SlideShare uma empresa Scribd logo
1 de 92
Baixar para ler offline
Revista •
EOUCACAO Autores etendencias•
PEDAGOGIA
CONTEMPORANEA
Urn sis
SUMARIO
+ Pedagogia Contemporanea
06
Educa~aoe
iniusti~ social
Os autores examinados neste fasclculo
sao. antes de tudo. pensadores
profundamente incomodados com as
contradi~oes de nosso tempoe.
especialmente. com 0 estado de
coisas do mundo da educa~ao
12 Michael Apple
Aeduca~o sob aOtica da analise relacional
Os intelectuais devem dar visibilidade as praticas transformadoras
construfdas pelos professores em sua luta diaria. Ecrucial sistematiza-
las. analisa-Ias. critica-Ias para alcan~ar uma educa~ao mais justa
2fJ ThommsS.Popke~
Urn historiadordesafiando as conven~
Historicizar 0 sujeito permite reintroduzir ahumanidade
nos projetos sociais. pois torna visfveis econfrontaveis os
sistemas governantes de ordem. apropria~ao eexclusao
44 EdgarMorin
Areliga~o dossaberes
Aconstru~o eatransmissao do conhecimento podem ser prazerosas,
criativas. hibridas. Epossfvel rejuntar parte etodo.texto econtexto. local
eglobal. desde que os educadores se empenhem nisso
60 Marina Subirals
Comofonnar seres humanoscompletos,
iguais ecomtodas assuas difereil~
Acoeduca~o pode forjar instrumentos concretos paraaredu~o das
desigualdades de genero. dos preconceitos edas discrimina~oes relativos
as variadas formas de expressao das sexualidades
76 Elsie Rockwell
Poruma antropologia histDrica
Pensar uma escola que nao muda, que nao se transforma. ou
que s6 muda sob 0 efeito de interven~oes externas einconcebfvel
EDITORIAl
Educa~ao, Politica
eSociedade
E
ste quarto e ultimo fas-
cfculo da Cole~ao Peda-
gogia Contemporanea
encerra a serie de revistas volta-
das aanalise das ideias de vinte
grandes pensadores, expressi-
vos representantes das novas
tendencias e perspectivas de es-
tudo da educa~ao na atualidade.
No primeiro numero, inti-
tulado Educa(iio, Escola e Desi-
gualdack, foram apresentadas as
proposi~Oes te6ricas de autores
de destaque no campo da So-
ciologia da Educa~ao: Bernard
Charlot, Bernard Lahire, Fran-
~ois Dubet, Zygmunt Bauman e
Raewyn Connell. No segundo,
chamado Cultum, Aprendiza-
gem e Desenvolvimento, privile-
giaram-se as contribui~oes de
especialistas da Psicologia da
Educa~ao: Jerome Bruner, Ja-
mes Wertsch, Ana Teberosky e
Oliver Sacks. No terceiro, Me-
mOria, Historia e Escolariza(iio,
foram examinadas as formula-
~oes te6ricas de pesquisadores
da Hist6ria da Educa~ao: Michel
Foucault, Michel de Certeau,
Ant6nio N6voa, Anne-Marie
Chartier e Antonio Vii'lao Frago.
Este numero, por sua vez, reune
ensaios que analisam a obra de
cinco pensadores contempo-
raneos, de diversas nacionali-
dades - dois americanos, uma
mexicana, urn frances e uma
espanhola, respectivamente: Mi-
chael Apple, Thomas Popkewitz,
Edgar Morin, Marina Subirats e
Elsie Rockwell. Embora tenham
forma~ao e programas de inves-
tiga~Oes diferentes,juntos ofere-
cern ao leitor perspectivas muito
interessantes para as reftexoes
no campo do currfculo e da po-
Htica educacional,ja que buscam
entender de modo mais profundo
aspectos das complexas questOes
que envoivern 0 campo da educa-
~ao e sua rela~ao com a sociedade
mais ampla.
o prop6sito deste fascfculo,
assim como 0 dos que 0 prece-
deram, e tornar acessfvel para
urn numero maior de pessoas
(educadores de oficio ou pesqui-
sadores) as proposi~oes de in-
vestigadores atuais, geralmente
estudados pela comunidade cien-
tffica mais especializada, mas
pouco conhecidos pelo publico
mais amplo. A grande acolhida
por parte dos leitores que os pri-
meiros fascfculos tiveram indica
que provavelmente esse objetivo
foi alcanl;ado. Isso s6 foi possfvel
porque contamos com a colabo-
ra~ao inestimavel de importan-
tes pesquisadores brasileiros na
elabora~ao dos ensaios publica-
dos na cole~ao (a quem expres-
samos, malS uma vez, nossos
agradecimentos).
Despedimos-nos dos leitores
com a esperanl;a de que essa se-
rie tenha colaborado, ainda que
de maneira parcial, para que urn
numero maior de educadores e
educadoras possa questionar su-
postos consensos, examinar com
rigor a prMica educacional coti-
diana e, principalmente, pensar
em formas de transforma-la.
Teresa Cristina Rego eprofessora da Faculdade
de Ed~ da Universidade de sao Paulo.
..........., Edimi.... c.diII
_ l.aciaoodoc......
M.ao CanIiaI
Rita Maniaez
PEDAGOGIA
CONTEMPORANEA
~-GenII: LuciaDo do Carma
EdIt«: Rubem Barros
rubembmos@edilOr.lsegmenlO.com.br
s.bedItora: Beatriz Rey
~@editorasegmelllO.com.br
EDUCAc;:AO· FApoc:W ......cc....:part.......
...........revistacducacao.com.br
CGaIoIItoriII edIterW. CIIOi~: T...,.. Crisliaa Rqo
Prejdo &riIa>' _~. CIdJer EsIeYam
Capa: Millon RodrigueslCasa PaulistaDa
.......... ~ Ana Teixeira
CGbbot Motos: &elmira OIMira Bueoo. Cccflia
Hanna Mate.Cliudia VWlIII. Denise TmIIo Rebello de
Souza. Edprd de Ass;' Cavalho e luis AnnIndo
Gandin (1elIO): Eugenio Vinci de M<nes (oop;daqw):
Maria Stella Valli (revisio).
PI , ''' ........: I'IuJo Ceur SaJpdo
........v'Ita: Sidney Luiz dos SIIIIos
PUBLICIDADE
~........,..: CristiaDe Vetpo
~ ... aq6das: GMni Danlas e Sudi Beneai
ADaIIoIa"'~: Rose Morishita
F.ItttIAIrioo . . . .
I'IInU - Mansa Oliveira
Tel.: (41) 3027·8490 - porana@edilOClSqlllelllO.com.br
RIo ...JueIro- Edson Barbosa
Td.: (21) 4103-386818181-4514
edsoo.barbosa@editcnsegrnenIo.com.br
WEB
W........., Eder Gomes
~ Leandro Assis
CIRCULAI;:AO E MARKETING
GenDk: Carolina Martinez
Son.... ,ioon ... ~: BeaIriz z.,.,...
ADaIIoIa ... ~ Viviane Trevisln
~ ............: Edson Dantas
~ndasm ...... "oBnlli:
Dinap Distribuidora NacioaaI de Public:oI;Oes S.A.
Roo Dr. Kenkiti Sbimomoto. 1678 - Jd. BdmoaIe
Osasco - SP - Cep: 06045-390
~ ~ t uma publicaf;io especial cia
Ediun Segmenoo.Esta publicaf;io nio 50 responsabilila por
ideias e oonccilDS emitidoo em artigos 011 IIIIIirias assinodls,
que expressam apenas 0 pensamenIO dos 1III<nS. nio repro-
sentando necessariamenIe • opiniio cia revisla. Apublicaf;io
50 reserva 0 direilo. por moIivos de 0SI*i0 e clareza. de
=ir canas eartigos.
EdII«a s.c--
Roo Cunha Gaga. 412 - I· andar
CEP 05421-001 - sao Paulo (SP)
c--.. ...~ .........
De 2' • 6" feira. <las 8h3O M ISh
Td.: (II ) 3039-56661 Fax: (II) 3039-5643
e·mail: assinabn@edilorascgmenlO.com.br
aceose: www.editcnsegrnenIo.com.br
fV'I
ANER
Educa~aoe
iniu~i~a
socialOs autores examinados neste fasclculo
sao, antes de tudo, pensadores
profundamente incomodados com
as contradi<;Oes de nosso tempo e,
especialmente, com 0 estado de coisas
do mundo da educa<;ao
por Teresa Cristina Rego
N
o final do livro au-
tobiogrMico Tem-
pos Interessantes:
Uma Vida no Seculo
XX, 0 historiador ingles Eric
Hobsbawm escreveu: "nao nos
desarmemos, mesmo em tem-
pos insatisfatorios. A injustiya
social ainda precisa ser denun-
ciada e combatida. 0 mundo
nao vai melhorar sozinho". Seu
apelo, em prindpio dirigido aos
seus leitores, parece ter sido es-
cutado e seguido a risca pelos
intelectuais apresentados neste
fasdculo. Embora autores de
trabalhos distintos, todos se
mostram bastante compromis-
sados com a dimensao publica
6 Pedagogia Contemporanea
da educayao e com a criayao de
uma sociedade mais justa. Sao,
antes de tudo, pensadores pro-
fundamente incomodados com
as contradiyOes de nosso tempo
e, especialmente, com 0 estado
de coisas do mundo da educa-
yao. Mas para alem da simples
denuncia, seus trabalhos, marca-
dos pela ousadia e pela coragem
de romper com padroes prees-
tabelecidos, incitam a abertura
de novas tematicas no campo
da pesquisa, bern como a busca
de aIternativas capazes de con-
solidar novos contornos e for-
mas organizativas, curriculares
e pedagogicas para 0 ja quase
esgotado sistema educacional
vigente na cultura ocidental.
Suas interpretayOes e propostas
alternativas para 0 enfrenta-
mento de conhecidos problemas
educacionais servem como pon-
tos de luz, que nos possibilitam
enxergar novos angulos, deta-
Ihes relevantes, mas nem sem-
pre vistos, da 16gica perversa do
sistema educacional numa socie-
dade estratificada e das priiticas
pedag6gicas dele decorrentes.
o primeiro texto, de autoria
de LUIS Armando Gandin, pro-
fessor da Universidade Federal
do Rio Grande do SuI, apresenta
dados da vida e obra do educador,
pesquisador e ativista Michael
Apple. Nascido em 1942 nos Es-
tados Unidos, Apple e professor
dos departamentos de Ensino e
Currkulo e de Estudos de Poli-
tieas Edueacionais na Faculdade
de Educac;ao da University of
Wisconsin-Madison, nos Esta-
dos Unidos, e tambem professor
visitante de algumas universi-
dades europeias. Seus trabalhos
(parcialmente traduzidos para 0
portugues), elaborados nas ul-
timas tres decadas, tern trazido
contribuic;Oes fecundas para os
estudos no campo do currkulo e
da edueac;ao em geral. No artigo,
Gandin, grande conhecedor da
obra de Apple, examina trac;os
que earacterizam sua produc;ao,
presentes nos primeiros livros
ate as publicac;Oes mais recentes,
oferecendo elementos que per-
mitem entender a genese de seu
programa de pesquisa e do seu
engajamento politico, suas prin-
cipais influencias (como as for-
mulac;Oes de Antonio Gramsci),
sua habilidade de formular no-
vas perguntas para velhos pro-
blemas educacionais e de articu-
lar conceitos complexos (como
ideologia, hegemonia, senso
comum, ideologia e poder) para
romper com certos dogmatismos
presentes nos discursos e teorias
educacionais. Gandin destaca a
"importancia que 0 seu ativismo
politico e seu engajamento em
lutas mundiais por uma socie-
I
TRAZEMOS. AQUI. autores
bastante compromissados
com a dimensiio publica da
educa~iio e com a cria~iio de
uma sociedade mais justa
dade e uma educac;ao mais justas
(que valorizem simultaneamente
a necessidade da distribuic;ao
igualitaria de bens materiais e
simbOlicos e do reConhecimento
da diferenc;a) tern em sua trajet6-
ria e em sua obra. Apple insiste
que urn dos papeis cruciais da
pedagogia crftica e transformar
a educac;ao e nao apenas analisa-
lao 0 compromisso politico de
Apple tern guiado suas preocu-
pac;Oes te6ricas, e sua crescente
Pedagogia Contemporanea 7
8 Pedagogia Contemporanea
sofisticavao te6rica deriva de
seu engajamento nas complexas
questOes que envolvem 0 campo
da educavao e sua relavao com a
sociedade mais ampla".
O
SEGUNDO TEXTO,
elaborado por CecOia
Hanna Mate, da Uni-
versidade de Sao Paulo, ana-
lisa travos da obra de urn ou-
tro professor da University of
Wisconsin-Madison: Thomas
S. Popkewitz. Nascido em Nova
York, em 1940, ele se notabili-
zou por importantes estudos no
campo do curriculo e da poHtica
educacional. Em seu artigo, ela
de Foucault), suas pesquisas in-
terdisciplinares (realizadas em
paises da Asia, Europa, America
Latina, Africa do SuI e Estados
Unidos) e proposivoes te6ri-
cas nos ajudam a adotar novas
perspectivas para a analise das
polfticas educacionais, do ensino,
da escola, do curriculo e da for-
mavao docente. Hanna Mate da
especial destaque a atualidade
de seus trabalhos: "Se conside-
rarmos que nas duas ultimas de-
cadas as poHticas educacionais
de varios paises implantaram
reformas curriculares e intervie-
ram fortemente na formavao de
professores, os estudos do autor
base de sua formavao e multidi-
mensional e polifOnica". Licen-
ciado em Hist6ria, Geografia e
Direito pela Sorbonne e comu-
mente rotulado como soci6logo,
fil6sofo ou antrop6logo, Morin
vern construindo formulavoes
inusitadas. Na bem-sucedida ta-
refa (quase herculea) de resumir
o seu itinerario intelectual e sua
teoria da complexidade, Carva-
lho nos apresenta, entre outros
aspectos, uma boa sintese das
contribuivOes de Morin para a
educavao: "A reforma da educa-
I;ao e prioritaria para que essas
ideias vinguem e se disseminem
por todos os poros da sociedade
Multidimensionais e polifonicas, as investigac;6es
de Morin sao tao ricas quanto diflceis de definir
fornece ao leitor informal;Oes
sobre aspectos representativos
dos diversos conteudos que 0
autor desenvolveu ao longo de
sua trajet6ria intelectual, como a
questao das reformas no ensino,
a formal;ao docente e 0 curri-
culo, e que foram publicados em
numerosos artigos e livros (al-
guns ja lanvados no Brasil). Ali-
nhado aos autores da chamada
perspectiva p6s-estruturalista
(particularmente aos trabalhos
INSTAlAcAo DA ARTISTA
brasileira Laura Vinci.
Os textos deste fasciculo
servem como ·pontos de
luz. que nos possibilitam
enxergar novos 8ngulos.
detalhes relevantes. mas
nem sempre vistos.
da logica perversa do
sistema educacional-
contribuem para novas perspec-
tivas de analise para esses temas.
Neste sentido, suas reftexOes po-
dem oferecer ferramentas ade-
quadas para pensarmos como
e por que foram construidos os
fundamentos das reformas - sob
que condivOes, movidos por qual
tipo de contingencias - e as va-
rias praticas educacionais por
elas geradas. Seus estudos, en-
fim, contribuem para pensarmos
sobre 0 conceito de professor e
de aluno que historicamente as
reformas ajudaram a produzir".
A
OBRA DE EDGAR MORIN,
por sua vez, e exami-
nada por Edgard Assis
de Carvalho, da Pontificia Uni-
versidade Cat61ica de Sao Paulo.
Nascido em 1921, 0 frances e urn
pensador de dificil definil;ao, ja
que, como explica Carvalho, "a
civil. A aposta de Edgar Morin
numa educavao complexa enun-
cia uma agenda de multiplos
princfpios, dentre os quais se
destacam: 1. Pensar a educavao
como atividade humana cercada
de incertezas e indeterminal;Oes,
mas tambern comprometida com
os destinos de homens, mulheres
e crianl;as que habitam a Terra-
Patria; 2. Praticar uma etica da
competencia que comporte urn
comprometimento etico com 0
presente sem esquecer 0 compro-
misso com 0 futuro sustentavel;
s. Buscar as conexOes existentes
entre os fenomenos que se que-
rem compreender e explicar e
seu contexto mais amplo; 4. Ab-
dicar da ortodoxia das teorias e
conceitos e pregar 0 nomadismo
das ideias; 5. Exercitar 0 dialogo
entre as varias especialidades; 6.
Deixar emergir a complementa-
Pedagogia Contemporinea 9
CURRicUlO E pOliTICA EDUCACIONAl
ridade entre arte, literatura, ci-
encia e filosofia; 7. Transformar
os ensinamentos em linguagens
que ampliem 0 numero de in-
terlocutores da ciencia; 8. Lutar
pela constru<;3.o da antropolftica
e da antropoetica como funda-
mentos de uma polftica de civili-
zac;ao terrena".
O
STRABALHOSDAESPANHOLA
Marina Subirats, pro-
fessora da Universi-
dade Aut6noma de Barcelona,
sao apresentados por Claudia
Vianna, da Universidade de Sao
Paulo. Apesar de ser reconhecida
internacionalmente por seus
potencia te6rica, pelas refle-
xOes inovadoras, pelo rigor nas
investigac;oes, somado a expe-
riencia adquirida nas inserc;Oes
polfticas e academicas, eviden-
ciam 0 valor de suas contri-
buiC;Oes para urn tema que vern
ganhando espac;o nas polfticas
educacionais dos ultimos anos
e gerado grande interesse junto
aos docentes no Brasil".
Creio que, ap6s a leitura do
conjunto de ensaios reunidos
neste fasdculo, 0 leitor con-
cordani com Eric Hobsbawm:
nao podemos mesmo nos de-
sarmar, pois 0 mundo nao
mudara sozinho. Talvez cons-
Pesquisas de Rockwell versam
sobre trabalho docente, vida
cotidiana e culturas escolares
estudos sobre direitos das mu- tate, tambem, que, na luta para
lheres; educac;ao e coeducac;ao e construir uma sociedade mais
classes sociais, a autora ainda e
bern pouco conhecida no Brasil.
Nascida em 1943, estudou Filo-
sofia em Barcelona e, mais tarde,
Sociologia na Ecole Pratiques
des Hautes Etudes, em Paris.
Depois de formada, trabalhou
no "Laboratoire de Sociologie
Industrielle" dirigido por Alan
Touraine. Como avalia Vianna,
sua trajet6ria, sempre compro-
metida com a construc;ao da
igualdade de genero, e marcada
por intensa vida academica,
pelo engajamento e militancia:
"Podemos localizar a maior con-
tribuic;ao da autora na 6tica do
direito aeducac;ao, do combate
ao sexismo e da construc;ao de
relac;Oes igualitarias de genero.
o conjunto de sua obra, pela
10 Pedagogia Contempor.inea
justa, parece que estamos muito
bern acompanhados.
A
s IDEIAS DA MEXICANA EL-
SIE Rockwell sao explora-
das no ultimo texto deste
fasdculo, elaborado por Belmira
Oliveira Bueno e Denise Trento
Rebello de Souza, da Universi-
dade de Sao Paulo. Rockwell e
professora do Departamento
de Investigaciones Educativas
do Centro de Investigaciones y
Estudios Avanzados, na Cidade
do Mexico. Tern atuado tambem
como professora convidada em
instituic;oes norte-americanas,
europeias e latino-americanas.
Reconhecida por seus tra-
balhos no campo da antropolo-
gia da educac;ao, especialmente
por suas contribuic;oes ao de-
senvolvimento da etnografia
no contexto latino-americano,
Rockwell e, sem duvida, urn
nome de destaque na pesquisa
educacional contemporanea. Sua
produc;ao acerca do trabalho do-
cente, da vida cotidiana nas esco-
las e das culturas escolares tern
trazido importantes insumos
para 0 incremento das investiga-
C;Oes no campo da educac;ao. Nas
palavras de Bueno e Trento: "E
principalmente sobre 0 modo de
entender e conceituar a escola
que 0 trabalho de Elsie Rockwell
vai se mostrar fecundo, particu-
larmente em palses de economia
capitalista dependente, como 0
Mexico e 0 Brasil".
Apropriando-se de concei-
tos e metodologias de autores
e campos diversos - hist6ria,
antropologia, sociologia, educa-
c;ao, psicologia -, a pesquisadora
mexicana busca ajusta-Ios a seu
prop6sito, qual seja, 0 de cons-
truir urn modo crltico de produ-
zir conhecimento sobre a escola.
Contribui, assim, com as bases
do que veio a se constituir em
uma abordagem crltica de etno-
grafia educacional na America
Latina. 0 ponto de partida de
suas buscas e a hist6ria de seu
pals e as enormes desigualdades
que dilaceram a sociedade me-
xicana. Volta-se para a escola
publica, elegendo-a como objeto
de investigac;ao.
Teresa CrisIi... Rego edoutora em EdlJCal100
pela US!' p6s-doutora pela Universidad
Aut6noma de Madrid. eprofessora da ~.
licenciatura ep6s-gradualyao da Facuklade de
EdlJCal100 da US!' Epesquisadora do CNPq.
autora eorganizadora de varias publicafyOes.
dentre elas. .W?tsky: uma perspectivahist()riro.
cultural da educ:a¢o(Vozes. 1995) eMem6rias
de escoIa:cultura escoIarecoostituil;ao de
singularidades(Voles 2(03),
o especial PSICANAuSE & UNGUAGEM
2009 busca estreitar as rela~oes entre
a linguagem cotidiana e a linguagem da
Psicanalise, jogando novas luzes sobre a
rela~o entre 0 homem e a palavra.
.revistalinguaportuguesa.com.br
REV1STA~APRESENTA 2009
-PSICANAilSE
A
18
1-'1.~ I ~
::;;.:... 2 ........
& LINGUAGEM
AIbIgaa
podag_....
pelap-kaMu..
1I.c:ritica
psicanalitica
examiDa 0 alo de Ier
MecaDismos 1111~~
de defesa no 1150
doc:liche
OcleAliode1nIduir_ _
~
Inconsciente
por escrito
Central de atendimento: (11) 3039- 5666 ou
assinaturas@editorasegmento.com.br
.1 "",0 •
., :
editora toseqmen
A educa<;ao sob a 6tica
da analise relacional
Os intelectuais devem dar visibilidade as praticas transfonnadoras,
construidas pelos professores em sua luta diana. E crueial sistematiza-
las, analisa-Ias, eritica-Ias para alcanyrr uma educa~o maisjusta
por Luis Armando Gandin
BIOGRAFIA » EDUCADOR, PESQUISADOR EATIVISTA
M
ichael Whitman Apple nasceu em 1942,
em Paterson, estado de Nova Jersei.
nos Estados Unidos.Filho de imigrantes
russos, Apple cresceu em uma familia
de classe trabalhadora, Que lutava constantemente con-
tra apobreza.Acidade de Paterson, onde Apple cresceu,
foi, no seculo XIX, uma das cidades com maior concen-
tracao de industrias nos Estados Unidos. Por essa razao,
se tornou urn dos grandes destinos da grande massa
de imigrantes Que chegava aos Estados Unidos. Por ser
urn local com grande concentracao de industrias e por
receber urn grande numero de imigrantes europeus, al-
guns deles com tradicoes de lutas sindicais, Paterson foi
tambem uma cidade onde os sindicatos de trabalhadores
se desenvolveram rapidamente. A cidade foi 0 cenario
de famosas manifestacoes pela proibicao do trabalho
12 Pedagogia Contemporanea
infantil ede uma grande greve Que paralisou os teares da
industria da seda em 1913, com a reivindicacao de uma
jornada de seis horas emelhores condicoes de trabalho.
A forte mobilizacao sindical da cidade e da regiao fez
com Que grande parte das industrias mudasse para 0
suI. onde nao havia sindicatos. Paterson passa a viver,
a partir da metade do seculo XX, a conhecida situacao
das decadentes cidades industriais:grande desemprego,
subemprego esituacoes de pobreza crescente.
EnestecontextoQue Michael Apple inicia sua vida. Seus
pais eram trabalhadores nas poucas industrias Que resta-
vam na cidade e tinham uma grande tradic§o politica, de
raiz comunista.A politizac§o de Apple eseu envolvimento
nas discussOes enas lutas politicas de sua epoca aparecem
ainda no ensino medio, Quando ele se envolve diretamente
em urn movimento pela igualdade racial. Assim Que conclui
esses estudos. Apple com8¥l a trabalhar. Inicia na indus-
tria grafica. urn dos setores mais politizados naquela epoca.
Enquanto trabalha durante 0 dia. estuda anoite em uma pe-
quena faculdade local de forma~ao de professores. Convo-
cado aservir no Exercito. Apple. em fum;ao de sua forma~ao.
acaba dando aulas durante sua experiencia militar. Gra~as a
sua experiencia como docente no Exercito. quando retoma a
vida civil. econtratado - mesmo sem ter concluldo 0 curso
- para trabalhar como professor nas escolas de Paterson.
Em seu trabalho docente. logo se envolve ativamente
no sindicato local de professores. tomando-se seu pre-
sidente. Uma vez concluldo 0 seu curso de forma~ao de
professores e depois de exercer a docencia por alguns
anos. Apple candidata-se e e selecionado para cursar 0
mestrado na Columbia University. em Nova York. no fa-
moso Teachers College. Em Columbia. ele encontra uma
realidade bastante diferente daquela que conhecera na
gradua~ao. em uma pequena faculdade do interior do es-
tado de Nova Jersei.Ele imediatamente percebe 0 imenso
contraste de estar estudando em uma das mais prestigio-
sas universidades do pais. localizada nas vizinhan~as de
urn dos bairros mais pobres (na epoca) das regioes metro-
politanas dos Estados Unidos. 0 Harlem. sem ter qualquer
rela~ao com agrande comunidade negra elatina daquele
bairro. Apple conclui 0 mestrado em 1968 e. dois anos
mais tarde. 0 doutorado. ambos no Teachers College da
Columbia University.marcado por uma s6lida forma~ao na
area da sociologia eda filosofia. Sua tese econsiderada
exemplar par seu orientador e. ainda em 1970. e contra-
tado para trabalhar na area de currlculo na University of
Wisconsin-Madison. Tres anos mais tarde. Apple ja tinha
sido efetivado no cargo. algo que costuma levar de seis
ou sete anos para se conseguir. Com apenas 34 anos. ja
era professor titular. em uma carreira mete6rica. incomum
para os padroes da carreira academica estadunidense.
Nosanosque se seguem. Apple publica inumeros livros.
que vao mudar. definitivamente. 0 campo do currlculo e
da educacao em geral. Vale destacar Idealagia eCurrfcula.
publicado em 1979. considerado por varios como sendo
urn dos 25 mais importantes livros da educa~ao ocidental.
Portodo seu trabalho na University ofWisconsin-Madison.
desde 1970. Apple recebeu a distin~ao de ser nomeado
para acatedra John Bascom. uma das poucas posi~oes de
catedratico concedidas pela reitoria da universidade. Ap-
ple eprofessor. simultaneamente. dos departamentos de
Ensino eCurrlculo ede Estudos de Pollticas Educacionais
na Faculdade de Educa~ao. Alem disso. tambem recebeu
recentemente adistin~ao de World Scholar do Institute of
Education da University of London. Reino Unido. 0 que 0
toma professor visitante na universidade em todos os ve-
roes eurapeus. Alem de ter incontaveis distin~oes acade-
micas euma lista extensa de publica~oes. Michael Apple
eurn grande ativista politico.dedicando-se intensamente
as lutas por justi~a social nas suas varias dimensoes:ra~a.
classe. genera.sexualidade. Quando Apple econvidado a
palestrarem uma universidade. quase sempreerequisitado
(e sempre aceita) pelos ativistas dos movimentos sociais
locais para reunir-se com eles eassessora-Ios. Considera
esta uma parte crucial de seu·trabalho como intelectual.
Por conta de seu envolvimento politico.ja foi preso na Co-
reia do Sui (ainda que por urn breve perlodo). por desafiar
aditadura local. Michael Apple vive em Madison. estado
de Wisconsin.nos Estados Unidos. com sua esposa. Rima
D. Apple (que tambem e professora da universidade). e
pr6ximo aos seus dois filhos.Peter ePaul. esuas famnias.
111111111111111111111111111111111111111111111111111111111111111111111111111111111111111111111111111111111111111111111111111111
1+ Pedagogia Contemporanea
Aanalise
relacional em a~ao
T
ALVEZ 0 CONCEITO QUE
melhor resuma a 'con-
tribuic;:ao de Apple para
o exarne da relac;:ao da educac;:ao
com a sociedade seja 0 de ana-
lise relacional ou situacional.
Urn excelente texto para en-
tender a concepc;:ao de Apple a
respeito da analise relacional
ou situacional e0 primeiro ca-
pitulo do livro Politica Cultural
e Educar;fIo. Em uma descric;:ao
vfvida e repleta de elementos
muito concretos, Apple mostra,
claramente, 0 que esituar a edu-
cac;:ao em seu contexto social e
relaciona-la as multiplas dina-
micas da sociedade (classe social
e rac;:a, neste caso). Recontar a
hist6ria de Apple ea melhor ma-
neira de mostrar como este con-
ceito ecrucial em sua obra e em
suas atividades polfticas e como
ele abre novas perspectivas para
I
OBRA DO ARTISTA japones
Masato Nakamura. que
criou diversas instala'roes
envolvendo os arcos da rede
americana McDonald's
aqueles envolvidos neste campo.
Nesse texto, Apple conta a
hist6ria de uma viagem que ele
fez a urn pafs asiatico. Na via-
gem de carro entre 0 aeroporto
e seu destino final, ele atraves-
sou quilometros de campos com
plantac;:ao de batatas. Na beira da
estrada, em intervalos regula-
res, havia placas com 0 sfmbolo
da mais famosa rede de comida
fast-food do mundo. No texto,
Apple conta que ingenuamente
perguntou ao seu colega ativista,
que dirigia 0 carro, se havia urn
restaurante daquela famosa rede
ali por perto. 0 ativista respon-
deu que eles estavam em uma
zona rural e que 0 restaurante
dessa rede mais pr6ximo ficava
a pelo menos 50 km de distancia.
Apple ficou intrigado e 0 colega
ativista explicou-Ihe 0 que as
piacas faziam ali. 0 governo da-
quele pafs havia concedido gran-
des isenc;:aes fiscais a corporac;:aes
de agroneg6cio e, em especial, a
urn dos grandes fornecedores de
batatas daquela rede defast-food.
Para acomodar aquelas grandes
corporac;:aes, os camponeses que
viviam ha gerac;:aes naquelas ter-
ras, mas nao tinham a proprie-
dade legal da terra, foram remo-
vidos, em nome do progresso.
Ora, estas famOias acabaram mi-
grando para as cidades, inchando
as favelas urbanas daquele pafs.
A esta altura Apple, sabendo que
seu colega era professor, come-
c;:ou a perguntar-se que relac;:ao
a hist6ria tinha com a educac;:ao;
seu amigo ativista continuou a
Pedagogia Contemporanea 15
MICHAEl APPLE
FOTOGRAFIA de Touhami
Ennadre. artista frances.
Apple diz que 0 processo que
simultaneamente estabelece
a cor branca como a norma
e Hcria" 0 Houtro" racial e
etnico. como todo aquele
que nao se encaixa nesta
norma. e 0 que define 0
conceito de branquidade
16 Pedagogia Contemporanea
historia e deixou clara esta reia-
yao. Com a isenyao fiscal, a arre-
cadayao de impostos foi reduzida
e as verbas para investir em edu-
cayao comeyaram a rarear cada
vez mais. As crianyas das favelas
estavam sem escola (entre outros
serviyos publicos).0 governo, no
entanto, encontrou uma forma
para nao sofrer a pressao da po-
pulayao e da comunidade inter-
nacional. Para que as crianyas
pudessem ser matriculadas nas
escolas publicas, elas precisavam
ser registradas em hospitais ou
em orgaos do governo, ambos
bastante raros nestas localidades
extremamente empobrecidas.
Sem 0 registro de muitas crian-
yas, os numeros oficiais de crian-
yas sem atendimento escolar
acabam ficando "sob controle". E
o ativista termina a historia com
uma frase que Apple enfatiza,
para que entendamos a necessi-
dade de ver a educayao de forma
relacional. Ele diz que os cam-
pos de plantayao de batata que
Apple ve sao a causa da ausencia
de escolas na periferia das cida-
des. E insiste: nao ha escolas ali
porque muitas pessoas gostam
de batatas fritas baratas, vendi-
das nessa rede de restaurantes.
A
o ANALISAR 0 EXEMPLO
dessa hist6ria, Apple faz
toda a teorizayao que ele
propoe sobre educayao e socie-
dade fazer sentido. Ele mostra
uma grande habilidade de signi-
ficar conceitos complexos como
ideologia, hegemonia, senso
comurn, ideologia, poder. Exa-
minando como a construyao do
"outro" se conecta a elementos de
raya e classe, Apple e capaz de fa-
zer algo que poucos conseguem:
falar com a teoria e nao sobre ela.
No caso espedfico da hist6ria,
ele defende 0 usa do conceito de
branquidade como crucial para
estabelecer uma analise relacio-
nal. 0 processo que simultane-
amente estabelece a cor branca
como a norma e "cria" 0 "outro"
racial e etnico, como todo aquele
que nao se encaixa nesta norma,
eo que define 0 conceito de bran-
quidade. Apple mostra como a
branquidade se apresenta tam-
bern espacialmente. 0 exemplo
do pais asiatico e seus campos
com plantavao de batata e suas
favelas sem escolas mostra como
ha uma profunda relavao entre
consumir batatas fritas baratas
nos paises do centro e as condi-
responder a pergunta "como?",
ou seja, qual a melhor forma
de "transmitir conhecimentos"
ou de criar comportamentos de
ajustamento aos grupos sociais.
Michael Apple, entao, propoe
que a educavao e 0 currfculo de-
veriam propor outras perguntas:
"0 que?" e "para quem?". Estas
novas perguntas, que nao tratam
provem principalmente das teo-
rias crfticas.
Ao incorporar uma nova lin-
guagem que enfatiza os aspectos
ideol6gicos, as relavOes de poder
e a relavao entre cultura e rela-
vOes de produvao para 0 campo
da educavao, Apple resiste a ape-
nas importar as analises que ja
estavam ligando a educavao a
Para Apple, ecrucial perguntar: "0 conhecimento
de quais grupos eensinado na escola?"
vOes de vida nos paises da perife-
ria. Como diz Apple, "consumir
batatas fritas baratas e uma das
expressoes maximas da bran-
quidade". Apple retoma aqui,
de alguma forma, 0 conceito de
fetiche introduzido por Marx.
Em Marx este conceito ajudava
a entender 0 processo pelo qual
a mercadoria parecia ter valor,
quando na verdade 0 valor tinha
sido agregado pelo trabalho hu-
mano. Apple vai alem do conceito
estritamente economico para en-
tender as ramificavOes culturais
(de rava, mais especificamente,
neste caso) da fetichizavao mate-
rial e simb6lica.
Acontribui~io te6rica de
Apple para aanalise relacional
Em sua obra sobre 0 campo do
currfculo e a educavao em geral-
que ja tern mais de trinta anos de
produvao ininterrupta -, Michael
Apple propOe novas questOes que,
sobretudo nas decadas de 1970 e
1980, estavam muito pouco pre-
sentes na vida das escolas. 0 dis-
curso educacional, mais especifi-
camente no campo do currfculo,
estava basicamente centrado em
o conhecimento e as prciticas es-
colares como dadas, mas como
uma realidade a ser criticamente
examinada, representaram uma
ruptura com uma concepyao do-
minante de currfculo, vigente
naquele momento hist6rico.
O
QUE A OBRA DE ApPLE
oferece a educavao nao
e mais uma resposta a
pergunta "como?", mas uma se-
rie de novas perguntas e preo-
cupavoes que problematizam 0
tecnicismo entao dominante no
campo educacional. Para ele, 0
crucial e perguntar: "0 conheci-
mento de quais grupos e ensi-
nado na escola?", "por que este
conhecimento?", "qual a relavao
entre cultura e poder em educa-
vao?" e "quem se beneficia dessa
relavao?". Essas questoes nao
tratam 0 conhecimento e as pra-
ticas escolares como dadas, mas
como uma realidade a ser critica-
mente examinada. Ao propor es-
sas novas questOes, Apple busca
transpor os rfgidos limites esta-
belecidos do campo do currfculo
e importar uma nova linguagem
a educavao, com conceitos que
dominavao economica, como,
por exemplo, 0 classico trabalho
de Bowles e Gintis Schooling in
Capitalist America (1976). A argu-
mentavao de Apple esta baseada
na ideia de que para tratar das
complexas relavoes entre edu-
cavao e sociedade e fundamental
desenvolver uma nova lingua-
gem que de conta da complexi-
dade do tema em estudo. Para
responder as perguntas que ele
propOe ao campo do currfculo e
da educavao como urn todo, Ap-
ple incorpora conceitos como 0
de ideologia, hegemonia e senso
comurn para 0 campo da reftexao
sobre a educavao. Apple propOe
uma discussao que pOe em xe-
que 0 determinismo das analises
economicistas - fundamentadas
em uma vertente do marxismo
- que falam da cultura e da edu-
cavao como esferas ·diretamente
determinadas pelas relavoes
economicas. Ao incorporar uma
analise marxista a analise da re-
lavao entre a educavao e a socie-
dade, Apple 0 faz trazendo uma
vertente baseada no trabalho de
Antonio Gramsci. Gramsci, com
sua analise da hegemonia e do
Pedagogia Contemporanea 17
MICHAEL APPLE
senso comum como conceitos
centrais para entender a liga'Y3o
entre as rela'YOes de produ'Yao e
a esfera da cultura e do mundo
simb6lico, trazia, segundo Ap-
ple, uma analise rnais apropriada
para entender 0 campo da edu-
ca'Yao nas sociedades capitalistas.
