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Soltar as ideias, libertar a esquerda
     Elísio Estanque
     Sociólogo, investigador do Centro de Estudos Sociais da Universidade de Coimbra

     Jornal Público, 07/06/2012

O recente «Manifesto para uma esquerda livre» gerou alguma controvérsia porque a
formulação incomodou muitos daqueles que, sendo de esquerda, se consideram livres. Não é
preciso dissecar a noção de "liberdade", bastando recordar que, em termos políticos e
sociológicos, todos somos condicionados e o "livre arbítrio" individual não passa de uma
mistificação. Um dos requisitos-base para que esta iniciativa tenha êxito passa por provocar a
polémica e questionar as esquerdas instaladas, deixando em aberto todas as possibilidades
futuras (inclusive a criação de uma nova força eleitoral).

O acantonamento das diferentes tendências e partidos de esquerda não só tem impedido o
surgimento de alianças à esquerda capazes de travar as concessões da social-democracia ao
neoliberalismo como tem perpetuado o ciclo vicioso das oligarquias partidárias, com os
principais protagonistas a eternizarem-se nos mesmos lugares ou (o que é pior) a serem
substituídos por gente jovem mas cujo percurso ascendente se deveu, antes de mais, aos
cursos intensivos de carreirismo que frequentaram, onde passaram com distinção nos exames
da bajulação aos respetivos "líderes".

Uma esquerda livre das camisas de força em que se tornaram os aparelhos partidários, cuja
malha se tornou mais apertada à medida que as ideias foram escasseando, substituídas por
slogans vazios de conteúdo, e o debate ideológico deu lugar a silêncios povoados de medos
difusos. No seio das instituições e estruturas organizadas da sociedade e da vida política, a
liberdade é muito limitada. Onde existe um chefe geram-se dependências, e o problema é que
há demasiados chefes para tão poucos líderes. Pior ainda é que o chefe já nem precisa de ser
despótico porque (como afirmou em tempos o ativista antiapartheid Steve Biko) "a maior arma
do opressor é a mente do oprimido", isto é, hoje em dia, a vulnerabilidade do fraco atingiu tais
níveis que mesmo um pequenino poder pode tornar-se objeto de sacralização e um referente
tutelar no quotidiano (em especial no mundo laboral). Tomar consciência disto pressupõe,
obviamente, que se saiba distinguir entre o sentido subjetivo (ou formal) de liberdade
individual e os fatores sociais e simbólicos das estruturas que nos cercam e nos amarram em
múltiplas relações de poder assimétricas.

Libertar a esquerda é também libertá-la da linguagem viciada, do passo calculado, dos tiques
maniqueístas, do espírito de seita. É questionar a suposta superioridade moral de alguns e o
pragmatismo cínico de outros. É pôr um pouco mais de utopia onde o eleitoralismo é lei e um
pouco mais de realismo onde reina a fantasia delirante. É preciso primeiro dividir para depois
unir, tal como é preciso haver pensamento para se poder trocar ideias. Porém, na era das redes
sociais, da comunicação mediatizada, da leitura rápida e das frases curtas o discurso de
esquerda que se pretenda mobilizadora e unificador tem de conjugar a novidade com a clareza
e o conteúdo com a forma.

A esquerda livre terá de recusar a política como encenação, mas não pode descurar a dimensão
estética, como ilustra a imagem das três pétalas vermelhas da papoila incompleta no fundo
verde de esperança. Terá de ser radical mas também pragmática e sexy, ou seja, recorrer a uma
narrativa irreverente - e que recupere alguns dos velhos lemas iluministas como a liberdade, a
igualdade e a fraternidade - mas com uma mensagem simples e direta, para tocar, em primeiro
lugar, as principais vítimas da austeridade e do capitalismo desregulado, a começar pela
juventude qualificada que engrossa hoje o rol de desempregados, precários, emigrantes à força
e indignados face à anulação de direitos e à negação do futuro.

O país e a Europa estão no meio da tempestade e a esquerda não está a saber navegar nesse
mar revolto. Apenas tenta manter-se à tona e evitar o naufrágio. Não possui um rumo,
deixando muitos cidadãos de esquerda num limbo entre um PS demasiado calculista e
hesitante, um Bloco de Esquerda à procura de novo guião e um PCP autossatisfeito no seu
gueto ortodoxo. Mais do que repetir apelos patéticos para a aproximação entre as esquerdas
portuguesas, é importante colocar no debate as ideias e os caminhos que possam revitalizar a
ação política no país e na Europa em torno de novos e renovados valores de esquerda. Tudo
isto pode parecer vago, mas não creio que iremos longe com agendas programáticas
minuciosas e preconcebidas. Para já importa soltar as ideias e reunir os cidadãos livres da
esquerda (com ou sem filiação).

