria particularidade histórica da Incarnação, que implica
uma manifestação divina na “particularidade de uma humanidade contingente”; quer ainda pela
dimensão kenótica do cristianismo, com base no paradoxo da cruz, que implica uma negação de si
mesmo, enquanto forma de identidade;».
22. O autor, por seu turno, considerando o seu “quê” de verdade, distancia-se de todas as posições
apresentando os pós e contras de cada uma:
a) O exclusivismo tem a vantagem de afirmar claramente o valor absoluto da revelação de Deus em
Jesus Cristo, o qual é, enquanto Deus, o único mediador e salvador da Humanidade – e não mero
intermediário secundário, como pretendiam os gnosticismos subordinacianistas antigos. Mas, na
sua versão estrita, não possibilita qualquer relacionamento positivo com outras religiões, a não ser
na esperança de que deixem de o ser. Neste contexto, não é possível qualquer teologia das religiões,
no sentido preciso do termo.
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João Miguel Pereira – joaofreigil@hotmail.com
b) As versões inclusivistas abrem a possibilidade dessa teologia das religiões, assim como de um
relacionamento positivo com outras tradições religiosas. Em realidade, não abandonam a afirmação
do carácter absoluto, isto é, divino e redentor do acontecimento crístico. De qualquer modo, tendem
precisamente para uma certa inclusão das outras religiões no cristianismo, o que é compreensível
e aceitável na perspectiva estrita de uma teologia cristã das religiões, mas causa grandes
dificuldades no relacionamento real com outras religiões, que não querem ver-se incluídas no
cristianismo. Aliás, desse modo acaba-se por não respeitar corretamente a diferença concreta das
outras religiões, apenas as usando em função do cristianismo, como caminho para a sua plenitude.
c) A visão pluralista parece abrir o caminho para esse respeito da diferença ou alteridade das outras
religiões, mas em realidade é menos pluralista do que pretende. De facto, não leva a sério a
pluralidade das tradições religiosas, que são apenas concebidas como manifestações do mesmo, do
único Deus. Manifestações que não passam de modos diferentes, mas que podem ser
aleatoriamente substituídos por outros. As raízes gnósticas, modalistas e mesmo idealistas desta
visão são mais que evidentes – assim como os respectivos problemas.
d) O pluralismo inclusivo de Dupuis desenvolve importantes intuições, a caminho de uma correcta
formulação do problema no contexto da teologia cristã. De qualquer modo, mantém-se preso de
certas ambiguidades, no que respeita à distinção entre Jesus Cristo, o Pai e o Espírito. Se essas
distinções forem formuladas como distinção entre Jesus Cristo e Deus, não podem ser assumidas
pelo cristianismo. Mesmo que se recorra à famosa distinção de John Hick, entre totum Deus e totus
Deus, no sentido de que Jesus Cristo seria todo Deus, mas não seria a totalidade de Deus, a
ambiguidade não se supera, já que não é possível pensar que alguém seja todo Deus sem ser Deus
na totalidade – ou é Deus, ou não é, já que o infinito não é divisível em partes. Na raiz estas
ambiguidades encontra-se um conjunto de confusões relativamente à concepção da Trindade,
enquanto relação de unicidade e diferença ou pluralidade.
e) O que pretende a teologia das religiões que se concentra na identidade kenótica do cristianismo
é, precisamente, superar esse abstraccionismo idealista da posição pluralista, enfrentando a
irrecusável mediação de uma tradição religiosa concreta, com conteúdos concretos: neste caso, a
identidade cristã, já que se trata de teologia cristã das religiões. De qualquer modo, para além de
ter que evitar perder o horizonte universal do fenómeno religioso, esta tendência terá que se
acautelar por não interpretar a identidade cristã de forma algo negativista, ou seja, apenas como
limitação de si, na busca de algo que nos complemente, por nos faltar esse algo.
23. O autor propõe «uma visão mais positiva do cristianismo, ao nível dos fundamentos teológicos, mesmo
que as consequências práticas possam ser idênticas»:
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João Miguel Pereira – joaofreigil@hotmail.com
a) «Conceito de religião (inspirado em Paul Tillich e noutros), concebida como referência humana ao
transcendente, realizada sempre numa particular incarnação cultural. No interior desse conceito de
religião, é fundamental analisar a relação entre absoluto (assumidamente transcendente) e relativo
(próprio de toda a imanência)». O absoluto interpela-nos «mas isso só é possível, na situação
concreta e relativa de uma tradição religiosa e cultural, a qual não é absoluta em si mesma».
A situação dialéctica das tradições religiosas é, por isso, absoluta enquanto relativa e relativa
enquanto absoluta.
b) Também «universalidade e particularidade não são categorias alternativas, mas que mutuamente
se implicam». «Quando uma religião se afirma universal – e, em última instância, todas o são –
não pode ser ao modo da totalização da sua particularidade, mas sim ao modo da relação da
sua particularidade ao horizonte universal que as marca, mas que não abarcam nas suas
particularidades».
c) «Diferença central entre Deus e religião. Se é certo que a relação do ser humano a Deus passa
necessariamente por uma figuração religiosa, não se pode identificar nenhuma forma religiosa com
o próprio Deus».
d) O cerne do cristianismo «reside na conceção da sua relação aos outros como doação de si». «O
“ser-para-outro” – em vez do “ser-em-função-de-si-mesmo” – constitui, então a identidade do
cristão, que pretende ser a manifestação da identidade de todo o ser humano, como correspondência
àquilo que é o próprio Deus, em si mesmo».
e) Toda a comunidade religiosa vive constantemente o risco de absolutização de si mesma. «O apelo
à conversão, que Deus lançou em Jesus Cristo e que se torna activo no Espírito, é um apelo a todos,
a começar pelos cristãos e pela própria instituição eclesial, contra todas as pretensões
absolutistas».
24. O autor termina dizendo que «o cristão deve relacionar-se positivamente com as outras tradições
religiosas, respeitando os seus caminhos e acolhendo a possibilidade da validade salvífica desses
caminhos, podendo mesmo aprender muito com eles. […] A aceitação correcta do pluralismo
religioso pode, assim, ser vista como uma atitude inerente ao próprio cristianismo».
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João Miguel Pereira – joaofreigil@hotmail.com
Universidade Católica Portuguesa – Faculdade de Teologia
Braga, 2020
Unidade: Hermenêutica dos Textos Religiosos
Aluno: João Miguel Pereira
Estudo do texto: João Manuel Duque, Textos e identidades
Apresentação sintética:
a) A utopia da modernidade: considerar que a definição da identidade de uma pessoa se realiza por um
caminho em que «cada um se descubra pela introversão, pelo isolamento em relação a tudo e a todos,
pelo corte de todo o tipo de relação.
b) Em realidade, nenhuma identidade se constrói ou se descobre pelo isolamento, pela mera introversão,
pela concentração do indivíduo em si mesmo». «Só no processo de relacionamento interpessoal é que
podem construir-se identidades pessoais, porque só aí surgem diferenças reais e percepção clara dessas
diferenças – isto é, das identidades».
c) Todo o ser humano cresce e é aquilo que é, no interior de um tempo e um espaço culturais», ou seja,
«cada um é aquilo que é, como resultado da constante inter-acção entre a sua idiossincrasia e o
ambiente cultural».
d) Portanto, para que a identidade pessoal se vá progressivamente desenvolvendo, «a alteridade tem que
a atingir. Ora, a alteridade, enquanto tal, é sempre outra, por isso inefável e não captável pela
intencionalidade do sujeito que dela pretende ter consciência». «Como pode ela atingir o sujeito e
provocá-lo à construção da sua identidade? Apenas em mediações de si.» Uma dessas mediações é a
medição textual.
e) O texto «constitui especial mediação da nossa inserção no emaranhado das histórias que constituem a
história da Humanidade, isto é, que constituem a nossa identidade». «No contexto da civilização da
escrita, o texto tornou-se uma forma primordial de contacto com as diversas formas de alteridade que
constituem a nossa identidade».
f) «A construção de identidade, enquanto processo que se desenrola no tempo, é um processo narrativo,
inspirado nos textos narrativos, desenvolvido em contraponto com eles e dando origem a novos textos
narrativos, infinitamente».
g) Nós «inserimo-nos numa tradição textual», não por dissolução, no interior de textos fixos e acabados
mas, «a relação aos textos que marcam a nossa identidade é uma relação viva e dinâmica de
interpretação, apropriação e aplicação desses textos, que abrem espaços novos de ser, originando
outros textos ou a continuidade dos textos herdados. Essa relação é aquilo a que se pode chamar
processo hermenêutico».
h) Com «fixação do discurso: “o escrito conserva o discurso e faz dele um arquivo disponível para a
memória individual e colectiva”». «Ajuda, por isso, a que a transmissão de identidade não resulte tão
facilmente em perda de identidade ou, pelo menos, na sua deturpação completa ou parcial».