Essa vertente do marxismo que
Apple incorpora asua analise e
chamada de neomarxismo, pois
ela incorpora a centralidade da
cultura na analise do social, algo
que as tradi'YOes marxistas nao
haviam feito ate entao.
E
MBORA DEFENDA UMA
posi'Y30 que enfatiza a
importancia de entender
as rela'Yoes economicas como
centrais aestrutura'Yao das so-
ciedades, Apple luta contra uma
versao vulgar de marxismo
que considera a cultura como
urn mero reftexo da economia.
Usando 0 conceito de hegemo-
nia, Apple procura fugir de uma
concep'Yao que ve as rela'Yoes
economicas determinando dire-
tamente e sem media'YOes a esfera
da cultura. Usando os trabalhos
de Antonio Gramsci e Raymond
Williams (este tambem inftuen-
ciado, em grande parte, pela ana-
lise de Gramsci), Apple amplia 0
espectro de analise do campo de
currlculo ao propor urn conceito
de ideologia que se relaciona di-
retamente com·os conceitos de
senso comum e de hegemonia.
Apple escreveu IdeoLogia e
Curriculo em urn contexto no
qual 0 conceito de ideologia tinha
urn significado muito particular,
extremamente inftuenciando por
algumas tradi'YOes do marxismo.
Na decada de 1970, trabalhos ba-
seados em Althusser e no con-
ceito de Aparelhos Ideol6gicos
18 Pedagogia Contemporanea
do Estado retratavam a escola
como uma mera instancia repro-
dutora da ideologia dominante.
Esta conceP'Yao tratava a ideolo-
gia como urn conceito "no singu-
lar", ou seja, a ideologia era vista
como urn sinonimo das ideias
da classe dominante e tinha urn
carater urn tanto determinista.
Os problemas com este enten-
dimento, segundo Apple, e que
ele nao capta as contradi'Yoes,
sempre presentes no complexo
processo de domina'Yao, e nao
reconhece 0 papel que os sujei-
tos (e nao meros objetos) tern na
media'Yao e luta contra a domi-
na'Yao ideologica e material. Ja
em ldeologia e Curriculo, mas de
forma mais pronunciada em suas
obras posteriores, Apple oferece
urn entendimento diferente do
conceito de ideologia, que, alem
de focar a reprodu'Yao, analisa 0
conftito, a contradi'Yao e as me-
dia'YOes produzidas pelos sujei-
tos concretos. Apple insiste que a
ideologia nao deve ser entendida
como uma "falsa consciencia" di-
retamente imposta pelas rela'YOes
economicas. Para Apple, a ideo-
logia e parte da cultura vivida,
encharcada de senso comum.
O
CONCErTO DE SENSO
comum e outro que
Apple traz ao campo do
currlculo e da educa'Yao em ge-
ral, para examinar como concre-
tamente a domina'Y30 se produz e
onde se pode identificar parte de
suas contradi<;oes. As ideias que
fazem parte do senso comum nao
estao af porque alguem simples-
mente for<;ou a sua entrada, mas
porque elas fazem sentido para
as pessoas nas suas vidas cotidia-
nas. 0 senso comum e formado
por diferentes ideologias, mas
estas nao sao "falsas imagens"
da realidade; sao concep<;oes
de mundo imersas nas visoes
de classe, ra<;a, genero. Apple
e muito claro nisso: insiste que
nao devfamos focar 0 que e falso
em uma ideologia, mas 0 que e
verdadeiro; ideologias que tern
eficacia conectam-se com pro-
blemas reais das pessoas, com a
experiencia cotidiana delas.
I
PARA APPLE, "ideologias que
tern eficacia conectam-se
com problemas reais das
pessoas, com a experiencia
cotidiana delas"
o senso comum e formado
(mas nao de forma exclusiva)
por ideologias hegemonicas,
pois as classes (ou ra<;a, genero)
dominantes sao capazes de apre-
sentar sua visao de mundo como
a forma "natural" de entender
e operar na sociedade. Urn dis-
curso se torna hegemonico por-
que ele consegue ancorar-se em
entendimentos ja presentes no
senso comum e mobiliza-Ios, de
modo que esta seja a (mica forma
de ver e viver no mundo social.
Apple nos ajuda a entender que
este e urn processo em continuo
movimento, no qual os g rupos
dominantes precisam lutar para
manter a lideran<;a da sociedade.
Esta lideran<;a nao e garantida
simplesmen te pela domina<;ao
economica. Apple, valendo-se
da contribui<;ao de Raymond
Williams, usa a noc;ao de "sa-
tura<;ao" para explicar 0 efeito
No entanto, nao ha garantia
de que a hegemonia, uma vez ob-
tida, tenha uma longa dura<;ao ou
se estabele<;a para sempre. Para
construir lideran<;a, 0 bloco he-
gemonico precisa conectar 0 seu
discurso a vida pratica. Este e 0
trabalho cultural que0 bloco hege-
monico tern de realizar constante-
mente: estabelecer 0 seu discurso
como aqueleque"fazsentido",algo
que nao e visto como 0 discurso
dominante, mas como a forma
"natural" de pensar e proceder.
A
QUI HA, PARA A pP LE,
uma importante cone-
xao: essa ideia de "fazer
sentido", de produzir formas
naturalizadas de conceber as re-
la<;5es sociais, esta diretamente
relacionada ao conceito de senso
comum. Nenhuma ideologia se
torna dominante se nao esta, ao
menos parcialmente, ligada ao
senso comum de cada periodo
hist6rico. Ou seja, Apple nos
mostra como aquilo que a ide-
ologia dominante promove nao
e uma ideia totalmente estranha
as pessoas nem uma realidade
falsa. Uma importante parte da
Nenhuma ideologia se torna
dominante se nao esta ligada ao senso
comum de cada pedodo hist6rico
que e produzido sobre nossa
consciencia: ao experimentar-
mos cren<;as e formas de ver 0
mundo de forma pratica, essas
tern 0 efeito de reforc;ar umas as
outras e produzir urn efeito de
realidade (mica. Esta e, para Ap-
ple, a forma como a hegemonia
se instaura.
hegemonia e obtida exatamente
quando 0 discllrso dominante
consegue converter-se em senso
comllm, quando 0 discurso do-
minante e capaz de articular-se
aos elementos de born senso pre-
sentes no senso comum. Apple
insiste que esta euma constru<;ao
hist6rica e que 0 senso comum
Pcdagogia Contcmporanca 19
MICHAEl APPLE .
nunca e totalmente conver-
tido em discurso dominante.
Na verdade, apesar de 0 senso
comum ter sido "trabalhado"
pelas classes dominantes, ele
preservou suas caracterfsti-
cas basicas: e fragmentado e
contraditorio, perpassado por
multiplas e diferentes ideolo-
gias. A "colonizay30" do senso
comum n30 e estavel ou per-
manente: 0 senso comum e
sempre uma arena de disputa.
o usa que Apple faz dos
conceitos de senso comum,ide-
ologia e hegemonia nos ajuda
a entender a complexidade das
aIianyas hegemonicas. 0 usa
que ele faz do conceito de blo-
cos hegemonicos, ja em suas
primeiras obras, mas de forma
maneira mais explfcita e sofis-
ticada em sua obra a partir do
final da decada de 1980, Apple
tern mostrado que n30 apenas
a classe social, mas tambern
as dinamicas de genero e raya
tern urn papel central na ana-
lise das alianyas hegemonicas
e contra-hegemonicas e na
propria manuteny30 destas.
ocontrole do trabalho
docente: as dinamicas
de classe e genero
A analise que Apple faz do
trabalho docente e uma das
grandes contribuiyOes do autor
para 0 campo da edUCay30. Ao
mostrarque e fundamen tal exa-
minar a interSeCy30 das dina-
micas de classe social e genero,
Michael Apple oferece uma
analise complexa da realidade
do trabalho docente nas escolas
mals lI1ClSlVa em seus livros
mais recentes, 0 ajuda a ex-
plicar 0 grande trabalho que
precisa ser feito para construir
e manter as alianyas. A analise
dessas alianyas permite enten-
der que examinar hegemonia
e contra-hegemonia e mais
complexo do que algumas cor-
rentes marxistas simplificado-
ras nos fazem crer.
GRUPOS DOMINADOS
tambem podem ser
atrafdos para den-
tro das alianyas hegemonicas
e n30 e apenas a classe social
destes grupos que determina
esses movimentos. Desde seus
primeiros trabalhos, mas de
20 Pedagogia Contemporanca
ele inovou construindo urn
referencial teorico mais com-
plexo, que da conta das multi-
pias dimensoes do controle do
trabalho da profiss30 docente.
Inicialmentc relacionando
o processo de proletarizay30
(redUy30 dos salarios, separa-
y30 crescente entre cOnCepy30
e eXeCUy30 no processo de tra-
balho, aumento das formas de
controle, com perda de auto-
nomia) e a estrutura patriarcal
(controle baseado na domina-
y30 masculina), Apple mos-
tra como a profiss30 docente,
composta em sua maioria de
professoras mulheres, tern sido
controlada. Ele, no entanto,
vai alem, para mostrar como
as formas mais tradicionais
de controle patriarcal, aquc-
las nas quais as mulheres sao
explicitamente controladas,
por serem mulheres, tern per-
dido espac;:o. A organizac;:ao e
a resistencia dos movimentos
feministas e das professoras
mulheres nos sindicatos tern
tornado mais dificil este con-
trole abertamente patriarcal.
o trabalho de Michael Ap-
ple, usando a analise relacio-
nal proposta por ele, avanc;:a
muito ao demonstrar como 0
controle do trabalho docente
se da de formas mais veladas
e rnais eficientes. A profunda
desconfianc;:a em relac;:ao aca-
pacidade das professoras mu-
lheres de ensinar os conheci-
mentos cientfficos necessarios
para a suposta manutenc;:ao
da vantagem competitiva do
sistema educacional estadu-
nidense foi urn grande fator
na criac;:ao dos currfculos "a
prova de professoras". Como
o controle nao podia mais ser
explicitamente baseado no pa-
triarcado, as formas de moni-
toramento se deslocam para 0
campo do curriculo e para a
intensificac;:ao do trabalho. Ap-
ple mostra como 0 processo de
retirada da capacidade de de-
cisao sobre 0 que deve ser tra-
balhado nas escolas somado a
prciticas que agregam cada vez
ESCULTURA DA ARTISTA
francesa Louise Bourgeois.
Apple afirma que "as
formas mais tradicionais de
controle patriarca!. aquelas
nas quais as mulheres sao
explicitamente controladas.
por serem mulheres. tem
perdido espa~o"
mals elementos ao trabalho
docente cotidiano sao fatores
de controle sobre as professo-
ras. Ao colonizar os discursos
sobre profissionaliza<,:ao, que
defendem 0 aumento da res-
ponsabilidade dos professores
e professoras, os grupos do-
minantes contribuem para urn
processo que gera 0 contrario
da profissionaliza<,:ao: a des-
qualificac;:ao intelectual. Sem
tempo para planejarem suas
aulas nem individualmente,
muito menos coletivamente,
muitas professoras acolhem
os curriculos, que funcionam
como verdadeiros roteiros da
ac;:ao na sala de aula.
E
SSES CURRfcULOS, COMO
urn script, ditam exa-
tamente 0 que fazer,
como fazer e quando fazer. Ci-
tando as falas de professoras
que lutaram historicamente
pela profissionalizac;:ao, Ap-
ple mostra como elas perce-
bern que estao caindo em uma
armadilha ao exigirem mais
profissionaliza<,:ao, pois 0 que
tern acontecido e a soma de
mais tarefas e a perda da au-
tonomia. Ao mesmo tempo,
Apple mostra que, quando
as professoras resistem com
urn discurso que enfatiza 0
cuidado com os alunos, elas
tambern sao julgadas por re-
petirem exatamente 0 que os
grupos dominantes, especial-
mente aqueles que repetem
urn certo discurso gerencia-
lista dentro do Estado, denun-
ciavam: a incapacidade dessas
professoras de trabalharem os
conhecimentos cientfficos.
Em uma analise que trata
as dinamicas de classe e de ge-
Pedagogia Contemporanea 21
MICHAel APPLE .
nero em sua relayao, Apple mostra
como 0 controle sobre 0 trabalho
docente so pode ser entendido se
tambem 0 controle do trabalho
feminino e entendido. Mostrando
as contradiyoes dos discursos de
resist€mcia, mas tambem enfati-
zando as vitorias historicas que
as professoras tern conquistado,
Michael Apple oferece uma ami-
lise complexa da realidade do
trabalho docente nas escolas.
Urna nova visiio sobre
urn "velho" conceito:
ocurriculo oculto
Outra contribuiyao central
da obra de Michael Apple e a dis-
cussao sobre 0 currfculo oculto.
Examinando a literatura produ-
zida sobre este conceito, Apple
mostra que, de fato, este e urn
tema central a ser examinado. No
entanto, ele mostra que, na epoca
em que ele escreveu suas primei-
ras obras, a enfase era dada afor-
mayao de habitos e prMicas auto-
matizadas e nao conscientes, que
pouco ou nada tinham a ver com
o conhecimento trabalhado nas
escolas. Assim, enquanto eram
problematizadas (ou enfatizadas
sedimentado de que os conheci-
mentos escolares eram osconheci-
mentos da humanidade sobre cada
uma das disciplinas escolares,
que nao havia por que analisa-los.
A
GRANDE CONTRIBUI<;AO DE
Apple para a teorizayao
do curriculo oculto e
mostrar que as disciplinas esco-
lares se consolidaram de forma
a apagar urn processo central na
historia de sua constituiyao: a
"tradiy30 seletiva". Usando este
conceito de Raymond Williams,
Apple demonstra como aquilo
que e definido como conheci-
mento escolar e, na verdade,
urn recorte, uma seleyao dentre
a inumera variedade de conhe-
cimentos produzidos por dife-
rentes culturas em diferentes
periodos historicos. Ou seja, 0
currfculo oculto nao e apenas urn
fenomeno presente na gerayao
de comportamentos, mas tam-
bern na reproduyao nao questio-
nada de conhecimentos escolares
declarados como universalmente
validos e neutros. Cunhando
o conceito de "conhecimento
oficial" (conceito este que da 0
A 16gica do consenso que irnpera nas
escolas ajuda a produzir urn discurso
de irnposs!bilidade de rnudan9as
como positivas e centrais para a
socializac;ao, como, por exemplo,
nos teoricos funcionalistas) es-
tas inclinayoes produzidas nos
comportamentos dos alunos, 0
currfculo expHcito, aquilo que se
"ensina" nas escolas, ficava sem
exame. Era como se houvesse
uma especie de consenso tao
22 Pedagogia Contelllporanca
titulo a urn de seus livros), Mi-
chael Apple trata de aplicar a
ideia, ja presente no trabalho de
Bourdieu, de que aquilo que a es-
cola chama de 0 conhecimento e, na
verdade, urn recorte. Este e, na
verdade, urn conhecimento que
se estabeleceu como oficial, rele-
gando todas as outras formas de
conhecimento aperiferia. Estas
outras formas de conhecimento
nem merecem receber 0 nome de
conhecimento, sendo chamadas
de "folclore" ou "saber popular",
por exemplo.
Apple, portanto, ao usar 0
conceito de currfculo oculto, con-
tribui para a complexificayao do
conceito: e preciso, para enten-
der as dinamicas de reproduyao
e produ·yao da escola, prestar
atenyao a construyao de estra-
tegias de ajuste (e tolerancia ao
desconforto gerado pelo ajuste,
como agrega Apple) baseadas na
educayao do corpo e do intelecto.
Mas tambern e crucial atentar
para as dinamicas que reduzem
os horizontes dos alunos ao tratar
conhecimentos como neutros.
Nesta linha, Apple tambem
nos ajllda a entender dois olltros
fenomenos da vida escolar, que
contribuem para a produ<;ao e
reprodll<;ao das rela<;oes de po-
der, e suas multiplas dinamicas
de dasse, genero e ra<;a. 0 pri-
meiro e a deliberada elimina<;ao
do conftito como componentt do
processo educacional e 0 apaga-
mento deste conceito na consti-
tui<;ao da ciencia. Apple demons-
tra como a l6gica do consenso
que impera nas escolas ajuda a
produzir urn discurso dominante
de impossibilidades de mudan<;a.
Ao mostrar de que forma as no-
<;oes de ciencia e de estudos so-
ciais usadas na escola eliminam
o conftito como fonte de gera<;ao
de novo conhecimento, Michael
Apple mostra como a pnltica
de identificar 0 conftito sempre
negativamente e 0 consenso
sempre positivamente ajuda a
"saturar" 0 senso comum com
categorias explicativas que ten-
dem areprodu<;ao.
C
OMO OIZ ApPLE, QUALQUER
resposta que nao apre-
sente 0 consenso como es-
truturador do social nao parecera
"natural". 0 segundo e 0 papel da
escolariza<;ao nao apenas como
reprodu<;ao, mas como produ-
<;ao tambem. As analises criticas
do papel da escola na sociedade
capitalista enfatizavam um papel
MICHEL APPLE afinna que
aquilo que edefinido como
conhecimento escolar e. na
verdade. um recorte. uma
sele~ao dentre a inumera
variedade de conhecimentos
produzidos por diferentes
culturas em diferentes
periodos historicos
reprodutor desta institui<;ao. Ou
seja, a produ<;ao da sociedade ca-
pitalista se dava na esfera da pro-
du<;ao e a escola era urn local em
que esta produ<;ao era repassada
aos alunos: a escola era uma espe-
cie de espelho das rela<;Oes de pro-
du<;ao, em que a a<;ao de verdade
ocorreria. Apple defende a ideia
de que, mais do que apenas repro-
duzir algo que foi produzido fora
de seus muros, a escola e tambem
uma esfera de produ<;ao das rela-
<;Oes de domina<;ao, em suas mul-
tiplas dinamicas. Isso quer dizer
que e crucial estudar como, con-
cretamente, ocorre esta produ<;ao
das condi<;oes que mantem a so-
ciedade capitalista e suas multiplas
esferas de opressao funcionando.
Mas tambem quer dizer que a es-
cola e urn espa<;o em que se podem
criar novas dinamicas, em que ha
sujeitos concretos mediando a pro-
dll<;ao da hegemonia, que e sempre
urn processo e nunca um dado.
Novos rumos
Em seus trabalhos mals re-
centes (um bom exemplo e 0 li-
vro Educando a Direlta), Apple
tern buscado entender 0 movi-
mento que ele chama de "Nova
Direita". Trata-se de urn con-
junto de grupos que formam
uma alian<;a entre neoliberais,
neoconservadores, populistas
autoritarios e a nova dasse me-
dia profissional. Para Apple, essa
Pedagogia Contel11porii nea 23
MICHAEL APPLE
aliaO/;:a e na verdade urn bloco
hegemonico, ou seja, uma uniao
estrategica de interesses que ga-
rante a domina<;ao desse grupo.
Os neoliberais buscam a intro-
du<;ao da no<;ao de mercado em
todas as esferas da vida social.
A
IDEIA t QUE SOMENTE
pela introdu<;ao da com-
peti<;ao entre as escolas,
maior produtividade (entendida
como melhores resultados com
o uso de menores recursos) do
trabalho em sala de aula e a pre-
mia<;ao dos melhores indivlduos
e que a educa<;ao superara a sua
crise atual. Os neoconservadores
buscam urn retorno a urn passado
dito "perfeito", epoca em que os
valores eram transmitidos sem
problemas e a escola ensinava 0
"verdadeiro" saber; seu objetivo
eo estabelecimento de padroes a
serem seguidos por todas as es-
colas. Os populistas autoritarios
introdu<;ao da l6gica do mercado
em todas as esferas do social.
Esse grupo participa da alian<;a,
pois depende da amplia<;ao do
conhecimento tecnico gerencial
que possuem para garantir sua
mobilidade social. Nesse sentido,
a eles interessa a desigualdade:
suas credenciais tern mais valor
se menos pessoas as detiverem.
Segundo Apple, esses quatro
grupos forjaram uma alian<;a
estrategica, que nao e garantida
para sempre e depende de uma
constante rearticula<;ao.
A riqueza da argumenta<;ao de
Apple (baseada principalmente
em Gramsci) esta no fato de que
se entende essa Nova Direita
nao como urn bloco coeso, mas
como urn bloco em que ha con-
tradi<;oes de interesses, mesmo
que haja uma tregua temporaria
para garantir os interesses co-
muns desses grupos. Como diz
Apple, se e verdade que os neo-
Os neoconservadores buscarn reaver
urn passado "perfeito'; ern que a
escola ensinava 0 " verdadeiro" saber
sao os fundamentalistas cristaos
que querem impor sua visao reli-
giosa conservadora na sociedade
em geral e na educa<;ao mais es-
pecificamente. Como diz Apple,
eles querem urn retorno do seu
Deus em todas as institui<;oes so-
ciais. Finalmente, a nova c1asse
media profissional eo grupo que
proporciona os conhecimentos
tecnicos de gerenciamento e
avalia<;ao das pr<iticas necessa-
rias amanuten<;ao da alian<;a do-
minante, tais como 0 estabeleci-
mento do consenso em torno da
24 Pedagogia Contemporanea
liberais querem urn estado fraco
e nao intervencionista, tambem
e verdade que os neoconserva-
dores demandam urn controle
maior do Estado, inclusive com
a elabora<;ao de urn currlculo
nacional que congregue 0 paIs
como urn todo em torno de uma
pretensa cultura comum. Atra-
yes de uma costura de interesses
comuns, as contradi<;oes foram
historicamente minimizadas. E
essa alian<;a que vern produzindo
o que Apple chama de moderni-
za<;ao conservadora, ou seja, urn
processo que "moderniza" 0 so-
cial, mas nao para torna-Io mais
justo e igualitario, mas sim para
torna-Io mais conservador e re-
produtor do status quo.
Contudo, 0 ponto mais impor-
tante da analise de Apple e que
esses grupos nao se tornam he-
gemonicos pOl'que fon,:am ou en-
ganam as pessoas a acreditarem
em uma determinada concep<;ao
de mundo como sendo a melhor
para operar a sociedade, mas por-
que se conectam ao senso comum
dessas pessoas e, nesse processo,
con"encem-nas a acreditar nessa
particular forma de ver e organi-
zar 0 mundo. A analise de Apple
busca nao simplificar 0 exame de
llln fenomeno complexo como a
cria<;ao de verdades sobre 0 so-
cial; ele busca construir uma teo-
riza<;ao que ajude a entender as
varias media<;oes que ocorrem
OPERARIOS NA
TELA da artista
brasileira Tarsila do
Amaral. Para Apple, e
fundamental "entender
as tradir;oes politicas
que constituem 0
imaginario de
uma nar;ao"
Pedagogia Contemporanea 25
MICHAEl APPLE .
nesse processo. Na entrevista
que concedeu e que esta publi-
cada na terceira edivao de Ideolo-
gia e Curriculo, ao falar da tradi-
vao crftica nos Estados Unidos,
Apple mostra claramente como
e fundamental entender as tra-
divoes polfticas que constituem
o imaginario de uma navao. Isso
tambern pode ser transposto
para a analise dos blocos hege-
monicos formados em diferentes
contextos nacionais, algo im-
portante na implementavao da
analise de Apple. Se quisermos
entender como tais alianvas ope-
ram em diferentes contextos, 0
caminho nao e buscar tais grupos
Escola Cidada). Este e urn des-
dobramento crucial da obra de
Apple, pois trata de implementar
concretamente 0 alerta que ele
faz em sua obra ha varios anos:
e fundamental nao apenas ana-
lisar a sociedade, mas tambern
transforma-la.
Urn educador e
pesquisador que enfatiza
seu ativisrno politico
Nao se pode concluir este
breve passeio pela contribuivao
de Michael Apple para 0 campo
da educavao sem que se destaque
a importancia que 0 seu ativismo
politico e seu engajamento em lu-
tamente 0 seu engajamento polf-
tico e sua crenva de que a teoria
precisa nos ajudar nao somente a
entender a realidade, mas tambem
a transforma-la, que tern feito com
que ele critique algumas das inter-
pretavOes pOs-modernas e pOs-es-
truturalistas. Para Apple, e crucial
nao esquecer a hierarquia que as
relavOes de classe, genero e rava
produzem, algo que e esquecido
por algumas dessas interpreta-
vOes simplistas quando declaram
que os discursos criam a realidade
que descrevem. Apple mostra que
alguns destes discursos tern le-
gitimidade e outros nem sequer
sao ouvidos. E0 seu comprometi-
Para Apple, um dos papeis cruciais da
pedagogia crftica e transformar a educac;ao
em nossa realidade, mas utilizar
as ferramentas teoricas com-
plexas forjadas por Apple para
analisar as particulares relavoes
entre diferentes grupos hege-
monicos e contra-hegemonicos e
a formavao de blocos especffica
destes locais.
M
AIS DO QUE SIMPLES-
mente entender
como a Nova Direita
vern operando, em suas ultimas
obras, especiahhente naquelas
que tern escrito em parceria com
outros autores, Apple tern enfa-
tizado 0 aspecto contraditorio da
educavao como espavo social. Ele
tern mostrado experiencias con-
cretas de produvao de contra-he-
gemonia, de contestavao, de con-
tradivao e resistencia em alguns
lugares do mundo (inclusive em
Porto Alegre, na experiencia da
26 Pedagogia Conternporanea
tas mundiais por uma sociedade e
uma educavao maisjustas (que va-
lorizem simultaneamente a neces-
sidade da distribuivao igualitaria
de bens materiais e simbolicos e
do reconhecimento da diferenva)
tern em sua trajetoria e em sua
obra. Apple insiste que urn dos pa-
peis cruciais da pedagogia crftica
e transformar a educavao e nao
apenas analisa-la. 0 compromisso
politico de Apple tern guiado suas
preocupavOes te6ricas, e sua cres-
cente sofisticavao te6rica deriva de
seu engajamento nas complexas
questOes que envoIvern 0 campo
da educavao e sua relavao com a
sociedade mais ampla. Em suas
buscas por uma teorizavao que
tenha potencia para analisar estas
complexas realidades contem-
poraneas, Apple tern recorrido a
alguns elementos das teorias pOs-
estruturalistas. No entanto, e exa-
mento com a necessidade de uma
sociedade maisjusta que baliza sua
analise sobre a teorizavao capaz de
analisar de forma mais complexa a
dominavao e as contradivOes.
E
M SEU ATIVISMO, ApPLE
nao cai na tentavao de
imaginar que, como in-
telectual, tern a resposta para a
avao transformativa. Em seus ul-
timos escritos tern insistido que 0
papel dos intelectuais e tambem
operar como "secretarios",dando
visibilidade as praticas transfor-
madoras ·construfdas por profes-
sores e professoras em escolas
concretas, em sua luta diaria. E
crucial sistematiza-las, analisa-
las, critica-las e aprender com
seus acertos e erros neste pro-
jeto de uma educavao mais justa.
Os esforvos de Apple para
construir uma teorizavao so-
fisticada que permita construir
estrategias concretas de trans-
forma<;ao da sociedade e da edu-
ca<;ao podem ser resumidos em
uma frase de urn de seus livros
(Power, Meaning, and Identity),
em que define 0 que significa
para ele buscar este equilibrio:
"ser crftico, mas fundamentar
esta crftica no reconhecimento
das complexidades das escolas
e dos atores que atuam dentro
dela; pensar teoricamente, mas
lutar para ser 0 mais claro pos-
slvel; pensar criticamente ate
mesmo sobre 0 mais radical tra-
balho do nosso campo, mas ainda
sim apoiar 0 que os membros da
comunidade de estudos crfticos
da educa<;ao estao fazendo para
nos mostrar 0 que nao eramos
capazes de entender antes de
seus trabalhos". Apple tem mos-
trado este equilfbrio em sua obra
e, com seu trabalho, contribufdo
grandemente para uma analise
rnais complexa da educa<;ao e
para praticas mais informadas e
com maior capacidade de inter-
ven<;ao social.
ApPLE, Michael. Power, Mean-
ing, and Identity: Essays in Cri-
tical Educational Studies. New
York: Peter Lang, 1999.
(org.). The State and
the Politics if Knowledge. New
York: Routledge, 200S.
___; Au, Wayne; GANDIN,
LUIS Armando (org.). The
Routledge International Hand-
book ifCritical Education. New
York / Londres: Routledge,
2009.
___; BALL, Stephen; GAN-
DI N, Lufs Armando (orgs.).
The Routledge International
Handbook ifSociology if Edu-
cation. New York / Londres:
Routledge, 2009.
(org.). Global Crises,
Social Justice, and Education:
What Can Education Do? New
York: Routledge, 2009.
Em portugues
ApPLE, Michael. Ideologia e
Curriculo. sa. ed. Porto Alegre:
Artmed, [ 1979J 2006.
___. Educa~iio e Poder.
Porto Alegre: Artmed, [ 1982J
1989.
___. Trabalho Docente e
Textos: Economia Politica das
Rela~oes de Classe e Genero
em Educa~iio. Porto Alegre:
Artmed, [1986J 1995.
___. Conhecimento Oficial:
A Educa~iio Democnitica numa
Era Conservadora. Petr6polis:
Vozes, [ 199SJ 1997.
_____, BEANE, James
(orgs.). Escolas Democniticas.
Sao Paulo: Cortez, [ 1995J
1997.
___. Politica Cultural e
Educa~iio. Sao Paulo: Cortez,
[1996J 2000.
___. Educando a Direita:
Mercados, Padroes, Deus e De-
sigualdade. Sao Paulo: Cortez,
[200lJ 200S.
___; BURAS, Kristen L.
(orgs.). Curriculo, Poder e Lutas
Educacionais - Com a Palavra
os Subalternos. Porto Alegre:
Artmed, [2005J 2008.
Luis Armando Gandin edoutor (ph.D) em
Educa~ao pela University of Wisconsin·
Madison. Estados Unidos. Eprofessor de
Sociologia da Educa~ao na Faculdade de
Educa~ao eno Programa de P6s-Gradua~ao
em Educa~ao da Universidade Federal
do Rio Grande do SuI. Eeditor-chefe da
Revista Educafao & Realidade eeditor
da revista Curriculo sem Fronteiras. Entre
suas publica~6es destacam-se Educafao
Libertadora:Avanfos, Limites eContradifoes
(Vozes. 1995). Educafao em Tempos de
Incertezas, organizado com Alvaro Hypolito
(Autentica, 2" ed., 2003/Didactica, 2003). .
The Routledge International Handbook
ofCritical Education, organizado com
Michael Apple eWayne Au (Routledge,
2009/ArtMed, no prelo) e The Routledge
International Handbook of Sociology of
Education, organizado com Michael Apple e
Stephen Ball (Routledge, 2009).
Entrevista com Michael Apple
ApPLE, Michael. "Reestrutura-
<;ao Educativa e Curricular e
as Agendas Neoliberal e Neo-
conservadora: Entrevista com
Michael Apple". Curriculo sem
Fronteiras, v. 1, n. 1, 2001 [ Ois-
ponfvel em <www.curriculo-
semfronteiras.orgl "011isslar-
ticlesl apple.pdf>. Acesso ern
20/ 10/ 2009]'
Sobre Michael Apple
WEIS, Lois; OIMITRIADIS,
Greg; MCCARTHY, Cameron
(orgs.). Ideology, Curriculum,
and the New Sociology ifEdu-
cation - Revisiting the Work
if Michael Apple. New York:
Routledge, 2006. .
PARASKEVA, Joao M. "Michael
W Apple e os Estudos [cur-
ricularesJ Crfticos". Curriculo
sem Fronteiras, v. 2, n. 1, 2002
[ Oisponfvel em <www.curri-
culosemfronteiras.orgl vol2is-
slarticlesl paraskevaconf.pdf>.
Acesso em 20/ 10/ 2009]'
I'eda~o~ja Contcl1lporanca 27
II
Urn historiador
desafiando as conven<;5es
Historicizar 0 sujeito permite reintroduzir a humanidade
nos projetos sociais, pois torna visiveis e confrontaveis os
sistemas governantes de ordem, apropria<;ao e exclusao
por Cecilia Hanna Mate
BIO_GRAFIA» QUEM ETHOMAS~CL.PJ.1K__EWLJL.LJIT...Z~?_____________
N
ova-iorQuino.Thomas S.Popkewitz.69 anos.
graduou-se em Hist6ria. eseus estudos no
doutorado relacionavam Questoes do currl-
culo com sociologia do conhecimento em
um contexto das ciencias poifticas. Segundo 0 pr6prio
autor. "e nessa intersec~ao Que reconheci aimportancia
de uma ciencia social da escolariza~ao Que tenha um
carater hist6rico". Atualmente. Popkewitz e professor
no Departamento de Currlculo e Ensino na Universidade
de Wisconsin-Madison. nos Estados Unidos. e gra~as
as investiga~oes interdisciplinares Que realizou p6de
problematizar e compreender as Questoes de mudan~a
e poder presentes no processo de escolariza~ao . Seus
estudos se preocupam em saber como 0 conhecimento
produz verdades e nesse sentido como as pollticas edu-
cacionais eas pesQuisas constroem e/ou narram concei-
28 Pedagogia Contemporanea
tos eideias sobre ensino.escola.currlculo eforma~ao de
professores.Seus estudos abrangem hist6ria.etnografia
eestudos comparados sobre forma~ao de professores e
reformas curriculares em varios palses da Asia. Europa.
America Latina. Africa do Sui eEstados Unidos.Tem sido
convidado para conferencias no Brasil desde os anos
1990 e dentre seus varios artigos e livros alguns deles
foram traduzidos para 0 portu'gues eestao indicados ao
final deste texto.
Estudar seus escritos nos traz 0 ensejo de pensar a
produ~ao do conhecimento sobre educa~ao - especial-
mente reformas. currlculos e forma~ao de professores
- como constru~oes feitas apartir de disputas erela~oes
de poder. Na medida em Que esse conhecimento e pro-
duzido cria-se uma rede organizadora de percep~oes. for-
mas de responder ao mundo econcep~oes do eu. Desse
• •• •• •• •• •• •
• •
• •I •
l '
••• "
•
•• "
"
..•
•
••
••
•
•
•
•
•
"
•
" .• •
THOMAS S. POPKEWITZ
modo 0 conhecimento sobre educa~ao que se configura
no curriculo euma pratica politica.
Thomas Popkewitz escreveu eeditou mais de 160 ar-
tigos e25livros. Dois de seus livros - Paradigm and Ide-
ology in Educational Research [Paradigma eideologia na
pesquisa educacional) e Reforma Educacional: uma Po/(-
tica Sociol6gica - foram premiados por sua contribui~ao
aos estudos de educa~ao. Coordenou estudos comparati-
vos nacionais sobre forma~ao de professores ereformas
curriculares, particularmente relativos as questoes de
inclusao social nos Estados Unidos e em varios paises
da Europa, America Latina e Asia. Popkewitz tratou di-
retamente desse tema em "Estatisticas educacionais
como um Sistema de Razao: Rela~oes entre Governo da
Educa~ao eInclusao eExclusao Sociais" (2001). em que
afirma: "Embora seja um elemento importante das poli-
ticas sociais preocupadas com as questoes de equidade,
a problematica da equidade tambem obscurece de que
maneira os sistemas de inclusao sao ao mesmo tempo
sistemas de exclusao. Esse e 0 fardo que os numeros
carregam na politica e pesquisa sociais. As fabrica~oes
de agrupamento de pessoas constroem, normalizam e
dividem pessoas, de modo adistinguir as caracteristicas
de normalidade do que esta fora delas".
Mais tarde,Popkewitz codirigiu um projeto de inves-
tiga~ao sobre projetos educacionais governamentais e
exclusao social (1999-2002). que envolveu nove paises,
cujo financiamento veio da Uniao Europeia. Alem disso,
dirigiu projetos comparativos que, historicamente e no
ambito contemporaneo, examinaram reformas educacio-
nais em um contexte global. Sua mais recente pesquisa
refere-se a estudos culturais ede hist6ria da educa~ao
e politicas globais/locais de conhecimento sobre siste-
mas educacionais.
Atualmente, esta escrevendo sobre a atual reestru-
tura~ao escolar esua hist6ria,explorando os regimes de
verdade produzidos pela pedagogia. Regime de verdade
eum conceito utilizado por Michel Foucault (1926-1984)
- pensador caro a Popkewitz - assim descrito na Micro-
f{sica do Poder(1986): "Cada sociedade tem seu regime
de verdade, sua 'politica geral' de verdade: isto e, os
tipos de discurso que ela aceita e faz funcionar como
verdadeiros; os mecanismos e instancias que permitem
distinguir entre os enunciados verdadeiros e falsos, a
maneira como se sancionam uns e outros; as tecnicas
e procedimentos valorizados para a obten~ao da ver-
dade; 0 status daqueles que tem 0 encargo de dizer 0
que funciona como verdadeiro". Assim, por essa 6tica,
Popkewitz discute as reformas educacionais atuaisque
reeditam os ideais iluministas - que 0 autor chama de
cosmopolitismo - no sentido de considerarem a edu-
ca~ao 0 caminho para a racionalidade e liberta~ao dos
sujeitos diante dos determinismos, 0 que daria aos cida-
daos possibilidades de participa~ao . Com essa refiexao,
