O documento discute como a automação está levando ao desemprego estrutural e à precarização das relações de trabalho, enfraquecendo os sindicatos. Propõe a economia criativa, a economia social e solidária e a renda básica universal como possíveis soluções, mas alerta que os conflitos sociais podem levar a ditaduras ou revoluções.
EM DEFESA DO USO RACIONAL DA ÁGUA, FONTE DE VIDA, NO DIA MUNDIAL DA ÁGUA.pdf
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NÃO HÁ MOTIVOS PARA COMEMORAR O DIA MUNDIAL DO TRABALHO
Fernando Alcoforado*
Este artigo tem por objetivo demonstrar que a classe trabalhadora não tem motivos para
comemorar o Dia Mundial do Trabalho porque enfrenta o desemprego estrutural imposto
pela automação em alta escala da atividade produtiva, o retrocesso nas conquistas sociais
obtidas no passado com as políticas governamentais neoliberais que precarizam as
relações de trabalho e o consequente enfraquecimento dos sindicatos de trabalhadores no
confronto com os detentores do capital. Na história da humanidade, um dos primeiros
levantes operários contra o desemprego foi o chamado movimento Ludista, ocorrido no
início do século XIX na Inglaterra, no qual trabalhadores se dispunham a quebrar as
máquinas, as quais, no entendimento deles, estariam roubando seus empregos. Primeiro
de maio, Dia Internacional dos Trabalhadores carrega um amplo histórico de luta por
direitos sociais. O 1º de Maio nasceu na luta pela jornada de oito horas, marcada em 1886
por uma greve geral nos Estados Unidos, onde o trabalho chegava a 17 horas por dia. Dias
após o 1º de Maio, em Chicago, ocorreram violentos confrontos entre manifestantes e a
polícia, com mortes dos dois lados. Sete operários líderes desse movimento foram
condenados à forca e executados, outro teve pena comutada para prisão perpétua e dois
outros se suicidaram na prisão. Em protestos na mesma data, no ano de 1891, dez
manifestantes foram mortos em Paris, fato este que consolidou o Dia do Trabalhador
internacionalmente. A França aprovou o turno de oito horas e decretou feriado no 1º de
maio em 1919. A medida foi seguida por outros países. Os Estados Unidos não
reconhecem a data até hoje, mas reduziram a jornada de trabalho para oito horas em 1890.
No Brasil, o movimento dos trabalhadores ganhou impulso no começo do século XX com
os imigrantes europeus, em especial italianos e espanhóis, que vieram trabalhar nas
fábricas brasileiras. Em 1917, com esse novo perfil da força de trabalho, aconteceu a
primeira grande greve no país. Pressionado pelo operariado em franco crescimento, que
cobrava garantias trabalhistas, em 1925, o então presidente Arthur Bernardes decretou
feriado no Dia do Trabalhador. Durante a ditadura do Estado Novo, Getúlio Vargas
transformou o 1º de maio em uma festa que celebrava seu regime como protetor dos
trabalhadores. Getúlio investiu numa política paternalista, que controlou os sindicatos,
mas trouxe, também, garantias sociais porque instituiu o salário mínimo em 1940, além
de adotar sua medida mais importante que foi a Consolidação das Leis do Trabalho, a
CLT, em 1943. Era a primeira vez que o trabalhador, de fato, conquistava proteção no
Brasil, com a legalização do turno de oito horas, férias, previdência social e direitos
específicos para a mulher, entre outros. As conquistas sociais dos trabalhadores duraram
até 1964, quando a ditadura militar passou a massacrar os movimentos populares.
Centenas de sindicatos sofreram intervenção militar e milhares de seus líderes foram
cassados e presos. A ditadura militar, que assumiu a missão de favorecer o capital,
extinguiu a reposição salarial pela inflação e proibiu manifestações de toda forma. Mas,
a resistência foi crescendo no seio da classe trabalhadora, que aos poucos retomou a luta
por melhores condições de vida e pela democracia no País. Na década de 1970, os
sindicatos se tornaram a mais importante força de resistência à ditadura ao lado de
estudantes. A década de 1980 foi marcada pelo fortalecimento da classe trabalhadora. O
poder de mobilização dos trabalhadores garantiu muitos direitos na Constituição de 1988.
São exatamente esses direitos que vêm sendo pouco a pouco eliminados no Brasil desde
que se introduziu o modelo econômico neoliberal a partir de 1990.