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i) Mesmo assim, «o texto “distancia-se” do locutor e mesmo do escritor, adquirindo uma existência
autónoma” e, de igual modo, «a forma como cada indivíduo e cada geração actualiza a memória
arquivada no texto não é sempre a mesma».
j) Todavia, contacto com o texto «não é mero exercício de uma subjectividade isolada do leitor, mas o
jogo do mundo contemporâneo a esse sujeito – mediatizado na linguagem (também textual) – com o
mundo do texto, enquanto outro».
k) «A mediação textual da identidade inaugura um processo infinito – mas não arbitrário – de construção
de identidades, presentes e futuras». O processo hermenêutico de leitura (e apropriação do texto) –
«que não se fixa na letra morta do texto nem na apropriação subjectiva por parte do leitor individual e
presente» – «é que o religa constantemente com a história, fazendo do texto um potencial de
imaginação da história possível, cuja possibilidade possibilita o futuro».
l) Então como entender o sentido do texto? O texto não limita uma única realização particular estanque,
mas apenas fornece uma linha de sentido que abre um conjunto de realizações: «O texto abre um
sentido – uma direcção – para a história. Todas as possibilidades de sentidos particulares se inserem,
doravante, nesse sentido aberto. Se não se inserem nessa direcção, deturpam o sentido do texto».
m) Tudo isto se deve aplicar «de modo particularmente especial, à construção pessoal comunitária da
identidade cristã, a partir dos seus textos fundamentais».
Notemos as características do texto escriturístico cristão: α) O texto surge de um pre-texto: «não surge
em função de si mesmo, como finalidade última […] mas no seio de um pretexto [palavra e ação de
Jesus Cristo], em relação ao qual adquire significado». β) O texto inclui um con-texto: ele é «quer os
textos que precedem o texto cristão quer a prática existencial que lhe serviu de pre-texto», e ainda «a
identidade cristã que se vai construindo, ao longo da história, pela relação ao contexto do texto, [que]
insere o texto em novos contextos, que são precisamente as situações prático-existenciais – assim como
“ideológicas” – diferentes em cada espaço em cada tempo, mesmo em cada cultura». γ) O texto inclui
um intra-texto: «Não se procura, portanto, um sentido fora do texto, antes do texto, posterior ao texto,
mas sim no próprio texto. E é esse sentido interior ao texto – tal como ele, hoje, nos atinge – que
constitui o ponto de referência central para todo o processo hermenêutico». δ) O texto inclui um inter-
texto: «A Escritura é, já de si, um conjunto de textos que se relacionam mutuamente». «Por isso, a
identidade cristã daí resultante é uma identidade relacional já no próprio processo hermenêutico de
interpretação e aplicação dos textos». «Dada a universalidade relacional inaugurada pelo texto cristão,
também a relação deste a textos não escriturísticos passou a ser importante, precisamente para evitar
o encerramento do texto cristão no estrito contexto do seu intra-texto». ε) O texto inclui a referência
ao extra texto ou para-texto: O texto não é o fim último do cristianismo mas tem um papel de mediador
com Aquele que é o princípio da nossa fé: «O texto não é Deus e Deus não se reduz ao texto nem cabe
nos seus limites, a constante presença do extra-texto na relação do cristianismo como o seu texto
identificante é fundamental». ζ) O texto inclui hiper-texto?
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João Miguel Pereira – joaofreigil@hotmail.com
n) O autor responde a estas questões constatando que «vivemos cada vez mais numa civilização da
imagem e já não propriamente da escrita». Daí observa que: α) tal «vai ter influências enormes na
identidade pessoal e cultural», «cria identidades acríticas, uma vez que aquilo que é absorvido na
identidade não é filtrado conscientemente». β) A civilização da imagem é uma civilização da sua
fugacidade», «uma cultura em que domina a fragmentarização e a ausência de identidade
suficientemente estável». Constata que «não admira que assistamos a uma profunda crise de referência
identificante a textos que constituam veículo de valores fundamentais para a totalidade ou, pelo menos,
maioria dos nossos contemporâneos.
o) O autor conclui sugerindo a necessidade de tomar consciência da substituição que vai sendo feita dos
«textos que constituam veículo de valores fundamentais para a totalidade ou, pelo menos, maioria dos
nossos contemporâneos» pela «fugacidade da imagem publicitária» que vem conduzindo a «que as
sociedades contemporâneas estejam carregadas com problemas, mesmo patológicos, de crise de
identidade». Para ele «é preciso tomar consciência desta situação e das suas causas, para propor
alternativas válidas e necessárias aos nossos contemporâneos».
Desenvolvimento:
1. O autor começa por abordar a utopia da modernidade ao considerar a definição da identidade de
uma pessoa – isto é, o «conjunto das características que definem uma pessoa particular, tornando-a
diferente de qualquer outra, isto é, única e una» - se realiza por um caminho em que «cada um se
descubra pela introversão, pelo isolamento em relação a tudo e a todos, pelo corte de todo o tipo
de relação. Pretende-se que a identidade pessoal seja, assim, construída de forma absolutamente
individual, porque se confunde a particularidade, unidade e unicidade de cada ser humano com a
redução individualística de cada um a si mesmo».
2. Isto, diz-nos o autor, deriva de correntes do existencialismo (desenvolvido sobretudo ao longo do séc.
XX), perspetiva segundo a qual «cada ser humano constrói-se a si mesmo, no processo de construção
da sua identidade, e é nesse processo essencialmente particular que se joga o destino de cada indivíduo,
enquanto ser livre», mas também do «desenvolvimento da psicologia – sobretudo na sua expansão
enquanto moda “psi”» que, «ao constante perigo de dissolução na massa anónima que cada vez mais
constitui o núcleo das nossas sociedades» vai «respondendo com a obsessão da procura de identidade»,
ou seja, «descobrir aquilo que se é ou quem é cada um».
3. «Alargando deste modo o espaço da pessoa, incluindo todas as escórias no campo do sujeito, o
inconsciente abre caminho a um narcisismo sem limites». Promove-se assim aquilo que o autor,
inspirado nas palavras de Gilles Lipovetsky, define por «categoria do umbigo», uma reprodução da
«figura inédita de Narciso».
4. Alerta-nos o autor que «manifesta-se aqui um grande equívoco, relativamente a qualquer equilibrada
procura e construção da identidade pessoal. Em realidade, nenhuma identidade se constrói ou se
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descobre pelo isolamento, pela mera introversão, pela concentração do indivíduo em si mesmo»1
.
Continua o autor: «só no processo de relacionamento interpessoal é que podem construir-se
identidades pessoais, porque só aí surgem diferenças reais e percepção clara dessas diferenças –
isto é, das identidades»2
.
5. «A identidade surge-nos, então, sempre como resposta específica à interpelação de uma alteridade»3
.
«É do conjunto das histórias da relação de cada um com todos esses «outros» que se vai formando
aquilo que podemos considerar a identidade pessoal».
6. Por isso, «todo o ser humano cresce e é aquilo que é, no interior de um tempo e um espaço
culturais», ou seja, «cada um é aquilo que é, como resultado da constante inter-acção entre a sua
idiossincrasia e o ambiente cultural»4
. «Toda a pessoa humana desenvolve a sua identidade por
relação a uma herança muito diversificada e complexa, a que podemos chamar, de forma muito
genérica, tradição». Disto conclui o autor que «não passou de uma ilusão auto-construída pelo
pensamento moderno, o facto de se pretender que a identidade pessoal pudesse ser construída a partir
exclusivamente do fundamento inabalável do cogito interior e individual, por ruptura com toda a
tradição ou herança»5
.
7. «Para que a identidade se desenvolva assim – isto é, para que seja encontrada, progressivamente, por
cada ser humano – a alteridade tem que o atingir, isto é, tem que o interpelar à sua resposta
identificante. Ora, a alteridade, enquanto tal, é sempre outra, por isso inefável e não captável
pela intencionalidade do sujeito que dela pretende ter consciência. Como pode ela atingir o
sujeito e provocá-lo à construção da sua identidade? Apenas em mediações de si, elas próprias
outras, mas que permitem ao ser humano perceber a realidade que lhe é outra».
8. Ora, o texto é «ele próprio é um emaranhado, no seu tecido interno; depois, porque ele mesmo se situa
no emaranhado da relação ao mundo e aos outros textos; por último, porque ele constitui especial
mediação da nossa inserção no emaranhado das histórias que constituem a história da
Humanidade, isto é, que constituem a nossa identidade». É neste último aspecto que o autor se irá
concentrar.
9. «De facto, a construção da nossa identidade no interior do leque complexo de relações com todas as
histórias que nos atingem, dá-se de diversos modos. Um deles, de importância saliente, é constituído
1
«É o que se pode constatar, não apenas a partir do testemunho da psicologia, mas até mesmo do próprio conceito de identidade.
Esta pressupõe a existência e a consciência de uma diferença, que radica precisamente na particularidade de cada pessoa. Mas a
noção de diferença implica, necessariamente, uma relação, para se constituir como diferença e para ser percebida como tal».
2
«Podemos concluir que toda a identidade se constrói e se realiza num processo de relação à alteridade. Para utilizar a
nomenclatura de Paul Ricoeur, o “si mesmo”, na sua “ipseidade” (mais até do que na sua “mesmidade”), é sempre o que é, sendo
“como um outro”».
3
«O encerramento na mesmidade do indivíduo não permite, nem a vivência nem a consciência da sua identidade. E o processo
de resposta à alteridade, que vai originando identidades específicas, realiza-se de formas muito diversificadas».
4
«Aliás, não é possível, sequer, atingir o núcleo da identidade individual separadamente da sua identidade cultural, já que essas
dimensões constituem um todo unitário na constituição identitária».
5
«Não somos produtores absolutos ou proprietários exclusivos, nem sequer da nossa história, muito menos do que nos serve de
pré-história ou do que será a “nossa” pós história. Estamos, isso sim, “emaranhados em histórias”, nossas e dos outros, sem que
possamos distinguir muito claramente o que é nosso e o que é dos outros».