o autor examina 0 progresso americano e as reformas
na educa~ao eciencias contemporaneas como sistemas
que encarnam uma dupla tese: aesperan~a sobre 0 cos-
mopolitismo por meio do qual as crian~as tornam-se fu-
turos cidadaos do mundo e0 medo com rela~ao aqueles
que nao se qualificam para tal participa~ao.
111111111111111111111111111111111111111111111111111111111111111111111111111111111111111111111111111111111111111111111111111111
Por que estuda-Io?
S
E CONSIDEKARMOS QUE NAS
duas ultimas decadas as
polfticas educacionais de
vanos pafses implantaram re-
formas curriculares e intervie-
ram fortemente na formayao de
professores, os estudos do autor
contribuem para novas perspec-
tivas de analise para esses ternas.
Neste sentido, suas reftexoes po-
dem oferecer ferramentas ade-
so Pedagogia Conternporanea
quadas para pensarmos como
e por que foram construfdos
os fundamentos das reformas
- sob que condiyoes, movidos
por qual tipo de contingencias
- e as varias prliticas educacio-
nais por elas geradas. Seus es-
tudos, enfim, contribuem para
pensarmos sobre 0 conceito de
professor e de aluno que histo-
ricamente as reformas ajudaram
a produzir. Quanto ao professor
e asua formayao, 0 autor proble-
matiza essa funyao na sociedade
contemporanea vinculando-a
aos sistemas de gestao conce-
bidos para 0 monitoramen to
das ayoes desses professores.
Trata-se, portanto, de uma
leitura bastante oportuna nao
s6 pela atualidade dos temas
abordados, mas tambem por nos
instigar a pensal' de olltro nlOdo
sobre quest6es do campo da edu-
ca~'iio que podem nos parecer SCI'
tao naturais.
A partir dos tftulos de seus
estudos, tres temas se destacam
- c niio pOI' acaso foram escolhi-
dos para esse artigo - riforma,
formar;:ao do prrifessor e currlculo.
As indagaoes que form ula cm
torno deles e um convite para
acompanharmos seu pensa-
mento. Sobre riforma 0 autor
nos desafia: como viem.os a pensar
a riforma da forma que pensamos?
Acerca do curriculo pergun ta:
como viemos a colocar os problemas
sobre conhecimento escolar, crian-
r;:as, ensino eavaliar;:ao daforma que
fazemos? E, por (Il timo, 0 autor
nos com'ida a reAetir sobre afor-
mar;:ao de prrifessores ao dizer que
RETRATO DE NAPOLEAO
BONAPARTE fe~o pelo
artista frances Jacques
louis David. Para
Popkewitz. a produlfao da
hist6ria eum procedimento
que implica escolhas e
oplfoes. configurando-se
numa pratica social
Pedagogia Contcmponinca .'II
THOMAS S. POPKEWITZ
I
AS MUDANCAS NO PERRL
da fonna~ao de
professores sao analisadas
historicamente por Popkewitz
"as atuais reformas americanas
buscam padroes regulat6rios
atraves da abertura das 'mentes'
dos professores, retrabalhando
as noc;oes de competencia, capa-
cidade e conhecimento docentes
[ ...]".
Apresentando a discussao do
autor sobre os temas da reforma
e da formac;ao de professores e do
curriculo, lembramos que as tres
questoes estao imbricadas em
32 Pedagogia Conternporanca
seus escritos ja que ao discutir a
rifOrma como urn dispositivo de
regulac;ao social a concebe tam-
bern como urn dispositivo de flr-
ma(iio do prifessor. Antes, porem,
ao ordenar, classificar e definir 0
que sera pesquisado, 0 pesquisa-
dor elabora 0 conhecimento, des-
tacando certos detalhes, aspec-
tos, epis6dios e sujeitos que lhe
de tratarmos esses tres temas, de- parecem importantes, ao mesmo
dicaremos 0 pr6ximo item ao con-
ceiw de hiswria com 0 qual 0 autor
fundamenta suas reflexoes.
Conceito de hist6ria
A hist6ria como uma ativi-
dade te6rica que constr6i seus
objetos a partir das escolhas que
faz e pela forma como entende e
categoriza os fenomenos e a refe-
rencia pela qual 0 autor discute a
produc;ao historiografica. Ou seja,
tempo que minimiza outros.
D
ESTE MODO, A PRODUC;:AO
da hist6ria e urn pro-
cedimento que implica
escolhas e opc;oes, configurando-
se numa prMica social e carac-
terizando-se por construc;oes de
temas e abordagens. Na tentativa
de compreendermos 0 conceito
de hist6ria tratado pelo autor
em relac;ao ao tema da educac;ao,
e oportuno trazermos 0 exemplo
apontado por ele sobre a "fabri-
cac;ao" dos conceitos hist6ricos:
"A crianc;a concebida como urn
aprendiz tornou-se tao natural
no final do seculo XX que e di-
ficil pensar nas crianc;as como
qualquer outra coisa que nao
aprendizes. [ ..] 'a fabricac;ao' da
crianc;a-como-aprendiz envolveu
transformac;oes particulares no
raciocfnio geral que agora asso-
ciamos com modernidade. [ ...]
o efeito das transformac;oes
nas relac;oes institucionais, nas
tecnologias e sistemas de ideias
foi 0 de mudar a forma como a
identidade devia ser 'vista', com-
preendida e como se devia agir
sobre ela".
Com tal exemplo 0 autor nos
ajuda a pensar como as denomi-
nac;oes registradas pela hist6ria
ramente interpretac;Oes de dados.
Nossos princfpios para classificar
o conhecimento escolar e 'racioci-
nar' sobre ele corporificam pres-
supostos te6ricos sobre como
os objetos de estudo sao cons-
titufdos no tempo e no espac;o".
O
CONCEITO DE HIST6RIA
apresentado se vincula
ao que 0 autor chama de
prMicas discursivas, conceito que
esta ancorado no pensamento de
Michel Foucault, e que permite
compreender que a linguagem
opera significados, inventa sen-
tidos, enfim, narra 0 passado
elegendo alguns temas, pessoas,
epis6dios,obscurecendo outros.
A discussao sobre conceito de
hist6ria trazido pelo autor e re-
ferencia para sua analise de cur-
riculo,ja que este e tambern uma
Assim, as reftexOes em torno
do conceito de hist6ria propostas
pelo autor para pensar 0 curri-
culo apontam para 0 fato de os
objetos da escola como ensino,
aprendizagem, avaliac;ao, curri-
culo, nao serem meros detalhes;
tern sido constitufdos historica-
mente e incorporam sistemas de
regulac;ao e poder, por isso preci-
sam ser historicizados.
Areforma
E notavel a forma original
como 0 autor trata a questao ao
analisar as varias implicac;oes
das reformas educacionais nas
formas de ser de professores e
alunos. Para isso, 0 autor utiliza
alguns conceitos de Michel Fou-
cault como governamentalidade
(formas de gerir a populac;ao
por meio da produc;ao de discur-
Ensino e currlculo SaO construc;aes hist6ricas
e incorporam sistemas de regulac;ao e poder
carregam tambem sentidos de seu
tempo indicando possibilidades a
serem investigadas. Neste caso, a
investigac;ao indica que a deno-
minac;ao de "aprendiz" opera em
dois sentidos: ao mesmo tempo
que a necessidade da crianc;a
"aprendiz" e efeito das tran:sfor-
mac;oes nas relac;oes institucio-
nais, nas tecnologias e sistemas
de ideias, tambem traz efeitos
no modo de "ver" e "conceber"
a crianc;a e sua maneira de "ser",
alem, tambem, dos efeitos na pro-
duc;ao da subjetividade "daquela
que aprende". 0 que 0 autor quer
dizer com isso e que "as narrati-
vas do passado sao mais que me-
construc;ao hist6rica que implica
relac;oes de poder e defesa de urn
sistema de ideias, que por sua
vez esta abrigado nos lugares
que em determinados momentos
os indivfduos ocupam nas are-
nas sociais. A discussao sobre a
forma como a hist6ria constr6i
seus objetos, nas palavras do
pr6prio autor, "permite-nos pen-
sar sobre a forma como os dis-
cursos corporificam princfpios
estruturadores da prMica. [ ..]
o discurso torna 0 que e possf-
vel dizer e 'sentir', e, ao mesmo
tempo, faz com que diferentes
possibilidades deixem de ser se-
riamente consideradas".
sos que criam autorregulac;ao e
constroem subjetividades) e re-
gime de verdade, conceito acima
destacado. Outro conceito im-
portante utilizado pelo autor e
o de regula~iio social, que e dife-
rente do conceito de controle
social que destaca as relac;oes
de dominac;ao na escolariza-
c;ao. Embora 0 autoi' afirme ser
sensfvel as relac;oes estruturais
pressupostas na literatura sobre
controle social, sua preocupac;ao
refere-se aos elementos produto-
res de poder. Assim, relac;oes de
poder para ele se configuram no
conjunto de relac;oes e prMicas
dentro das quais os indivfduos
Pedagogia Contemporanea ss
constroem sua subjetividade
assumindo determinada identi-
dade nas rela<;oes sociais. Assim,
a reforma e urn instrumento que
regulamenta 0 que e "razoavel"
ou nao, 0 que e racional ou nao
na arena escolar: 0 que dizer e
como estar numa sala de aula,
como organizar uma aula.
E
M "REFORMA EOUCACIONAL
e Const ruti vismo",
Popkewitz escreve a
esse respei to: "0 foco central
(da reforma) esta na forma
como se organizam as capaci-
dades e disposi<;oes dos pro-
fessores e estudantes para com
o conhecimento. Os discursos
pedag6gicos normalizam as dis-
posi<;oes e a capacidade dos indi-
viduos, os quais passam a regu-
lar a sua pr6pria conduta como
atores 'autonomos'''.
o autor problematiza 0 dis-
cursu construtivista com base
em pesquisas realizadas em va-
rios paises, mostrando a presen<;a
daquele discurso nas reformas
pedag6gicas ao incorporarem
uma tendencia democratica ao
oautor problematiza 0 discurso construtivista com
base em pesquisas realizadas em varios parses
seu discurso pedag6gico. Com
esse raciocfnio os professores
deveriam ser profi ssionais "au-
togovernados" com a rcspon-
sabilidade de implementar as
decisoes cu rriculares dentro
dos limites estabelecidos pela
reforma. Popkewitz nos diz, no
mesmo artigo, que, "embora seja
facil elogiar a autoatualiza<;ao
que a pedagogia construtivista
S4 Pedagogia Contelllponlnca
alega fornecer a cada individuo,
ficam evidentes certas rela<;oes
de podcr. Um dos elementos na
produ<;ao de poder e0 obscuran-
tismo das bases hist6ricas e so-
ciais do conhecimento".
Isso significa naturalizar 0
conhecimento produzido que
chega aescola e trata-lo somente
como uma questao de metodo
pedag6gico, ou seja, de buscar
as m(Jltiplas formas de ensinar
e aprender desse conhecimen to.
o autor 'chama de "alqu imia" 0
processo de transfo rma<;ao do
conhecimcnto em materia esco-
Jar, como e0 caso, segundo ele,
da ciencia e da matematica tra-
tadas como "coisas" uniyersais
da l6gica e nao sistemas de ra-
ciocfnio que sao historicamcnte
formados e contestados, formu-
lados e questionados. E 0 que
e mais importante na reflexao
proposta por Popkewitz e que
"a 'alquimia' deixa de questio-
nar 0 fato de que as categorias
disciplinares das materias esco-
lares sao, elas pr6prias, reIJre-
senta<,:oes que sao socialmente
construfdas e 'inculadas a uma
configura<,:ao saber-poder - isto
e, a matematica, as ciencias, as
ciencias sociais sao constitufdas
de metodos rivais e paradigmas
multiplos para governar a forma
como 0 mundo deve ser visto,
compreendido e transformado".
Em ReJortna Educacional:
uma Politica Sociol6gica, livro
publicado no Brasil em 1997,
Popkewitz desenvolve urn longo
e aprofundado estudo sobre 0
tema da reforma, iniciando por
uma analise mais conceitual na
qual discute poder, conheci-
mento e escola. Nos capftulos
seguintes, anali sa hi stori ca-
mente a constru<,:ao do ensino no
seculo XIX, passando pela esco-
lariza<,:ao de massa, pela polftica
de forma<,:ao do professor, pelas
propostas da decada de 1980.
Mais adiante, 0 autor analisa as
ciencias educacionais cognitivas
como forma de conhecimento
INTERVENCAO URBANA do
artista brasileiro Alexandre
Orion. Para Popkewitz :
"Nos sistemas de linguagem
estao embutidos valores.
prioridades edisposi~oes
que sao elementos ativos na
constru~ao do mundo"
e poder: neste ambito discute
pesquisas sobre 0 pensamento
do professor direcionadas pelo
Estado acompanhadas por uma
descontextualiza<,:ao e reformu-
layao do conhecimento (cha-
mada pelo autor de "alquimia",
conformeja comentamos). 0 au-
tor dedica um dos ultimos capf-
tulos do referido liTOaquestao
da formac;ao de professores e ao
profissionalismo presentes nas
reformas contemporaneas: neste
sentido, aponta uma importante
tendencia dos governos estatais
no monitoramento e na altera-
c;ao dos programas dos cursos
de formac;ao de professores na
universidade. De fato, trata-se
de analise que busca apreender
outra curiosa dimensao das re-
lac;oes de poder que ocorrem na
escola por meio do professor.
A
o FINALIZAR 0 ESTUDO, 0
autor retorna a ana-
lise te6rica com a qual
InICIOU 0 trabalho, salientando
qlle 0 conceito de reforma nao
possui lim significado ou defi-
nic;ao essencial e nem carrega
lllll sentido de progresso - mas
sim implica relayoes sociais e de
poder. Neste sentido, concebe a
reforma como parte do processo
de regulac;ao social, lima vez que
ativa elemen tos presentes nas
capacidades indi'iduais, social-
mente disciplinadas, que acabam
se revelando desde a organiza-
Pcdagogia COl1telllporanca 35
THOMAS S. POPKEWITZ
c;ao das instituic;oes ate a orga-
nizac;ao das percepc;oes e expe-
riencias dos indivfduos - base de
suas ac;oes.
It importante registrar que
as amilises de Popkewitz neste
estudo sobre reforma referem-
se aos Estados Unidos. Porem,
suas reftexoes foram ampliadas
em varias oportunidades, nao s6
em estudos sobre reformas em
que a construc;ao da profissao
foi acompanhada de uma frag-
mentaria aquisic;ao de informa-
c;ao e de formac;ao intelectual,
condic;oes obscurecidas pelo
discurso de valorizac;ao da pro-
fissionalidade. A burocratizac;ao
do trabalho do professor e parte
intrfnseca tambem do currlculo
e neste sentido 0 autor cita 0
exemplo da evoluc;ao dos livros
Muitas das reformas do final do
seculo XIX desenvolveram a burocracia
em nome da profissionalizagao
paises da Europa, Africa e Ame-
rica Latina, como tambem em
suas conferencias no Brasil, nas
quais 0 tema pode ser debatido
e confrontado, a fim de permitir
apreensoes nos modos de produ-
zir padroes sociais por meio de
reformas escolares.
Formalfiio do professor
Em as Prqflssores e sua For-
ma(iio, articulando 0 tema dis-
cutido acima com 0 da formac;ao
do professor, Popkewitz analisa
a reforma como um modo de go-
verno do prqflssor, ja que "muitas
das reformas do final do seculo
XIX desenvolveram a burocra-
cia em nome da profissionaliza-
c;ao. As pratica:; padronizadas
de recrutamento, as politicas de
avaliac;ao dos professores dimi-
nufram as esferas da autonomia
e da responsabilidade docente,
como resultado de uma cres-
cente racionalizac;ao da didatica
e da organizac;ao escolar".
o autor elabora sua analise
numa perspectiva hist6rica, 0
que nos permite compreender
S6 Pedagogia Contemporanea
de leitura, comparando aqueles
utilizados nos anos 1920 (con-
tendo artigos e bibliografia es-
pecializada para professores) aos
utilizados nos anos 19iO, nos
quais "as lic;oes dos professores
eram integralmente transcritas,
com cerca de quatro paginas de
detalhes diarios, especificando 0
que dizer, como estar na sala de
aula, como organizar uma aula e
como avaliar os alunos".
E
SSAS MUDAN<;AS NO PERFIL
da formac;ao de profes-
sores sao analisadas
historicamente pelo autor, que
destaca momentos e contextos
muito semelhantes as reformas
de educac;ao que tivemos no Bra-
sil. It 0 caso da problematizac;ao
que elabora sobre as primeiras
decadas do seculo XX, quando
as ciencias pedag6gicas dao 0
tom as reformas no sentido de
adapta-las ao momenta hist6-
rico de imigrac;ao e de formac;ao
da nac;ao, dando enfase a educa-
c;ao moral e a socializac;ao para 0
trabalho. Esse enfoque permite
reftetir tambem sobre outros
contextos, como 0 perfodo de
reformas que tivemos nas de-
cadas de 1920 e 1930 em varios
estados brasileiros, marcado pol
disputas entre diferentes modos
de pensar a educac;ao e a escola,
e de governar condutas.
Acompanhando a inftuencia
das reformas no conceito de for-
ma<;ao de professores, Popkewitz
aborda a psicologia cognitiva
educacional como uma forma
de regula<;ao social que busca
OBRA DO ARTISTA brasileiro
Nelson Leimer.Popkewitz
afirrna que "nos sistemas de
linguagem estiio embutidos
valores, prioridades e
disposilroes que sao
elementos ativos na
construlr80 do mundo"
que 0 desejo de produzir novos
graus de liberdade e autonomia
dos professores, gra<;as as Ci-
encias da Educa<;ao, tenha pro-
duzido historicamente efeitos
contnirios no que diz respeito as
suas responsabilidades.
A
s NOVAS TECNOLOGJAS EM
desenvolvimento ten-
dem a acentuar a re-
gula<;ao das vidas do professor,
atraves de urn processo de indi-
vidualiza<;ao que 0 sujeita a in-
terminaveis supervisoes feitas
por si pr6prio e pelos outros
[ ..J. As Ciencias de Educayao
[ portantoJ devem ser conside-
radas como parte integrante do
processo de regula<;ao social".
A partir das problematiza<;Oes
elaboradas sobre forma<;ao de
professores, Popkewitz nos pro-
.g
&: pOe uma reftexao final que busca
~
se opor ao pensamento salva-
~
" cionista e redentor. Para isso ele
!a;
=~
co
~
Q;
z
_.-.9
retoma alguns princfpios ilumi-
nistas que informaram a episte-
mologia social da reforma, como
a fe na razao e na racionalidade
capazes de levar as pessoas a as-
sumirem responsabilidades por si
mesmas. Esses princfpios fizeram
com que a educa<;ao escolar rece-
besse a incumbencia de realizar
tal projeto social. Porem 0 repen-
sar crftico da tradi<;ao iluminista
- designado pelo autor como p6s-
modernismo - diante dos varios
investigar como os professores
pensam para, enUio, construir
estrategias de supervisao e mo-
nitoramento do trabalho pnitico
escolar. Neste sentido 0 autor
comenta na mesma obra: "Nao
deixa de ser ir6nico, no entanto,
Pedagogia Conternporanea S7
"QUANTO ANOCAO de
regula~ao. Popkewitz diz que
nao se trata de atribuir valor
moral aregula~ao criada
pelo curriculo. iii que todas
as situa~oes sociais criam
restri~oes aill'dividualidade"
conftitos sociais, vividos nao s6
na pnitica escolar, mas em outras
arenas institucionais, indica que
por mais que nossos ideais quei-
ram imprimir valores aparente-
mente transcendentais, como as
no<;oes de democracia, justi<;a
e igualdade, 0 currlculo e uma
38 Pedagogia Contclllporanea
pr<itica socialmente construfda.
o autor chama a aten<;ao para 0
fato de reconhecer que a aprendi-
zagem esta enraizada em rela<;oes
de poder e, desse modo, aponta
para a responsabilidade profissio-
nal de compreender a pedagogia
como contendo visoes de mundo
e a<;oes pr<iticas, a fim de pro-
duzir e reproduzir esse mundo.
ocurriculo
Popkewitz traz um conceito
de currlculo que remete aorga-
niza<;ao do conhecimento escolar
como forma de regula<;ao social,
o que sig nifica que 0 currfculo
tern efeitos sociais e subjetivos.
Ou seja, urn conhecimento que
organiza as percep<;oes (pen-
sar), as formas de responder ao
mundo (agir) e as concep<;oes do
eu (sentir).
P
A RA D1 SCUTIR 0 TEMA DO
currlculo, em um de seus
primeiros textos traduzi-
dos no Brasil- "Hist6ria do Cur-
rlculo, Regula<;ao Social e Poder"
(1994) - , Popkewitz come<;a por
problematizar questoes atuais da
educa<;ao, como a riforma escolar,
jei comentadas aqui. Utiliza tam-
bern 0 conceito de epistemologia
social (ou discurso ou praticas
discursivas): "A epistemologia
social fornece uma forma de ana-
lisar as regras e os padroes pdos
quais 0 conhecimento sobre 0
mundo e formado e pelos quais
as distinyoes, as categorizayoes
que organizam as percepyoes, as
formas de responder ao mundo
e as concepyoes do 'eu' sao for-
madas atraves de nosso conheci-
mento sobre 0 mundo. [ ..J Uso
a expressao epistemologia social
como uma forma de tornar 0
conhecimento corporificado no
currfculo escolar acessfvel ain-
vestigayao socioI6gica".
o pensamento de Popkewitz
coloca como problema conceitos
que no universo do discurso e
pratica escolares sao considera-
dos como categorias naturais e
descritivas da escolarizayao e so-
bre as quais e preciso, portanto,
yoes que sao elementos ativos na
construyao do mundo".
As reftexoes propostas pelo
autor para discutir 0 currfculo
remetem ao surgimento da es-
cola de massas, uma invenyao do
seculo XIX. Assim varias mu-
danyas se conjugaram - no en-
sino da sala de aula, na criayao de
instituiyoes para formar profes-
o conceito de currlculo remete a
organizaQao do conhecimento escolar
como forma de regulaQao social
se perguntar por que, como e
quando se instauraram e se tor-
naram comuns. Desse modo, 0
autor busca problematizar con-
ceitos sobre escola, educayao,
professor, aluno, avaliayao; en-
fim, conceitos que envolvem 0
currfculo, indagando sobre sua
construyao na hist6ria. Ou seja,
procura contextualizar essas de-
nominayoes, 0 que significa, para
ele, coloca-las na arena das lutas
para ordenar e definir os objetos
do mundo, pois, como vimos, es-
sas definiyoes formam discursos,
linguagens que explicam as coi-
sas, narram os acontecimentos,
dando a eles significados. Neste
caso cabe urn esclarecimento do
autor sobre 0 conceito de lingua-
gem de que trata: "A linguagem,
entretanto, nao se refere apenas
a palavras e afirma<;oes. As re-
gras e padroes pelos quais a fala
e construfda sao produzidos em
instituiyoes sociais, enquanto as
praticas sociais moldam e mo-
delam aquilo que e considerado
verdadeiro e falso. Nos sistemas
de linguagem estao embutidos
valores, prioridades e disposi-
sores, a emergencia da uniyersi-
dade moderna, 0 surgimento das
Ciencias Sociais e da disciplina
Psicologia - situando-se a esco-
larizayao no ambito dessas mul-
tiplas arenas. A complexidade
dessa conjunyao de fatores no
aparecimen to da escolarizayao
nos dei uma dimensao do pro-
cesso de construyao de regras
para a prMica escolar, como e
por que essas regras mudam ao
longo do tempo.
P
OPKEW I TZ ABORDA AS
"teorias" de currfculo -
parte de projetos de re-
forma educacional da virada do
seculo XIX para 0 XX - como
sistemas de ciencias e tecnolo-
gias que gO"ernam a forma das
crianyas de "se" compreenderem
(quem elas "sao" e 0 q'ue "sao" na
sociedade): seria 0 "governo do
eu". Trataya-se, entao, de bus-
car como construir esse "novo"
indivfduo por meio da educayao
escolar. Um indivfduo que pu-
desse se autorregular. Trata-se
da nOyao de governamentalidade
de Foucault, ja mencionada an-
Pctlagogia Contemporanca 39
THOMAS S. POPKEWITZ
40 Pedagogia Contemporanea
CRIANCA NA PINTURA do
artista brasileiro Rodrigo Bivar.
Para Popkewitz, a historia do
presente esta em explorar as
mudan~as epistemologicas.
cientificas esociaisque
produzem os principios
Hreguladores"de identidades.
por exemplo. do que eser
menino ou menina
teriormente e que corresponde
a multiplas pnhicas de inter-
venyao e reformas estatais que a
partir do seculo XIX sao confi-
guradas por regulayao e coorde-
nayao de comportamentos. Para
a governamentalidade, ou arte de
governar, tornou-se crucial es-
tabelecerem-se procedimentos,
dilculos, analises que definissem
os indivfduos como populayoes.
agregados estatfsticos que atri-
bufam apessoa urn 'crescimento'
ou 'desenvolvimento' a ser moni-
torado e supervisionado".
Quanto anoyao de regulayao,
Popkewitz diz que nao se trata
de atribuir valor moral aregula-
yao criada pelo currfculo, ja que
todas as situayoes sociais criam
restriyoes a individualidade.
Porem entende que a regulayao
criada pelo currfculo merece
uma analise especffica e em dois
nfveis: I. 0 que deve ser conhe-
cido: neste sentido lembra que a
seleyao molda e modela a forma
como os eventos sociais e pesso-
ais sao organizados para a refte-
xao e a pratica. Nao ha neutrali-
dade, portanto, nas informayoes
selecionadas pelo currfculo ja
que sao os instrumentos a partir
jetivos, e a administrayao de tes-
tes de rendimento para avaliayao
do sucessolfracasso escolar.
S
E POR UM LAOO 0 AUTOR
aponta a escola e 0 currf-
culo como dispositivos de
regulayao social, por outro traz
reftexOes que apontam outros sig-
nificados no sentidode abrir novos
sistemas de possibilidades. Nesse
sentido, podemos admitir junto
com 0 autor que, como 0 "sujeito"
e uma construyao hist6rica e 0
currfculo e constitufdo por con-
tingencias hist6ricas, e possfvel
pensarmos e fazermos 0 currfculo
de outra forma, ja que a "estrate-
gia de historicizar 0 sujeito e uma
estrategia de reintroduzir a hu-
manidade nos projetos sociais ao
tornar visfveis e confrontaveis os
Eposslvel fazer 0 currlculo de outra forma, ja
que ele econstituldo por contingencias hist6ricas
Importantes na construyao das
praticas da arte de governar fo-
ram as Ciencias Sociais, nao s6
em relayao a conceitos morais e
polfticos (re)classificados como
cientfficos, como tambem nas
praticas de pesquisa definindo
problemas, criando conceitos e
teorias, como ainda pela inven-
yao da estatfstica - por meio da
qual se construfram agrupamen-
tos e interesses sociais.
C
ONFORME OIZ 0 AUTOR:
"0 raciocfnio populacio-
nal como pensamento
social produziu novas formas de
individualidade, uma individua-
lidade na qual a pessoa e definida
normativamente em relayao a
dos quais se definirao os proble-
mas; 2. As regras e padroes que
guiam os indivfduos ao produzi-
rem seu conhecimento sobre 0
mundo: 0 autor destaca que esse
nfvel e fundamental para com-
preender as escolas, pois oferece
parametros de como conhecer (a
forma de perguntar, pesquisar,
organizar e compreender como
sao 0 seu mundo e 0 seu "eu").
Enfim, essas regras e padroes
sao produtoras de tecnologias so-
dais que legitimam 0 que e ra-
zoavel/nao razoavel como pen-
samento, ayao, autorreflexao.
Outros exemplos de tecnologias
sociais sao: a organizayao do en-
sino atraves do planejamento,
seguindo uma hierarquia de ob-
sistemas governantes de ordem,
apropriayao e exclusao. Meu foco
nao consiste em eliminar as pra-
ticas de mudanya social, mas em
desafiar as convenyOes nas quais
essas praticas ocorrem, em tornar
problematico 0 sujeito que tern
sido tao central a pesquisa mo-
derna e seus efeitos regulat6rios".
Apontamentos sobr~
importantes trabalhos do autor
Sobre 0 estudo denominado
Lutando ern Defesa da Alrna - a
Politica do Ensino e a Constru~iio
do Pr~ssor(2001), as palavras do
autor sobre 0 livro sao suficientes
para avaliarmos a importancia
das reftexoes que trazem: "Este
livro desafia algumas noyoes so-
Pedagogia Contemporanea 41
THOMAS S. POPKEWITZ
bre pesquisa de politica, avalia-
c;ao e ensino. Uma suposic;ao que
esta por tras de grande parte do
discurso contemporaneo sobre 0
ensino e que ha caminhos racio-
nais para a salvac;ao - a escola
eficaz, 0 professor eficiente e au-
tentico. 0 mundo e visto como
sendo baseado na certeza e em
praticas organizadas com logica.
crianc;a e 0 professor cosmopolita.
Sustenta que 0 cosmopolitismo
produz ansiedades e deslocamen-
tos particulares, cujos prindpios
qualificam e desqualificam os
indivfduos para a participac;ao
e a ac;ao. Para tanto, efetua uma
apresentac;ao sintetica sobre 0 co-
nhecimento da escolarizac;ao que
delineia 0 professor e as reformas
Popkewitz questiona OS pressupostos
do cosmopolitismo que permeiam
as atuais reformas curriculares
Porem, quando examinamos as
praticas de formulac;ao de politi-
cas e de pesquisa, nao encontra-
mos seguranc;a moral, polftica e
cultural. A promessa de pesquisa
e avaliac;ao da escola nao esta em
prognosticar 0 que deve ser feito
para ajudar os 'outros', mas em
compreender a polftica do co-
nhecimento que produz os te-
mas da reforma. Dizendo isso de
maneira urn pouco diferente, ha
uma forte tendencia reformista
na vida intelectual que 'diz' que
ideias devem ser usadas nos pro-
jetos polfticos. Este estudo su-
gere que as ideias inserem proje-
tos polfticos e que urn dos papeis
das prMicas intelectuais e ques-
tionar 0 dogma reinante sobre 0
significado intelectual dos atores
e as regras do progresso".
No artigo "Reconstituindo 0
Professor e a Formayao de Pro-
fessores: Imaginarios Nacionais
e Diferenc;a nas Praticas da Es-
colarizac;ao" (2001), Popkewitz
procura extrair urn inventario
das praticas de reforma para
diagnosticar seus sistemas de ra-
zao, que geram prindpios sobre a
42 Pedagogia Contelllponinea
da formayao docente nos Estados
Unidos, com 0 propOsito de diag-
nostico, historicizando 0 saber
escolar como pratica cultural que
encerrae confina as possibilidades
de ac;ao e de participac;ao. Para ele
tal diagnostico, entretanto, per-
mite mostrar que a contingen-
cia deste arranjo torna posslvel
o jufzo de inscric;oes e arranjos
presentes, de modo a abrir espac;o
para outras alternativas.
E
M SUA ULTIMA PUBLICAC;;AO,
ja traduzida para 0 espa-
nhol, El Cosmopolitismo
y la Era de la Riforma Escolar
(2009), Popkewitz discute as
possibilidades de escolarizaC;;ao
nas sociedades modernas. Ana-
lisa as reformas educacionais dos
seculos xx e XXI pela otica do
que ele chama de cosmopolitismo,
o ideal da Ilustrac;;ao segundo 0
qual a educac;;ao e 0 melhor meio
de tornar lllna pessoa racional,
livre de determinismos e, por-
tanto, com inllmeras possibilida-
des de atuac;;ao e participayao. 0
livro e dividido em duas partes,
nas quais 0 autor investiga as di-
ferentes polfticas educacionais na
historia. Na primeira, analisa as
reformas educacionais inspiradas
em Dewey, Thorndike enos pri-
meiros sociologos da educac;ao.
Na segunda, coloca sob suspeita
os pressupostos do cosmopolitismo
presentes nas atuais reformas
curriculares e as polfticas de in-
dicadores que as acompanham e
reforc;;am sua logica. Como parte
dessa tendencia aponta tambern
os programas de formac;ao de
professores e as atuais investiga-
c;oes sobre educac;ao. Neste sen-
tido discute como, por meio de
analises, soluc;oes particulares e
pIanos de ac;;ao, se buscam cons-
truir modelos de pessoas "razoa-
veis". A historia do presente esta
em explorar as mudanyas epis-
temologicas, cientfficas e sociais
que produzem os princfpios "re-
guladores" de identidades, por
exemplo, do que e ser menino/ a,
como devem ser e quem nao se
ajusta a esses parametros. Para
justificar seus argumentos,
Popkewitz recorre as investi-
gac;oes de uma ampla gama de
disciplinas e fontes emplricas
e historicas. Para ele, 0 usa de
fontes primarias do passado e do
presente serve para compreen-
der as distinc;;oes, diferenciac;oes
e divisoes por meio das quais se
produzem,ordenam e classificam
as func;oes e praticas escolares.
Cecilia HaM a Mate edoutora em Hist6ria
da Educa~ao eprofessora da gradua~ao.
licenciatura e p6s-gradua~ao da Faculdade
de Educa~ao da USP. Desenvolve pesquisas
em Didatica eHist6ria da Educa~ao. Publicou.
entre outros: Tempos Modernos na Escola:
os Anos 30 eaRacionalizafao da Educafao
Brasileira (Eousc/INEP. 2002); "0 Manifesto de
1932 ea Educa~ao para aAuto-Disciplina"
(Rafzes da Modernidade. Ativa. 2004); "0
Coordenador Pedag6gico eas Rela~6es de
Poder na Escola" (O Coordenador Pedag6gico e
oCotidiano da Escola. Loyola. 2006)
Pedagogia contempor-nea-4-curr-culo-e-pol-tica-educacional
Pedagogia contempor-nea-4-curr-culo-e-pol-tica-educacional
Pedagogia contempor-nea-4-curr-culo-e-pol-tica-educacional
Pedagogia contempor-nea-4-curr-culo-e-pol-tica-educacional
Pedagogia contempor-nea-4-curr-culo-e-pol-tica-educacional
Pedagogia contempor-nea-4-curr-culo-e-pol-tica-educacional
Pedagogia contempor-nea-4-curr-culo-e-pol-tica-educacional
Pedagogia contempor-nea-4-curr-culo-e-pol-tica-educacional
Pedagogia contempor-nea-4-curr-culo-e-pol-tica-educacional
Pedagogia contempor-nea-4-curr-culo-e-pol-tica-educacional
Pedagogia contempor-nea-4-curr-culo-e-pol-tica-educacional
Pedagogia contempor-nea-4-curr-culo-e-pol-tica-educacional
Pedagogia contempor-nea-4-curr-culo-e-pol-tica-educacional
Pedagogia contempor-nea-4-curr-culo-e-pol-tica-educacional
Pedagogia contempor-nea-4-curr-culo-e-pol-tica-educacional
Pedagogia contempor-nea-4-curr-culo-e-pol-tica-educacional
Pedagogia contempor-nea-4-curr-culo-e-pol-tica-educacional
Pedagogia contempor-nea-4-curr-culo-e-pol-tica-educacional
Pedagogia contempor-nea-4-curr-culo-e-pol-tica-educacional
Pedagogia contempor-nea-4-curr-culo-e-pol-tica-educacional
Pedagogia contempor-nea-4-curr-culo-e-pol-tica-educacional
Pedagogia contempor-nea-4-curr-culo-e-pol-tica-educacional
Pedagogia contempor-nea-4-curr-culo-e-pol-tica-educacional
Pedagogia contempor-nea-4-curr-culo-e-pol-tica-educacional
Pedagogia contempor-nea-4-curr-culo-e-pol-tica-educacional
Pedagogia contempor-nea-4-curr-culo-e-pol-tica-educacional
Pedagogia contempor-nea-4-curr-culo-e-pol-tica-educacional
Pedagogia contempor-nea-4-curr-culo-e-pol-tica-educacional
Pedagogia contempor-nea-4-curr-culo-e-pol-tica-educacional
Pedagogia contempor-nea-4-curr-culo-e-pol-tica-educacional
Pedagogia contempor-nea-4-curr-culo-e-pol-tica-educacional
Pedagogia contempor-nea-4-curr-culo-e-pol-tica-educacional
Pedagogia contempor-nea-4-curr-culo-e-pol-tica-educacional
Pedagogia contempor-nea-4-curr-culo-e-pol-tica-educacional
Pedagogia contempor-nea-4-curr-culo-e-pol-tica-educacional
Pedagogia contempor-nea-4-curr-culo-e-pol-tica-educacional
Pedagogia contempor-nea-4-curr-culo-e-pol-tica-educacional
Pedagogia contempor-nea-4-curr-culo-e-pol-tica-educacional
Pedagogia contempor-nea-4-curr-culo-e-pol-tica-educacional
Pedagogia contempor-nea-4-curr-culo-e-pol-tica-educacional
Pedagogia contempor-nea-4-curr-culo-e-pol-tica-educacional
Pedagogia contempor-nea-4-curr-culo-e-pol-tica-educacional
Pedagogia contempor-nea-4-curr-culo-e-pol-tica-educacional
Pedagogia contempor-nea-4-curr-culo-e-pol-tica-educacional
Pedagogia contempor-nea-4-curr-culo-e-pol-tica-educacional
Pedagogia contempor-nea-4-curr-culo-e-pol-tica-educacional
Pedagogia contempor-nea-4-curr-culo-e-pol-tica-educacional
Pedagogia contempor-nea-4-curr-culo-e-pol-tica-educacional
Pedagogia contempor-nea-4-curr-culo-e-pol-tica-educacional
Pedagogia contempor-nea-4-curr-culo-e-pol-tica-educacional