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Todos os problemas enfrentados na atualidade pela classe trabalhadora no mundo
resultam do fato de o sistema capitalista se defrontar com a queda na taxa de lucro que
obriga os capitalistas a promoverem incessante e impetuoso desenvolvimento técnico,
impulsionado pela concorrência entre eles, obrigando-os a investir em maquinaria que
lhes permitem aumentar a produtividade produzindo o mesmo com menos tempo de
“trabalho vivo”, isto é, desempenhado pelo trabalhador. É possível imaginar que as
atividades produtivas do futuro contarão cada vez menos com a presença de seres
humanos na linha de produção. Fábricas automatizadas e robotizadas significam
indústrias com cada vez menos gente. Em três décadas foram eliminados 6 milhões de
postos de trabalho industriais nos Estados Unidos fazendo com que o emprego nas
fábricas atingisse o patamar da década de 1940. Os empregos que envolvem funções
repetitivas vão desaparecer rapidamente nos próximos anos. Nos países ricos, estima-se
que 25% de todas as funções na indústria deverão ser substituídas por tecnologias de
automação até 2025. No mundo, a estimativa é que 60 milhões de postos de trabalho em
fábricas sejam eliminados (EXAME.COM. A era das fábricas inteligentes está
começando. Disponível no website <http://exame2.com.br/mobile/revista-
exame/noticias/a-fabrica-do-futuro>, 2014). Esta pressão para introduzir máquinas que
permitem poupar trabalho conduz, no entanto, a uma diminuição relativa da força de
trabalho em comparação com os meios de produção, matérias-primas etc.
Cabe observar que a jornada de trabalho do trabalhador contempla uma parte em que o
trabalhador é remunerado com o pagamento de salários e a outra diz respeito ao trabalho
excedente não pago que é a fonte geradora do lucro capitalista. O valor do trabalho é
calculado considerando a soma do salário pago ao trabalhador para sua manutenção e de
sua família com o valor do trabalho excedente não pago pelo capitalista ao trabalhador
(mais valia) durante sua jornada de trabalho. A classe capitalista força a classe
trabalhadora a executar mais trabalho do que se requer para cobrir seus meios de
subsistência, produzindo assim a taxa de mais-valia. Em termos simples, a taxa de mais-
valia é a taxa de exploração do trabalho pelo capital, ou dos trabalhadores pelo capitalista.
É preciso observar que, com menor presença de trabalhadores na atividade produtiva, o
lucro do capitalista se reduz, porque há a diminuição da massa salarial paga e, também,
da parcela do trabalho não pago aos trabalhadores em sua jornada de trabalho, fonte
geradora do lucro capitalista. Em consequência, aumenta o desemprego com o uso de
maquinaria em alta escala na atividade produtiva e reduz, também, a mais-valia, que é a
parcela do trabalho não pago aos trabalhadores, fonte de lucro do capitalista. O uso em
alta escala da maquinaria na atividade produtiva e a redução da força de trabalho
contribuem, portanto, para a queda da taxa de lucro. Diante deste fato, os capitalistas
buscam, de todas as formas, aumentar a taxa de exploração do trabalhador remanescente
empregado na atividade produtiva. Simultaneamente e contraditoriamente, incentivam
o consumo, enquanto o poder de compra dos trabalhadores tende a baixar com o aumento
do desemprego e a redução da parcela de salários. É assim que acontecem as crises do
sistema capitalista. O fato é que o capitalista está determinado a extrair até a última gota
de lucro do trabalho não pago aos trabalhadores, isto é a mais valia. Ele faz isto através
de uma combinação de meios: prolongando a jornada de trabalho, aumentando a
velocidade das máquinas, introduzindo máquinas poupadoras de trabalho, através da
racionalização do processo produtivo, de acordos de produtividade, de novos turnos, de
estudos de tempo e movimento, servindo-se de novas tecnologias etc.
O avanço tecnológico tem gerado cinco consequências: 1) o aumento do desemprego que
atinge trabalhadores qualificados e não qualificados; 2) a queda no consumo ou demanda
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geral de bens e serviços e a redução do poder aquisitivo da população trabalhadora devido
ao aumento do desemprego; 3) a precarização das relações de trabalho em prejuízo dos
trabalhadores qualificados e não qualificados; 4) o enfraquecimento da luta dos sindicatos
em prol dos trabalhadores; e, 5) o declínio da classe média com grandes implicações de
natureza política haja vista que ela dá sustentação política à burguesia. As consequências
políticas do fim do emprego, que atinge trabalhadores qualificados e não qualificados,
graças ao avanço tecnológico são bastante graves porque a população precisa trabalhar
para sobreviver. Esta situação poderá abrir caminho para o advento de uma revolução
social de consequências imprevisíveis. A precarização das relações de trabalho no mundo
tem atingido níveis sem precedentes com as políticas neoliberais adotadas que fizeram
com que houvesse redução da oferta de emprego e perda dos benefícios trabalhistas. As
formas de precarização das relações de trabalho são múltiplas destacando-se, entre elas,
as que fizeram com que a maioria dos trabalhadores não tenha contrato de trabalho, haja
o desemprego aberto e velado, ocorra extensão das jornadas de trabalho, exista a
intensificação das condições de trabalho, ocorra a terceirização do trabalho e haja
fragmentação da classe trabalhadora e as consequentes dificuldades de organização com
o enfraquecimento da luta dos sindicatos. Como resultado, as políticas neoliberais
enfraqueceram o sindicalismo, isto é, a organização dos trabalhadores na luta pelos seus
interesses e pelos seus direitos. A instauração do neoliberalismo no mundo ocorreu com
o propósito de promover o aumento exponencial na apropriação do excedente econômico
pelo grande capital à custa dos trabalhadores.