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pela relação com textos diversos. Sobretudo no contexto da civilização da escrita, o texto tornou-se
uma forma primordial de contacto com as diversas formas de alteridade que constituem a nossa
identidade».
10. «A construção de identidade, enquanto processo que se desenrola no tempo, como uma história
ou um emaranhado (tecido) de histórias, é um processo narrativo, inspirado nos textos narrativos,
desenvolvido em contraponto com eles e dando origem a novos textos narrativos, infinitamente.
11. Nós «inserimo-nos numa tradição textual», «não propriamente no sentido de que apenas nos
limitássemos a morrer, por dissolução, no interior de textos fixos e acabados, isto é, em si mesmo
já mortos. É o nosso viver que depende da nossa inserção na vida dos textos, os quais possibilitam o
futuro de toda a vida. Por isso, a relação aos textos que marcam a nossa identidade é uma relação
viva e dinâmica de interpretação, apropriação e aplicação desses textos, que abrem espaços
novos de ser, originando outros textos ou a continuidade dos textos herdados. Essa relação é
aquilo a que se pode chamar processo hermenêutico»6.
12. «Por distinção em relação a outras vias de identificação, como no caso do diálogo directo, através
do discurso falado, ou da interpelação provocada pelo frente-a-frente. De facto, um primeiro elemento
importante da passagem do discurso falado ao discurso escrito é precisamente o da fixação do
discurso: “o escrito conserva o discurso e faz dele um arquivo disponível para a memória
individual e colectiva”. A fugacidade do discurso oral é suplantada pela estabilidade de um texto, que
permite às sucessivas gerações uma referência memorial originária, precisamente em relação ao
mesmo texto. Ajuda, por isso, a que a transmissão de identidade não resulte tão facilmente em
perda de identidade ou, pelo menos, na sua deturpação completa ou parcial»7.
13. «De qualquer modo, a forma como cada indivíduo e cada geração actualiza a memória arquivada
no texto não é sempre a mesma». Mas, ao mesmo tempo, «o texto «distancia-se» do locutor e
mesmo do escritor, adquirindo uma existência autónoma, que o constitui «outro» em relação à(s)
subjectividade(s) produtora(s) de discurso. O mundo a que dá origem – ou, pelo menos, que em si
reflecte – tornase um mundo em si mesmo, articulado no conjunto dos seus textos, sem referência
directa às subjectividades autoras materiais desse mesmos textos».
14. «Nessa alteridade “distanciada”, o texto potencializa, antes de mais, a relação do mundo a que dá
origem». Por isso, o contacto com o texto «não é mero exercício de uma subjectividade isolada do
leitor, mas o jogo do mundo contemporâneo a esse sujeito – mediatizado na linguagem (também
textual) – com o mundo do texto, enquanto outro. Instaura-se, assim, o processo hermenêutico, pelo
6
«Nesse processo assume-se, por um lado, a relação de pertença a uma tradição, já que o movimento vivo de hermenêutica dos
textos parte de textos existentes, previamente dados, herdados, nunca produzidos pelo sujeito isolado, a partir do nada. No
processo de construção de identidade, através da actividade hermenêutica que interpreta o mundo e se interpreta a si mesmo,
todo o sujeito humano se situa sempre numa tradição cultural, quer disso tenha ou não consciência».
7
O texto afirma-se na sua alteridade em relação a todos os receptores – e mesmo a todos os transmissores –dificultando, assim,
a total subjectivação do conteúdo identificante. A identidade construída por referência ao texto é, desse modo, sempre e
explicitamente, uma identidade no jogo com uma alteridade prévia e primordial, como é próprio de qualquer construção sadia e
equilibrada da identidade.
12
João Miguel Pereira – joaofreigil@hotmail.com
qual o leitor, com o seu mundo, compreende o mundo do texto e se compreende perante esse mundo,
sendo marcado identitariamente por essa compreensão. Desse modo, a alteridade do texto, nos seus
variados significados, torna-se fonte de identidade, no jogo hermenêutico do leitor com esse mesmo
texto».
15. «E é esse processo hermenêutico, que não se fixa na letra morta do texto nem na apropriação
subjectiva por parte do leitor individual e presente, que faz do texto um instrumento de abertura de
futuro. De facto, o tecido do texto, pelo processo hermenêutico, encontra-se intimamente unido ao
tecido da história. O processo de leitura e apropriação do texto é que o religa constantemente com
a história, fazendo do texto um potencial de imaginação da história possível, cuja possibilidade
possibilita o futuro». «A mediação textual da identidade inaugura um processo infinito – mas
não arbitrário – de construção de identidades, presentes e futuras».
16. «As possíveis – não arbitrárias – identidades, presentes e futuras, constroem-se a partir da realidade
do texto que é, precisamente, o conjunto das identidades por ele possibilitadas. O texto abre um
sentido – uma direcção – para a história. Todas as possibilidades de sentidos particulares se
inserem, doravante, nesse sentido aberto. Se não se inserem nessa direcção, deturpam o sentido
do texto. Mas os sentidos particulares possíveis não estão definidos e limitados à partida, pertencendo
ao processo histórico, ao futuro, o desenvolvimento de todas as suas possibilidades».
17. Tudo isto se deve aplicar «de modo particularmente especial, à construção pessoal comunitária da
identidade cristã, a partir dos seus textos fundamentais». «Também a identidade cristã se constrói
essencialmente por relação a textos».
18. Notemos as características do texto escriturístico cristão:
α) O texto surge de um pre-texto: «Nenhum texto nasce do nada. Corresponde a acontecimentos
ou a ideias que, mesmo que eles próprios já estejam em relação a outros textos, não constituem
ainda o texto em causa. No caso do texto cristão, o pre-texto é, primordialmente, a própria prática
– como palavra e como acção – de Jesus. Essa prática é que originou o texto e, por isso, constitui
o seu pretexto. Ou seja, o texto não surge em função de si mesmo, como finalidade última –
como seria o caso, talvez, do texto exclusivamente literário – mas no seio de um pretexto, em
relação ao qual adquire significado.
β) O texto inclui um con-texto: ele é «quer os textos que precedem o texto cristão quer a
prática existencial que lhe serviu de pre-texto». «É nesse contexto que, originariamente, se pode
debater qual é essa identidade, porque é aí que, pela razão crente, se entende essa identidade. Fora
do contexto – que é o texto – essa identidade corre o risco de se perder, pela equívoca identificação
com outros contextos de referência. / Mais ainda, a identidade cristã que se vai construindo, ao
longo da história, pela relação ao contexto do texto, insere o texto em novos contextos, que
são precisamente as situações prático-existenciais – assim como “ideológicas” – diferentes em
cada espaço em cada tempo, mesmo em cada cultura. O texto, enquanto contexto primordial, entra
13
João Miguel Pereira – joaofreigil@hotmail.com
assim num processo de exploração dos seus sentidos, pela relação a contextos novos, que
dinamizam a própria realidade contida no texto».
γ) O texto inclui um intra-texto: «esses elementos passam a ser marcantes para a identidade
cristã, na medida em que são assumidos pelo texto – mesmo que, na letra, o texto permaneça
inalterado». «Não se procura, portanto, um sentido fora do texto, antes do texto, posterior ao texto,
mas sim no próprio texto. E é esse sentido interior ao texto – tal como ele, hoje, nos atinge –
que constitui o ponto de referência central para todo o processo hermenêutico».
δ) O texto inclui um inter-texto: «O texto cristão não é monolítico, não se reduz a um texto
apenas. A Escritura é, já de si, um conjunto de textos que se relacionam mutuamente, quer
em complemento quer mesmo em crítica. Por isso, a identidade cristã daí resultante é uma
identidade relacional já no próprio processo hermenêutico de interpretação e aplicação dos
textos. Nenhum texto, enquanto unidade escrita que repousa em si mesma, pode repousar fechado
em si, sem levar em conta a relação aos outros textos que fazem parte do tecido do grande texto
cristão». «Dada a universalidade relacional inaugurada pelo texto cristão, também a relação
deste a textos não escriturísticos passou a ser importante, precisamente para evitar o
encerramento do texto cristão no estrito contexto do seu intra-texto. Antes de mais, foi
decisiva a relação ao texto filosófico grego, que durante e desde a época patrística influenciou
marcadamente as possibilidades futuras da identidade cristã.
ε) O texto inclui a referência ao extra texto ou para-texto: O texto não é o fim último do
cristianismo mas tem um papel de mediador com Aquele que é o princípio da nossa fé.
«Porque o texto não é Deus e Deus não se reduz ao texto nem cabe nos seus limites, a constante
presença do extra-texto na relação do cristianismo como o seu texto identificante é
fundamental. Só essa atitude, hermenêutica e existencial, possibilita que a relação ao texto cristão
seja verdadeiramente cristã, isto é, não-idolátrica.
ζ) O texto inclui hiper-texto? O autor levanta algumas questões: «Será o hiper-texto ainda um
texto, ou apenas a ideia abstracta de texto global, cujo tecido não é o tecido de nenhum texto
concreto?» «Como se constrói identidade em relação ao hiper-texto?» «Será que o texto ainda está
no centro da nossa cultura e da forma como, nela, se constróem identidades? Será que o novo
contexto cultural implicará, em si mesmo, o fim do texto como mediação identificante
primordial?»