Mais conteúdo relacionado

Mais procurados

Metodologia do ensino - Mestrado em educação - UNIEUBRA
Metodologia do ensino - Mestrado em educação - UNIEUBRAMetodologia do ensino - Mestrado em educação - UNIEUBRA
Metodologia do ensino - Mestrado em educação - UNIEUBRAunieubra
 
Listas g ts. dia 15
Listas g ts. dia 15Listas g ts. dia 15
Listas g ts. dia 15GEMFILOSOFIA
 
T rab ed 1ª met séc. xx
T rab ed 1ª met séc. xxT rab ed 1ª met séc. xx
T rab ed 1ª met séc. xxBeatriz
 
Texto 2 rockwell ezpeleta
Texto 2 rockwell ezpeletaTexto 2 rockwell ezpeleta
Texto 2 rockwell ezpeletaAbner Borges
 
Pistrak
PistrakPistrak
Pistrakmauxa
 
A Escola Unitária nos ideários Liberal e Marxista
A Escola Unitária nos ideários Liberal e MarxistaA Escola Unitária nos ideários Liberal e Marxista
A Escola Unitária nos ideários Liberal e Marxistavallmachado
 
Sequência didática corrigida
Sequência didática corrigidaSequência didática corrigida
Sequência didática corrigidaDanielle Neves
 
A reforma do ensino medio manual prático para trair paulo freire
A  reforma do ensino medio manual prático para trair paulo freireA  reforma do ensino medio manual prático para trair paulo freire
A reforma do ensino medio manual prático para trair paulo freirePriscila Aristimunha
 
Enviado fichamento de leitura - manifesto pioneiro da educação nova 1932
Enviado   fichamento de leitura - manifesto pioneiro da educação nova 1932Enviado   fichamento de leitura - manifesto pioneiro da educação nova 1932
Enviado fichamento de leitura - manifesto pioneiro da educação nova 1932Joyce Mourão
 
Avances de investigación: CEREBRO, LINGUAGEM E EDUCAÇÃO
Avances de investigación: CEREBRO, LINGUAGEM E EDUCAÇÃO Avances de investigación: CEREBRO, LINGUAGEM E EDUCAÇÃO
Avances de investigación: CEREBRO, LINGUAGEM E EDUCAÇÃO Universidad de la Empresa UDE
 

Mais procurados (19)

Metodologia do ensino - Mestrado em educação - UNIEUBRA
Metodologia do ensino - Mestrado em educação - UNIEUBRAMetodologia do ensino - Mestrado em educação - UNIEUBRA
Metodologia do ensino - Mestrado em educação - UNIEUBRA
 
Manifesto dos pioneiros
Manifesto dos pioneirosManifesto dos pioneiros
Manifesto dos pioneiros
 
Listas g ts. dia 15
Listas g ts. dia 15Listas g ts. dia 15
Listas g ts. dia 15
 
T rab ed 1ª met séc. xx
T rab ed 1ª met séc. xxT rab ed 1ª met séc. xx
T rab ed 1ª met séc. xx
 
Texto 2 rockwell ezpeleta
Texto 2 rockwell ezpeletaTexto 2 rockwell ezpeleta
Texto 2 rockwell ezpeleta
 
Michael apple
Michael appleMichael apple
Michael apple
 
Paschoal lemme
Paschoal lemmePaschoal lemme
Paschoal lemme
 
0 programaccpcc
0 programaccpcc0 programaccpcc
0 programaccpcc
 
Pistrak
PistrakPistrak
Pistrak
 
A Escola Unitária nos ideários Liberal e Marxista
A Escola Unitária nos ideários Liberal e MarxistaA Escola Unitária nos ideários Liberal e Marxista
A Escola Unitária nos ideários Liberal e Marxista
 
Listas g ts. pdf
Listas g ts. pdfListas g ts. pdf
Listas g ts. pdf
 
Repensando a geografia escolar
Repensando a geografia escolarRepensando a geografia escolar
Repensando a geografia escolar
 
Sequência didática corrigida
Sequência didática corrigidaSequência didática corrigida
Sequência didática corrigida
 
A reforma do ensino medio manual prático para trair paulo freire
A  reforma do ensino medio manual prático para trair paulo freireA  reforma do ensino medio manual prático para trair paulo freire
A reforma do ensino medio manual prático para trair paulo freire
 
Enviado fichamento de leitura - manifesto pioneiro da educação nova 1932
Enviado   fichamento de leitura - manifesto pioneiro da educação nova 1932Enviado   fichamento de leitura - manifesto pioneiro da educação nova 1932
Enviado fichamento de leitura - manifesto pioneiro da educação nova 1932
 
Revista em aberto
Revista em abertoRevista em aberto
Revista em aberto
 
Trabalho de didatica
Trabalho de didaticaTrabalho de didatica
Trabalho de didatica
 
Artigo 6-fabiano
Artigo 6-fabianoArtigo 6-fabiano
Artigo 6-fabiano
 
Avances de investigación: CEREBRO, LINGUAGEM E EDUCAÇÃO
Avances de investigación: CEREBRO, LINGUAGEM E EDUCAÇÃO Avances de investigación: CEREBRO, LINGUAGEM E EDUCAÇÃO
Avances de investigación: CEREBRO, LINGUAGEM E EDUCAÇÃO
 

Semelhante a Pedagogia contempor-nea-4-curr-culo-e-pol-tica-educacional

A religação dos saberes edgar morin
A religação dos saberes   edgar morinA religação dos saberes   edgar morin
A religação dos saberes edgar morinMarta Caregnato
 
Teorias de currículo: das tradicionais às críticas
Teorias de currículo: das tradicionais às críticasTeorias de currículo: das tradicionais às críticas
Teorias de currículo: das tradicionais às críticasLucila Pesce
 
Aula 2 4a FEUSP A instituição escolar.pdf
Aula 2 4a FEUSP A instituição escolar.pdfAula 2 4a FEUSP A instituição escolar.pdf
Aula 2 4a FEUSP A instituição escolar.pdfjonathanmartins084
 
Fundamentos sociologicos da educação
Fundamentos sociologicos da educaçãoFundamentos sociologicos da educação
Fundamentos sociologicos da educaçãoceliferreira
 
Síntese do texto por uma história prazerosa e consequente
Síntese do texto por uma história prazerosa e consequenteSíntese do texto por uma história prazerosa e consequente
Síntese do texto por uma história prazerosa e consequenteFrancisco Jardilino Maciel
 
Nóvoa educação 2021 para uma história do futuro
Nóvoa educação 2021 para uma história do futuroNóvoa educação 2021 para uma história do futuro
Nóvoa educação 2021 para uma história do futuroJosé Matias Alves
 
