O documento descreve a política externa expansionista dos Estados Unidos na América Latina no início do século XX sob a liderança de Theodore Roosevelt. O Corolário Roosevelt à Doutrina Monroe permitiu intervenções dos EUA para promover a "diplomacia do dólar", usando a força para proteger os investimentos e empréstimos de Wall Street na região e limitar a autonomia dos vizinhos latino-americanos.
1. Estados Unidos
O Corolário Roosevelt e a Diplomacia do Dólar
O presidente Theodore Roosevelt, um homem que durante sua administração
(1901-1909) combateu os grandes trustes da economia norte-americana, foi,
simultaneamente, um implacável expansionista. Na sua visão política, ao tempo em
que ele enfrentava os gigantes empresariais dentro de casa, ele também o devia fazer
fora, desmoralizando as oligarquias latino-americanas, suas vizinhas a quem
considerava uma variante do banditismo. Profundamente convicto da missão dos
Estados Unidos num mundo corrupto, ele recorreu a uma política externa agressiva
que lhe deu o controle do Golfo do México e Mar do Caribe, recorrendo para tanto ao
corolário que tomou o seu nome, abrindo os mercados do continente às práticas da
chamada "diplomacia do dólar".
Teddy Roosevelt, estadista e
Atritos com os europeus guerreiro
As sucessivas intervenções dos Estados Unidos na América Central e nas ilhas
do Caribe, ao longo do século XIX, muitas vezes não passavam de estripulias de
flibusteiros. Havia a necessidade de algum ato oficial que desse estatuto jurídico ao
papel político norte-americano na região. A oportunidade surgiu com o bloqueio que
as forças navais conjuntas com a Inglaterra, Itália e Alemanha aplicaram aos portos
da Venezuela em dezembro de 1902. O ditador Cipriano Castro, denunciando os juros
como extorsivos, absolutamente lesivos aos interesses nacionais, recusara-se a
reconhecer as dívidas venezuelanas para com os banqueiros europeus. Num sistema
financeiro que não possuía instituições que permitissem a ação de mecanismos legais
de cobrança, os bancos de então mobilizaram as forças-tarefas de seus respectivos
países. Contando com o consentimento do Departamento de Estado norte-americano
para realizar a operação de execução de cobrança, o bloqueio aos portos
venezuelanos, realizado pelos navios da esquadra italo-anglo-germano, atingiu
Cipriano Castro, resistiu à proporções dramáticas quando os canhões alemães bombardearam o Forte de S.
extorsão
Carlos e destruíram uma cidade da beira do Caribe, em 1903. E, para desgraça dos
Venezuelanos, em 1904 o Tribunal de Haia ainda deu razão aos que faziam o bloqueio.
A doutrina Drago e o corolário Roosevelt
Este acontecimento provocou duas reações. De um lado, os latino-americanos apoiaram a chamada
Doutrina Drago, proposta pela Argentina no Congresso Panamericano de 1906, que, retomando a Doutrina
Calvo, implicava na supressão do uso da força para exigir o pagamento de dívidas entre nações e, de outro,
Roosevelt elaborou um corolário à Doutrina Monroe. Os Estados Unidos tinham que agir. Como ativo candidato
ao protetorado do Novo Mundo, não poderiam doravante assistir impassíveis às manobras de uma frota naval
européia, armada até os dentes, agindo em águas consideradas fundamentais para a potência do Norte.
Aceitando a sugestão do primeiro-ministro inglês, Arthur Balfour, segundo a qual a Grã-Bretanha se absteria de
qualquer futura intervenção desde que os Estados Unidos assumissem a responsabilidade de fazer com que não
surgissem mais a necessidade desse tipo de intervenção, Roosevelt, em 20 de maio de 1904, assim se
expressa: "A insistência no erro, da parte de alguma nação americana, poderia exigir a intervenção de outra
nação civilizada", fazendo com que a "fidelidade dos Estados Unidos à Doutrina nos leve ... a exercer um poder
de polícia internacional". Assim, se a Doutrina Monroe era a negação do direito das potências européias
estenderem seu domínio territorial sobre o Novo Mundo, a partir de 1904, com o corolário Roosevelt, ela
passou ser interpretada como uma afirmação do direito dos Estados Unidos de intervirem na política da
América Latina.
Wall Street e os emirados financeiros
Os efeitos econômicos do corolário logo se fizeram sentir e, junto com eles, a desagradável presença
dos fuzileiros. Devido às restrições feitas pela nova interpretação da Doutrina Monroe a cobranças forçadas, os
banqueiros europeus mostravam-se pouco inclinados a emprestar dinheiro aos latino-americanos, praticamente
abandonando o mercado do crédito da região aos financistas de Walt Street. Mas estes não estavam dispostos
a verem seus investimentos ameaçados e passaram a exigir tanto a participação ativa no controle das
alfândegas como a proteção formal do governo dos Estados Unidos aos empréstimos que eles concediam aos
governos e às oligarquias. Na prática, isto transformou o Haiti, a República Dominicana e a ilha de Cuba,
cronicamente endividados, em "emirados financeiros" sujeitos à ocupação permanente.
