2. 74 Paulo Moacir Godoy Pozzebon
ORIENTAÇÕES PARA A UNIDADE DE ESTUDO 5
A ÉTICA E SEUS INSTRUMENTOS CRÍTICOS
OBJETIVOS
1. Compreender o fenômeno moral.
2. Compreender a necessidade da ética.
3. Distinguir os conceitos de ética e moral.
4. Conhecer as matrizes que modelam as condutas morais dos brasileiros e compreender suas
limitações.
5. Propor a ética da responsabilidade como alavanca de superação das matrizes morais vigentes.
CONTEÚDOS
Conceitodeética.Conceitodemoral.MatrizesmoraisnoBrasil:moraltradicionalpatriarcal;moral
burguesa; moral da integridade e moral do oportunismo. Alguns problemas a discutir: moral cristã;
a sociedade de consumo e a moral do mercado; corrupção e crime; relativismo moral; em busca de
uma ética da responsabilidade. Conclusão.
MATERIAL DISPONÍVEL
1. Guia de Estudos (Unidade 5).
ATIVIDADES PREVISTAS
1. Resolução dos exercícios de fixação propostos para esta Unidade, disponíveis no AVA.
2. Atividade avaliativa, disponível no AVA.
SEQUÊNCIA DIDÁTICA
A ética é um dos temas mais discutidos na sociedade brasileira, ora com perplexidade diante
dos casos de corrupção e crime, ora com desalento diante dos discursos vazios.
Para nos orientarmos no emaranhado de valores e condutas em conflito, necessitamos de
ferramentas conceituais que nos permitam compreender as realidades envolvidas, exercer a crítica
sempre que necessária e propor critérios produtivos.
Para tanto, a presente Unidade de Estudo esclarece os conceitos de ética e moral, descreve
as matrizes morais que têm modelado e confundido a conduta dos brasileiros, aponta suas falhas
e propõe diretrizes metodológicas para superar essa situação. Para construir os conhecimentos, é
importante que você:
1. Faça uma leitura cuidadosa da Unidade, procurando compreender os conceitos principais.
2. Desenvolva os exercícios de fixação da Unidade, para consolidar seu aprendizado.
3. Para concluir os estudos desta Unidade, você deve responder às questões disponibilizadas
no AVA, que constituem a atividade avaliativa desta Unidade e valem pontos na composição
da nota.
4. Utilize o fórum da sala virtual para comentar e discutir com os colegas os conceitos e os
exercícios desta unidade.
Bom trabalho e bom aprendizado!
3. 75Estudo do Homem Contemporâneo
UNIDADE DE ESTUDO 5
A ÉTICA E SEUS INSTRUMENTOS CRÍTICOS
Poucas palavras estão tão gastas quanto “ética”; poucas coisas são hoje
tão necessárias quanto a reflexão sobre ética. Os novos desafios trazidos ao
ser humano exigem novos valores e novos parâmetros para a ação individual
e coletiva.
O paradigma natural, a lei positiva e a privacidade da consciência do
indivíduo já não bastam como respostas a quem quer pensar criticamente a
ética. O ser humano, capaz de transformar profundamente o meio ambiente,
a sociedade, a cultura e até mesmo seu próprio corpo, pode também criar
novos modelos e critérios para orientar o viver bem, relacionar-se bem e agir
bem, que respondam efetivamente a esses desafios.
CONCEITO DE ÉTICA
Em primeiro plano, partimos do conceito de ética. Se recorrermos aos
dicionários de Filosofia encontramos:
Em geral, a ciência da conduta. Existem duas concepções fundamentais
dessa ciência: 1ª a que a considera como ciência do fim a que a conduta
dos homens se deve dirigir e dos meios para atingir tal fim; e deduz tanto
o fim quanto os meios da natureza do homem; 2ª a que a considera como
a ciência do móvel da conduta humana e procura determinar tal móvel
com vistas a dirigir ou disciplinar a mesma conduta. (ABBAGNANO, 1982)
O termo “ética” deriva de ethos, que significa “costume” e, por meio dele,
sedefiniucomfrequênciaaéticacomoadoutrinadoscostumes,sobretudo
nas correntes empiristas. (FERRATER MORA, 1994)
Nos dias de hoje, muitos usam a palavra “ética” ou “moral”, mas, quando
perguntados, não conseguem explicá-la nem defini-la. Para a maioria das
pessoas, ética e moral têm o mesmo significado, mas, numa análise mais
rigorosa, podemos constatar que são conceitos diferentes. É natural que isso
aconteçanavidacotidiana,poiséticaemoralversamsobreideiasintimamente
relacionadas, às vezes de difícil distinção.
Também no plano da Filosofia ética e moral não raro se confundem,
chegando a ser empregadas como sinônimos, mesmo porque, do ponto de
vista etimológico, tanto em grego como no latim, ambas provêm da ideia de
“costume”.
Ética: vem do grego ethos, reflexão metódica sobre os costumes.
Moral: vem do latim mos ou mores, “costume” ou “costumes” no sentido de conjunto
de regras adquiridas por hábito.
4. 76 Paulo Moacir Godoy Pozzebon
Assim, portanto, originariamente, ethos e mos, “costume”, assentam-
-se em um modo de comportamento que não corresponde à uma disposição
natural, mas que é algo adquirido ou conquistado por hábito, construído
histórica e culturalmente.