/Home/Kurumin/Desktop/Pedagogia Do Oprimido
/Home/Kurumin/Desktop/Pedagogia Do Oprimido/Home/Kurumin/Desktop/Pedagogia Do Oprimido
/Home/Kurumin/Desktop/Pedagogia Do OprimidoJoilton Lemos
 
Pedagogia Aula0117022009 Funo Social Escola
Pedagogia Aula0117022009 Funo Social EscolaPedagogia Aula0117022009 Funo Social Escola
Pedagogia Aula0117022009 Funo Social EscolaPedagogoAmador
 
«A escola sempre esteve e estará desajustada (Entrevista a Jurjo Torres Santo...
«A escola sempre esteve e estará desajustada (Entrevista a Jurjo Torres Santo...«A escola sempre esteve e estará desajustada (Entrevista a Jurjo Torres Santo...
«A escola sempre esteve e estará desajustada (Entrevista a Jurjo Torres Santo...Jurjo Torres Santomé
 
O Pensamento pedagógico Renascentista ao Positivista
O Pensamento pedagógico Renascentista ao PositivistaO Pensamento pedagógico Renascentista ao Positivista
O Pensamento pedagógico Renascentista ao PositivistaVanessa Biff
 
Plano de curso filos
Plano de curso filosPlano de curso filos
Plano de curso filoskelton68
 
3. gestao organizacao trabalho-pedagogico (1)
3. gestao organizacao trabalho-pedagogico (1)3. gestao organizacao trabalho-pedagogico (1)
3. gestao organizacao trabalho-pedagogico (1)Josueyahoo
 
Marshall, t. h. cidadania classe-social-e-status
Marshall, t. h. cidadania classe-social-e-statusMarshall, t. h. cidadania classe-social-e-status
Marshall, t. h. cidadania classe-social-e-statusAleSantos24
 
Teoria e metodologia da comunicação.pdf
Teoria e metodologia da comunicação.pdfTeoria e metodologia da comunicação.pdf
Teoria e metodologia da comunicação.pdfJobsonPorto
 

Semelhante a Pedagogia contempor-nea-4-curr-culo-e-pol-tica-educacional (20)

A religação dos saberes edgar morin
A religação dos saberes   edgar morinA religação dos saberes   edgar morin
A religação dos saberes edgar morin
 
Teorias de currículo: das tradicionais às críticas
Teorias de currículo: das tradicionais às críticasTeorias de currículo: das tradicionais às críticas
Teorias de currículo: das tradicionais às críticas
 
Interdisciplinaridade
InterdisciplinaridadeInterdisciplinaridade
Interdisciplinaridade
 
Apresentação slide marcos pessoa
Apresentação slide marcos pessoaApresentação slide marcos pessoa
Apresentação slide marcos pessoa
 
Apresentação slide marcos pessoa
Apresentação slide marcos pessoaApresentação slide marcos pessoa
Apresentação slide marcos pessoa
 
Escola, cultura e sociedade
Escola, cultura e sociedadeEscola, cultura e sociedade
Escola, cultura e sociedade
 
Aula 2 4a FEUSP A instituição escolar.pdf
Aula 2 4a FEUSP A instituição escolar.pdfAula 2 4a FEUSP A instituição escolar.pdf
Aula 2 4a FEUSP A instituição escolar.pdf
 
Fundamentos sociologicos da educação
Fundamentos sociologicos da educaçãoFundamentos sociologicos da educação
Fundamentos sociologicos da educação
 
Síntese do texto por uma história prazerosa e consequente
Síntese do texto por uma história prazerosa e consequenteSíntese do texto por uma história prazerosa e consequente
Síntese do texto por uma história prazerosa e consequente
 
Nóvoa educação 2021 para uma história do futuro
Nóvoa educação 2021 para uma história do futuroNóvoa educação 2021 para uma história do futuro
Nóvoa educação 2021 para uma história do futuro
 
/Home/Kurumin/Desktop/Pedagogia Do Oprimido
/Home/Kurumin/Desktop/Pedagogia Do Oprimido/Home/Kurumin/Desktop/Pedagogia Do Oprimido
/Home/Kurumin/Desktop/Pedagogia Do Oprimido
 
Pedagogia Aula0117022009 Funo Social Escola
Pedagogia Aula0117022009 Funo Social EscolaPedagogia Aula0117022009 Funo Social Escola
Pedagogia Aula0117022009 Funo Social Escola
 
«A escola sempre esteve e estará desajustada (Entrevista a Jurjo Torres Santo...
«A escola sempre esteve e estará desajustada (Entrevista a Jurjo Torres Santo...«A escola sempre esteve e estará desajustada (Entrevista a Jurjo Torres Santo...
«A escola sempre esteve e estará desajustada (Entrevista a Jurjo Torres Santo...
 
O Pensamento pedagógico Renascentista ao Positivista
O Pensamento pedagógico Renascentista ao PositivistaO Pensamento pedagógico Renascentista ao Positivista
O Pensamento pedagógico Renascentista ao Positivista
 
1 o-marxismo-e-a-sociologia-da-educac3a7c3a3o
1   o-marxismo-e-a-sociologia-da-educac3a7c3a3o1   o-marxismo-e-a-sociologia-da-educac3a7c3a3o
1 o-marxismo-e-a-sociologia-da-educac3a7c3a3o
 
Plano de curso filos
Plano de curso filosPlano de curso filos
Plano de curso filos
 
3. gestao organizacao trabalho-pedagogico (1)
3. gestao organizacao trabalho-pedagogico (1)3. gestao organizacao trabalho-pedagogico (1)
3. gestao organizacao trabalho-pedagogico (1)
 
Marshall, t. h. cidadania classe-social-e-status
Marshall, t. h. cidadania classe-social-e-statusMarshall, t. h. cidadania classe-social-e-status
Marshall, t. h. cidadania classe-social-e-status
 
Archivo pdf
Archivo pdfArchivo pdf
Archivo pdf
 
Teoria e metodologia da comunicação.pdf
Teoria e metodologia da comunicação.pdfTeoria e metodologia da comunicação.pdf
Teoria e metodologia da comunicação.pdf
 

Último

02. Informática - Windows 10 apostila completa.pdf
02. Informática - Windows 10 apostila completa.pdf02. Informática - Windows 10 apostila completa.pdf
02. Informática - Windows 10 apostila completa.pdfJorge Andrade
 
Governo Provisório Era Vargas 1930-1934 Brasil
Governo Provisório Era Vargas 1930-1934 BrasilGoverno Provisório Era Vargas 1930-1934 Brasil
Governo Provisório Era Vargas 1930-1934 Brasillucasp132400
 
Apresentação | Eleições Europeias 2024-2029
Apresentação | Eleições Europeias 2024-2029Apresentação | Eleições Europeias 2024-2029
Apresentação | Eleições Europeias 2024-2029Centro Jacques Delors
 
ALMANANHE DE BRINCADEIRAS - 500 atividades escolares
ALMANANHE DE BRINCADEIRAS - 500 atividades escolaresALMANANHE DE BRINCADEIRAS - 500 atividades escolares
ALMANANHE DE BRINCADEIRAS - 500 atividades escolaresLilianPiola
 
Cultura e Sociedade - Texto de Apoio.pdf
Cultura e Sociedade - Texto de Apoio.pdfCultura e Sociedade - Texto de Apoio.pdf
Cultura e Sociedade - Texto de Apoio.pdfaulasgege
 
trabalho wanda rocha ditadura
trabalho wanda rocha ditaduratrabalho wanda rocha ditadura
trabalho wanda rocha ditaduraAdryan Luiz
 
Modelos de Desenvolvimento Motor - Gallahue, Newell e Tani
Modelos de Desenvolvimento Motor - Gallahue, Newell e TaniModelos de Desenvolvimento Motor - Gallahue, Newell e Tani
Modelos de Desenvolvimento Motor - Gallahue, Newell e TaniCassio Meira Jr.
 
Slides 1 - O gênero textual entrevista.pptx
Slides 1 - O gênero textual entrevista.pptxSlides 1 - O gênero textual entrevista.pptx
Slides 1 - O gênero textual entrevista.pptxSilvana Silva
 
A Arte de Escrever Poemas - Dia das Mães
A Arte de Escrever Poemas - Dia das MãesA Arte de Escrever Poemas - Dia das Mães
A Arte de Escrever Poemas - Dia das MãesMary Alvarenga
 
ATIVIDADE AVALIATIVA VOZES VERBAIS 7º ano.pptx
ATIVIDADE AVALIATIVA VOZES VERBAIS 7º ano.pptxATIVIDADE AVALIATIVA VOZES VERBAIS 7º ano.pptx
ATIVIDADE AVALIATIVA VOZES VERBAIS 7º ano.pptxOsnilReis1
 
LEMBRANDO A MORTE E CELEBRANDO A RESSUREIÇÃO
LEMBRANDO A MORTE E CELEBRANDO A RESSUREIÇÃOLEMBRANDO A MORTE E CELEBRANDO A RESSUREIÇÃO
LEMBRANDO A MORTE E CELEBRANDO A RESSUREIÇÃOColégio Santa Teresinha
 
Aula - 1º Ano - Émile Durkheim - Um dos clássicos da sociologia
Aula - 1º Ano - Émile Durkheim - Um dos clássicos da sociologiaAula - 1º Ano - Émile Durkheim - Um dos clássicos da sociologia
Aula - 1º Ano - Émile Durkheim - Um dos clássicos da sociologiaaulasgege
 
AD2 DIDÁTICA.KARINEROZA.SHAYANNE.BINC.ROBERTA.pptx
AD2 DIDÁTICA.KARINEROZA.SHAYANNE.BINC.ROBERTA.pptxAD2 DIDÁTICA.KARINEROZA.SHAYANNE.BINC.ROBERTA.pptx
AD2 DIDÁTICA.KARINEROZA.SHAYANNE.BINC.ROBERTA.pptxkarinedarozabatista
 
Apostila da CONQUISTA_ para o 6ANO_LP_UNI1.pptx
Apostila da CONQUISTA_ para o 6ANO_LP_UNI1.pptxApostila da CONQUISTA_ para o 6ANO_LP_UNI1.pptx
Apostila da CONQUISTA_ para o 6ANO_LP_UNI1.pptxIsabelaRafael2
 
Habilidades Motoras Básicas e Específicas
Habilidades Motoras Básicas e EspecíficasHabilidades Motoras Básicas e Específicas
Habilidades Motoras Básicas e EspecíficasCassio Meira Jr.
 
Época Realista y la obra de Madame Bovary.
Época Realista y la obra de Madame Bovary.Época Realista y la obra de Madame Bovary.
Época Realista y la obra de Madame Bovary.keislayyovera123
 
Pedologia- Geografia - Geologia - aula_01.pptx
Pedologia- Geografia - Geologia - aula_01.pptxPedologia- Geografia - Geologia - aula_01.pptx
Pedologia- Geografia - Geologia - aula_01.pptxleandropereira983288
 
UFCD_10392_Intervenção em populações de risco_índice .pdf
UFCD_10392_Intervenção em populações de risco_índice .pdfUFCD_10392_Intervenção em populações de risco_índice .pdf
UFCD_10392_Intervenção em populações de risco_índice .pdfManuais Formação
 
Regência Nominal e Verbal português .pdf
Regência Nominal e Verbal português .pdfRegência Nominal e Verbal português .pdf
Regência Nominal e Verbal português .pdfmirandadudu08
 
Slides Lição 03, Central Gospel, O Arrebatamento, 1Tr24.pptx
Slides Lição 03, Central Gospel, O Arrebatamento, 1Tr24.pptxSlides Lição 03, Central Gospel, O Arrebatamento, 1Tr24.pptx
Slides Lição 03, Central Gospel, O Arrebatamento, 1Tr24.pptxLuizHenriquedeAlmeid6
 

Último (20)

02. Informática - Windows 10 apostila completa.pdf
02. Informática - Windows 10 apostila completa.pdf02. Informática - Windows 10 apostila completa.pdf
02. Informática - Windows 10 apostila completa.pdf
 
Governo Provisório Era Vargas 1930-1934 Brasil
Governo Provisório Era Vargas 1930-1934 BrasilGoverno Provisório Era Vargas 1930-1934 Brasil
Governo Provisório Era Vargas 1930-1934 Brasil
 
Apresentação | Eleições Europeias 2024-2029
Apresentação | Eleições Europeias 2024-2029Apresentação | Eleições Europeias 2024-2029
Apresentação | Eleições Europeias 2024-2029
 
ALMANANHE DE BRINCADEIRAS - 500 atividades escolares
ALMANANHE DE BRINCADEIRAS - 500 atividades escolaresALMANANHE DE BRINCADEIRAS - 500 atividades escolares
ALMANANHE DE BRINCADEIRAS - 500 atividades escolares
 
Cultura e Sociedade - Texto de Apoio.pdf
Cultura e Sociedade - Texto de Apoio.pdfCultura e Sociedade - Texto de Apoio.pdf
Cultura e Sociedade - Texto de Apoio.pdf
 
trabalho wanda rocha ditadura
trabalho wanda rocha ditaduratrabalho wanda rocha ditadura
trabalho wanda rocha ditadura
 
Modelos de Desenvolvimento Motor - Gallahue, Newell e Tani
Modelos de Desenvolvimento Motor - Gallahue, Newell e TaniModelos de Desenvolvimento Motor - Gallahue, Newell e Tani
Modelos de Desenvolvimento Motor - Gallahue, Newell e Tani
 
Slides 1 - O gênero textual entrevista.pptx
Slides 1 - O gênero textual entrevista.pptxSlides 1 - O gênero textual entrevista.pptx
Slides 1 - O gênero textual entrevista.pptx
 
A Arte de Escrever Poemas - Dia das Mães
A Arte de Escrever Poemas - Dia das MãesA Arte de Escrever Poemas - Dia das Mães
A Arte de Escrever Poemas - Dia das Mães
 
ATIVIDADE AVALIATIVA VOZES VERBAIS 7º ano.pptx
ATIVIDADE AVALIATIVA VOZES VERBAIS 7º ano.pptxATIVIDADE AVALIATIVA VOZES VERBAIS 7º ano.pptx
ATIVIDADE AVALIATIVA VOZES VERBAIS 7º ano.pptx
 
LEMBRANDO A MORTE E CELEBRANDO A RESSUREIÇÃO
LEMBRANDO A MORTE E CELEBRANDO A RESSUREIÇÃOLEMBRANDO A MORTE E CELEBRANDO A RESSUREIÇÃO
LEMBRANDO A MORTE E CELEBRANDO A RESSUREIÇÃO
 
Aula - 1º Ano - Émile Durkheim - Um dos clássicos da sociologia
Aula - 1º Ano - Émile Durkheim - Um dos clássicos da sociologiaAula - 1º Ano - Émile Durkheim - Um dos clássicos da sociologia
Aula - 1º Ano - Émile Durkheim - Um dos clássicos da sociologia
 
AD2 DIDÁTICA.KARINEROZA.SHAYANNE.BINC.ROBERTA.pptx
AD2 DIDÁTICA.KARINEROZA.SHAYANNE.BINC.ROBERTA.pptxAD2 DIDÁTICA.KARINEROZA.SHAYANNE.BINC.ROBERTA.pptx
AD2 DIDÁTICA.KARINEROZA.SHAYANNE.BINC.ROBERTA.pptx
 
Apostila da CONQUISTA_ para o 6ANO_LP_UNI1.pptx
Apostila da CONQUISTA_ para o 6ANO_LP_UNI1.pptxApostila da CONQUISTA_ para o 6ANO_LP_UNI1.pptx
Apostila da CONQUISTA_ para o 6ANO_LP_UNI1.pptx
 
Habilidades Motoras Básicas e Específicas
Habilidades Motoras Básicas e EspecíficasHabilidades Motoras Básicas e Específicas
Habilidades Motoras Básicas e Específicas
 
Época Realista y la obra de Madame Bovary.
Época Realista y la obra de Madame Bovary.Época Realista y la obra de Madame Bovary.
Época Realista y la obra de Madame Bovary.
 
Pedologia- Geografia - Geologia - aula_01.pptx
Pedologia- Geografia - Geologia - aula_01.pptxPedologia- Geografia - Geologia - aula_01.pptx
Pedologia- Geografia - Geologia - aula_01.pptx
 
UFCD_10392_Intervenção em populações de risco_índice .pdf
UFCD_10392_Intervenção em populações de risco_índice .pdfUFCD_10392_Intervenção em populações de risco_índice .pdf
UFCD_10392_Intervenção em populações de risco_índice .pdf
 
Regência Nominal e Verbal português .pdf
Regência Nominal e Verbal português .pdfRegência Nominal e Verbal português .pdf
Regência Nominal e Verbal português .pdf
 
Slides Lição 03, Central Gospel, O Arrebatamento, 1Tr24.pptx
Slides Lição 03, Central Gospel, O Arrebatamento, 1Tr24.pptxSlides Lição 03, Central Gospel, O Arrebatamento, 1Tr24.pptx
Slides Lição 03, Central Gospel, O Arrebatamento, 1Tr24.pptx
 