19. O autor responde a estas questões constatando que «vivemos cada vez mais numa civilização da
imagem e já não propriamente da escrita». Daí faz as seguintes observações:
α) «Na construção da identidade, a relação da pessoa à imagem privilegia uma forma específica
de conhecimento ou percepção do real, que vai ter influências enormes na identidade pessoal e
cultural». A essa forma de conhecimento se chama impregnação, isto é, o um processo de
aprendizagem que «cria identidades acríticas, uma vez que aquilo que é absorvido na
14
João Miguel Pereira – joaofreigil@hotmail.com
identidade não é filtrado conscientemente». Diferente é a aprendizagem pela actividade (que se
dá através da acção sobre as coisas e através da leitura). No exemplo da leitura, o leitor apropria-
se, «de forma pessoal, do mundo do texto, tornando-o seu e, desse modo, transformando-o. Mas,
simultaneamente, o leitor deixa-se transformar, configurar, pelo mundo do texto, de forma crítica
e profunda (numa espécie de passividade activa). Nesse processo, que se continua na elaboração
de textos por parte do leitor, vai-se formando a estrutura de pensamento que marca a identidade
pessoal e que constitui a característica fundamental do homo sapiens».
β) A civilização da imagem é uma civilização da sua fugacidade: «as imagens sucedem-se
constantemente, sem criar raízes nem adquirir significado identificante estável. Reflectem, quando
muito, uma cultura em que domina a fragmentarização e a ausência de identidade
suficientemente estável». «Nesta cultura – ou constante encenação de cultura simulada – não
admira que assistamos a uma profunda crise de referência identificante a textos que
constituam veículo de valores fundamentais para a totalidade ou, pelo menos, maioria dos
nossos contemporâneos.
20. O autor conclui sugerindo a necessidade de tomar consciência da substituição que vai sendo feita
dos «textos que constituam veículo de valores fundamentais para a totalidade ou, pelo menos,
maioria dos nossos contemporâneos» pela «fugacidade da imagem publicitária» que vem
conduzindo a «que as sociedades contemporâneas estejam carregadas com problemas, mesmo
patológicos, de crise de identidade». Para ele «é preciso tomar consciência desta situação e das suas
causas, para propor alternativas válidas e necessárias aos nossos contemporâneos».
15
João Miguel Pereira – joaofreigil@hotmail.com
Universidade Católica Portuguesa – Faculdade de Teologia
Braga, 2020
Unidade: Hermenêutica dos Textos Religiosos
Aluno: João Miguel Pereira
Apontamentos da aula sobre o texto: «Edmond Jabès e a questão do livro» in:
Jacques Derrida, L´écriture et la difference (Paris: Seul, 1967), 99-116.
1 – Nos sujeitos humanos, através do logos acedemos ao outro.
2 – O outro torna-se presente no nosso logos científico (exaustivo).
3 – A palavra implica a presença de um ao outro, presença real e física, ainda que possa ser mediada.
4 – Reduzimos a alteridade do outro àquilo que podemos representar no nosso logos.
5-
6 – A escrita como vestígio e não necessariamente como correspondência à realidade.
7 – Reduzimos o sentido do outro à presença que está nessa palavra (logos). Reduzimos a alteridade
do outro ao horizonte da experiência: está aqui e não pode estar em mais lado nenhum.
8 – Nem eu nem o outro podemos reduzir-nos a puros sujeitos presentes. Em rigor a subjetividade
não me é acessível. Eu não posso reduzir a subjetividade de cada um a um objeto.
9 – Nós temos acesso ao outro através da linguagem.
10 – Mas, a linguagem é uma pista da presença do outro que nos é presente mas ao mesmo tempo
ausente.
11 – Sendo uma presença rela mediada, implica sempre uma ausência; a não identificação com o
estar daquela substância. É um outro modo de estar. A presença do outro não se reduz ao objeto ou à
linguagem.
12 – Há sempre uma ausência da sua identidade e do seu ser. Está presente mas está de outro modo.
13 – A linguagem como lugar onde o outro de nós passa a estar presente, num certo sentido, sem
estar na sua presença reduzido.
14 – Deus está no livro, está na linguagem mas não está reduzido à presença no livro ou na
linguagem.
15 – Há uma representação simbólica que está aberta à significação.
16 – Não somos proprietários do outro como tal.
17 – Deus não é definível (limitável) numa essência.
18 – Deus está na letra da escritura, mas não confinado à letra.
Eu Outro (Mundo; Humanos; Deus)
Logos
16
João Miguel Pereira – joaofreigil@hotmail.com
19 – A letra em si é o modo pragmático de Deus estar, sem estar presente na letra (não está reduzido
à presença na letra).
20 – No Islão a noção não é esta, a da tradição hebraico-cristã. Para os muçulmanos Deus está
presente no Corão e só está presente neste mundo no Corão; daí que se possa aniquilar outros seres
humanos pois têm um valor inferior ao Corão que é sagrado, é Deus.
21 – Deus é “a gramática do texto”, na medida em que é uma presença sem negar a ausência.

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Análise da Teologia das Religiões segundo João Manuel Duque

  • 1. 1 João Miguel Pereira – joaofreigil@hotmail.com Universidade Católica Portuguesa – Faculdade de Teologia Braga, 2020 Unidade: Hermenêutica dos Textos Religiosos Aluno: João Miguel Pereira Estudo do texto: João Manuel Duque, Teologia das religiões. 1. O autor começa por fazer uma distinção entre teologia das religiões e diálogo inter-religioso. Para ele, «o que pretende a teologia das religiões é sistematizar os fundamentos teológicos para qualquer diálogo inter-religioso, centrando-se nas questões de se esse diálogo é possível, a partir de pressupostos teológicos; ou mesmo, se esse diálogo é exigido por esses pressupostos teológicos». 2. Segundo nos diz, a teologia das religiões «normalmente realiza-se como reflexão sistemática sobre uma determinada tradição crente e é, por isso, normalmente confessional, ou seja, parte já de uma comunidade religiosa, como seu pressuposto». 3. Por isso, o estudo que aqui se faz, sobre o «significado da existência de várias tradições religiosas diferentes», assenta inevitavelmente em pressupostos da teologia cristã. Chama-lhe por isso «teologia cristã das religiões». 4. Na teologia medieval o trabalho teológico consistia na análise racional dos dogmas aplicando-lhes as categorias da razão (sobretudo de matriz aristotélica) para um melhor esclarecimento. Isto acontecia em relação apenas ao cristianismo já que «as outras religiões não eram propriamente vistas como religiões – a única digna desse nome era o cristianismo». 5. Na renascença, sobretudo com o processo da modernidade, a consciência da existência de «diferentes tradições religiosas, ditas “positivas”, levou sobretudo à relativização da religião». Deu-se origem a uma espécie de «religião da razão» que divinizou a «razão puramente humana» e pretendeu «eliminar o “factor” Deus, em nome da liberdade, autonomia e capacidade do ser humano (“morte de Deus”)». Neste contexto histórico, «se algo semelhante a Deus existisse, esse teria que ser o próprio ser humano». 6. À modernidade, a teologia reagiu «agressivamente, na manutenção da forma medieval pura e simples». Mais tarde passou a aceitar o paradigma antropológico da modernidade: «O ser humano, enquanto tal e analisado até à sua mais profunda raiz, passou a ser o ponto de partida imediato do trabalho teológico». 7. Não deveremos esquecer é que «o ser humano analisado foi, essencialmente, o ser humano ocidental, resultante do processo de secularização e, por isso, sempre marcado pela questão do ateísmo ou da ausência do religioso».