Caribe, um Mare Nostrum
2. 2
Se o corolário Roosevelt transformou o Mar do Caribe num Mare Nostrum das finanças e da esquadra
americana, dando ordenamento jurídico às futuras intervenções, foi o corolário Lodge quem representou o ato
final sancionando a dominação norte-americana sobre a região - considerando-a estratégica -, pois ampliava
para o plano militar os interesses de Washington na área.
Os japoneses, aproveitando-se da confusão reinante no México devido à eclosão revolucionária de
1910, fizeram uma oferta para que lhes fosse concedido um porto em Magdalena Bay, na Baixa Califórnia.
Apesar dos motivos da solicitação japonesa atenderem a objetivos comerciais, o local era apropriado para a
construção de uma base naval para qualquer potência que ali se instalasse.
A doutrina Lodge e os limites a autonomia
A notícia do interesse japonês causou grande alarme em Washington, fazendo
com que o senador Henry Cabot Lodge, um especialista em assuntos externos muito
próximo a Roosevelt, lançasse os fundamentos de uma outra doutrina: "... o Governo
dos Estados Unidos não podem ver, sem grave preocupação, a atual ou potencial
possessão de um porto ou um lugar equivalente por um governo não-americano, que
possa dar a este governo um poderio de controle naval ou intenções militares". Deste
modo, o senador Lodge advertia tanto as outras potências como os próprios governos
latino-americanos a não se arriscarem a ceder bases navais, mesmo que para fins
comerciais, a quem os Estados Unidos considerassem inconveniente. Não poderia
haver outras bases navais na América Central e no Caribe que não fossem as norte- Senador Lodge, limitando os
americanas. Desta forma o corolário Roosevelt completava-se com este aberto vizinhos
cerceamento da autonomia dos vizinhos dos Estados Unidos, decorrente da Doutrina
Lodge.
A Diplomacia do Dólar
"Os Estados Unidos são felizes ao encorajar e apoiar os banqueiros
americanos que aceitaram estender sua mão caridosa a esses países
para prover sua reabilitação financeira"
Presidente Taft
(discurso no Congresso em 3 de dezembro de 1912)
Foi durante a administração Taft (1909-1913) que a expressão "diplomacia
do dólar" consagrou-se. O termo foi adotado após a publicação de uma brochura
escrita por um certo James Leets intitulada United States and Latin América: dollar
diplomacy, aparecida em 1921. No entanto, quem lhe deu forma política foi o
secretário de Estado Philander C. Knox, que, numa orgulhosa declaração, afirmou
ter obtido para os financistas e construtores norte-americanos, por meios não
confessáveis, contratos e concessões no valor de 200 milhões de dólares
utilizando-se de dois magros créditos de 100 mil dólares cada um. Desta forma, o
Departamento do Estado se transformava num Ministério dos Lucros Exteriores. A
sedimentação oficial desta política foi consagrada pelo próprio Taft: "Se por um
lado é verdade", disse ele, "que nossa política estrangeira não deve se desviar do
reto caminho da justiça, isso não exclui de nenhum modo uma atividade de
intervenção para assegurar aos nossos comerciantes e aos nossos capitalistas
O presidente Taft, caricaturado
como o gordo histrião Falstaff de investimentos e recursos que beneficiem ambas as partes".
Shakespeare
O fim dos empréstimos europeus
A diplomacia do dólar envolvia duplo objetivo: afastar em definitivo os interesses europeus ainda
existentes na área caribenha e dominar economicamente as pequenas repúblicas em crônico estado falimentar.
Esta política de estímulo à "mão caridosa" dos banqueiros havia feito com que nos últimos dez anos que
antecederam a administração Taft os investimentos norte-americanos aumentassem quatro vezes e meia em
Cuba e nas demais ilhas do Caribe, três vezes mais no México e duas vezes nos demais países centro-
americanos.
Nesta época, entre 1909-1914, o capital investido na América Latina chegou a representar 42,3% do
total das aplicações diretas dos Estados Unidos no exterior. Essa massa de dinheiro, que chegava quase a um
bilhão de dólares, necessitava de proteção. Para tanto, Taft adotou a assim chamada política preventiva,
destinada a evitar revoluções ou conturbações sociais que pudessem pôr em risco estes investimentos. Além de
fazer larga utilização da "diplomacia das canhoneiras", como ficou patente no caso da Nicarágua.