Pedagogia contempor-nea-4-curr-culo-e-pol-tica-educacional

  • 1. Revista • EOUCACAO Autores etendencias• PEDAGOGIA CONTEMPORANEA
  • 3.
  • 4. SUMARIO + Pedagogia Contemporanea 06 Educa~aoe iniusti~ social Os autores examinados neste fasclculo sao. antes de tudo. pensadores profundamente incomodados com as contradi~oes de nosso tempoe. especialmente. com 0 estado de coisas do mundo da educa~ao 12 Michael Apple Aeduca~o sob aOtica da analise relacional Os intelectuais devem dar visibilidade as praticas transformadoras construfdas pelos professores em sua luta diaria. Ecrucial sistematiza- las. analisa-Ias. critica-Ias para alcan~ar uma educa~ao mais justa 2fJ ThommsS.Popke~ Urn historiadordesafiando as conven~ Historicizar 0 sujeito permite reintroduzir ahumanidade nos projetos sociais. pois torna visfveis econfrontaveis os sistemas governantes de ordem. apropria~ao eexclusao 44 EdgarMorin Areliga~o dossaberes Aconstru~o eatransmissao do conhecimento podem ser prazerosas, criativas. hibridas. Epossfvel rejuntar parte etodo.texto econtexto. local eglobal. desde que os educadores se empenhem nisso 60 Marina Subirals Comofonnar seres humanoscompletos, iguais ecomtodas assuas difereil~ Acoeduca~o pode forjar instrumentos concretos paraaredu~o das desigualdades de genero. dos preconceitos edas discrimina~oes relativos as variadas formas de expressao das sexualidades 76 Elsie Rockwell Poruma antropologia histDrica Pensar uma escola que nao muda, que nao se transforma. ou que s6 muda sob 0 efeito de interven~oes externas einconcebfvel
  • 5. EDITORIAl Educa~ao, Politica eSociedade E ste quarto e ultimo fas- cfculo da Cole~ao Peda- gogia Contemporanea encerra a serie de revistas volta- das aanalise das ideias de vinte grandes pensadores, expressi- vos representantes das novas tendencias e perspectivas de es- tudo da educa~ao na atualidade. No primeiro numero, inti- tulado Educa(iio, Escola e Desi- gualdack, foram apresentadas as proposi~Oes te6ricas de autores de destaque no campo da So- ciologia da Educa~ao: Bernard Charlot, Bernard Lahire, Fran- ~ois Dubet, Zygmunt Bauman e Raewyn Connell. No segundo, chamado Cultum, Aprendiza- gem e Desenvolvimento, privile- giaram-se as contribui~oes de especialistas da Psicologia da Educa~ao: Jerome Bruner, Ja- mes Wertsch, Ana Teberosky e Oliver Sacks. No terceiro, Me- mOria, Historia e Escolariza(iio, foram examinadas as formula- ~oes te6ricas de pesquisadores da Hist6ria da Educa~ao: Michel Foucault, Michel de Certeau, Ant6nio N6voa, Anne-Marie Chartier e Antonio Vii'lao Frago. Este numero, por sua vez, reune ensaios que analisam a obra de cinco pensadores contempo- raneos, de diversas nacionali- dades - dois americanos, uma mexicana, urn frances e uma espanhola, respectivamente: Mi- chael Apple, Thomas Popkewitz, Edgar Morin, Marina Subirats e Elsie Rockwell. Embora tenham forma~ao e programas de inves- tiga~Oes diferentes,juntos ofere- cern ao leitor perspectivas muito interessantes para as reftexoes no campo do currfculo e da po- Htica educacional,ja que buscam entender de modo mais profundo aspectos das complexas questOes que envoivern 0 campo da educa- ~ao e sua rela~ao com a sociedade mais ampla. o prop6sito deste fascfculo, assim como 0 dos que 0 prece- deram, e tornar acessfvel para urn numero maior de pessoas (educadores de oficio ou pesqui- sadores) as proposi~oes de in- vestigadores atuais, geralmente estudados pela comunidade cien- tffica mais especializada, mas pouco conhecidos pelo publico mais amplo. A grande acolhida por parte dos leitores que os pri- meiros fascfculos tiveram indica que provavelmente esse objetivo foi alcanl;ado. Isso s6 foi possfvel porque contamos com a colabo- ra~ao inestimavel de importan- tes pesquisadores brasileiros na elabora~ao dos ensaios publica- dos na cole~ao (a quem expres- samos, malS uma vez, nossos agradecimentos). Despedimos-nos dos leitores com a esperanl;a de que essa se- rie tenha colaborado, ainda que de maneira parcial, para que urn numero maior de educadores e educadoras possa questionar su- postos consensos, examinar com rigor a prMica educacional coti- diana e, principalmente, pensar em formas de transforma-la. Teresa Cristina Rego eprofessora da Faculdade de Ed~ da Universidade de sao Paulo. ..........., Edimi.... c.diII _ l.aciaoodoc...... M.ao CanIiaI Rita Maniaez PEDAGOGIA CONTEMPORANEA ~-GenII: LuciaDo do Carma EdIt«: Rubem Barros rubembmos@edilOr.lsegmenlO.com.br s.bedItora: Beatriz Rey ~@editorasegmelllO.com.br EDUCAc;:AO· FApoc:W ......cc....:part....... ...........revistacducacao.com.br CGaIoIItoriII edIterW. CIIOi~: T...,.. Crisliaa Rqo Prejdo &riIa>' _~. CIdJer EsIeYam Capa: Millon RodrigueslCasa PaulistaDa .......... ~ Ana Teixeira CGbbot Motos: &elmira OIMira Bueoo. Cccflia Hanna Mate.Cliudia VWlIII. Denise TmIIo Rebello de Souza. Edprd de Ass;' Cavalho e luis AnnIndo Gandin (1elIO): Eugenio Vinci de M<nes (oop;daqw): Maria Stella Valli (revisio). PI , ''' ........: I'IuJo Ceur SaJpdo ........v'Ita: Sidney Luiz dos SIIIIos PUBLICIDADE ~........,..: CristiaDe Vetpo ~ ... aq6das: GMni Danlas e Sudi Beneai ADaIIoIa"'~: Rose Morishita F.ItttIAIrioo . . . . I'IInU - Mansa Oliveira Tel.: (41) 3027·8490 - porana@edilOClSqlllelllO.com.br RIo ...JueIro- Edson Barbosa Td.: (21) 4103-386818181-4514 edsoo.barbosa@editcnsegrnenIo.com.br WEB W........., Eder Gomes ~ Leandro Assis CIRCULAI;:AO E MARKETING GenDk: Carolina Martinez Son.... ,ioon ... ~: BeaIriz z.,.,... ADaIIoIa ... ~ Viviane Trevisln ~ ............: Edson Dantas ~ndasm ...... "oBnlli: Dinap Distribuidora NacioaaI de Public:oI;Oes S.A. Roo Dr. Kenkiti Sbimomoto. 1678 - Jd. BdmoaIe Osasco - SP - Cep: 06045-390 ~ ~ t uma publicaf;io especial cia Ediun Segmenoo.Esta publicaf;io nio 50 responsabilila por ideias e oonccilDS emitidoo em artigos 011 IIIIIirias assinodls, que expressam apenas 0 pensamenIO dos 1III<nS. nio repro- sentando necessariamenIe • opiniio cia revisla. Apublicaf;io 50 reserva 0 direilo. por moIivos de 0SI*i0 e clareza. de =ir canas eartigos. EdII«a s.c-- Roo Cunha Gaga. 412 - I· andar CEP 05421-001 - sao Paulo (SP) c--.. ...~ ......... De 2' • 6" feira. <las 8h3O M ISh Td.: (II ) 3039-56661 Fax: (II) 3039-5643 e·mail: assinabn@edilorascgmenlO.com.br aceose: www.editcnsegrnenIo.com.br fV'I ANER
  • 6. Educa~aoe iniu~i~a socialOs autores examinados neste fasclculo sao, antes de tudo, pensadores profundamente incomodados com as contradi<;Oes de nosso tempo e, especialmente, com 0 estado de coisas do mundo da educa<;ao por Teresa Cristina Rego N o final do livro au- tobiogrMico Tem- pos Interessantes: Uma Vida no Seculo XX, 0 historiador ingles Eric Hobsbawm escreveu: "nao nos desarmemos, mesmo em tem- pos insatisfatorios. A injustiya social ainda precisa ser denun- ciada e combatida. 0 mundo nao vai melhorar sozinho". Seu apelo, em prindpio dirigido aos seus leitores, parece ter sido es- cutado e seguido a risca pelos intelectuais apresentados neste fasdculo. Embora autores de trabalhos distintos, todos se mostram bastante compromis- sados com a dimensao publica 6 Pedagogia Contemporanea da educayao e com a criayao de uma sociedade mais justa. Sao, antes de tudo, pensadores pro- fundamente incomodados com as contradiyOes de nosso tempo e, especialmente, com 0 estado de coisas do mundo da educa- yao. Mas para alem da simples denuncia, seus trabalhos, marca- dos pela ousadia e pela coragem de romper com padroes prees- tabelecidos, incitam a abertura de novas tematicas no campo da pesquisa, bern como a busca de aIternativas capazes de con- solidar novos contornos e for- mas organizativas, curriculares e pedagogicas para 0 ja quase esgotado sistema educacional vigente na cultura ocidental. Suas interpretayOes e propostas alternativas para 0 enfrenta- mento de conhecidos problemas educacionais servem como pon- tos de luz, que nos possibilitam enxergar novos angulos, deta- Ihes relevantes, mas nem sem- pre vistos, da 16gica perversa do sistema educacional numa socie- dade estratificada e das priiticas pedag6gicas dele decorrentes. o primeiro texto, de autoria de LUIS Armando Gandin, pro- fessor da Universidade Federal do Rio Grande do SuI, apresenta dados da vida e obra do educador, pesquisador e ativista Michael Apple. Nascido em 1942 nos Es-
  • 7. tados Unidos, Apple e professor dos departamentos de Ensino e Currkulo e de Estudos de Poli- tieas Edueacionais na Faculdade de Educac;ao da University of Wisconsin-Madison, nos Esta- dos Unidos, e tambem professor visitante de algumas universi- dades europeias. Seus trabalhos (parcialmente traduzidos para 0 portugues), elaborados nas ul- timas tres decadas, tern trazido contribuic;Oes fecundas para os estudos no campo do currkulo e da edueac;ao em geral. No artigo, Gandin, grande conhecedor da obra de Apple, examina trac;os que earacterizam sua produc;ao, presentes nos primeiros livros ate as publicac;Oes mais recentes, oferecendo elementos que per- mitem entender a genese de seu programa de pesquisa e do seu engajamento politico, suas prin- cipais influencias (como as for- mulac;Oes de Antonio Gramsci), sua habilidade de formular no- vas perguntas para velhos pro- blemas educacionais e de articu- lar conceitos complexos (como ideologia, hegemonia, senso comum, ideologia e poder) para romper com certos dogmatismos presentes nos discursos e teorias educacionais. Gandin destaca a "importancia que 0 seu ativismo politico e seu engajamento em lutas mundiais por uma socie- I TRAZEMOS. AQUI. autores bastante compromissados com a dimensiio publica da educa~iio e com a cria~iio de uma sociedade mais justa dade e uma educac;ao mais justas (que valorizem simultaneamente a necessidade da distribuic;ao igualitaria de bens materiais e simbOlicos e do reConhecimento da diferenc;a) tern em sua trajet6- ria e em sua obra. Apple insiste que urn dos papeis cruciais da pedagogia crftica e transformar a educac;ao e nao apenas analisa- lao 0 compromisso politico de Apple tern guiado suas preocu- pac;Oes te6ricas, e sua crescente Pedagogia Contemporanea 7
  • 9. sofisticavao te6rica deriva de seu engajamento nas complexas questOes que envolvem 0 campo da educavao e sua relavao com a sociedade mais ampla". O SEGUNDO TEXTO, elaborado por CecOia Hanna Mate, da Uni- versidade de Sao Paulo, ana- lisa travos da obra de urn ou- tro professor da University of Wisconsin-Madison: Thomas S. Popkewitz. Nascido em Nova York, em 1940, ele se notabili- zou por importantes estudos no campo do curriculo e da poHtica educacional. Em seu artigo, ela de Foucault), suas pesquisas in- terdisciplinares (realizadas em paises da Asia, Europa, America Latina, Africa do SuI e Estados Unidos) e proposivoes te6ri- cas nos ajudam a adotar novas perspectivas para a analise das polfticas educacionais, do ensino, da escola, do curriculo e da for- mavao docente. Hanna Mate da especial destaque a atualidade de seus trabalhos: "Se conside- rarmos que nas duas ultimas de- cadas as poHticas educacionais de varios paises implantaram reformas curriculares e intervie- ram fortemente na formavao de professores, os estudos do autor base de sua formavao e multidi- mensional e polifOnica". Licen- ciado em Hist6ria, Geografia e Direito pela Sorbonne e comu- mente rotulado como soci6logo, fil6sofo ou antrop6logo, Morin vern construindo formulavoes inusitadas. Na bem-sucedida ta- refa (quase herculea) de resumir o seu itinerario intelectual e sua teoria da complexidade, Carva- lho nos apresenta, entre outros aspectos, uma boa sintese das contribuivOes de Morin para a educavao: "A reforma da educa- I;ao e prioritaria para que essas ideias vinguem e se disseminem por todos os poros da sociedade Multidimensionais e polifonicas, as investigac;6es de Morin sao tao ricas quanto diflceis de definir fornece ao leitor informal;Oes sobre aspectos representativos dos diversos conteudos que 0 autor desenvolveu ao longo de sua trajet6ria intelectual, como a questao das reformas no ensino, a formal;ao docente e 0 curri- culo, e que foram publicados em numerosos artigos e livros (al- guns ja lanvados no Brasil). Ali- nhado aos autores da chamada perspectiva p6s-estruturalista (particularmente aos trabalhos INSTAlAcAo DA ARTISTA brasileira Laura Vinci. Os textos deste fasciculo servem como ·pontos de luz. que nos possibilitam enxergar novos 8ngulos. detalhes relevantes. mas nem sempre vistos. da logica perversa do sistema educacional- contribuem para novas perspec- tivas de analise para esses temas. Neste sentido, suas reftexOes po- dem oferecer ferramentas ade- quadas para pensarmos como e por que foram construidos os fundamentos das reformas - sob que condivOes, movidos por qual tipo de contingencias - e as va- rias praticas educacionais por elas geradas. Seus estudos, en- fim, contribuem para pensarmos sobre 0 conceito de professor e de aluno que historicamente as reformas ajudaram a produzir". A OBRA DE EDGAR MORIN, por sua vez, e exami- nada por Edgard Assis de Carvalho, da Pontificia Uni- versidade Cat61ica de Sao Paulo. Nascido em 1921, 0 frances e urn pensador de dificil definil;ao, ja que, como explica Carvalho, "a civil. A aposta de Edgar Morin numa educavao complexa enun- cia uma agenda de multiplos princfpios, dentre os quais se destacam: 1. Pensar a educavao como atividade humana cercada de incertezas e indeterminal;Oes, mas tambern comprometida com os destinos de homens, mulheres e crianl;as que habitam a Terra- Patria; 2. Praticar uma etica da competencia que comporte urn comprometimento etico com 0 presente sem esquecer 0 compro- misso com 0 futuro sustentavel; s. Buscar as conexOes existentes entre os fenomenos que se que- rem compreender e explicar e seu contexto mais amplo; 4. Ab- dicar da ortodoxia das teorias e conceitos e pregar 0 nomadismo das ideias; 5. Exercitar 0 dialogo entre as varias especialidades; 6. Deixar emergir a complementa- Pedagogia Contemporinea 9
  • 10. CURRicUlO E pOliTICA EDUCACIONAl ridade entre arte, literatura, ci- encia e filosofia; 7. Transformar os ensinamentos em linguagens que ampliem 0 numero de in- terlocutores da ciencia; 8. Lutar pela constru<;3.o da antropolftica e da antropoetica como funda- mentos de uma polftica de civili- zac;ao terrena". O STRABALHOSDAESPANHOLA Marina Subirats, pro- fessora da Universi- dade Aut6noma de Barcelona, sao apresentados por Claudia Vianna, da Universidade de Sao Paulo. Apesar de ser reconhecida internacionalmente por seus potencia te6rica, pelas refle- xOes inovadoras, pelo rigor nas investigac;oes, somado a expe- riencia adquirida nas inserc;Oes polfticas e academicas, eviden- ciam 0 valor de suas contri- buiC;Oes para urn tema que vern ganhando espac;o nas polfticas educacionais dos ultimos anos e gerado grande interesse junto aos docentes no Brasil". Creio que, ap6s a leitura do conjunto de ensaios reunidos neste fasdculo, 0 leitor con- cordani com Eric Hobsbawm: nao podemos mesmo nos de- sarmar, pois 0 mundo nao mudara sozinho. Talvez cons- Pesquisas de Rockwell versam sobre trabalho docente, vida cotidiana e culturas escolares estudos sobre direitos das mu- tate, tambem, que, na luta para lheres; educac;ao e coeducac;ao e construir uma sociedade mais classes sociais, a autora ainda e bern pouco conhecida no Brasil. Nascida em 1943, estudou Filo- sofia em Barcelona e, mais tarde, Sociologia na Ecole Pratiques des Hautes Etudes, em Paris. Depois de formada, trabalhou no "Laboratoire de Sociologie Industrielle" dirigido por Alan Touraine. Como avalia Vianna, sua trajet6ria, sempre compro- metida com a construc;ao da igualdade de genero, e marcada por intensa vida academica, pelo engajamento e militancia: "Podemos localizar a maior con- tribuic;ao da autora na 6tica do direito aeducac;ao, do combate ao sexismo e da construc;ao de relac;Oes igualitarias de genero. o conjunto de sua obra, pela 10 Pedagogia Contempor.inea justa, parece que estamos muito bern acompanhados. A s IDEIAS DA MEXICANA EL- SIE Rockwell sao explora- das no ultimo texto deste fasdculo, elaborado por Belmira Oliveira Bueno e Denise Trento Rebello de Souza, da Universi- dade de Sao Paulo. Rockwell e professora do Departamento de Investigaciones Educativas do Centro de Investigaciones y Estudios Avanzados, na Cidade do Mexico. Tern atuado tambem como professora convidada em instituic;oes norte-americanas, europeias e latino-americanas. Reconhecida por seus tra- balhos no campo da antropolo- gia da educac;ao, especialmente por suas contribuic;oes ao de- senvolvimento da etnografia no contexto latino-americano, Rockwell e, sem duvida, urn nome de destaque na pesquisa educacional contemporanea. Sua produc;ao acerca do trabalho do- cente, da vida cotidiana nas esco- las e das culturas escolares tern trazido importantes insumos para 0 incremento das investiga- C;Oes no campo da educac;ao. Nas palavras de Bueno e Trento: "E principalmente sobre 0 modo de entender e conceituar a escola que 0 trabalho de Elsie Rockwell vai se mostrar fecundo, particu- larmente em palses de economia capitalista dependente, como 0 Mexico e 0 Brasil". Apropriando-se de concei- tos e metodologias de autores e campos diversos - hist6ria, antropologia, sociologia, educa- c;ao, psicologia -, a pesquisadora mexicana busca ajusta-Ios a seu prop6sito, qual seja, 0 de cons- truir urn modo crltico de produ- zir conhecimento sobre a escola. Contribui, assim, com as bases do que veio a se constituir em uma abordagem crltica de etno- grafia educacional na America Latina. 0 ponto de partida de suas buscas e a hist6ria de seu pals e as enormes desigualdades que dilaceram a sociedade me- xicana. Volta-se para a escola publica, elegendo-a como objeto de investigac;ao. Teresa CrisIi... Rego edoutora em EdlJCal100 pela US!' p6s-doutora pela Universidad Aut6noma de Madrid. eprofessora da ~. licenciatura ep6s-gradualyao da Facuklade de EdlJCal100 da US!' Epesquisadora do CNPq. autora eorganizadora de varias publicafyOes. dentre elas. .W?tsky: uma perspectivahist()riro. cultural da educ:a¢o(Vozes. 1995) eMem6rias de escoIa:cultura escoIarecoostituil;ao de singularidades(Voles 2(03),
  • 11. o especial PSICANAuSE & UNGUAGEM 2009 busca estreitar as rela~oes entre a linguagem cotidiana e a linguagem da Psicanalise, jogando novas luzes sobre a rela~o entre 0 homem e a palavra. .revistalinguaportuguesa.com.br REV1STA~APRESENTA 2009 -PSICANAilSE A 18 1-'1.~ I ~ ::;;.:... 2 ........ & LINGUAGEM AIbIgaa podag_.... pelap-kaMu.. 1I.c:ritica psicanalitica examiDa 0 alo de Ier MecaDismos 1111~~ de defesa no 1150 doc:liche OcleAliode1nIduir_ _ ~ Inconsciente por escrito Central de atendimento: (11) 3039- 5666 ou assinaturas@editorasegmento.com.br .1 "",0 • ., : editora toseqmen
  • 12. A educa<;ao sob a 6tica da analise relacional Os intelectuais devem dar visibilidade as praticas transfonnadoras, construidas pelos professores em sua luta diana. E crueial sistematiza- las, analisa-Ias, eritica-Ias para alcanyrr uma educa~o maisjusta por Luis Armando Gandin BIOGRAFIA » EDUCADOR, PESQUISADOR EATIVISTA M ichael Whitman Apple nasceu em 1942, em Paterson, estado de Nova Jersei. nos Estados Unidos.Filho de imigrantes russos, Apple cresceu em uma familia de classe trabalhadora, Que lutava constantemente con- tra apobreza.Acidade de Paterson, onde Apple cresceu, foi, no seculo XIX, uma das cidades com maior concen- tracao de industrias nos Estados Unidos. Por essa razao, se tornou urn dos grandes destinos da grande massa de imigrantes Que chegava aos Estados Unidos. Por ser urn local com grande concentracao de industrias e por receber urn grande numero de imigrantes europeus, al- guns deles com tradicoes de lutas sindicais, Paterson foi tambem uma cidade onde os sindicatos de trabalhadores se desenvolveram rapidamente. A cidade foi 0 cenario de famosas manifestacoes pela proibicao do trabalho 12 Pedagogia Contemporanea infantil ede uma grande greve Que paralisou os teares da industria da seda em 1913, com a reivindicacao de uma jornada de seis horas emelhores condicoes de trabalho. A forte mobilizacao sindical da cidade e da regiao fez com Que grande parte das industrias mudasse para 0 suI. onde nao havia sindicatos. Paterson passa a viver, a partir da metade do seculo XX, a conhecida situacao das decadentes cidades industriais:grande desemprego, subemprego esituacoes de pobreza crescente. EnestecontextoQue Michael Apple inicia sua vida. Seus pais eram trabalhadores nas poucas industrias Que resta- vam na cidade e tinham uma grande tradic§o politica, de raiz comunista.A politizac§o de Apple eseu envolvimento nas discussOes enas lutas politicas de sua epoca aparecem ainda no ensino medio, Quando ele se envolve diretamente em urn movimento pela igualdade racial. Assim Que conclui
  • 13.
  • 14. esses estudos. Apple com8¥l a trabalhar. Inicia na indus- tria grafica. urn dos setores mais politizados naquela epoca. Enquanto trabalha durante 0 dia. estuda anoite em uma pe- quena faculdade local de forma~ao de professores. Convo- cado aservir no Exercito. Apple. em fum;ao de sua forma~ao. acaba dando aulas durante sua experiencia militar. Gra~as a sua experiencia como docente no Exercito. quando retoma a vida civil. econtratado - mesmo sem ter concluldo 0 curso - para trabalhar como professor nas escolas de Paterson. Em seu trabalho docente. logo se envolve ativamente no sindicato local de professores. tomando-se seu pre- sidente. Uma vez concluldo 0 seu curso de forma~ao de professores e depois de exercer a docencia por alguns anos. Apple candidata-se e e selecionado para cursar 0 mestrado na Columbia University. em Nova York. no fa- moso Teachers College. Em Columbia. ele encontra uma realidade bastante diferente daquela que conhecera na gradua~ao. em uma pequena faculdade do interior do es- tado de Nova Jersei.Ele imediatamente percebe 0 imenso contraste de estar estudando em uma das mais prestigio- sas universidades do pais. localizada nas vizinhan~as de urn dos bairros mais pobres (na epoca) das regioes metro- politanas dos Estados Unidos. 0 Harlem. sem ter qualquer rela~ao com agrande comunidade negra elatina daquele bairro. Apple conclui 0 mestrado em 1968 e. dois anos mais tarde. 0 doutorado. ambos no Teachers College da Columbia University.marcado por uma s6lida forma~ao na area da sociologia eda filosofia. Sua tese econsiderada exemplar par seu orientador e. ainda em 1970. e contra- tado para trabalhar na area de currlculo na University of Wisconsin-Madison. Tres anos mais tarde. Apple ja tinha sido efetivado no cargo. algo que costuma levar de seis ou sete anos para se conseguir. Com apenas 34 anos. ja era professor titular. em uma carreira mete6rica. incomum para os padroes da carreira academica estadunidense. Nosanosque se seguem. Apple publica inumeros livros. que vao mudar. definitivamente. 0 campo do currlculo e da educacao em geral. Vale destacar Idealagia eCurrfcula. publicado em 1979. considerado por varios como sendo urn dos 25 mais importantes livros da educa~ao ocidental. Portodo seu trabalho na University ofWisconsin-Madison. desde 1970. Apple recebeu a distin~ao de ser nomeado para acatedra John Bascom. uma das poucas posi~oes de catedratico concedidas pela reitoria da universidade. Ap- ple eprofessor. simultaneamente. dos departamentos de Ensino eCurrlculo ede Estudos de Pollticas Educacionais na Faculdade de Educa~ao. Alem disso. tambem recebeu recentemente adistin~ao de World Scholar do Institute of Education da University of London. Reino Unido. 0 que 0 toma professor visitante na universidade em todos os ve- roes eurapeus. Alem de ter incontaveis distin~oes acade- micas euma lista extensa de publica~oes. Michael Apple eurn grande ativista politico.dedicando-se intensamente as lutas por justi~a social nas suas varias dimensoes:ra~a. classe. genera.sexualidade. Quando Apple econvidado a palestrarem uma universidade. quase sempreerequisitado (e sempre aceita) pelos ativistas dos movimentos sociais locais para reunir-se com eles eassessora-Ios. Considera esta uma parte crucial de seu·trabalho como intelectual. Por conta de seu envolvimento politico.ja foi preso na Co- reia do Sui (ainda que por urn breve perlodo). por desafiar aditadura local. Michael Apple vive em Madison. estado de Wisconsin.nos Estados Unidos. com sua esposa. Rima D. Apple (que tambem e professora da universidade). e pr6ximo aos seus dois filhos.Peter ePaul. esuas famnias. 111111111111111111111111111111111111111111111111111111111111111111111111111111111111111111111111111111111111111111111111111111 1+ Pedagogia Contemporanea
  • 15. Aanalise relacional em a~ao T ALVEZ 0 CONCEITO QUE melhor resuma a 'con- tribuic;:ao de Apple para o exarne da relac;:ao da educac;:ao com a sociedade seja 0 de ana- lise relacional ou situacional. Urn excelente texto para en- tender a concepc;:ao de Apple a respeito da analise relacional ou situacional e0 primeiro ca- pitulo do livro Politica Cultural e Educar;fIo. Em uma descric;:ao vfvida e repleta de elementos muito concretos, Apple mostra, claramente, 0 que esituar a edu- cac;:ao em seu contexto social e relaciona-la as multiplas dina- micas da sociedade (classe social e rac;:a, neste caso). Recontar a hist6ria de Apple ea melhor ma- neira de mostrar como este con- ceito ecrucial em sua obra e em suas atividades polfticas e como ele abre novas perspectivas para I OBRA DO ARTISTA japones Masato Nakamura. que criou diversas instala'roes envolvendo os arcos da rede americana McDonald's aqueles envolvidos neste campo. Nesse texto, Apple conta a hist6ria de uma viagem que ele fez a urn pafs asiatico. Na via- gem de carro entre 0 aeroporto e seu destino final, ele atraves- sou quilometros de campos com plantac;:ao de batatas. Na beira da estrada, em intervalos regula- res, havia placas com 0 sfmbolo da mais famosa rede de comida fast-food do mundo. No texto, Apple conta que ingenuamente perguntou ao seu colega ativista, que dirigia 0 carro, se havia urn restaurante daquela famosa rede ali por perto. 0 ativista respon- deu que eles estavam em uma zona rural e que 0 restaurante dessa rede mais pr6ximo ficava a pelo menos 50 km de distancia. Apple ficou intrigado e 0 colega ativista explicou-Ihe 0 que as piacas faziam ali. 0 governo da- quele pafs havia concedido gran- des isenc;:aes fiscais a corporac;:aes de agroneg6cio e, em especial, a urn dos grandes fornecedores de batatas daquela rede defast-food. Para acomodar aquelas grandes corporac;:aes, os camponeses que viviam ha gerac;:aes naquelas ter- ras, mas nao tinham a proprie- dade legal da terra, foram remo- vidos, em nome do progresso. Ora, estas famOias acabaram mi- grando para as cidades, inchando as favelas urbanas daquele pafs. A esta altura Apple, sabendo que seu colega era professor, come- c;:ou a perguntar-se que relac;:ao a hist6ria tinha com a educac;:ao; seu amigo ativista continuou a Pedagogia Contemporanea 15
  • 16. MICHAEl APPLE FOTOGRAFIA de Touhami Ennadre. artista frances. Apple diz que 0 processo que simultaneamente estabelece a cor branca como a norma e Hcria" 0 Houtro" racial e etnico. como todo aquele que nao se encaixa nesta norma. e 0 que define 0 conceito de branquidade 16 Pedagogia Contemporanea historia e deixou clara esta reia- yao. Com a isenyao fiscal, a arre- cadayao de impostos foi reduzida e as verbas para investir em edu- cayao comeyaram a rarear cada vez mais. As crianyas das favelas estavam sem escola (entre outros serviyos publicos).0 governo, no entanto, encontrou uma forma para nao sofrer a pressao da po- pulayao e da comunidade inter- nacional. Para que as crianyas pudessem ser matriculadas nas escolas publicas, elas precisavam ser registradas em hospitais ou em orgaos do governo, ambos bastante raros nestas localidades extremamente empobrecidas. Sem 0 registro de muitas crian- yas, os numeros oficiais de crian- yas sem atendimento escolar acabam ficando "sob controle". E o ativista termina a historia com uma frase que Apple enfatiza, para que entendamos a necessi- dade de ver a educayao de forma relacional. Ele diz que os cam- pos de plantayao de batata que Apple ve sao a causa da ausencia de escolas na periferia das cida- des. E insiste: nao ha escolas ali porque muitas pessoas gostam de batatas fritas baratas, vendi- das nessa rede de restaurantes. A o ANALISAR 0 EXEMPLO dessa hist6ria, Apple faz toda a teorizayao que ele propoe sobre educayao e socie- dade fazer sentido. Ele mostra uma grande habilidade de signi- ficar conceitos complexos como ideologia, hegemonia, senso comurn, ideologia, poder. Exa- minando como a construyao do "outro" se conecta a elementos de raya e classe, Apple e capaz de fa- zer algo que poucos conseguem: falar com a teoria e nao sobre ela. No caso espedfico da hist6ria, ele defende 0 usa do conceito de branquidade como crucial para estabelecer uma analise relacio- nal. 0 processo que simultane- amente estabelece a cor branca como a norma e "cria" 0 "outro" racial e etnico, como todo aquele que nao se encaixa nesta norma,
  • 17. eo que define 0 conceito de bran- quidade. Apple mostra como a branquidade se apresenta tam- bern espacialmente. 0 exemplo do pais asiatico e seus campos com plantavao de batata e suas favelas sem escolas mostra como ha uma profunda relavao entre consumir batatas fritas baratas nos paises do centro e as condi- responder a pergunta "como?", ou seja, qual a melhor forma de "transmitir conhecimentos" ou de criar comportamentos de ajustamento aos grupos sociais. Michael Apple, entao, propoe que a educavao e 0 currfculo de- veriam propor outras perguntas: "0 que?" e "para quem?". Estas novas perguntas, que nao tratam provem principalmente das teo- rias crfticas. Ao incorporar uma nova lin- guagem que enfatiza os aspectos ideol6gicos, as relavOes de poder e a relavao entre cultura e rela- vOes de produvao para 0 campo da educavao, Apple resiste a ape- nas importar as analises que ja estavam ligando a educavao a Para Apple, ecrucial perguntar: "0 conhecimento de quais grupos eensinado na escola?" vOes de vida nos paises da perife- ria. Como diz Apple, "consumir batatas fritas baratas e uma das expressoes maximas da bran- quidade". Apple retoma aqui, de alguma forma, 0 conceito de fetiche introduzido por Marx. Em Marx este conceito ajudava a entender 0 processo pelo qual a mercadoria parecia ter valor, quando na verdade 0 valor tinha sido agregado pelo trabalho hu- mano. Apple vai alem do conceito estritamente economico para en- tender as ramificavOes culturais (de rava, mais especificamente, neste caso) da fetichizavao mate- rial e simb6lica. Acontribui~io te6rica de Apple para aanalise relacional Em sua obra sobre 0 campo do currfculo e a educavao em geral- que ja tern mais de trinta anos de produvao ininterrupta -, Michael Apple propOe novas questOes que, sobretudo nas decadas de 1970 e 1980, estavam muito pouco pre- sentes na vida das escolas. 0 dis- curso educacional, mais especifi- camente no campo do currfculo, estava basicamente centrado em o conhecimento e as prciticas es- colares como dadas, mas como uma realidade a ser criticamente examinada, representaram uma ruptura com uma concepyao do- minante de currfculo, vigente naquele momento hist6rico. O QUE A OBRA DE ApPLE oferece a educavao nao e mais uma resposta a pergunta "como?", mas uma se- rie de novas perguntas e preo- cupavoes que problematizam 0 tecnicismo entao dominante no campo educacional. Para ele, 0 crucial e perguntar: "0 conheci- mento de quais grupos e ensi- nado na escola?", "por que este conhecimento?", "qual a relavao entre cultura e poder em educa- vao?" e "quem se beneficia dessa relavao?". Essas questoes nao tratam 0 conhecimento e as pra- ticas escolares como dadas, mas como uma realidade a ser critica- mente examinada. Ao propor es- sas novas questOes, Apple busca transpor os rfgidos limites esta- belecidos do campo do currfculo e importar uma nova linguagem a educavao, com conceitos que dominavao economica, como, por exemplo, 0 classico trabalho de Bowles e Gintis Schooling in Capitalist America (1976). A argu- mentavao de Apple esta baseada na ideia de que para tratar das complexas relavoes entre edu- cavao e sociedade e fundamental desenvolver uma nova lingua- gem que de conta da complexi- dade do tema em estudo. Para responder as perguntas que ele propOe ao campo do currfculo e da educavao como urn todo, Ap- ple incorpora conceitos como 0 de ideologia, hegemonia e senso comurn para 0 campo da reftexao sobre a educavao. Apple propOe uma discussao que pOe em xe- que 0 determinismo das analises economicistas - fundamentadas em uma vertente do marxismo - que falam da cultura e da edu- cavao como esferas ·diretamente determinadas pelas relavoes economicas. Ao incorporar uma analise marxista a analise da re- lavao entre a educavao e a socie- dade, Apple 0 faz trazendo uma vertente baseada no trabalho de Antonio Gramsci. Gramsci, com sua analise da hegemonia e do Pedagogia Contemporanea 17