  • 2. 2 João Miguel Pereira – joaofreigil@hotmail.com 8. Para lá disso, diz-nos o autor que no séc. XX, «mesmo no coração do ocidente secularizado, assistiu- se ao regresso do interesse pessoal e social pelo fenómeno religioso, com o aumento da correspondente vivência prática». Ao mesmo tempo, a descoberta de novos mundos, culturas, e religiões, tornou a consciência ocidental «tolerante e pluralista obriga[da] a considerar a validade – pelo menos potencial – de todas essas culturas e religiões». 9. Este facto fez alterar o pressuposto antropológico da teologia cristã. «De facto, já não se trata de assumir o homem tendencialmente ateu, mas de ir ao encontro do homo religiosus, tal como vive a sua religiosidade, nos mais diversos contextos». A teologia cristã vê-se agora confrontada com uma «conceção que parece colocar em causa a sua pretensão de verdade absoluta». 10. «Assim se justifica que o ponto de partida antropológico e cultural, isto é, o contexto hermenêutico da teologia cristã atual seja, cada vez mais, o fenómeno do pluralismo religioso e tudo o que isso implica». 11. Paul Tillich apresentou uma formulação teológica segundo a qual «a história das religiões constitui o próprio acontecimento da manifestação ou revelação de Deus. É, pois, um acontecimento de constante incarnação de Deus na história, em crenças e ritos concretos». Esse processo de incarnação está sempre sujeito à crítica». «Em Jesus Cristo cumpre-se em plenitude toda a história da religião, pois ele é a conjugação mais perfeita entre incarnação de Deus e crítica de toda a incarnação. O cristianismo deve viver dessa atitude recetiva do incondicionado, na forma histórica da sua realização». 12. Karl Rahner aborda uma dupla dimensão transcendental e categorial do ser humano. «A orientação para Deus constitui um existencial do ser humano, que desse modo está transcendentalmente relacionado com esse mesmo Deus, quer o assuma conscientemente ou não. Mas essa orientação transcendental só acontece categorialmente, em expressões religiosas concretas. Em Jesus Cristo encontramos uma união exemplar e plena entre transcendental e categorial, de tal modo que ele constitui referência originária de toda a atitude religiosa do ser humano, cristão ou não». 13. Wolfhart Pannenberg é da opinião que «sendo a história humana um processo ainda inacabado e sendo cada contexto histórico sempre limitado, a verdade absoluta de cada tradição religiosa – e a resposta definitiva à questão da verdade, no debate entre essas tradições – só será conhecida no final da história. No interior da história, vive-se apenas o debate provisório e inacabado da questão dessa verdade». 14. Nestas três visões vê-se uma evolução relativamente à ideia vigente até vésperas do Concílio Vaticano II à qual se costuma denominar de «exclusivismo, e que se baseia na convicção e afirmação estrita de que “fora da Igreja não há salvação”. Ou seja, à afirmação de que Jesus Cristo é o único mediador da salvação, por isso da revelação ou auto-doação de Deus ao ser humano, junta-se a afirmação de que a
  • 3. 3 João Miguel Pereira – joaofreigil@hotmail.com Igreja, enquanto instituição, constitui a única mediadora da salvação crística. O cristianismo, enquanto configuração histórica, é assim concebido como a incarnação da verdade absoluta, no que diz respeito a Deus e à salvação da Humanidade. Face a esta concepção, as outras religiões só possuem elementos válidos, na medida em que se identificam com o cristianismo. Na sua globalidade, são falsas. A única via possível é a conversão dos seus fiéis ao espaço da Igreja, que possui a exclusividade da verdade salvífica». 15. Esse exclusivismo foi sendo ultrapassado por um inclusivísmo nomeadamente presente na declaração do Vaticano II “Nostra Aetate” «segundo a qual as outras religiões, pelo menos em muitos dos seus elementos, estão incluídas no próprio cristianismo, mesmo se implicitamente. Espera-se a revelação plena dessa inclusão no momento em que Cristo seja tudo em todos, de forma explícita». 16. «A chamada “teologia do cumprimento” é uma das versões deste inclusivismo, defendendo que o cristianismo constitui a plenitude ou o cumprimento de todas as outras religiões, que se encontram a caminho dessa perfeição e, por isso, a preparam. Ou então, prefere-se referir que Cristo está de algum modo presente nas outras religiões, mesmo que de forma para nós encoberta e, por vezes, até surpreendente para os cristãos. Por isso, o próprio cristianismo pode aprender e lucrar muito com o conhecimento e a relação positiva a essas outras tradições religiosas». 17. «Alguns teólogos contemporâneos consideraram que mesmo o inclusivismo é, ainda, uma forma subtil de afirmar a supremacia do cristianismo e a sua validade exclusiva». «Por isso, algumas tendências mais radicais preferiram formular a teologia das religiões em termos de pluralismo absoluto». 18. Para o pluralismo absoluto «os diferentes conceitos de Deus e as formas de relacionamento com ele, assim como a diversidade de mediadores, tudo isso se situa ao nível da manifestação. Como tal, são elementos secundários, relativos. O que conta é a identificação ao nível do próprio Deus, enquanto realidade última em que todas as religiões convergem. Em realidade, há apenas uma religião, porque há um só Deus, sendo a diversidade fruto apenas da sua diferente manifestação em diferentes contextos». 19. Jacques Dupuis, inicialmente era um exemplo do pluralismo absoluto, defendendo «uma distinção básica entre a história de Jesus, sempre particular, por isso limitada, e o próprio Deus absoluto e universal. Se é certo que Deus age, se revela e salva em Jesus Cristo, também é certo que, dado o carácter particular da sua história, Jesus não esgota a ação salvífica de Deus, que se dá para além de si mesmo, quer no espaço quer no tempo. Ou seja, em realidade não é possível falar do carácter absoluto,
  • 4. 4 João Miguel Pereira – joaofreigil@hotmail.com único e definitivo da revelação e doação de Deus em Jesus Cristo, o que permitiria um alargamento das “vias de salvação” a todas as religiões, como base de todo o pluralismo religioso autêntico». 20. Mais recentemente Dupuis defende um pluralismo inclusivo aprofundando «mais a relação da teologia das religiões com a identidade cristã». Propõe então que «a referência central a Jesus Cristo como único mediador, de que uma teologia cristã não pode prescindir, não elimina o papel das outras religiões, precisamente devido à dimensão trinitária da revelação de Deus em Jesus Cristo. Este, em realidade, não se apresenta como auto-referencial, mas em essencial relação ao Pai e ao Espírito. Concretamente, isso significa que, na revelação de Deus em Jesus Cristo se manifesta a distinção entre o Filho e o Pai, que permanece maior do que todas as suas revelações ou manifestações históricas. Por outro lado, manifesta-se também a referência ao Espírito, enquanto livre atuação de Deus na história, para além das fronteiras de um espaço religioso determinado. Nesse sentido, em Jesus Cristo revela- se um Deus e uma relação do ser humano a Deus que fundam a abertura à pluralidade dos caminhos religiosos». 21. Claude Geffré sublinha a identidade kenótica como referência primordial para a vocação dialogante do cristianismo. Defende «que a identidade do cristianismo passa pela relativização do si próprio, a qual não lhe é exterior, mas é o próprio cristianismo que “comporta nele mesmo os seus próprios princípios de relativização». «Só na medida em que o cristianismo, no aprofundamento da sua própria identidade, descobre os seus limites, é que pode estar aberto a outros diferentes de si. Quer pela dimensão escatológica – entenda-se, aqui, escatologia como orientação para uma plenitude a atingir apenas no final da história […]; quer pela própria particularidade histórica da Incarnação, que implica uma manifestação divina na “particularidade de uma humanidade contingente”; quer ainda pela dimensão kenótica do cristianismo, com base no paradoxo da cruz, que implica uma negação de si mesmo, enquanto forma de identidade;». 22. O autor, por seu turno, considerando o seu “quê” de verdade, distancia-se de todas as posições apresentando os pós e contras de cada uma: a) O exclusivismo tem a vantagem de afirmar claramente o valor absoluto da revelação de Deus em Jesus Cristo, o qual é, enquanto Deus, o único mediador e salvador da Humanidade – e não mero intermediário secundário, como pretendiam os gnosticismos subordinacianistas antigos. Mas, na sua versão estrita, não possibilita qualquer relacionamento positivo com outras religiões, a não ser na esperança de que deixem de o ser. Neste contexto, não é possível qualquer teologia das religiões, no sentido preciso do termo.
  • 5. 5 João Miguel Pereira – joaofreigil@hotmail.com b) As versões inclusivistas abrem a possibilidade dessa teologia das religiões, assim como de um relacionamento positivo com outras tradições religiosas. Em realidade, não abandonam a afirmação do carácter absoluto, isto é, divino e redentor do acontecimento crístico. De qualquer modo, tendem precisamente para uma certa inclusão das outras religiões no cristianismo, o que é compreensível e aceitável na perspectiva estrita de uma teologia cristã das religiões, mas causa grandes dificuldades no relacionamento real com outras religiões, que não querem ver-se incluídas no cristianismo. Aliás, desse modo acaba-se por não respeitar corretamente a diferença concreta das outras religiões, apenas as usando em função do cristianismo, como caminho para a sua plenitude. c) A visão pluralista parece abrir o caminho para esse respeito da diferença ou alteridade das outras religiões, mas em realidade é menos pluralista do que pretende. De facto, não leva a sério a pluralidade das tradições religiosas, que são apenas concebidas como manifestações do mesmo, do único Deus. Manifestações que não passam de modos diferentes, mas que podem ser aleatoriamente substituídos por outros. As raízes gnósticas, modalistas e mesmo idealistas desta visão são mais que evidentes – assim como os respectivos problemas. d) O pluralismo inclusivo de Dupuis desenvolve importantes intuições, a caminho de uma correcta formulação do problema no contexto da teologia cristã. De qualquer modo, mantém-se preso de certas ambiguidades, no que respeita à distinção entre Jesus Cristo, o Pai e o Espírito. Se essas distinções forem formuladas como distinção entre Jesus Cristo e Deus, não podem ser assumidas pelo cristianismo. Mesmo que se recorra à famosa distinção de John Hick, entre totum Deus e totus Deus, no sentido de que Jesus Cristo seria todo Deus, mas não seria a totalidade de Deus, a ambiguidade não se supera, já que não é possível pensar que alguém seja todo Deus sem ser Deus na totalidade – ou é Deus, ou não é, já que o infinito não é divisível em partes. Na raiz estas ambiguidades encontra-se um conjunto de confusões relativamente à concepção da Trindade, enquanto relação de unicidade e diferença ou pluralidade. e) O que pretende a teologia das religiões que se concentra na identidade kenótica do cristianismo é, precisamente, superar esse abstraccionismo idealista da posição pluralista, enfrentando a irrecusável mediação de uma tradição religiosa concreta, com conteúdos concretos: neste caso, a identidade cristã, já que se trata de teologia cristã das religiões. De qualquer modo, para além de ter que evitar perder o horizonte universal do fenómeno religioso, esta tendência terá que se acautelar por não interpretar a identidade cristã de forma algo negativista, ou seja, apenas como limitação de si, na busca de algo que nos complemente, por nos faltar esse algo. 23. O autor propõe «uma visão mais positiva do cristianismo, ao nível dos fundamentos teológicos, mesmo que as consequências práticas possam ser idênticas»:
  • 6. 6 João Miguel Pereira – joaofreigil@hotmail.com a) «Conceito de religião (inspirado em Paul Tillich e noutros), concebida como referência humana ao transcendente, realizada sempre numa particular incarnação cultural. No interior desse conceito de religião, é fundamental analisar a relação entre absoluto (assumidamente transcendente) e relativo (próprio de toda a imanência)». O absoluto interpela-nos «mas isso só é possível, na situação concreta e relativa de uma tradição religiosa e cultural, a qual não é absoluta em si mesma». A situação dialéctica das tradições religiosas é, por isso, absoluta enquanto relativa e relativa enquanto absoluta. b) Também «universalidade e particularidade não são categorias alternativas, mas que mutuamente se implicam». «Quando uma religião se afirma universal – e, em última instância, todas o são – não pode ser ao modo da totalização da sua particularidade, mas sim ao modo da relação da sua particularidade ao horizonte universal que as marca, mas que não abarcam nas suas particularidades». c) «Diferença central entre Deus e religião. Se é certo que a relação do ser humano a Deus passa necessariamente por uma figuração religiosa, não se pode identificar nenhuma forma religiosa com o próprio Deus». d) O cerne do cristianismo «reside na conceção da sua relação aos outros como doação de si». «O “ser-para-outro” – em vez do “ser-em-função-de-si-mesmo” – constitui, então a identidade do cristão, que pretende ser a manifestação da identidade de todo o ser humano, como correspondência àquilo que é o próprio Deus, em si mesmo». e) Toda a comunidade religiosa vive constantemente o risco de absolutização de si mesma. «O apelo à conversão, que Deus lançou em Jesus Cristo e que se torna activo no Espírito, é um apelo a todos, a começar pelos cristãos e pela própria instituição eclesial, contra todas as pretensões absolutistas». 24. O autor termina dizendo que «o cristão deve relacionar-se positivamente com as outras tradições religiosas, respeitando os seus caminhos e acolhendo a possibilidade da validade salvífica desses caminhos, podendo mesmo aprender muito com eles. […] A aceitação correcta do pluralismo religioso pode, assim, ser vista como uma atitude inerente ao próprio cristianismo».
