1. ESTADO DE SANTA CATARINA
PODER JUDICIÁRIO
COMARCA DE XANXERÊ
VARA CRIMINAL
Autos n° 0008399-75.2013.8.24.0080
Ação: Ação Penal - Procedimento Sumaríssimo/PROC
Autor: Ministério Público
Acusado: Luiz Vieira
S E N T E N Ç A
Dispensado o relatório, na forma do art. 81, § 3.º, da Lei n.
9.099/95.
FUNDAMENTAÇÃO
Tratam os autos de ação penal pública incondicionada, em que o
Ministério Público imputa ao acusado Luiz Vieira a prática do crime tipificado no art. 32
da Lei n. 9.605/98.
Prevê o tipo penal em epígrafe:
Art. 32. Praticar ato de abuso, maus-tratos, ferir ou mutilar animais silvestres,
domésticos ou domesticados, nativos ou exóticos:
Pena - detenção, de três meses a um ano, e multa.
A materialidade do crime está demonstrada pelo termo
circunstanciado de fls. 2-7 e laudo clínico de fl. 17.
A autoria também ressai cristalina dos elementos probantes
obtidos nos autos.
O acusado Luiz Vieira, ao ser interrogado na fase judicial,
confirmou que desferiu os golpes de facão no animal, mas disse que assim procedeu para
defender a si e as crianças que estavam no local. Informou que a cachorra entrou em sua
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casa com uma galinha na boca e a fim de fazer com que o animal largasse referida ave,
bem assim saísse do local, pegou uma foice e "cutucou" a cachorra. Frisou que as galinhas
são utilizadas no sustento da família (fl. 53).
O policial militar Anderson Carlos Cunico, que atendeu a
ocorrência, relatou que ao chegar no local dos fatos encontrou a cachorra amarrada em
uma cerca, com cortes lacerantes no rosto. Contou que a foice utilizada na agressão foi
encontrada na residência do réu e estava suja de sangue. Relatou que o réu disse que a
cachorra tentou comer uma galinha e por este motivo desferiu os golpes de facão. Por
fim, destacou que a veterinária que prestou o atendimento informou que o animal corria
risco de morte (fl. 53).
A testemunha Patrícia Fagundes, voluntária do Grupo Bem Estar
Animal, declarou em juízo que o grupo recebeu a informação de que um cachorro havia
sido ferido. No entanto, o grupo não foi até o local dos fatos porque a polícia já havia
encaminhado o animal para uma clínica veterinária. Então, foram até referida clínica onde
verificaram que o estado era grave, já que a cachorra estava com a face deformada e corria
o risco de ficar cega de um olho, circunstância que veio a se concretizar. Posteriormente
teve conhecimento de que o agressor era Luiz Vieira, o qual possuiu histórico de maus-tratos
a animais (fl. 53).
O informante Aristides Vieira, pai do réu, narrou que a cachorra
entrou na casa com uma galinha na boca, frisando que no local haviam algumas crianças.
Mencionou que em virtude disso o réu pegou uma foice e "cutucou" a cachorra para
defender as crianças e retirar a galinha quando, então, ela avançou. Informou que o animal
apareceu no local após seguir sua carroça e que antes do fato não o tinha visto avançar ou
morder alguém (fl. 53).
Portanto, da prova amealhada aos autos não há dúvida de que o
acusado agrediu o animal com golpes de facão.
De outro lado, a defesa pugna por sua absolvição ao argumento de
que o acusado apenas desferiu os golpes de facão para defender a si e as crianças que se
encontravam no local, não tendo a intenção de maltratá-lo.
Sobre esse ponto, prevê o art. 24 do Código Penal que: "considera-se
em estado de necessidade quem pratica o fato para salvar de perigo atual, que não
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provocou por sua vontade, nem podia de outro modo evitar, direito próprio ou alheio,
cujo sacrifício, nas circunstâncias, não era razoável exigir-se".
Nesse sentido, da lição de Luiz Regis Prado:
É indispensável que o ato agressivo seja consciente e voluntário, com o objetivo de
lesar o bem jurídico. No caso de realização por simples culpa, movimentos corporais
em que esteja ausente a ação, ou por ataques de animais, cumpre invocar o estado de
necessidade (art. 24, CP). [grifei] (Curso de Direito Penal Brasileiro, 7. ed., São Paulo:
Revista dos Tribunais, 2007, vol. 1, p. 404).