O grande desafio para o crescimento econômico nos próximos anos é como desenvolver
novos empregos para uma população maior do que a que temos hoje, e principalmente
não haja um declínio grande na classe média, uma vez que com uma classe média fraca,
o consumo geral também diminui, e a economia entra em colapso. Vivemos sem sombra
de dúvidas uma era definida pela mudança fundamental entre trabalhadores e máquinas e
que esta mudança coloca em xeque uma das hipóteses básicas sobre a tecnologia de que
as máquinas são instrumentos que aumenta a produtividade dos trabalhadores. Ao invés
disto, as máquinas estão se transformando em trabalhadores. Diante da perspectiva de
substituição dos trabalhadores por máquinas, as soluções que se apresentam para mitigar
os efeitos do desemprego gerado pelo avanço tecnológico nos marcos atuais de
desenvolvimento do capitalismo dizem respeito à adoção da Economia Criativa, da
Economia Social e Solidária e do Programa de Transferência de Renda. A Economia
Criativa é uma das maneiras mais eficazes de gerar novos empregos que lidam com
criatividade, conhecimento e informação. Para entendê-la, é preciso ter em mente
que empresas deste segmento combinam a criação, produção e a comercialização de bens
criativos de natureza cultural e de inovação como Moda, Arte, Mídia Digital, Publicidade,
Jornalismo, Fotografia e Arquitetura. A Economia Social e constitui outra forma de
organização do trabalho e das atividades econômicas em geral emergindo como uma
importante alternativa para a inclusão de trabalhadores no mercado de trabalho, dando
uma nova oportunidade aos mesmos, através da autogestão. Com base na Economia
Social e Solidária, existe a possibilidade de recuperar empresas de massa falida, e dar
continuidade às mesmas, com um novo modo de produção, em que a maximização do
lucro deixa de ser o principal objetivo, dando lugar à maximização da quantidade e da
qualidade do trabalho.
Se aceitarmos a ideia de que é irrealista barrar a automação e que mais investimento em
educação e treinamento seja improvável de resolver o problema do desemprego, a solução
mais eficaz consiste na adoção de uma política de garantia de renda para os trabalhadores.
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Em poucas palavras, a ideia da Renda Básica Universal (RBU), um sistema semelhante
ao da assistência social em que todos os cidadãos de um país, estando eles empregados
ou não, receberiam, do governo, uma quantia fixa mensal. A diferença é que a RBU seria
um substituto único para todos os subsídios de assistência social e esse salário seria
provido de forma incondicional, sem nenhuma obrigação por parte do cidadão. O objetivo
é permitir que todas as pessoas tenham melhor qualidade de vida e, assim, melhores
oportunidades. É uma forma de combater a desigualdade de renda e assegurar que cada
cidadão tenha dinheiro suficiente para viver acima da linha da pobreza. Trata-se, também,
de uma forma de aumentar o consumo da população que beneficia o próprio capitalista.
O programa neoliberal de transferência de renda dos governos Lula e Dilma Rousseff no
Brasil, o Bolsa Família, é um exemplo da aplicação da política de garantia de renda,
porém ainda bastante limitada.