  • 7. 7 João Miguel Pereira – joaofreigil@hotmail.com Universidade Católica Portuguesa – Faculdade de Teologia Braga, 2020 Unidade: Hermenêutica dos Textos Religiosos Aluno: João Miguel Pereira Estudo do texto: João Manuel Duque, Textos e identidades Apresentação sintética: a) A utopia da modernidade: considerar que a definição da identidade de uma pessoa se realiza por um caminho em que «cada um se descubra pela introversão, pelo isolamento em relação a tudo e a todos, pelo corte de todo o tipo de relação. b) Em realidade, nenhuma identidade se constrói ou se descobre pelo isolamento, pela mera introversão, pela concentração do indivíduo em si mesmo». «Só no processo de relacionamento interpessoal é que podem construir-se identidades pessoais, porque só aí surgem diferenças reais e percepção clara dessas diferenças – isto é, das identidades». c) Todo o ser humano cresce e é aquilo que é, no interior de um tempo e um espaço culturais», ou seja, «cada um é aquilo que é, como resultado da constante inter-acção entre a sua idiossincrasia e o ambiente cultural». d) Portanto, para que a identidade pessoal se vá progressivamente desenvolvendo, «a alteridade tem que a atingir. Ora, a alteridade, enquanto tal, é sempre outra, por isso inefável e não captável pela intencionalidade do sujeito que dela pretende ter consciência». «Como pode ela atingir o sujeito e provocá-lo à construção da sua identidade? Apenas em mediações de si.» Uma dessas mediações é a medição textual. e) O texto «constitui especial mediação da nossa inserção no emaranhado das histórias que constituem a história da Humanidade, isto é, que constituem a nossa identidade». «No contexto da civilização da escrita, o texto tornou-se uma forma primordial de contacto com as diversas formas de alteridade que constituem a nossa identidade». f) «A construção de identidade, enquanto processo que se desenrola no tempo, é um processo narrativo, inspirado nos textos narrativos, desenvolvido em contraponto com eles e dando origem a novos textos narrativos, infinitamente». g) Nós «inserimo-nos numa tradição textual», não por dissolução, no interior de textos fixos e acabados mas, «a relação aos textos que marcam a nossa identidade é uma relação viva e dinâmica de interpretação, apropriação e aplicação desses textos, que abrem espaços novos de ser, originando outros textos ou a continuidade dos textos herdados. Essa relação é aquilo a que se pode chamar processo hermenêutico». h) Com «fixação do discurso: “o escrito conserva o discurso e faz dele um arquivo disponível para a memória individual e colectiva”». «Ajuda, por isso, a que a transmissão de identidade não resulte tão facilmente em perda de identidade ou, pelo menos, na sua deturpação completa ou parcial».
  • 8. 8 João Miguel Pereira – joaofreigil@hotmail.com i) Mesmo assim, «o texto “distancia-se” do locutor e mesmo do escritor, adquirindo uma existência autónoma” e, de igual modo, «a forma como cada indivíduo e cada geração actualiza a memória arquivada no texto não é sempre a mesma». j) Todavia, contacto com o texto «não é mero exercício de uma subjectividade isolada do leitor, mas o jogo do mundo contemporâneo a esse sujeito – mediatizado na linguagem (também textual) – com o mundo do texto, enquanto outro». k) «A mediação textual da identidade inaugura um processo infinito – mas não arbitrário – de construção de identidades, presentes e futuras». O processo hermenêutico de leitura (e apropriação do texto) – «que não se fixa na letra morta do texto nem na apropriação subjectiva por parte do leitor individual e presente» – «é que o religa constantemente com a história, fazendo do texto um potencial de imaginação da história possível, cuja possibilidade possibilita o futuro». l) Então como entender o sentido do texto? O texto não limita uma única realização particular estanque, mas apenas fornece uma linha de sentido que abre um conjunto de realizações: «O texto abre um sentido – uma direcção – para a história. Todas as possibilidades de sentidos particulares se inserem, doravante, nesse sentido aberto. Se não se inserem nessa direcção, deturpam o sentido do texto». m) Tudo isto se deve aplicar «de modo particularmente especial, à construção pessoal comunitária da identidade cristã, a partir dos seus textos fundamentais». Notemos as características do texto escriturístico cristão: α) O texto surge de um pre-texto: «não surge em função de si mesmo, como finalidade última […] mas no seio de um pretexto [palavra e ação de Jesus Cristo], em relação ao qual adquire significado». β) O texto inclui um con-texto: ele é «quer os textos que precedem o texto cristão quer a prática existencial que lhe serviu de pre-texto», e ainda «a identidade cristã que se vai construindo, ao longo da história, pela relação ao contexto do texto, [que] insere o texto em novos contextos, que são precisamente as situações prático-existenciais – assim como “ideológicas” – diferentes em cada espaço em cada tempo, mesmo em cada cultura». γ) O texto inclui um intra-texto: «Não se procura, portanto, um sentido fora do texto, antes do texto, posterior ao texto, mas sim no próprio texto. E é esse sentido interior ao texto – tal como ele, hoje, nos atinge – que constitui o ponto de referência central para todo o processo hermenêutico». δ) O texto inclui um inter- texto: «A Escritura é, já de si, um conjunto de textos que se relacionam mutuamente». «Por isso, a identidade cristã daí resultante é uma identidade relacional já no próprio processo hermenêutico de interpretação e aplicação dos textos». «Dada a universalidade relacional inaugurada pelo texto cristão, também a relação deste a textos não escriturísticos passou a ser importante, precisamente para evitar o encerramento do texto cristão no estrito contexto do seu intra-texto». ε) O texto inclui a referência ao extra texto ou para-texto: O texto não é o fim último do cristianismo mas tem um papel de mediador com Aquele que é o princípio da nossa fé: «O texto não é Deus e Deus não se reduz ao texto nem cabe nos seus limites, a constante presença do extra-texto na relação do cristianismo como o seu texto identificante é fundamental». ζ) O texto inclui hiper-texto?