Cezar Roberto Bitencourt ensina que para a aplicação da referida
excludente é necessário o preenchimento de requisitos, tais como:
Existência de perigo atual e inevitável; não-provocação voluntária do perigo;
inevitabilidade do perigo por outro meio; inexigibilidade de sacrifício do bem
ameaçado; direito próprio ou alheio; elemento subjetivo: finalidade de salvar o bem
do perigo; ausência de dever legal de enfrentar o perigo. (Tratado de Direito Penal. 13
ed. São Paulo: Saraiva, 2008, v. 1, p. 315).
O acusado afirmou que "cutucou" o animal com uma foice para
que este largasse a galinha que trazia na boca, bem assim para que não agredisse as
crianças que se encontravam no local.
Ocorre que o réu não preenche um dos requisitos, já que a
cachorra somente ficou agressiva após ser "cutucada". Logo, ainda que houvesse situação
de perigo, esta foi provocada pelo próprio réu, o que desconfigura o estado de
necessidade.
Ademais, fica difícil conjecturar como que o animal poderia ferir
alguém já que carregava uma galinha em sua boca. Além do mais, o réu afirmou que o
animal rangia enquanto estava com a galinha na boca, mas em nenhum momento
mencionou de que maneira a cachorra teria tentado investir contra si ou contra as crianças
que lá estavam.
Portanto, além do acusado não ter comprovado que agiu em estado
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de necessidade, não existe nos autos qualquer elemento que o leve a tal conclusão. Pelo
contrário, pelas provas amealhadas nos autos, dessume-se que o acusado desferiu golpes
de facão contra a cachorra, causando-lhe várias lesões, sem que esta tenha sequer lhe
agredido.
Frise-se que é incumbência da parte o ônus de provar a excludente
de ilicitude, como preceitua o art. 156 do Código de Processo Penal e conforme ensina
Fernando da Costa Tourinho Filho: "[...] Se o réu invoca um álibi, o ônus da prova é seu.
Se argüi legítima defesa, estado de necessidade, etc., o ônus probandi é inteiramente seu
[...] Se alegar e não provar, a decepção também será sua" (Código de Processo Penal Comentado.
4. ed., São Paulo: Saraiva, 1999, v. I, p. 356).
Ademais, cumpre destacar, ainda que estivesse na iminência da
agressão, não haveria como se reconhecer a excludente do estado de necessidade, haja
vista verificar-se, de plano, a desproporção entre as condutas de ação e reação, uma vez
que se apesar de se tratar de um animal de grande porte, pelas fotos carreadas nos autos
nota-se que foram desferidos vários golpes, tendo o laudo clínico médico-veterinário
assim descrito: "ao realizar a avaliação clínica, pode-se observar que a paciente
apresentava várias mutilações proferidas por objeto cortante. [...] O animal apresentava
lacerações gravíssimas na face, pescoço e membros (conforme as imagens em anexo)" (fl.
17).
E mais adiante esclareceu: "Em relação as lacerações encontradas, o
corte mais profundo foi o da face, próximo ao plano nasal e olho esquerdo, este provocou
protusão do olho esquerdo, sendo possível visualizar os ossos da face. Além de ter
atingido o nervo óptico, tendo como consequência a cegueira unilateral permanente do
animal" (fl. 17).
Convém destacar que esse não é um fato isolado na vida do réu,
visto que já foi definitivamente condenado nos autos n. 080.12.004906-6, também em
virtude de ter ferido cruelmente um cachorro com golpes de facão.
Ainda, ao contrário do alegado pela defesa, a pobreza não serve
para justificar a conduta criminosa perpetrada pelo réu, pois se assim o fosse seria o
mesmo que autorizar a prática delituosa a todos aqueles que se encontrem em precárias
condições financeiras.
Diante disso, de rigor a condenação do réu Luiz Vieira como
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incurso nas sanções do art. 32 da Lei n. 9.605/98.
PASSO À FASE DE FIXAÇÃO DA PENA.
I. Circunstâncias judiciais
Embora censurável, a conduta do réu não possui alto grau de
reprovabilidade. O réu não é portador de maus antecedentes, assim entendidos – em face
do princípio constitucional da presunção de inocência – como condenações criminais
transitadas em julgado antes dos fatos e que não constituam reincidência (fls. 9-12).
Inexistem fatos que desabonem a conduta social do réu. Inexiste estudo técnico nos autos
que permita avaliar a personalidade do réu. Os motivos do crime são inerentes à espécie
delitiva. As circunstâncias do delito não justificam a elevação da pena base. As
consequências ensejam a majoração da pena, uma vez que o animal sofreu "cegueira
unilateral permanente" do olho esquerdo, conforme atesta o laudo médico-veterinário de
fl. 17. Descabe falar em comportamento da vítima no delito em comento.