Tudo indica que a humanidade está no limiar de uma nova era em que uma nova sociedade
diferente da atual deverá nascer com o fim inexorável do capitalismo ainda no século XXI
e os trabalhadores serão liberados do fardo do trabalho com a crescente automação dos
setores industrial e de serviços. Até o final da sociedade capitalista, o mundo se
defrontará, entretanto, com o estado de guerra civil em cada país com o incremento dos
conflitos sociais resultantes da exploração sempre crescente dos trabalhadores manuais e
dos trabalhadores do conhecimento pelos capitalistas e da exclusão social dos
trabalhadores resultante do desemprego em massa. Se a correlação de forças for favorável
às forças defensoras da manutenção do capitalismo no poder poderão ser implantadas
ditaduras para manter a ordem capitalista na maioria dos países. Se a correlação de forças
for favorável às forças oponentes do capitalismo, poderão ocorrer 2 cenários para a
construção de nova sociedade em cada país: 1) a transição entre o capitalismo e uma nova
sociedade futura que poderá ocorrer com a implantação da social democracia nos moldes
escandinavos; e, 2) a implantação do socialismo nos moldes chineses. Se prevalecerem
as forças defensoras do capitalismo, o mundo terá que conviver com a barbárie elevada
ao extremo da exploração do homem pelo homem e ditaduras para manter a ordem no
plano nacional. Se prevalecerem as forças oponentes do capitalismo, a sociedade pós-
capitalista a ser implantada no futuro poderá abrir caminho para uma nova era para a
humanidade ao criar as condições para racionalizar os sistemas político, econômico e
social no plano nacional e fazer com que o avanço tecnológico seja utilizado em benefício
dos seres humanos para libertá-los do fardo do trabalho no futuro.
* Fernando Alcoforado, 83, condecorado com a Medalha do Mérito da Engenharia do Sistema
CONFEA/CREA, membro da Academia Baiana de Educação, da SBPC- Sociedade Brasileira para o
Progresso da Ciência e do IPB- Instituto Politécnico da Bahia, engenheiro e doutor em Planejamento
Territorial e Desenvolvimento Regional pela Universidade de Barcelona, professor universitário
(Engenharia, Economia e Administração) e consultor nas áreas de planejamento estratégico, planejamento
empresarial, planejamento regional e planejamento de sistemas energéticos, foi Assessor do Vice-
Presidente de Engenharia e Tecnologia da LIGHT S.A. Electric power distribution company do Rio de
Janeiro, Coordenador de Planejamento Estratégico do CEPED- Centro de Pesquisa e Desenvolvimento da
Bahia, Subsecretário de Energia do Estado da Bahia, Secretário do Planejamento de Salvador, é autor dos
livros Globalização (Editora Nobel, São Paulo, 1997), De Collor a FHC- O Brasil e a Nova (Des)ordem
Mundial (Editora Nobel, São Paulo, 1998), Um Projeto para o Brasil (Editora Nobel, São Paulo, 2000), Os
condicionantes do desenvolvimento do Estado da Bahia (Tese de doutorado. Universidade de
Barcelona,http://www.tesisenred.net/handle/10803/1944, 2003), Globalização e Desenvolvimento (Editora
Nobel, São Paulo, 2006), Bahia- Desenvolvimento do Século XVI ao Século XX e Objetivos Estratégicos
na Era Contemporânea (EGBA, Salvador, 2008), The Necessary Conditions of the Economic and Social
Development- The Case of the State of Bahia (VDM Verlag Dr. Müller Aktiengesellschaft & Co. KG,
Saarbrücken, Germany, 2010), Aquecimento Global e Catástrofe Planetária (Viena- Editora e Gráfica,
Santa Cruz do Rio Pardo, São Paulo, 2010), Amazônia Sustentável- Para o progresso do Brasil e combate
ao aquecimento global (Viena- Editora e Gráfica, Santa Cruz do Rio Pardo, São Paulo, 2011), Os Fatores
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Condicionantes do Desenvolvimento Econômico e Social (Editora CRV, Curitiba, 2012), Energia no
Mundo e no Brasil- Energia e Mudança Climática Catastrófica no Século XXI (Editora CRV, Curitiba,
2015), As Grandes Revoluções Científicas, Econômicas e Sociais que Mudaram o Mundo (Editora CRV,
Curitiba, 2016), A Invenção de um novo Brasil (Editora CRV, Curitiba, 2017), Esquerda x Direita e a sua
convergência (Associação Baiana de Imprensa, Salvador, 2018, em co-autoria), Como inventar o futuro
para mudar o mundo (Editora CRV, Curitiba, 2019), A humanidade ameaçada e as estratégias para sua
sobrevivência (Editora Dialética, São Paulo, 2021), A escalada da ciência e da tecnologia ao longo da
história e sua contribuição ao progresso e à sobrevivência da humanidade (Editora CRV, Curitiba, 2022),
de capítulo do livro Flood Handbook (CRC Press, Boca Raton, Florida, United States, 2022) e How to
protect human beings from threats to their existence and avoid the extinction of humanity (Generis
Publishing, Europe, Republic of Moldova, Chișinău, 2023).