  • 18. MICHAEL APPLE senso comum como conceitos centrais para entender a liga'Y3o entre as rela'YOes de produ'Yao e a esfera da cultura e do mundo simb6lico, trazia, segundo Ap- ple, uma analise rnais apropriada para entender 0 campo da edu- ca'Yao nas sociedades capitalistas. Essa vertente do marxismo que Apple incorpora asua analise e chamada de neomarxismo, pois ela incorpora a centralidade da cultura na analise do social, algo que as tradi'YOes marxistas nao haviam feito ate entao. E MBORA DEFENDA UMA posi'Y30 que enfatiza a importancia de entender as rela'Yoes economicas como centrais aestrutura'Yao das so- ciedades, Apple luta contra uma versao vulgar de marxismo que considera a cultura como urn mero reftexo da economia. Usando 0 conceito de hegemo- nia, Apple procura fugir de uma concep'Yao que ve as rela'Yoes economicas determinando dire- tamente e sem media'YOes a esfera da cultura. Usando os trabalhos de Antonio Gramsci e Raymond Williams (este tambem inftuen- ciado, em grande parte, pela ana- lise de Gramsci), Apple amplia 0 espectro de analise do campo de currlculo ao propor urn conceito de ideologia que se relaciona di- retamente com·os conceitos de senso comum e de hegemonia. Apple escreveu IdeoLogia e Curriculo em urn contexto no qual 0 conceito de ideologia tinha urn significado muito particular, extremamente inftuenciando por algumas tradi'YOes do marxismo. Na decada de 1970, trabalhos ba- seados em Althusser e no con- ceito de Aparelhos Ideol6gicos 18 Pedagogia Contemporanea do Estado retratavam a escola como uma mera instancia repro- dutora da ideologia dominante. Esta conceP'Yao tratava a ideolo- gia como urn conceito "no singu- lar", ou seja, a ideologia era vista como urn sinonimo das ideias da classe dominante e tinha urn carater urn tanto determinista. Os problemas com este enten- dimento, segundo Apple, e que ele nao capta as contradi'Yoes, sempre presentes no complexo processo de domina'Yao, e nao reconhece 0 papel que os sujei- tos (e nao meros objetos) tern na media'Yao e luta contra a domi- na'Yao ideologica e material. Ja em ldeologia e Curriculo, mas de forma mais pronunciada em suas obras posteriores, Apple oferece urn entendimento diferente do conceito de ideologia, que, alem de focar a reprodu'Yao, analisa 0 conftito, a contradi'Yao e as me- dia'YOes produzidas pelos sujei- tos concretos. Apple insiste que a ideologia nao deve ser entendida como uma "falsa consciencia" di- retamente imposta pelas rela'YOes economicas. Para Apple, a ideo- logia e parte da cultura vivida, encharcada de senso comum. O CONCErTO DE SENSO comum e outro que Apple traz ao campo do currlculo e da educa'Yao em ge- ral, para examinar como concre- tamente a domina'Y30 se produz e
  • 19. onde se pode identificar parte de suas contradi<;oes. As ideias que fazem parte do senso comum nao estao af porque alguem simples- mente for<;ou a sua entrada, mas porque elas fazem sentido para as pessoas nas suas vidas cotidia- nas. 0 senso comum e formado por diferentes ideologias, mas estas nao sao "falsas imagens" da realidade; sao concep<;oes de mundo imersas nas visoes de classe, ra<;a, genero. Apple e muito claro nisso: insiste que nao devfamos focar 0 que e falso em uma ideologia, mas 0 que e verdadeiro; ideologias que tern eficacia conectam-se com pro- blemas reais das pessoas, com a experiencia cotidiana delas. I PARA APPLE, "ideologias que tern eficacia conectam-se com problemas reais das pessoas, com a experiencia cotidiana delas" o senso comum e formado (mas nao de forma exclusiva) por ideologias hegemonicas, pois as classes (ou ra<;a, genero) dominantes sao capazes de apre- sentar sua visao de mundo como a forma "natural" de entender e operar na sociedade. Urn dis- curso se torna hegemonico por- que ele consegue ancorar-se em entendimentos ja presentes no senso comum e mobiliza-Ios, de modo que esta seja a (mica forma de ver e viver no mundo social. Apple nos ajuda a entender que este e urn processo em continuo movimento, no qual os g rupos dominantes precisam lutar para manter a lideran<;a da sociedade. Esta lideran<;a nao e garantida simplesmen te pela domina<;ao economica. Apple, valendo-se da contribui<;ao de Raymond Williams, usa a noc;ao de "sa- tura<;ao" para explicar 0 efeito No entanto, nao ha garantia de que a hegemonia, uma vez ob- tida, tenha uma longa dura<;ao ou se estabele<;a para sempre. Para construir lideran<;a, 0 bloco he- gemonico precisa conectar 0 seu discurso a vida pratica. Este e 0 trabalho cultural que0 bloco hege- monico tern de realizar constante- mente: estabelecer 0 seu discurso como aqueleque"fazsentido",algo que nao e visto como 0 discurso dominante, mas como a forma "natural" de pensar e proceder. A QUI HA, PARA A pP LE, uma importante cone- xao: essa ideia de "fazer sentido", de produzir formas naturalizadas de conceber as re- la<;5es sociais, esta diretamente relacionada ao conceito de senso comum. Nenhuma ideologia se torna dominante se nao esta, ao menos parcialmente, ligada ao senso comum de cada periodo hist6rico. Ou seja, Apple nos mostra como aquilo que a ide- ologia dominante promove nao e uma ideia totalmente estranha as pessoas nem uma realidade falsa. Uma importante parte da Nenhuma ideologia se torna dominante se nao esta ligada ao senso comum de cada pedodo hist6rico que e produzido sobre nossa consciencia: ao experimentar- mos cren<;as e formas de ver 0 mundo de forma pratica, essas tern 0 efeito de reforc;ar umas as outras e produzir urn efeito de realidade (mica. Esta e, para Ap- ple, a forma como a hegemonia se instaura. hegemonia e obtida exatamente quando 0 discllrso dominante consegue converter-se em senso comllm, quando 0 discurso do- minante e capaz de articular-se aos elementos de born senso pre- sentes no senso comum. Apple insiste que esta euma constru<;ao hist6rica e que 0 senso comum Pcdagogia Contcmporanca 19
  • 20. MICHAEl APPLE . nunca e totalmente conver- tido em discurso dominante. Na verdade, apesar de 0 senso comum ter sido "trabalhado" pelas classes dominantes, ele preservou suas caracterfsti- cas basicas: e fragmentado e contraditorio, perpassado por multiplas e diferentes ideolo- gias. A "colonizay30" do senso comum n30 e estavel ou per- manente: 0 senso comum e sempre uma arena de disputa. o usa que Apple faz dos conceitos de senso comum,ide- ologia e hegemonia nos ajuda a entender a complexidade das aIianyas hegemonicas. 0 usa que ele faz do conceito de blo- cos hegemonicos, ja em suas primeiras obras, mas de forma maneira mais explfcita e sofis- ticada em sua obra a partir do final da decada de 1980, Apple tern mostrado que n30 apenas a classe social, mas tambern as dinamicas de genero e raya tern urn papel central na ana- lise das alianyas hegemonicas e contra-hegemonicas e na propria manuteny30 destas. ocontrole do trabalho docente: as dinamicas de classe e genero A analise que Apple faz do trabalho docente e uma das grandes contribuiyOes do autor para 0 campo da edUCay30. Ao mostrarque e fundamen tal exa- minar a interSeCy30 das dina- micas de classe social e genero, Michael Apple oferece uma analise complexa da realidade do trabalho docente nas escolas mals lI1ClSlVa em seus livros mais recentes, 0 ajuda a ex- plicar 0 grande trabalho que precisa ser feito para construir e manter as alianyas. A analise dessas alianyas permite enten- der que examinar hegemonia e contra-hegemonia e mais complexo do que algumas cor- rentes marxistas simplificado- ras nos fazem crer. GRUPOS DOMINADOS tambem podem ser atrafdos para den- tro das alianyas hegemonicas e n30 e apenas a classe social destes grupos que determina esses movimentos. Desde seus primeiros trabalhos, mas de 20 Pedagogia Contemporanca ele inovou construindo urn referencial teorico mais com- plexo, que da conta das multi- pias dimensoes do controle do trabalho da profiss30 docente. Inicialmentc relacionando o processo de proletarizay30 (redUy30 dos salarios, separa- y30 crescente entre cOnCepy30 e eXeCUy30 no processo de tra- balho, aumento das formas de controle, com perda de auto- nomia) e a estrutura patriarcal (controle baseado na domina- y30 masculina), Apple mos- tra como a profiss30 docente, composta em sua maioria de professoras mulheres, tern sido controlada. Ele, no entanto, vai alem, para mostrar como
  • 21. as formas mais tradicionais de controle patriarcal, aquc- las nas quais as mulheres sao explicitamente controladas, por serem mulheres, tern per- dido espac;:o. A organizac;:ao e a resistencia dos movimentos feministas e das professoras mulheres nos sindicatos tern tornado mais dificil este con- trole abertamente patriarcal. o trabalho de Michael Ap- ple, usando a analise relacio- nal proposta por ele, avanc;:a muito ao demonstrar como 0 controle do trabalho docente se da de formas mais veladas e rnais eficientes. A profunda desconfianc;:a em relac;:ao aca- pacidade das professoras mu- lheres de ensinar os conheci- mentos cientfficos necessarios para a suposta manutenc;:ao da vantagem competitiva do sistema educacional estadu- nidense foi urn grande fator na criac;:ao dos currfculos "a prova de professoras". Como o controle nao podia mais ser explicitamente baseado no pa- triarcado, as formas de moni- toramento se deslocam para 0 campo do curriculo e para a intensificac;:ao do trabalho. Ap- ple mostra como 0 processo de retirada da capacidade de de- cisao sobre 0 que deve ser tra- balhado nas escolas somado a prciticas que agregam cada vez ESCULTURA DA ARTISTA francesa Louise Bourgeois. Apple afirma que "as formas mais tradicionais de controle patriarca!. aquelas nas quais as mulheres sao explicitamente controladas. por serem mulheres. tem perdido espa~o" mals elementos ao trabalho docente cotidiano sao fatores de controle sobre as professo- ras. Ao colonizar os discursos sobre profissionaliza<,:ao, que defendem 0 aumento da res- ponsabilidade dos professores e professoras, os grupos do- minantes contribuem para urn processo que gera 0 contrario da profissionaliza<,:ao: a des- qualificac;:ao intelectual. Sem tempo para planejarem suas aulas nem individualmente, muito menos coletivamente, muitas professoras acolhem os curriculos, que funcionam como verdadeiros roteiros da ac;:ao na sala de aula. E SSES CURRfcULOS, COMO urn script, ditam exa- tamente 0 que fazer, como fazer e quando fazer. Ci- tando as falas de professoras que lutaram historicamente pela profissionalizac;:ao, Ap- ple mostra como elas perce- bern que estao caindo em uma armadilha ao exigirem mais profissionaliza<,:ao, pois 0 que tern acontecido e a soma de mais tarefas e a perda da au- tonomia. Ao mesmo tempo, Apple mostra que, quando as professoras resistem com urn discurso que enfatiza 0 cuidado com os alunos, elas tambern sao julgadas por re- petirem exatamente 0 que os grupos dominantes, especial- mente aqueles que repetem urn certo discurso gerencia- lista dentro do Estado, denun- ciavam: a incapacidade dessas professoras de trabalharem os conhecimentos cientfficos. Em uma analise que trata as dinamicas de classe e de ge- Pedagogia Contemporanea 21
  • 22. MICHAel APPLE . nero em sua relayao, Apple mostra como 0 controle sobre 0 trabalho docente so pode ser entendido se tambem 0 controle do trabalho feminino e entendido. Mostrando as contradiyoes dos discursos de resist€mcia, mas tambem enfati- zando as vitorias historicas que as professoras tern conquistado, Michael Apple oferece uma ami- lise complexa da realidade do trabalho docente nas escolas. Urna nova visiio sobre urn "velho" conceito: ocurriculo oculto Outra contribuiyao central da obra de Michael Apple e a dis- cussao sobre 0 currfculo oculto. Examinando a literatura produ- zida sobre este conceito, Apple mostra que, de fato, este e urn tema central a ser examinado. No entanto, ele mostra que, na epoca em que ele escreveu suas primei- ras obras, a enfase era dada afor- mayao de habitos e prMicas auto- matizadas e nao conscientes, que pouco ou nada tinham a ver com o conhecimento trabalhado nas escolas. Assim, enquanto eram problematizadas (ou enfatizadas sedimentado de que os conheci- mentos escolares eram osconheci- mentos da humanidade sobre cada uma das disciplinas escolares, que nao havia por que analisa-los. A GRANDE CONTRIBUI<;AO DE Apple para a teorizayao do curriculo oculto e mostrar que as disciplinas esco- lares se consolidaram de forma a apagar urn processo central na historia de sua constituiyao: a "tradiy30 seletiva". Usando este conceito de Raymond Williams, Apple demonstra como aquilo que e definido como conheci- mento escolar e, na verdade, urn recorte, uma seleyao dentre a inumera variedade de conhe- cimentos produzidos por dife- rentes culturas em diferentes periodos historicos. Ou seja, 0 currfculo oculto nao e apenas urn fenomeno presente na gerayao de comportamentos, mas tam- bern na reproduyao nao questio- nada de conhecimentos escolares declarados como universalmente validos e neutros. Cunhando o conceito de "conhecimento oficial" (conceito este que da 0 A 16gica do consenso que irnpera nas escolas ajuda a produzir urn discurso de irnposs!bilidade de rnudan9as como positivas e centrais para a socializac;ao, como, por exemplo, nos teoricos funcionalistas) es- tas inclinayoes produzidas nos comportamentos dos alunos, 0 currfculo expHcito, aquilo que se "ensina" nas escolas, ficava sem exame. Era como se houvesse uma especie de consenso tao 22 Pedagogia Contelllporanca titulo a urn de seus livros), Mi- chael Apple trata de aplicar a ideia, ja presente no trabalho de Bourdieu, de que aquilo que a es- cola chama de 0 conhecimento e, na verdade, urn recorte. Este e, na verdade, urn conhecimento que se estabeleceu como oficial, rele- gando todas as outras formas de conhecimento aperiferia. Estas outras formas de conhecimento nem merecem receber 0 nome de conhecimento, sendo chamadas de "folclore" ou "saber popular", por exemplo. Apple, portanto, ao usar 0 conceito de currfculo oculto, con- tribui para a complexificayao do conceito: e preciso, para enten- der as dinamicas de reproduyao e produ·yao da escola, prestar atenyao a construyao de estra- tegias de ajuste (e tolerancia ao desconforto gerado pelo ajuste, como agrega Apple) baseadas na educayao do corpo e do intelecto. Mas tambern e crucial atentar para as dinamicas que reduzem os horizontes dos alunos ao tratar
  • 23. conhecimentos como neutros. Nesta linha, Apple tambem nos ajllda a entender dois olltros fenomenos da vida escolar, que contribuem para a produ<;ao e reprodll<;ao das rela<;oes de po- der, e suas multiplas dinamicas de dasse, genero e ra<;a. 0 pri- meiro e a deliberada elimina<;ao do conftito como componentt do processo educacional e 0 apaga- mento deste conceito na consti- tui<;ao da ciencia. Apple demons- tra como a l6gica do consenso que impera nas escolas ajuda a produzir urn discurso dominante de impossibilidades de mudan<;a. Ao mostrar de que forma as no- <;oes de ciencia e de estudos so- ciais usadas na escola eliminam o conftito como fonte de gera<;ao de novo conhecimento, Michael Apple mostra como a pnltica de identificar 0 conftito sempre negativamente e 0 consenso sempre positivamente ajuda a "saturar" 0 senso comum com categorias explicativas que ten- dem areprodu<;ao. C OMO OIZ ApPLE, QUALQUER resposta que nao apre- sente 0 consenso como es- truturador do social nao parecera "natural". 0 segundo e 0 papel da escolariza<;ao nao apenas como reprodu<;ao, mas como produ- <;ao tambem. As analises criticas do papel da escola na sociedade capitalista enfatizavam um papel MICHEL APPLE afinna que aquilo que edefinido como conhecimento escolar e. na verdade. um recorte. uma sele~ao dentre a inumera variedade de conhecimentos produzidos por diferentes culturas em diferentes periodos historicos reprodutor desta institui<;ao. Ou seja, a produ<;ao da sociedade ca- pitalista se dava na esfera da pro- du<;ao e a escola era urn local em que esta produ<;ao era repassada aos alunos: a escola era uma espe- cie de espelho das rela<;Oes de pro- du<;ao, em que a a<;ao de verdade ocorreria. Apple defende a ideia de que, mais do que apenas repro- duzir algo que foi produzido fora de seus muros, a escola e tambem uma esfera de produ<;ao das rela- <;Oes de domina<;ao, em suas mul- tiplas dinamicas. Isso quer dizer que e crucial estudar como, con- cretamente, ocorre esta produ<;ao das condi<;oes que mantem a so- ciedade capitalista e suas multiplas esferas de opressao funcionando. Mas tambem quer dizer que a es- cola e urn espa<;o em que se podem criar novas dinamicas, em que ha sujeitos concretos mediando a pro- dll<;ao da hegemonia, que e sempre urn processo e nunca um dado. Novos rumos Em seus trabalhos mals re- centes (um bom exemplo e 0 li- vro Educando a Direlta), Apple tern buscado entender 0 movi- mento que ele chama de "Nova Direita". Trata-se de urn con- junto de grupos que formam uma alian<;a entre neoliberais, neoconservadores, populistas autoritarios e a nova dasse me- dia profissional. Para Apple, essa Pedagogia Contel11porii nea 23
  • 24. MICHAEL APPLE aliaO/;:a e na verdade urn bloco hegemonico, ou seja, uma uniao estrategica de interesses que ga- rante a domina<;ao desse grupo. Os neoliberais buscam a intro- du<;ao da no<;ao de mercado em todas as esferas da vida social. A IDEIA t QUE SOMENTE pela introdu<;ao da com- peti<;ao entre as escolas, maior produtividade (entendida como melhores resultados com o uso de menores recursos) do trabalho em sala de aula e a pre- mia<;ao dos melhores indivlduos e que a educa<;ao superara a sua crise atual. Os neoconservadores buscam urn retorno a urn passado dito "perfeito", epoca em que os valores eram transmitidos sem problemas e a escola ensinava 0 "verdadeiro" saber; seu objetivo eo estabelecimento de padroes a serem seguidos por todas as es- colas. Os populistas autoritarios introdu<;ao da l6gica do mercado em todas as esferas do social. Esse grupo participa da alian<;a, pois depende da amplia<;ao do conhecimento tecnico gerencial que possuem para garantir sua mobilidade social. Nesse sentido, a eles interessa a desigualdade: suas credenciais tern mais valor se menos pessoas as detiverem. Segundo Apple, esses quatro grupos forjaram uma alian<;a estrategica, que nao e garantida para sempre e depende de uma constante rearticula<;ao. A riqueza da argumenta<;ao de Apple (baseada principalmente em Gramsci) esta no fato de que se entende essa Nova Direita nao como urn bloco coeso, mas como urn bloco em que ha con- tradi<;oes de interesses, mesmo que haja uma tregua temporaria para garantir os interesses co- muns desses grupos. Como diz Apple, se e verdade que os neo- Os neoconservadores buscarn reaver urn passado "perfeito'; ern que a escola ensinava 0 " verdadeiro" saber sao os fundamentalistas cristaos que querem impor sua visao reli- giosa conservadora na sociedade em geral e na educa<;ao mais es- pecificamente. Como diz Apple, eles querem urn retorno do seu Deus em todas as institui<;oes so- ciais. Finalmente, a nova c1asse media profissional eo grupo que proporciona os conhecimentos tecnicos de gerenciamento e avalia<;ao das pr<iticas necessa- rias amanuten<;ao da alian<;a do- minante, tais como 0 estabeleci- mento do consenso em torno da 24 Pedagogia Contemporanea liberais querem urn estado fraco e nao intervencionista, tambem e verdade que os neoconserva- dores demandam urn controle maior do Estado, inclusive com a elabora<;ao de urn currlculo nacional que congregue 0 paIs como urn todo em torno de uma pretensa cultura comum. Atra- yes de uma costura de interesses comuns, as contradi<;oes foram historicamente minimizadas. E essa alian<;a que vern produzindo o que Apple chama de moderni- za<;ao conservadora, ou seja, urn processo que "moderniza" 0 so- cial, mas nao para torna-Io mais justo e igualitario, mas sim para torna-Io mais conservador e re- produtor do status quo. Contudo, 0 ponto mais impor- tante da analise de Apple e que esses grupos nao se tornam he-
  • 25. gemonicos pOl'que fon,:am ou en- ganam as pessoas a acreditarem em uma determinada concep<;ao de mundo como sendo a melhor para operar a sociedade, mas por- que se conectam ao senso comum dessas pessoas e, nesse processo, con"encem-nas a acreditar nessa particular forma de ver e organi- zar 0 mundo. A analise de Apple busca nao simplificar 0 exame de llln fenomeno complexo como a cria<;ao de verdades sobre 0 so- cial; ele busca construir uma teo- riza<;ao que ajude a entender as varias media<;oes que ocorrem OPERARIOS NA TELA da artista brasileira Tarsila do Amaral. Para Apple, e fundamental "entender as tradir;oes politicas que constituem 0 imaginario de uma nar;ao" Pedagogia Contemporanea 25
  • 26. MICHAEl APPLE . nesse processo. Na entrevista que concedeu e que esta publi- cada na terceira edivao de Ideolo- gia e Curriculo, ao falar da tradi- vao crftica nos Estados Unidos, Apple mostra claramente como e fundamental entender as tra- divoes polfticas que constituem o imaginario de uma navao. Isso tambern pode ser transposto para a analise dos blocos hege- monicos formados em diferentes contextos nacionais, algo im- portante na implementavao da analise de Apple. Se quisermos entender como tais alianvas ope- ram em diferentes contextos, 0 caminho nao e buscar tais grupos Escola Cidada). Este e urn des- dobramento crucial da obra de Apple, pois trata de implementar concretamente 0 alerta que ele faz em sua obra ha varios anos: e fundamental nao apenas ana- lisar a sociedade, mas tambern transforma-la. Urn educador e pesquisador que enfatiza seu ativisrno politico Nao se pode concluir este breve passeio pela contribuivao de Michael Apple para 0 campo da educavao sem que se destaque a importancia que 0 seu ativismo politico e seu engajamento em lu- tamente 0 seu engajamento polf- tico e sua crenva de que a teoria precisa nos ajudar nao somente a entender a realidade, mas tambem a transforma-la, que tern feito com que ele critique algumas das inter- pretavOes pOs-modernas e pOs-es- truturalistas. Para Apple, e crucial nao esquecer a hierarquia que as relavOes de classe, genero e rava produzem, algo que e esquecido por algumas dessas interpreta- vOes simplistas quando declaram que os discursos criam a realidade que descrevem. Apple mostra que alguns destes discursos tern le- gitimidade e outros nem sequer sao ouvidos. E0 seu comprometi- Para Apple, um dos papeis cruciais da pedagogia crftica e transformar a educac;ao em nossa realidade, mas utilizar as ferramentas teoricas com- plexas forjadas por Apple para analisar as particulares relavoes entre diferentes grupos hege- monicos e contra-hegemonicos e a formavao de blocos especffica destes locais. M AIS DO QUE SIMPLES- mente entender como a Nova Direita vern operando, em suas ultimas obras, especiahhente naquelas que tern escrito em parceria com outros autores, Apple tern enfa- tizado 0 aspecto contraditorio da educavao como espavo social. Ele tern mostrado experiencias con- cretas de produvao de contra-he- gemonia, de contestavao, de con- tradivao e resistencia em alguns lugares do mundo (inclusive em Porto Alegre, na experiencia da 26 Pedagogia Conternporanea tas mundiais por uma sociedade e uma educavao maisjustas (que va- lorizem simultaneamente a neces- sidade da distribuivao igualitaria de bens materiais e simbolicos e do reconhecimento da diferenva) tern em sua trajetoria e em sua obra. Apple insiste que urn dos pa- peis cruciais da pedagogia crftica e transformar a educavao e nao apenas analisa-la. 0 compromisso politico de Apple tern guiado suas preocupavOes te6ricas, e sua cres- cente sofisticavao te6rica deriva de seu engajamento nas complexas questOes que envoIvern 0 campo da educavao e sua relavao com a sociedade mais ampla. Em suas buscas por uma teorizavao que tenha potencia para analisar estas complexas realidades contem- poraneas, Apple tern recorrido a alguns elementos das teorias pOs- estruturalistas. No entanto, e exa- mento com a necessidade de uma sociedade maisjusta que baliza sua analise sobre a teorizavao capaz de analisar de forma mais complexa a dominavao e as contradivOes. E M SEU ATIVISMO, ApPLE nao cai na tentavao de imaginar que, como in- telectual, tern a resposta para a avao transformativa. Em seus ul- timos escritos tern insistido que 0 papel dos intelectuais e tambem operar como "secretarios",dando visibilidade as praticas transfor- madoras ·construfdas por profes- sores e professoras em escolas concretas, em sua luta diaria. E crucial sistematiza-las, analisa- las, critica-las e aprender com seus acertos e erros neste pro- jeto de uma educavao mais justa. Os esforvos de Apple para construir uma teorizavao so-
  • 27. fisticada que permita construir estrategias concretas de trans- forma<;ao da sociedade e da edu- ca<;ao podem ser resumidos em uma frase de urn de seus livros (Power, Meaning, and Identity), em que define 0 que significa para ele buscar este equilibrio: "ser crftico, mas fundamentar esta crftica no reconhecimento das complexidades das escolas e dos atores que atuam dentro dela; pensar teoricamente, mas lutar para ser 0 mais claro pos- slvel; pensar criticamente ate mesmo sobre 0 mais radical tra- balho do nosso campo, mas ainda sim apoiar 0 que os membros da comunidade de estudos crfticos da educa<;ao estao fazendo para nos mostrar 0 que nao eramos capazes de entender antes de seus trabalhos". Apple tem mos- trado este equilfbrio em sua obra e, com seu trabalho, contribufdo grandemente para uma analise rnais complexa da educa<;ao e para praticas mais informadas e com maior capacidade de inter- ven<;ao social. ApPLE, Michael. Power, Mean- ing, and Identity: Essays in Cri- tical Educational Studies. New York: Peter Lang, 1999. (org.). The State and the Politics if Knowledge. New York: Routledge, 200S. ___; Au, Wayne; GANDIN, LUIS Armando (org.). The Routledge International Hand- book ifCritical Education. New York / Londres: Routledge, 2009. ___; BALL, Stephen; GAN- DI N, Lufs Armando (orgs.). The Routledge International Handbook ifSociology if Edu- cation. New York / Londres: Routledge, 2009. (org.). Global Crises, Social Justice, and Education: What Can Education Do? New York: Routledge, 2009. Em portugues ApPLE, Michael. Ideologia e Curriculo. sa. ed. Porto Alegre: Artmed, [ 1979J 2006. ___. Educa~iio e Poder. Porto Alegre: Artmed, [ 1982J 1989. ___. Trabalho Docente e Textos: Economia Politica das Rela~oes de Classe e Genero em Educa~iio. Porto Alegre: Artmed, [1986J 1995. ___. Conhecimento Oficial: A Educa~iio Democnitica numa Era Conservadora. Petr6polis: Vozes, [ 199SJ 1997. _____, BEANE, James (orgs.). Escolas Democniticas. Sao Paulo: Cortez, [ 1995J 1997. ___. Politica Cultural e Educa~iio. Sao Paulo: Cortez, [1996J 2000. ___. Educando a Direita: Mercados, Padroes, Deus e De- sigualdade. Sao Paulo: Cortez, [200lJ 200S. ___; BURAS, Kristen L. (orgs.). Curriculo, Poder e Lutas Educacionais - Com a Palavra os Subalternos. Porto Alegre: Artmed, [2005J 2008. Luis Armando Gandin edoutor (ph.D) em Educa~ao pela University of Wisconsin· Madison. Estados Unidos. Eprofessor de Sociologia da Educa~ao na Faculdade de Educa~ao eno Programa de P6s-Gradua~ao em Educa~ao da Universidade Federal do Rio Grande do SuI. Eeditor-chefe da Revista Educafao & Realidade eeditor da revista Curriculo sem Fronteiras. Entre suas publica~6es destacam-se Educafao Libertadora:Avanfos, Limites eContradifoes (Vozes. 1995). Educafao em Tempos de Incertezas, organizado com Alvaro Hypolito (Autentica, 2" ed., 2003/Didactica, 2003). . The Routledge International Handbook ofCritical Education, organizado com Michael Apple eWayne Au (Routledge, 2009/ArtMed, no prelo) e The Routledge International Handbook of Sociology of Education, organizado com Michael Apple e Stephen Ball (Routledge, 2009). Entrevista com Michael Apple ApPLE, Michael. "Reestrutura- <;ao Educativa e Curricular e as Agendas Neoliberal e Neo- conservadora: Entrevista com Michael Apple". Curriculo sem Fronteiras, v. 1, n. 1, 2001 [ Ois- ponfvel em <www.curriculo- semfronteiras.orgl "011isslar- ticlesl apple.pdf>. Acesso ern 20/ 10/ 2009]' Sobre Michael Apple WEIS, Lois; OIMITRIADIS, Greg; MCCARTHY, Cameron (orgs.). Ideology, Curriculum, and the New Sociology ifEdu- cation - Revisiting the Work if Michael Apple. New York: Routledge, 2006. . PARASKEVA, Joao M. "Michael W Apple e os Estudos [cur- ricularesJ Crfticos". Curriculo sem Fronteiras, v. 2, n. 1, 2002 [ Oisponfvel em <www.curri- culosemfronteiras.orgl vol2is- slarticlesl paraskevaconf.pdf>. Acesso em 20/ 10/ 2009]' I'eda~o~ja Contcl1lporanca 27
  • 28. II Urn historiador desafiando as conven<;5es Historicizar 0 sujeito permite reintroduzir a humanidade nos projetos sociais, pois torna visiveis e confrontaveis os sistemas governantes de ordem, apropria<;ao e exclusao por Cecilia Hanna Mate BIO_GRAFIA» QUEM ETHOMAS~CL.PJ.1K__EWLJL.LJIT...Z~?_____________ N ova-iorQuino.Thomas S.Popkewitz.69 anos. graduou-se em Hist6ria. eseus estudos no doutorado relacionavam Questoes do currl- culo com sociologia do conhecimento em um contexto das ciencias poifticas. Segundo 0 pr6prio autor. "e nessa intersec~ao Que reconheci aimportancia de uma ciencia social da escolariza~ao Que tenha um carater hist6rico". Atualmente. Popkewitz e professor no Departamento de Currlculo e Ensino na Universidade de Wisconsin-Madison. nos Estados Unidos. e gra~as as investiga~oes interdisciplinares Que realizou p6de problematizar e compreender as Questoes de mudan~a e poder presentes no processo de escolariza~ao . Seus estudos se preocupam em saber como 0 conhecimento produz verdades e nesse sentido como as pollticas edu- cacionais eas pesQuisas constroem e/ou narram concei- 28 Pedagogia Contemporanea tos eideias sobre ensino.escola.currlculo eforma~ao de professores.Seus estudos abrangem hist6ria.etnografia eestudos comparados sobre forma~ao de professores e reformas curriculares em varios palses da Asia. Europa. America Latina. Africa do Sui eEstados Unidos.Tem sido convidado para conferencias no Brasil desde os anos 1990 e dentre seus varios artigos e livros alguns deles foram traduzidos para 0 portu'gues eestao indicados ao final deste texto. Estudar seus escritos nos traz 0 ensejo de pensar a produ~ao do conhecimento sobre educa~ao - especial- mente reformas. currlculos e forma~ao de professores - como constru~oes feitas apartir de disputas erela~oes de poder. Na medida em Que esse conhecimento e pro- duzido cria-se uma rede organizadora de percep~oes. for- mas de responder ao mundo econcep~oes do eu. Desse
  • 29. • •• •• •• •• •• • • • • •I • l ' ••• " • •• " " ..• • •• •• • • • • • " • " .• •