Deste modo, na análise das operadoras do artigo 59 do CP, com
base na necessidade e suficiência para a prevenção e reprovação do delito, fixo a pena
base acima do mínimo legal, em atenção as consequências do crime, quantificando-a, nos
termos do art. 32 da Lei n. 9.605/98, em 3 (três) meses e 15 (quinze) dias de
detenção e 12 (doze) dias-multa, no valor individual de 1/30 (um trigésimo) do
salário mínimo vigente à época dos fatos, considerando, para tanto, as condições
financeiras do réu.
II. Circunstâncias legais
Presente a agravante da reincidência, nos termos do art. 61, inc. I,
do CP, tendo em vista que o réu cometeu o crime após o trânsito em julgado da sentença
condenatória proferida nos autos n. 080.01.004424-8 da Comarca de Xanxerê (SC) (fls.
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9-10) - não tendo decorrido, em relação a essa condenação, o prazo de que trata o art. 64,
inc. I, do Código Penal, pois a pena foi extinta em 10/10/2011.
É de se registrar – por oportuno – que a confissão qualificada,
como a verificada nos autos, não dá ensejo ao reconhecimento da atenuante prevista no
art. 65, inc. III, "d", do CP.
Segundo a jurisprudência: "Exige a lei que para ser reconhecida a
atenuante da confissão espontânea deve ser ela completa e movida por um motivo moral,
altruístico, demonstrando arrependimento, não se admitindo quando o réu, confessando a
autoria, alega versão justificativa ou excludente de antijuridicidade, legítima defesa ou erro
de fato" (Apelação Criminal n. 2003.000369-0, Des. Solon d'Eça Neves, j. 27.10.2003).
Diante disso, agravo a pena em 1/6 (um sexto), fixando a pena
provisória em 4 (quatro) meses e 2 (dois) dias de detenção.
Mantenho a pena de multa fixada na fase anterior, porquanto as
circunstâncias legais não influem em sua quantificação.
III. Causas de aumento e diminuição de pena
Inexistem causas de aumento ou diminuição de pena a serem
consideradas, razão pela qual fixo a pena definitiva em 4 (quatro) meses e 2 (dois) dias
de detenção e 12 (doze) dias-multa, no valor individual de 1/30 (um trigésimo) do
salário mínimo vigente à época dos fatos.
IV. Regime de cumprimento de pena
Tendo em vista a reincidência do acusado, a pena privativa de
liberdade deverá ser executada inicialmente em regime semiaberto (art. 33, § 2º, "b", do
Código Penal).
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V. Substituição da pena privativa de liberdade e suspensão
condicional da pena
Incabíveis a substituição da pena privativa de liberdade aplicada e a
suspensão condicional da pena por ser o reú reincidente em crime doloso, nos termos do
art. 44, inc. II e § 3º, e art. 77, inc. I, ambos do CP.
DISPOSITIVO
Ante os fatos e fundamentos expostos, julgo procedente a
pretensão punitiva estatal para o fim de condenar o réu Luiz Vieira, qualificado, à pena
de 4 (quatro) meses e 2 (dois) dias de detenção, em regime semiaberto, e ao
pagamento de 12 (doze) dias-multa, no valor individual de 1/30 (um trigésimo) do
salário mínimo vigente à época dos fatos, dando-o como incurso nas sanções do art. 32 da
Lei n. 9.605/98, c/c art. 61, I, do Código Penal.
Deixo de condenar o réu ao pagamento das despesas processuais,
por ser beneficiário da Lei n. 1.060/50.
A pena de multa deverá ser paga na forma do art. 50 do CP, no
prazo legal de 10 (dez) dias, a contar do trânsito em julgado da sentença.
Fixo em R$ 532,00 (quinhentos e trinta e dois reais) o valor
mínimo de reparação em favor do Grupo Bem Estar Animal (fl. 40).
Oportunamente, após o trânsito em julgado da presente sentença:
a) lance-se o nome do réu no rol dos culpados;
b) forme-se o PEC para execução da(s) pena(s) (CNCGJ, art. 315 e
s.s), devendo ser formado PEC provisório, após o trânsito em julgado para a acusação,
quando se tratar de réu preso (CNCGJ, art. 321 e s.s);
c) comunique-se à Corregedoria-Geral de Justiça e à Justiça
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Eleitoral desta cidade (CF, art. 15, inc. III).
Publique-se. Registre-se. Intimem-se.
Transitada em julgado, arquivem-se.
Xanxerê (SC), 18 de agosto de 2014.
André Luiz Bianchi
Juiz de Direito
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