  • 9. 9 João Miguel Pereira – joaofreigil@hotmail.com n) O autor responde a estas questões constatando que «vivemos cada vez mais numa civilização da imagem e já não propriamente da escrita». Daí observa que: α) tal «vai ter influências enormes na identidade pessoal e cultural», «cria identidades acríticas, uma vez que aquilo que é absorvido na identidade não é filtrado conscientemente». β) A civilização da imagem é uma civilização da sua fugacidade», «uma cultura em que domina a fragmentarização e a ausência de identidade suficientemente estável». Constata que «não admira que assistamos a uma profunda crise de referência identificante a textos que constituam veículo de valores fundamentais para a totalidade ou, pelo menos, maioria dos nossos contemporâneos. o) O autor conclui sugerindo a necessidade de tomar consciência da substituição que vai sendo feita dos «textos que constituam veículo de valores fundamentais para a totalidade ou, pelo menos, maioria dos nossos contemporâneos» pela «fugacidade da imagem publicitária» que vem conduzindo a «que as sociedades contemporâneas estejam carregadas com problemas, mesmo patológicos, de crise de identidade». Para ele «é preciso tomar consciência desta situação e das suas causas, para propor alternativas válidas e necessárias aos nossos contemporâneos». Desenvolvimento: 1. O autor começa por abordar a utopia da modernidade ao considerar a definição da identidade de uma pessoa – isto é, o «conjunto das características que definem uma pessoa particular, tornando-a diferente de qualquer outra, isto é, única e una» - se realiza por um caminho em que «cada um se descubra pela introversão, pelo isolamento em relação a tudo e a todos, pelo corte de todo o tipo de relação. Pretende-se que a identidade pessoal seja, assim, construída de forma absolutamente individual, porque se confunde a particularidade, unidade e unicidade de cada ser humano com a redução individualística de cada um a si mesmo». 2. Isto, diz-nos o autor, deriva de correntes do existencialismo (desenvolvido sobretudo ao longo do séc. XX), perspetiva segundo a qual «cada ser humano constrói-se a si mesmo, no processo de construção da sua identidade, e é nesse processo essencialmente particular que se joga o destino de cada indivíduo, enquanto ser livre», mas também do «desenvolvimento da psicologia – sobretudo na sua expansão enquanto moda “psi”» que, «ao constante perigo de dissolução na massa anónima que cada vez mais constitui o núcleo das nossas sociedades» vai «respondendo com a obsessão da procura de identidade», ou seja, «descobrir aquilo que se é ou quem é cada um». 3. «Alargando deste modo o espaço da pessoa, incluindo todas as escórias no campo do sujeito, o inconsciente abre caminho a um narcisismo sem limites». Promove-se assim aquilo que o autor, inspirado nas palavras de Gilles Lipovetsky, define por «categoria do umbigo», uma reprodução da «figura inédita de Narciso». 4. Alerta-nos o autor que «manifesta-se aqui um grande equívoco, relativamente a qualquer equilibrada procura e construção da identidade pessoal. Em realidade, nenhuma identidade se constrói ou se
  • 10. 10 João Miguel Pereira – joaofreigil@hotmail.com descobre pelo isolamento, pela mera introversão, pela concentração do indivíduo em si mesmo»1 . Continua o autor: «só no processo de relacionamento interpessoal é que podem construir-se identidades pessoais, porque só aí surgem diferenças reais e percepção clara dessas diferenças – isto é, das identidades»2 . 5. «A identidade surge-nos, então, sempre como resposta específica à interpelação de uma alteridade»3 . «É do conjunto das histórias da relação de cada um com todos esses «outros» que se vai formando aquilo que podemos considerar a identidade pessoal». 6. Por isso, «todo o ser humano cresce e é aquilo que é, no interior de um tempo e um espaço culturais», ou seja, «cada um é aquilo que é, como resultado da constante inter-acção entre a sua idiossincrasia e o ambiente cultural»4 . «Toda a pessoa humana desenvolve a sua identidade por relação a uma herança muito diversificada e complexa, a que podemos chamar, de forma muito genérica, tradição». Disto conclui o autor que «não passou de uma ilusão auto-construída pelo pensamento moderno, o facto de se pretender que a identidade pessoal pudesse ser construída a partir exclusivamente do fundamento inabalável do cogito interior e individual, por ruptura com toda a tradição ou herança»5 . 7. «Para que a identidade se desenvolva assim – isto é, para que seja encontrada, progressivamente, por cada ser humano – a alteridade tem que o atingir, isto é, tem que o interpelar à sua resposta identificante. Ora, a alteridade, enquanto tal, é sempre outra, por isso inefável e não captável pela intencionalidade do sujeito que dela pretende ter consciência. Como pode ela atingir o sujeito e provocá-lo à construção da sua identidade? Apenas em mediações de si, elas próprias outras, mas que permitem ao ser humano perceber a realidade que lhe é outra». 8. Ora, o texto é «ele próprio é um emaranhado, no seu tecido interno; depois, porque ele mesmo se situa no emaranhado da relação ao mundo e aos outros textos; por último, porque ele constitui especial mediação da nossa inserção no emaranhado das histórias que constituem a história da Humanidade, isto é, que constituem a nossa identidade». É neste último aspecto que o autor se irá concentrar. 9. «De facto, a construção da nossa identidade no interior do leque complexo de relações com todas as histórias que nos atingem, dá-se de diversos modos. Um deles, de importância saliente, é constituído 1 «É o que se pode constatar, não apenas a partir do testemunho da psicologia, mas até mesmo do próprio conceito de identidade. Esta pressupõe a existência e a consciência de uma diferença, que radica precisamente na particularidade de cada pessoa. Mas a noção de diferença implica, necessariamente, uma relação, para se constituir como diferença e para ser percebida como tal». 2 «Podemos concluir que toda a identidade se constrói e se realiza num processo de relação à alteridade. Para utilizar a nomenclatura de Paul Ricoeur, o “si mesmo”, na sua “ipseidade” (mais até do que na sua “mesmidade”), é sempre o que é, sendo “como um outro”». 3 «O encerramento na mesmidade do indivíduo não permite, nem a vivência nem a consciência da sua identidade. E o processo de resposta à alteridade, que vai originando identidades específicas, realiza-se de formas muito diversificadas». 4 «Aliás, não é possível, sequer, atingir o núcleo da identidade individual separadamente da sua identidade cultural, já que essas dimensões constituem um todo unitário na constituição identitária». 5 «Não somos produtores absolutos ou proprietários exclusivos, nem sequer da nossa história, muito menos do que nos serve de pré-história ou do que será a “nossa” pós história. Estamos, isso sim, “emaranhados em histórias”, nossas e dos outros, sem que possamos distinguir muito claramente o que é nosso e o que é dos outros».
  • 11. 11 João Miguel Pereira – joaofreigil@hotmail.com pela relação com textos diversos. Sobretudo no contexto da civilização da escrita, o texto tornou-se uma forma primordial de contacto com as diversas formas de alteridade que constituem a nossa identidade». 10. «A construção de identidade, enquanto processo que se desenrola no tempo, como uma história ou um emaranhado (tecido) de histórias, é um processo narrativo, inspirado nos textos narrativos, desenvolvido em contraponto com eles e dando origem a novos textos narrativos, infinitamente. 11. Nós «inserimo-nos numa tradição textual», «não propriamente no sentido de que apenas nos limitássemos a morrer, por dissolução, no interior de textos fixos e acabados, isto é, em si mesmo já mortos. É o nosso viver que depende da nossa inserção na vida dos textos, os quais possibilitam o futuro de toda a vida. Por isso, a relação aos textos que marcam a nossa identidade é uma relação viva e dinâmica de interpretação, apropriação e aplicação desses textos, que abrem espaços novos de ser, originando outros textos ou a continuidade dos textos herdados. Essa relação é aquilo a que se pode chamar processo hermenêutico»6. 12. «Por distinção em relação a outras vias de identificação, como no caso do diálogo directo, através do discurso falado, ou da interpelação provocada pelo frente-a-frente. De facto, um primeiro elemento importante da passagem do discurso falado ao discurso escrito é precisamente o da fixação do discurso: “o escrito conserva o discurso e faz dele um arquivo disponível para a memória individual e colectiva”. A fugacidade do discurso oral é suplantada pela estabilidade de um texto, que permite às sucessivas gerações uma referência memorial originária, precisamente em relação ao mesmo texto. Ajuda, por isso, a que a transmissão de identidade não resulte tão facilmente em perda de identidade ou, pelo menos, na sua deturpação completa ou parcial»7. 13. «De qualquer modo, a forma como cada indivíduo e cada geração actualiza a memória arquivada no texto não é sempre a mesma». Mas, ao mesmo tempo, «o texto «distancia-se» do locutor e mesmo do escritor, adquirindo uma existência autónoma, que o constitui «outro» em relação à(s) subjectividade(s) produtora(s) de discurso. O mundo a que dá origem – ou, pelo menos, que em si reflecte – tornase um mundo em si mesmo, articulado no conjunto dos seus textos, sem referência directa às subjectividades autoras materiais desse mesmos textos». 14. «Nessa alteridade “distanciada”, o texto potencializa, antes de mais, a relação do mundo a que dá origem». Por isso, o contacto com o texto «não é mero exercício de uma subjectividade isolada do leitor, mas o jogo do mundo contemporâneo a esse sujeito – mediatizado na linguagem (também textual) – com o mundo do texto, enquanto outro. Instaura-se, assim, o processo hermenêutico, pelo 6 «Nesse processo assume-se, por um lado, a relação de pertença a uma tradição, já que o movimento vivo de hermenêutica dos textos parte de textos existentes, previamente dados, herdados, nunca produzidos pelo sujeito isolado, a partir do nada. No processo de construção de identidade, através da actividade hermenêutica que interpreta o mundo e se interpreta a si mesmo, todo o sujeito humano se situa sempre numa tradição cultural, quer disso tenha ou não consciência». 7 O texto afirma-se na sua alteridade em relação a todos os receptores – e mesmo a todos os transmissores –dificultando, assim, a total subjectivação do conteúdo identificante. A identidade construída por referência ao texto é, desse modo, sempre e explicitamente, uma identidade no jogo com uma alteridade prévia e primordial, como é próprio de qualquer construção sadia e equilibrada da identidade.