  • 30. THOMAS S. POPKEWITZ modo 0 conhecimento sobre educa~ao que se configura no curriculo euma pratica politica. Thomas Popkewitz escreveu eeditou mais de 160 ar- tigos e25livros. Dois de seus livros - Paradigm and Ide- ology in Educational Research [Paradigma eideologia na pesquisa educacional) e Reforma Educacional: uma Po/(- tica Sociol6gica - foram premiados por sua contribui~ao aos estudos de educa~ao. Coordenou estudos comparati- vos nacionais sobre forma~ao de professores ereformas curriculares, particularmente relativos as questoes de inclusao social nos Estados Unidos e em varios paises da Europa, America Latina e Asia. Popkewitz tratou di- retamente desse tema em "Estatisticas educacionais como um Sistema de Razao: Rela~oes entre Governo da Educa~ao eInclusao eExclusao Sociais" (2001). em que afirma: "Embora seja um elemento importante das poli- ticas sociais preocupadas com as questoes de equidade, a problematica da equidade tambem obscurece de que maneira os sistemas de inclusao sao ao mesmo tempo sistemas de exclusao. Esse e 0 fardo que os numeros carregam na politica e pesquisa sociais. As fabrica~oes de agrupamento de pessoas constroem, normalizam e dividem pessoas, de modo adistinguir as caracteristicas de normalidade do que esta fora delas". Mais tarde,Popkewitz codirigiu um projeto de inves- tiga~ao sobre projetos educacionais governamentais e exclusao social (1999-2002). que envolveu nove paises, cujo financiamento veio da Uniao Europeia. Alem disso, dirigiu projetos comparativos que, historicamente e no ambito contemporaneo, examinaram reformas educacio- nais em um contexte global. Sua mais recente pesquisa refere-se a estudos culturais ede hist6ria da educa~ao e politicas globais/locais de conhecimento sobre siste- mas educacionais. Atualmente, esta escrevendo sobre a atual reestru- tura~ao escolar esua hist6ria,explorando os regimes de verdade produzidos pela pedagogia. Regime de verdade eum conceito utilizado por Michel Foucault (1926-1984) - pensador caro a Popkewitz - assim descrito na Micro- f{sica do Poder(1986): "Cada sociedade tem seu regime de verdade, sua 'politica geral' de verdade: isto e, os tipos de discurso que ela aceita e faz funcionar como verdadeiros; os mecanismos e instancias que permitem distinguir entre os enunciados verdadeiros e falsos, a maneira como se sancionam uns e outros; as tecnicas e procedimentos valorizados para a obten~ao da ver- dade; 0 status daqueles que tem 0 encargo de dizer 0 que funciona como verdadeiro". Assim, por essa 6tica, Popkewitz discute as reformas educacionais atuaisque reeditam os ideais iluministas - que 0 autor chama de cosmopolitismo - no sentido de considerarem a edu- ca~ao 0 caminho para a racionalidade e liberta~ao dos sujeitos diante dos determinismos, 0 que daria aos cida- daos possibilidades de participa~ao . Com essa refiexao, o autor examina 0 progresso americano e as reformas na educa~ao eciencias contemporaneas como sistemas que encarnam uma dupla tese: aesperan~a sobre 0 cos- mopolitismo por meio do qual as crian~as tornam-se fu- turos cidadaos do mundo e0 medo com rela~ao aqueles que nao se qualificam para tal participa~ao. 111111111111111111111111111111111111111111111111111111111111111111111111111111111111111111111111111111111111111111111111111111 Por que estuda-Io? S E CONSIDEKARMOS QUE NAS duas ultimas decadas as polfticas educacionais de vanos pafses implantaram re- formas curriculares e intervie- ram fortemente na formayao de professores, os estudos do autor contribuem para novas perspec- tivas de analise para esses ternas. Neste sentido, suas reftexoes po- dem oferecer ferramentas ade- so Pedagogia Conternporanea quadas para pensarmos como e por que foram construfdos os fundamentos das reformas - sob que condiyoes, movidos por qual tipo de contingencias - e as varias prliticas educacio- nais por elas geradas. Seus es- tudos, enfim, contribuem para pensarmos sobre 0 conceito de professor e de aluno que histo- ricamente as reformas ajudaram a produzir. Quanto ao professor e asua formayao, 0 autor proble- matiza essa funyao na sociedade contemporanea vinculando-a aos sistemas de gestao conce- bidos para 0 monitoramen to das ayoes desses professores. Trata-se, portanto, de uma leitura bastante oportuna nao s6 pela atualidade dos temas abordados, mas tambem por nos
  • 31. instigar a pensal' de olltro nlOdo sobre quest6es do campo da edu- ca~'iio que podem nos parecer SCI' tao naturais. A partir dos tftulos de seus estudos, tres temas se destacam - c niio pOI' acaso foram escolhi- dos para esse artigo - riforma, formar;:ao do prrifessor e currlculo. As indagaoes que form ula cm torno deles e um convite para acompanharmos seu pensa- mento. Sobre riforma 0 autor nos desafia: como viem.os a pensar a riforma da forma que pensamos? Acerca do curriculo pergun ta: como viemos a colocar os problemas sobre conhecimento escolar, crian- r;:as, ensino eavaliar;:ao daforma que fazemos? E, por (Il timo, 0 autor nos com'ida a reAetir sobre afor- mar;:ao de prrifessores ao dizer que RETRATO DE NAPOLEAO BONAPARTE fe~o pelo artista frances Jacques louis David. Para Popkewitz. a produlfao da hist6ria eum procedimento que implica escolhas e oplfoes. configurando-se numa pratica social Pedagogia Contcmponinca .'II
  • 32. THOMAS S. POPKEWITZ I AS MUDANCAS NO PERRL da fonna~ao de professores sao analisadas historicamente por Popkewitz "as atuais reformas americanas buscam padroes regulat6rios atraves da abertura das 'mentes' dos professores, retrabalhando as noc;oes de competencia, capa- cidade e conhecimento docentes [ ...]". Apresentando a discussao do autor sobre os temas da reforma e da formac;ao de professores e do curriculo, lembramos que as tres questoes estao imbricadas em 32 Pedagogia Conternporanca seus escritos ja que ao discutir a rifOrma como urn dispositivo de regulac;ao social a concebe tam- bern como urn dispositivo de flr- ma(iio do prifessor. Antes, porem, ao ordenar, classificar e definir 0 que sera pesquisado, 0 pesquisa- dor elabora 0 conhecimento, des- tacando certos detalhes, aspec- tos, epis6dios e sujeitos que lhe de tratarmos esses tres temas, de- parecem importantes, ao mesmo dicaremos 0 pr6ximo item ao con- ceiw de hiswria com 0 qual 0 autor fundamenta suas reflexoes. Conceito de hist6ria A hist6ria como uma ativi- dade te6rica que constr6i seus objetos a partir das escolhas que faz e pela forma como entende e categoriza os fenomenos e a refe- rencia pela qual 0 autor discute a produc;ao historiografica. Ou seja, tempo que minimiza outros. D ESTE MODO, A PRODUC;:AO da hist6ria e urn pro- cedimento que implica escolhas e opc;oes, configurando- se numa prMica social e carac- terizando-se por construc;oes de temas e abordagens. Na tentativa de compreendermos 0 conceito de hist6ria tratado pelo autor em relac;ao ao tema da educac;ao,
  • 33. e oportuno trazermos 0 exemplo apontado por ele sobre a "fabri- cac;ao" dos conceitos hist6ricos: "A crianc;a concebida como urn aprendiz tornou-se tao natural no final do seculo XX que e di- ficil pensar nas crianc;as como qualquer outra coisa que nao aprendizes. [ ..] 'a fabricac;ao' da crianc;a-como-aprendiz envolveu transformac;oes particulares no raciocfnio geral que agora asso- ciamos com modernidade. [ ...] o efeito das transformac;oes nas relac;oes institucionais, nas tecnologias e sistemas de ideias foi 0 de mudar a forma como a identidade devia ser 'vista', com- preendida e como se devia agir sobre ela". Com tal exemplo 0 autor nos ajuda a pensar como as denomi- nac;oes registradas pela hist6ria ramente interpretac;Oes de dados. Nossos princfpios para classificar o conhecimento escolar e 'racioci- nar' sobre ele corporificam pres- supostos te6ricos sobre como os objetos de estudo sao cons- titufdos no tempo e no espac;o". O CONCEITO DE HIST6RIA apresentado se vincula ao que 0 autor chama de prMicas discursivas, conceito que esta ancorado no pensamento de Michel Foucault, e que permite compreender que a linguagem opera significados, inventa sen- tidos, enfim, narra 0 passado elegendo alguns temas, pessoas, epis6dios,obscurecendo outros. A discussao sobre conceito de hist6ria trazido pelo autor e re- ferencia para sua analise de cur- riculo,ja que este e tambern uma Assim, as reftexOes em torno do conceito de hist6ria propostas pelo autor para pensar 0 curri- culo apontam para 0 fato de os objetos da escola como ensino, aprendizagem, avaliac;ao, curri- culo, nao serem meros detalhes; tern sido constitufdos historica- mente e incorporam sistemas de regulac;ao e poder, por isso preci- sam ser historicizados. Areforma E notavel a forma original como 0 autor trata a questao ao analisar as varias implicac;oes das reformas educacionais nas formas de ser de professores e alunos. Para isso, 0 autor utiliza alguns conceitos de Michel Fou- cault como governamentalidade (formas de gerir a populac;ao por meio da produc;ao de discur- Ensino e currlculo SaO construc;aes hist6ricas e incorporam sistemas de regulac;ao e poder carregam tambem sentidos de seu tempo indicando possibilidades a serem investigadas. Neste caso, a investigac;ao indica que a deno- minac;ao de "aprendiz" opera em dois sentidos: ao mesmo tempo que a necessidade da crianc;a "aprendiz" e efeito das tran:sfor- mac;oes nas relac;oes institucio- nais, nas tecnologias e sistemas de ideias, tambem traz efeitos no modo de "ver" e "conceber" a crianc;a e sua maneira de "ser", alem, tambem, dos efeitos na pro- duc;ao da subjetividade "daquela que aprende". 0 que 0 autor quer dizer com isso e que "as narrati- vas do passado sao mais que me- construc;ao hist6rica que implica relac;oes de poder e defesa de urn sistema de ideias, que por sua vez esta abrigado nos lugares que em determinados momentos os indivfduos ocupam nas are- nas sociais. A discussao sobre a forma como a hist6ria constr6i seus objetos, nas palavras do pr6prio autor, "permite-nos pen- sar sobre a forma como os dis- cursos corporificam princfpios estruturadores da prMica. [ ..] o discurso torna 0 que e possf- vel dizer e 'sentir', e, ao mesmo tempo, faz com que diferentes possibilidades deixem de ser se- riamente consideradas". sos que criam autorregulac;ao e constroem subjetividades) e re- gime de verdade, conceito acima destacado. Outro conceito im- portante utilizado pelo autor e o de regula~iio social, que e dife- rente do conceito de controle social que destaca as relac;oes de dominac;ao na escolariza- c;ao. Embora 0 autoi' afirme ser sensfvel as relac;oes estruturais pressupostas na literatura sobre controle social, sua preocupac;ao refere-se aos elementos produto- res de poder. Assim, relac;oes de poder para ele se configuram no conjunto de relac;oes e prMicas dentro das quais os indivfduos Pedagogia Contemporanea ss
  • 34. constroem sua subjetividade assumindo determinada identi- dade nas rela<;oes sociais. Assim, a reforma e urn instrumento que regulamenta 0 que e "razoavel" ou nao, 0 que e racional ou nao na arena escolar: 0 que dizer e como estar numa sala de aula, como organizar uma aula. E M "REFORMA EOUCACIONAL e Const ruti vismo", Popkewitz escreve a esse respei to: "0 foco central (da reforma) esta na forma como se organizam as capaci- dades e disposi<;oes dos pro- fessores e estudantes para com o conhecimento. Os discursos pedag6gicos normalizam as dis- posi<;oes e a capacidade dos indi- viduos, os quais passam a regu- lar a sua pr6pria conduta como atores 'autonomos'''. o autor problematiza 0 dis- cursu construtivista com base em pesquisas realizadas em va- rios paises, mostrando a presen<;a daquele discurso nas reformas pedag6gicas ao incorporarem uma tendencia democratica ao oautor problematiza 0 discurso construtivista com base em pesquisas realizadas em varios parses seu discurso pedag6gico. Com esse raciocfnio os professores deveriam ser profi ssionais "au- togovernados" com a rcspon- sabilidade de implementar as decisoes cu rriculares dentro dos limites estabelecidos pela reforma. Popkewitz nos diz, no mesmo artigo, que, "embora seja facil elogiar a autoatualiza<;ao que a pedagogia construtivista S4 Pedagogia Contelllponlnca alega fornecer a cada individuo, ficam evidentes certas rela<;oes de podcr. Um dos elementos na produ<;ao de poder e0 obscuran- tismo das bases hist6ricas e so- ciais do conhecimento". Isso significa naturalizar 0 conhecimento produzido que chega aescola e trata-lo somente como uma questao de metodo pedag6gico, ou seja, de buscar as m(Jltiplas formas de ensinar e aprender desse conhecimen to. o autor 'chama de "alqu imia" 0 processo de transfo rma<;ao do conhecimcnto em materia esco- Jar, como e0 caso, segundo ele, da ciencia e da matematica tra- tadas como "coisas" uniyersais da l6gica e nao sistemas de ra- ciocfnio que sao historicamcnte formados e contestados, formu-
  • 35. lados e questionados. E 0 que e mais importante na reflexao proposta por Popkewitz e que "a 'alquimia' deixa de questio- nar 0 fato de que as categorias disciplinares das materias esco- lares sao, elas pr6prias, reIJre- senta<,:oes que sao socialmente construfdas e 'inculadas a uma configura<,:ao saber-poder - isto e, a matematica, as ciencias, as ciencias sociais sao constitufdas de metodos rivais e paradigmas multiplos para governar a forma como 0 mundo deve ser visto, compreendido e transformado". Em ReJortna Educacional: uma Politica Sociol6gica, livro publicado no Brasil em 1997, Popkewitz desenvolve urn longo e aprofundado estudo sobre 0 tema da reforma, iniciando por uma analise mais conceitual na qual discute poder, conheci- mento e escola. Nos capftulos seguintes, anali sa hi stori ca- mente a constru<,:ao do ensino no seculo XIX, passando pela esco- lariza<,:ao de massa, pela polftica de forma<,:ao do professor, pelas propostas da decada de 1980. Mais adiante, 0 autor analisa as ciencias educacionais cognitivas como forma de conhecimento INTERVENCAO URBANA do artista brasileiro Alexandre Orion. Para Popkewitz : "Nos sistemas de linguagem estao embutidos valores. prioridades edisposi~oes que sao elementos ativos na constru~ao do mundo" e poder: neste ambito discute pesquisas sobre 0 pensamento do professor direcionadas pelo Estado acompanhadas por uma descontextualiza<,:ao e reformu- layao do conhecimento (cha- mada pelo autor de "alquimia", conformeja comentamos). 0 au- tor dedica um dos ultimos capf- tulos do referido liTOaquestao da formac;ao de professores e ao profissionalismo presentes nas reformas contemporaneas: neste sentido, aponta uma importante tendencia dos governos estatais no monitoramento e na altera- c;ao dos programas dos cursos de formac;ao de professores na universidade. De fato, trata-se de analise que busca apreender outra curiosa dimensao das re- lac;oes de poder que ocorrem na escola por meio do professor. A o FINALIZAR 0 ESTUDO, 0 autor retorna a ana- lise te6rica com a qual InICIOU 0 trabalho, salientando qlle 0 conceito de reforma nao possui lim significado ou defi- nic;ao essencial e nem carrega lllll sentido de progresso - mas sim implica relayoes sociais e de poder. Neste sentido, concebe a reforma como parte do processo de regulac;ao social, lima vez que ativa elemen tos presentes nas capacidades indi'iduais, social- mente disciplinadas, que acabam se revelando desde a organiza- Pcdagogia COl1telllporanca 35
  • 36. THOMAS S. POPKEWITZ c;ao das instituic;oes ate a orga- nizac;ao das percepc;oes e expe- riencias dos indivfduos - base de suas ac;oes. It importante registrar que as amilises de Popkewitz neste estudo sobre reforma referem- se aos Estados Unidos. Porem, suas reftexoes foram ampliadas em varias oportunidades, nao s6 em estudos sobre reformas em que a construc;ao da profissao foi acompanhada de uma frag- mentaria aquisic;ao de informa- c;ao e de formac;ao intelectual, condic;oes obscurecidas pelo discurso de valorizac;ao da pro- fissionalidade. A burocratizac;ao do trabalho do professor e parte intrfnseca tambem do currlculo e neste sentido 0 autor cita 0 exemplo da evoluc;ao dos livros Muitas das reformas do final do seculo XIX desenvolveram a burocracia em nome da profissionalizagao paises da Europa, Africa e Ame- rica Latina, como tambem em suas conferencias no Brasil, nas quais 0 tema pode ser debatido e confrontado, a fim de permitir apreensoes nos modos de produ- zir padroes sociais por meio de reformas escolares. Formalfiio do professor Em as Prqflssores e sua For- ma(iio, articulando 0 tema dis- cutido acima com 0 da formac;ao do professor, Popkewitz analisa a reforma como um modo de go- verno do prqflssor, ja que "muitas das reformas do final do seculo XIX desenvolveram a burocra- cia em nome da profissionaliza- c;ao. As pratica:; padronizadas de recrutamento, as politicas de avaliac;ao dos professores dimi- nufram as esferas da autonomia e da responsabilidade docente, como resultado de uma cres- cente racionalizac;ao da didatica e da organizac;ao escolar". o autor elabora sua analise numa perspectiva hist6rica, 0 que nos permite compreender S6 Pedagogia Contemporanea de leitura, comparando aqueles utilizados nos anos 1920 (con- tendo artigos e bibliografia es- pecializada para professores) aos utilizados nos anos 19iO, nos quais "as lic;oes dos professores eram integralmente transcritas, com cerca de quatro paginas de detalhes diarios, especificando 0 que dizer, como estar na sala de aula, como organizar uma aula e como avaliar os alunos". E SSAS MUDAN<;AS NO PERFIL da formac;ao de profes- sores sao analisadas historicamente pelo autor, que destaca momentos e contextos muito semelhantes as reformas de educac;ao que tivemos no Bra- sil. It 0 caso da problematizac;ao que elabora sobre as primeiras decadas do seculo XX, quando as ciencias pedag6gicas dao 0 tom as reformas no sentido de adapta-las ao momenta hist6- rico de imigrac;ao e de formac;ao da nac;ao, dando enfase a educa- c;ao moral e a socializac;ao para 0 trabalho. Esse enfoque permite reftetir tambem sobre outros contextos, como 0 perfodo de reformas que tivemos nas de- cadas de 1920 e 1930 em varios estados brasileiros, marcado pol disputas entre diferentes modos de pensar a educac;ao e a escola,
  • 37. e de governar condutas. Acompanhando a inftuencia das reformas no conceito de for- ma<;ao de professores, Popkewitz aborda a psicologia cognitiva educacional como uma forma de regula<;ao social que busca OBRA DO ARTISTA brasileiro Nelson Leimer.Popkewitz afirrna que "nos sistemas de linguagem estiio embutidos valores, prioridades e disposilroes que sao elementos ativos na construlr80 do mundo" que 0 desejo de produzir novos graus de liberdade e autonomia dos professores, gra<;as as Ci- encias da Educa<;ao, tenha pro- duzido historicamente efeitos contnirios no que diz respeito as suas responsabilidades. A s NOVAS TECNOLOGJAS EM desenvolvimento ten- dem a acentuar a re- gula<;ao das vidas do professor, atraves de urn processo de indi- vidualiza<;ao que 0 sujeita a in- terminaveis supervisoes feitas por si pr6prio e pelos outros [ ..J. As Ciencias de Educayao [ portantoJ devem ser conside- radas como parte integrante do processo de regula<;ao social". A partir das problematiza<;Oes elaboradas sobre forma<;ao de professores, Popkewitz nos pro- .g &: pOe uma reftexao final que busca ~ se opor ao pensamento salva- ~ " cionista e redentor. Para isso ele !a; =~ co ~ Q; z _.-.9 retoma alguns princfpios ilumi- nistas que informaram a episte- mologia social da reforma, como a fe na razao e na racionalidade capazes de levar as pessoas a as- sumirem responsabilidades por si mesmas. Esses princfpios fizeram com que a educa<;ao escolar rece- besse a incumbencia de realizar tal projeto social. Porem 0 repen- sar crftico da tradi<;ao iluminista - designado pelo autor como p6s- modernismo - diante dos varios investigar como os professores pensam para, enUio, construir estrategias de supervisao e mo- nitoramento do trabalho pnitico escolar. Neste sentido 0 autor comenta na mesma obra: "Nao deixa de ser ir6nico, no entanto, Pedagogia Conternporanea S7
  • 38. "QUANTO ANOCAO de regula~ao. Popkewitz diz que nao se trata de atribuir valor moral aregula~ao criada pelo curriculo. iii que todas as situa~oes sociais criam restri~oes aill'dividualidade" conftitos sociais, vividos nao s6 na pnitica escolar, mas em outras arenas institucionais, indica que por mais que nossos ideais quei- ram imprimir valores aparente- mente transcendentais, como as no<;oes de democracia, justi<;a e igualdade, 0 currlculo e uma 38 Pedagogia Contclllporanea pr<itica socialmente construfda. o autor chama a aten<;ao para 0 fato de reconhecer que a aprendi- zagem esta enraizada em rela<;oes de poder e, desse modo, aponta para a responsabilidade profissio- nal de compreender a pedagogia como contendo visoes de mundo e a<;oes pr<iticas, a fim de pro- duzir e reproduzir esse mundo. ocurriculo Popkewitz traz um conceito de currlculo que remete aorga- niza<;ao do conhecimento escolar como forma de regula<;ao social, o que sig nifica que 0 currfculo tern efeitos sociais e subjetivos. Ou seja, urn conhecimento que organiza as percep<;oes (pen- sar), as formas de responder ao mundo (agir) e as concep<;oes do eu (sentir). P A RA D1 SCUTIR 0 TEMA DO currlculo, em um de seus primeiros textos traduzi- dos no Brasil- "Hist6ria do Cur- rlculo, Regula<;ao Social e Poder" (1994) - , Popkewitz come<;a por problematizar questoes atuais da educa<;ao, como a riforma escolar,
  • 39. jei comentadas aqui. Utiliza tam- bern 0 conceito de epistemologia social (ou discurso ou praticas discursivas): "A epistemologia social fornece uma forma de ana- lisar as regras e os padroes pdos quais 0 conhecimento sobre 0 mundo e formado e pelos quais as distinyoes, as categorizayoes que organizam as percepyoes, as formas de responder ao mundo e as concepyoes do 'eu' sao for- madas atraves de nosso conheci- mento sobre 0 mundo. [ ..J Uso a expressao epistemologia social como uma forma de tornar 0 conhecimento corporificado no currfculo escolar acessfvel ain- vestigayao socioI6gica". o pensamento de Popkewitz coloca como problema conceitos que no universo do discurso e pratica escolares sao considera- dos como categorias naturais e descritivas da escolarizayao e so- bre as quais e preciso, portanto, yoes que sao elementos ativos na construyao do mundo". As reftexoes propostas pelo autor para discutir 0 currfculo remetem ao surgimento da es- cola de massas, uma invenyao do seculo XIX. Assim varias mu- danyas se conjugaram - no en- sino da sala de aula, na criayao de instituiyoes para formar profes- o conceito de currlculo remete a organizaQao do conhecimento escolar como forma de regulaQao social se perguntar por que, como e quando se instauraram e se tor- naram comuns. Desse modo, 0 autor busca problematizar con- ceitos sobre escola, educayao, professor, aluno, avaliayao; en- fim, conceitos que envolvem 0 currfculo, indagando sobre sua construyao na hist6ria. Ou seja, procura contextualizar essas de- nominayoes, 0 que significa, para ele, coloca-las na arena das lutas para ordenar e definir os objetos do mundo, pois, como vimos, es- sas definiyoes formam discursos, linguagens que explicam as coi- sas, narram os acontecimentos, dando a eles significados. Neste caso cabe urn esclarecimento do autor sobre 0 conceito de lingua- gem de que trata: "A linguagem, entretanto, nao se refere apenas a palavras e afirma<;oes. As re- gras e padroes pelos quais a fala e construfda sao produzidos em instituiyoes sociais, enquanto as praticas sociais moldam e mo- delam aquilo que e considerado verdadeiro e falso. Nos sistemas de linguagem estao embutidos valores, prioridades e disposi- sores, a emergencia da uniyersi- dade moderna, 0 surgimento das Ciencias Sociais e da disciplina Psicologia - situando-se a esco- larizayao no ambito dessas mul- tiplas arenas. A complexidade dessa conjunyao de fatores no aparecimen to da escolarizayao nos dei uma dimensao do pro- cesso de construyao de regras para a prMica escolar, como e por que essas regras mudam ao longo do tempo. P OPKEW I TZ ABORDA AS "teorias" de currfculo - parte de projetos de re- forma educacional da virada do seculo XIX para 0 XX - como sistemas de ciencias e tecnolo- gias que gO"ernam a forma das crianyas de "se" compreenderem (quem elas "sao" e 0 q'ue "sao" na sociedade): seria 0 "governo do eu". Trataya-se, entao, de bus- car como construir esse "novo" indivfduo por meio da educayao escolar. Um indivfduo que pu- desse se autorregular. Trata-se da nOyao de governamentalidade de Foucault, ja mencionada an- Pctlagogia Contemporanca 39
  • 40. THOMAS S. POPKEWITZ 40 Pedagogia Contemporanea
  • 41. CRIANCA NA PINTURA do artista brasileiro Rodrigo Bivar. Para Popkewitz, a historia do presente esta em explorar as mudan~as epistemologicas. cientificas esociaisque produzem os principios Hreguladores"de identidades. por exemplo. do que eser menino ou menina teriormente e que corresponde a multiplas pnhicas de inter- venyao e reformas estatais que a partir do seculo XIX sao confi- guradas por regulayao e coorde- nayao de comportamentos. Para a governamentalidade, ou arte de governar, tornou-se crucial es- tabelecerem-se procedimentos, dilculos, analises que definissem os indivfduos como populayoes. agregados estatfsticos que atri- bufam apessoa urn 'crescimento' ou 'desenvolvimento' a ser moni- torado e supervisionado". Quanto anoyao de regulayao, Popkewitz diz que nao se trata de atribuir valor moral aregula- yao criada pelo currfculo, ja que todas as situayoes sociais criam restriyoes a individualidade. Porem entende que a regulayao criada pelo currfculo merece uma analise especffica e em dois nfveis: I. 0 que deve ser conhe- cido: neste sentido lembra que a seleyao molda e modela a forma como os eventos sociais e pesso- ais sao organizados para a refte- xao e a pratica. Nao ha neutrali- dade, portanto, nas informayoes selecionadas pelo currfculo ja que sao os instrumentos a partir jetivos, e a administrayao de tes- tes de rendimento para avaliayao do sucessolfracasso escolar. S E POR UM LAOO 0 AUTOR aponta a escola e 0 currf- culo como dispositivos de regulayao social, por outro traz reftexOes que apontam outros sig- nificados no sentidode abrir novos sistemas de possibilidades. Nesse sentido, podemos admitir junto com 0 autor que, como 0 "sujeito" e uma construyao hist6rica e 0 currfculo e constitufdo por con- tingencias hist6ricas, e possfvel pensarmos e fazermos 0 currfculo de outra forma, ja que a "estrate- gia de historicizar 0 sujeito e uma estrategia de reintroduzir a hu- manidade nos projetos sociais ao tornar visfveis e confrontaveis os Eposslvel fazer 0 currlculo de outra forma, ja que ele econstituldo por contingencias hist6ricas Importantes na construyao das praticas da arte de governar fo- ram as Ciencias Sociais, nao s6 em relayao a conceitos morais e polfticos (re)classificados como cientfficos, como tambem nas praticas de pesquisa definindo problemas, criando conceitos e teorias, como ainda pela inven- yao da estatfstica - por meio da qual se construfram agrupamen- tos e interesses sociais. C ONFORME OIZ 0 AUTOR: "0 raciocfnio populacio- nal como pensamento social produziu novas formas de individualidade, uma individua- lidade na qual a pessoa e definida normativamente em relayao a dos quais se definirao os proble- mas; 2. As regras e padroes que guiam os indivfduos ao produzi- rem seu conhecimento sobre 0 mundo: 0 autor destaca que esse nfvel e fundamental para com- preender as escolas, pois oferece parametros de como conhecer (a forma de perguntar, pesquisar, organizar e compreender como sao 0 seu mundo e 0 seu "eu"). Enfim, essas regras e padroes sao produtoras de tecnologias so- dais que legitimam 0 que e ra- zoavel/nao razoavel como pen- samento, ayao, autorreflexao. Outros exemplos de tecnologias sociais sao: a organizayao do en- sino atraves do planejamento, seguindo uma hierarquia de ob- sistemas governantes de ordem, apropriayao e exclusao. Meu foco nao consiste em eliminar as pra- ticas de mudanya social, mas em desafiar as convenyOes nas quais essas praticas ocorrem, em tornar problematico 0 sujeito que tern sido tao central a pesquisa mo- derna e seus efeitos regulat6rios". Apontamentos sobr~ importantes trabalhos do autor Sobre 0 estudo denominado Lutando ern Defesa da Alrna - a Politica do Ensino e a Constru~iio do Pr~ssor(2001), as palavras do autor sobre 0 livro sao suficientes para avaliarmos a importancia das reftexoes que trazem: "Este livro desafia algumas noyoes so- Pedagogia Contemporanea 41
  • 42. THOMAS S. POPKEWITZ bre pesquisa de politica, avalia- c;ao e ensino. Uma suposic;ao que esta por tras de grande parte do discurso contemporaneo sobre 0 ensino e que ha caminhos racio- nais para a salvac;ao - a escola eficaz, 0 professor eficiente e au- tentico. 0 mundo e visto como sendo baseado na certeza e em praticas organizadas com logica. crianc;a e 0 professor cosmopolita. Sustenta que 0 cosmopolitismo produz ansiedades e deslocamen- tos particulares, cujos prindpios qualificam e desqualificam os indivfduos para a participac;ao e a ac;ao. Para tanto, efetua uma apresentac;ao sintetica sobre 0 co- nhecimento da escolarizac;ao que delineia 0 professor e as reformas Popkewitz questiona OS pressupostos do cosmopolitismo que permeiam as atuais reformas curriculares Porem, quando examinamos as praticas de formulac;ao de politi- cas e de pesquisa, nao encontra- mos seguranc;a moral, polftica e cultural. A promessa de pesquisa e avaliac;ao da escola nao esta em prognosticar 0 que deve ser feito para ajudar os 'outros', mas em compreender a polftica do co- nhecimento que produz os te- mas da reforma. Dizendo isso de maneira urn pouco diferente, ha uma forte tendencia reformista na vida intelectual que 'diz' que ideias devem ser usadas nos pro- jetos polfticos. Este estudo su- gere que as ideias inserem proje- tos polfticos e que urn dos papeis das prMicas intelectuais e ques- tionar 0 dogma reinante sobre 0 significado intelectual dos atores e as regras do progresso". No artigo "Reconstituindo 0 Professor e a Formayao de Pro- fessores: Imaginarios Nacionais e Diferenc;a nas Praticas da Es- colarizac;ao" (2001), Popkewitz procura extrair urn inventario das praticas de reforma para diagnosticar seus sistemas de ra- zao, que geram prindpios sobre a 42 Pedagogia Contelllponinea da formayao docente nos Estados Unidos, com 0 propOsito de diag- nostico, historicizando 0 saber escolar como pratica cultural que encerrae confina as possibilidades de ac;ao e de participac;ao. Para ele tal diagnostico, entretanto, per- mite mostrar que a contingen- cia deste arranjo torna posslvel o jufzo de inscric;oes e arranjos presentes, de modo a abrir espac;o para outras alternativas. E M SUA ULTIMA PUBLICAC;;AO, ja traduzida para 0 espa- nhol, El Cosmopolitismo y la Era de la Riforma Escolar (2009), Popkewitz discute as possibilidades de escolarizaC;;ao nas sociedades modernas. Ana- lisa as reformas educacionais dos seculos xx e XXI pela otica do que ele chama de cosmopolitismo, o ideal da Ilustrac;;ao segundo 0 qual a educac;;ao e 0 melhor meio de tornar lllna pessoa racional, livre de determinismos e, por- tanto, com inllmeras possibilida- des de atuac;;ao e participayao. 0 livro e dividido em duas partes, nas quais 0 autor investiga as di- ferentes polfticas educacionais na historia. Na primeira, analisa as reformas educacionais inspiradas em Dewey, Thorndike enos pri- meiros sociologos da educac;ao. Na segunda, coloca sob suspeita os pressupostos do cosmopolitismo presentes nas atuais reformas curriculares e as polfticas de in- dicadores que as acompanham e reforc;;am sua logica. Como parte dessa tendencia aponta tambern os programas de formac;ao de professores e as atuais investiga- c;oes sobre educac;ao. Neste sen- tido discute como, por meio de analises, soluc;oes particulares e pIanos de ac;;ao, se buscam cons- truir modelos de pessoas "razoa- veis". A historia do presente esta em explorar as mudanyas epis- temologicas, cientfficas e sociais que produzem os princfpios "re- guladores" de identidades, por exemplo, do que e ser menino/ a, como devem ser e quem nao se ajusta a esses parametros. Para justificar seus argumentos, Popkewitz recorre as investi- gac;oes de uma ampla gama de disciplinas e fontes emplricas e historicas. Para ele, 0 usa de fontes primarias do passado e do presente serve para compreen- der as distinc;;oes, diferenciac;oes e divisoes por meio das quais se produzem,ordenam e classificam as func;oes e praticas escolares. Cecilia HaM a Mate edoutora em Hist6ria da Educa~ao eprofessora da gradua~ao. licenciatura e p6s-gradua~ao da Faculdade de Educa~ao da USP. Desenvolve pesquisas em Didatica eHist6ria da Educa~ao. Publicou. entre outros: Tempos Modernos na Escola: os Anos 30 eaRacionalizafao da Educafao Brasileira (Eousc/INEP. 2002); "0 Manifesto de 1932 ea Educa~ao para aAuto-Disciplina" (Rafzes da Modernidade. Ativa. 2004); "0 Coordenador Pedag6gico eas Rela~6es de Poder na Escola" (O Coordenador Pedag6gico e oCotidiano da Escola. Loyola. 2006)