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Libertar a esquerda das amarras partidárias

  • 1. Soltar as ideias, libertar a esquerda Elísio Estanque Sociólogo, investigador do Centro de Estudos Sociais da Universidade de Coimbra Jornal Público, 07/06/2012 O recente «Manifesto para uma esquerda livre» gerou alguma controvérsia porque a formulação incomodou muitos daqueles que, sendo de esquerda, se consideram livres. Não é preciso dissecar a noção de "liberdade", bastando recordar que, em termos políticos e sociológicos, todos somos condicionados e o "livre arbítrio" individual não passa de uma mistificação. Um dos requisitos-base para que esta iniciativa tenha êxito passa por provocar a polémica e questionar as esquerdas instaladas, deixando em aberto todas as possibilidades futuras (inclusive a criação de uma nova força eleitoral). O acantonamento das diferentes tendências e partidos de esquerda não só tem impedido o surgimento de alianças à esquerda capazes de travar as concessões da social-democracia ao neoliberalismo como tem perpetuado o ciclo vicioso das oligarquias partidárias, com os principais protagonistas a eternizarem-se nos mesmos lugares ou (o que é pior) a serem substituídos por gente jovem mas cujo percurso ascendente se deveu, antes de mais, aos cursos intensivos de carreirismo que frequentaram, onde passaram com distinção nos exames da bajulação aos respetivos "líderes". Uma esquerda livre das camisas de força em que se tornaram os aparelhos partidários, cuja malha se tornou mais apertada à medida que as ideias foram escasseando, substituídas por slogans vazios de conteúdo, e o debate ideológico deu lugar a silêncios povoados de medos difusos. No seio das instituições e estruturas organizadas da sociedade e da vida política, a liberdade é muito limitada. Onde existe um chefe geram-se dependências, e o problema é que há demasiados chefes para tão poucos líderes. Pior ainda é que o chefe já nem precisa de ser despótico porque (como afirmou em tempos o ativista antiapartheid Steve Biko) "a maior arma do opressor é a mente do oprimido", isto é, hoje em dia, a vulnerabilidade do fraco atingiu tais níveis que mesmo um pequenino poder pode tornar-se objeto de sacralização e um referente tutelar no quotidiano (em especial no mundo laboral). Tomar consciência disto pressupõe, obviamente, que se saiba distinguir entre o sentido subjetivo (ou formal) de liberdade individual e os fatores sociais e simbólicos das estruturas que nos cercam e nos amarram em múltiplas relações de poder assimétricas. Libertar a esquerda é também libertá-la da linguagem viciada, do passo calculado, dos tiques maniqueístas, do espírito de seita. É questionar a suposta superioridade moral de alguns e o
  • 2. pragmatismo cínico de outros. É pôr um pouco mais de utopia onde o eleitoralismo é lei e um pouco mais de realismo onde reina a fantasia delirante. É preciso primeiro dividir para depois unir, tal como é preciso haver pensamento para se poder trocar ideias. Porém, na era das redes sociais, da comunicação mediatizada, da leitura rápida e das frases curtas o discurso de esquerda que se pretenda mobilizadora e unificador tem de conjugar a novidade com a clareza e o conteúdo com a forma. A esquerda livre terá de recusar a política como encenação, mas não pode descurar a dimensão estética, como ilustra a imagem das três pétalas vermelhas da papoila incompleta no fundo verde de esperança. Terá de ser radical mas também pragmática e sexy, ou seja, recorrer a uma narrativa irreverente - e que recupere alguns dos velhos lemas iluministas como a liberdade, a igualdade e a fraternidade - mas com uma mensagem simples e direta, para tocar, em primeiro lugar, as principais vítimas da austeridade e do capitalismo desregulado, a começar pela juventude qualificada que engrossa hoje o rol de desempregados, precários, emigrantes à força e indignados face à anulação de direitos e à negação do futuro. O país e a Europa estão no meio da tempestade e a esquerda não está a saber navegar nesse mar revolto. Apenas tenta manter-se à tona e evitar o naufrágio. Não possui um rumo, deixando muitos cidadãos de esquerda num limbo entre um PS demasiado calculista e hesitante, um Bloco de Esquerda à procura de novo guião e um PCP autossatisfeito no seu gueto ortodoxo. Mais do que repetir apelos patéticos para a aproximação entre as esquerdas portuguesas, é importante colocar no debate as ideias e os caminhos que possam revitalizar a ação política no país e na Europa em torno de novos e renovados valores de esquerda. Tudo isto pode parecer vago, mas não creio que iremos longe com agendas programáticas minuciosas e preconcebidas. Para já importa soltar as ideias e reunir os cidadãos livres da esquerda (com ou sem filiação).