  • 12. 12 João Miguel Pereira – joaofreigil@hotmail.com qual o leitor, com o seu mundo, compreende o mundo do texto e se compreende perante esse mundo, sendo marcado identitariamente por essa compreensão. Desse modo, a alteridade do texto, nos seus variados significados, torna-se fonte de identidade, no jogo hermenêutico do leitor com esse mesmo texto». 15. «E é esse processo hermenêutico, que não se fixa na letra morta do texto nem na apropriação subjectiva por parte do leitor individual e presente, que faz do texto um instrumento de abertura de futuro. De facto, o tecido do texto, pelo processo hermenêutico, encontra-se intimamente unido ao tecido da história. O processo de leitura e apropriação do texto é que o religa constantemente com a história, fazendo do texto um potencial de imaginação da história possível, cuja possibilidade possibilita o futuro». «A mediação textual da identidade inaugura um processo infinito – mas não arbitrário – de construção de identidades, presentes e futuras». 16. «As possíveis – não arbitrárias – identidades, presentes e futuras, constroem-se a partir da realidade do texto que é, precisamente, o conjunto das identidades por ele possibilitadas. O texto abre um sentido – uma direcção – para a história. Todas as possibilidades de sentidos particulares se inserem, doravante, nesse sentido aberto. Se não se inserem nessa direcção, deturpam o sentido do texto. Mas os sentidos particulares possíveis não estão definidos e limitados à partida, pertencendo ao processo histórico, ao futuro, o desenvolvimento de todas as suas possibilidades». 17. Tudo isto se deve aplicar «de modo particularmente especial, à construção pessoal comunitária da identidade cristã, a partir dos seus textos fundamentais». «Também a identidade cristã se constrói essencialmente por relação a textos». 18. Notemos as características do texto escriturístico cristão: α) O texto surge de um pre-texto: «Nenhum texto nasce do nada. Corresponde a acontecimentos ou a ideias que, mesmo que eles próprios já estejam em relação a outros textos, não constituem ainda o texto em causa. No caso do texto cristão, o pre-texto é, primordialmente, a própria prática – como palavra e como acção – de Jesus. Essa prática é que originou o texto e, por isso, constitui o seu pretexto. Ou seja, o texto não surge em função de si mesmo, como finalidade última – como seria o caso, talvez, do texto exclusivamente literário – mas no seio de um pretexto, em relação ao qual adquire significado. β) O texto inclui um con-texto: ele é «quer os textos que precedem o texto cristão quer a prática existencial que lhe serviu de pre-texto». «É nesse contexto que, originariamente, se pode debater qual é essa identidade, porque é aí que, pela razão crente, se entende essa identidade. Fora do contexto – que é o texto – essa identidade corre o risco de se perder, pela equívoca identificação com outros contextos de referência. / Mais ainda, a identidade cristã que se vai construindo, ao longo da história, pela relação ao contexto do texto, insere o texto em novos contextos, que são precisamente as situações prático-existenciais – assim como “ideológicas” – diferentes em cada espaço em cada tempo, mesmo em cada cultura. O texto, enquanto contexto primordial, entra
  • 13. 13 João Miguel Pereira – joaofreigil@hotmail.com assim num processo de exploração dos seus sentidos, pela relação a contextos novos, que dinamizam a própria realidade contida no texto». γ) O texto inclui um intra-texto: «esses elementos passam a ser marcantes para a identidade cristã, na medida em que são assumidos pelo texto – mesmo que, na letra, o texto permaneça inalterado». «Não se procura, portanto, um sentido fora do texto, antes do texto, posterior ao texto, mas sim no próprio texto. E é esse sentido interior ao texto – tal como ele, hoje, nos atinge – que constitui o ponto de referência central para todo o processo hermenêutico». δ) O texto inclui um inter-texto: «O texto cristão não é monolítico, não se reduz a um texto apenas. A Escritura é, já de si, um conjunto de textos que se relacionam mutuamente, quer em complemento quer mesmo em crítica. Por isso, a identidade cristã daí resultante é uma identidade relacional já no próprio processo hermenêutico de interpretação e aplicação dos textos. Nenhum texto, enquanto unidade escrita que repousa em si mesma, pode repousar fechado em si, sem levar em conta a relação aos outros textos que fazem parte do tecido do grande texto cristão». «Dada a universalidade relacional inaugurada pelo texto cristão, também a relação deste a textos não escriturísticos passou a ser importante, precisamente para evitar o encerramento do texto cristão no estrito contexto do seu intra-texto. Antes de mais, foi decisiva a relação ao texto filosófico grego, que durante e desde a época patrística influenciou marcadamente as possibilidades futuras da identidade cristã. ε) O texto inclui a referência ao extra texto ou para-texto: O texto não é o fim último do cristianismo mas tem um papel de mediador com Aquele que é o princípio da nossa fé. «Porque o texto não é Deus e Deus não se reduz ao texto nem cabe nos seus limites, a constante presença do extra-texto na relação do cristianismo como o seu texto identificante é fundamental. Só essa atitude, hermenêutica e existencial, possibilita que a relação ao texto cristão seja verdadeiramente cristã, isto é, não-idolátrica. ζ) O texto inclui hiper-texto? O autor levanta algumas questões: «Será o hiper-texto ainda um texto, ou apenas a ideia abstracta de texto global, cujo tecido não é o tecido de nenhum texto concreto?» «Como se constrói identidade em relação ao hiper-texto?» «Será que o texto ainda está no centro da nossa cultura e da forma como, nela, se constróem identidades? Será que o novo contexto cultural implicará, em si mesmo, o fim do texto como mediação identificante primordial?» 19. O autor responde a estas questões constatando que «vivemos cada vez mais numa civilização da imagem e já não propriamente da escrita». Daí faz as seguintes observações: α) «Na construção da identidade, a relação da pessoa à imagem privilegia uma forma específica de conhecimento ou percepção do real, que vai ter influências enormes na identidade pessoal e cultural». A essa forma de conhecimento se chama impregnação, isto é, o um processo de aprendizagem que «cria identidades acríticas, uma vez que aquilo que é absorvido na
  • 14. 14 João Miguel Pereira – joaofreigil@hotmail.com identidade não é filtrado conscientemente». Diferente é a aprendizagem pela actividade (que se dá através da acção sobre as coisas e através da leitura). No exemplo da leitura, o leitor apropria- se, «de forma pessoal, do mundo do texto, tornando-o seu e, desse modo, transformando-o. Mas, simultaneamente, o leitor deixa-se transformar, configurar, pelo mundo do texto, de forma crítica e profunda (numa espécie de passividade activa). Nesse processo, que se continua na elaboração de textos por parte do leitor, vai-se formando a estrutura de pensamento que marca a identidade pessoal e que constitui a característica fundamental do homo sapiens». β) A civilização da imagem é uma civilização da sua fugacidade: «as imagens sucedem-se constantemente, sem criar raízes nem adquirir significado identificante estável. Reflectem, quando muito, uma cultura em que domina a fragmentarização e a ausência de identidade suficientemente estável». «Nesta cultura – ou constante encenação de cultura simulada – não admira que assistamos a uma profunda crise de referência identificante a textos que constituam veículo de valores fundamentais para a totalidade ou, pelo menos, maioria dos nossos contemporâneos. 20. O autor conclui sugerindo a necessidade de tomar consciência da substituição que vai sendo feita dos «textos que constituam veículo de valores fundamentais para a totalidade ou, pelo menos, maioria dos nossos contemporâneos» pela «fugacidade da imagem publicitária» que vem conduzindo a «que as sociedades contemporâneas estejam carregadas com problemas, mesmo patológicos, de crise de identidade». Para ele «é preciso tomar consciência desta situação e das suas causas, para propor alternativas válidas e necessárias aos nossos contemporâneos».
  • 15. 15 João Miguel Pereira – joaofreigil@hotmail.com Universidade Católica Portuguesa – Faculdade de Teologia Braga, 2020 Unidade: Hermenêutica dos Textos Religiosos Aluno: João Miguel Pereira Apontamentos da aula sobre o texto: «Edmond Jabès e a questão do livro» in: Jacques Derrida, L´écriture et la difference (Paris: Seul, 1967), 99-116. 1 – Nos sujeitos humanos, através do logos acedemos ao outro. 2 – O outro torna-se presente no nosso logos científico (exaustivo). 3 – A palavra implica a presença de um ao outro, presença real e física, ainda que possa ser mediada. 4 – Reduzimos a alteridade do outro àquilo que podemos representar no nosso logos. 5- 6 – A escrita como vestígio e não necessariamente como correspondência à realidade. 7 – Reduzimos o sentido do outro à presença que está nessa palavra (logos). Reduzimos a alteridade do outro ao horizonte da experiência: está aqui e não pode estar em mais lado nenhum. 8 – Nem eu nem o outro podemos reduzir-nos a puros sujeitos presentes. Em rigor a subjetividade não me é acessível. Eu não posso reduzir a subjetividade de cada um a um objeto. 9 – Nós temos acesso ao outro através da linguagem. 10 – Mas, a linguagem é uma pista da presença do outro que nos é presente mas ao mesmo tempo ausente. 11 – Sendo uma presença rela mediada, implica sempre uma ausência; a não identificação com o estar daquela substância. É um outro modo de estar. A presença do outro não se reduz ao objeto ou à linguagem. 12 – Há sempre uma ausência da sua identidade e do seu ser. Está presente mas está de outro modo. 13 – A linguagem como lugar onde o outro de nós passa a estar presente, num certo sentido, sem estar na sua presença reduzido. 14 – Deus está no livro, está na linguagem mas não está reduzido à presença no livro ou na linguagem. 15 – Há uma representação simbólica que está aberta à significação. 16 – Não somos proprietários do outro como tal. 17 – Deus não é definível (limitável) numa essência. 18 – Deus está na letra da escritura, mas não confinado à letra. Eu Outro (Mundo; Humanos; Deus) Logos
  • 16. 16 João Miguel Pereira – joaofreigil@hotmail.com 19 – A letra em si é o modo pragmático de Deus estar, sem estar presente na letra (não está reduzido à presença na letra). 20 – No Islão a noção não é esta, a da tradição hebraico-cristã. Para os muçulmanos Deus está presente no Corão e só está presente neste mundo no Corão; daí que se possa aniquilar outros seres humanos pois têm um valor inferior ao Corão que é sagrado, é Deus. 21 – Deus é “a gramática do texto”, na medida em que é uma presença sem negar a ausência.