A moral é a regulação dos valores e comportamentos considerados
legítimosporumadeterminadasociedade,umpovo,umareligião,determinada
tradição cultural etc. Há morais específicas, também, em grupos sociais mais
restritos: uma instituição, um partido político, entre outros. Há, portanto,
muitas e diversas morais. Veja abaixo o que isso significa.
TABELA 1 – Moral vs. Ética
Moral Ética
É um fenômeno social particular.
É um conjunto de princípios e disposições volta-
dos para a ação.
Não tem compromisso com a universa-
lidade, isto é, com o que é válido e de
direito para todos os homens.
Historicamente produzidos, cujo objetivo é bali-
zar as ações humanas.
É construída histórica e culturalmente.
Ela existe como uma referência para os seres
humanos em sociedade, de modo tal que a so-
ciedade possa se tornar cada vez mais humana.
Seus princípios e orientações são racional e deli-
beradamente construídos, com base em valores
universais, que auxiliam, criticam e refletem os
valores morais de uma sociedade.
A ética pode e deve ser incorporada pelos indiví-
duos, sob a forma de uma atitude diante da vida
cotidiana, capaz de julgar criticamente os apelos
acríticos da moral vigente.
Mas, tanto quanto a moral, não é um conjunto
de verdades fixas, imutáveis.
Fonte: Adaptado de NOGUEIRA (2006).
ÉTICA é um conjunto de princípios e orientações voltados para a ação, que é
racionalmente elaborado para balizar as condutas humanas em sociedade.
5. 77Estudo do Homem Contemporâneo
CONCEITO DE MORAL
Entendemos por moral o conjunto organizado de valores e normas de
comportamento pessoais e coletivos que uma sociedade continuamente cria
e impõe a seus membros, com a finalidade de assegurar a convivência e a
colaboraçãodessesmembros,assimcomoaconservaçãoeorganizaçãodessa
sociedade.Suasnormascostumamsertransmitidasoralmente,ensinadaspela
família, escola, pelas organizações civis e religiosas etc.
Essas normas não servem apenas para manter unida a sociedade.
Exprimem valores, isto é, ideias de como as pessoas devem agir para que
haja justiça, paz, respeito e estima mútua entre elas. Quando essas normas
são cumpridas com liberdade e convicção sincera, contribuem para o
aperfeiçoamento dos indivíduos e da coletividade.
Entretanto, a moral nunca é perfeita. As normas morais são criação
coletiva e anônima, dirigidas pelos costumes e pela pressão exercida por
novas circunstâncias históricas. Não há um critério único nem permanente
que oriente a criação dessas normas. Por isso, a moral não é um conjunto
inteiramente coerente nem imutável.
Com o passar do tempo, a aplicação de muitas dessas normas pode
produzir efeitos indesejáveis ou injustos. Ou ainda, diante de problemas mais
complexos,amoralpodeoferecerrespostasincapazesdeorientarclaramente
a ação ou avaliar a boa e a má ação. Por isso, a moral precisa ser iluminada,
ampliada e precisada pela reflexão ética.
Em contraponto, a ética pode ser concebida como a reflexão que,
baseando-se na Filosofia e nas ciências, examina, critica e repropõe com
coerência e universalidade os valores e normas da moral. Se a moral é,
primeiramente, um fenômeno social, caracterizado pela adoção de normas
costumeiras e irrefletidas, a ética é a teorização aprofundada que permite
organizarcomclarezaoscritérioseorientarcomsegurançaasaçõesedecisões
no campo moral.
Apesar de prováveis falhas, a moral de um grupo social é um conjunto
mais ou menos organizado de normas e valores. Nele, alguns valores
são considerados superiores aos outros e algumas normas se aplicam
prioritariamente, em detrimento de outras. Por isso, pode-se afirmar que um
dos princípios que organiza a moral é sua escala de valores, isto é, a hierarquia
interna que os organiza. Faz diferença, por exemplo, agir como se a honra
valessemaisqueavidaoucomoseavidavalessemaisqueahonra.Noprimeiro
caso, justifica-se sacrificar a própria vida (ou de outrem) em nome da honra
MORAL é um conjunto assistemático de normas, princípios e valores criados por uma
sociedade para regulamentar as relações entre seus membros. Transmitida oralmente por
meio dos costumes, permite a convivência pacífica e a colaboração entre indivíduos ou
entre grupos.
6. 78 Paulo Moacir Godoy Pozzebon
ameaçada; no segundo, justifica-se aceitar grandes desonras para preservar
a própria vida. Por isso, pode-se compreender um conjunto específico de
normas morais observando a hierarquia de seus valores, em especial, dos
mais elevados.
MATRIZES MORAIS NO BRASIL
AsmatrizesdamoralnoBrasil,apresentadasaseguir,sãocaracterizações,
por meio dos valores mais importantes, das principais influências que,
encontrando-se e opondo-se umas às outras e combinando-se entre si,
compuseram o quadro rico, variado, heterogêneo e contraditório que é a
moral no Brasil hoje.
Moral tradicional patriarcal
É a moral do senhor de engenho, do barão do café, dos coronéis e dos
velhos proprietários rurais.
▪▪ Origem: nobreza feudal europeia, trazida ao Brasil com a colonização,
no século XVI, vigente até hoje em muitas regiões do País.
▪▪ Valores mais altos: honra, autoridade/lealdade, glória.
▪▪ Família: o pai é o chefe de família, autoridade suprema, proprietário
de todos os bens e detentor de todos os direitos. Esposa e filhos lhe
devem submissão e respeito.
▪▪ Casamento: vínculo sagrado indissolúvel. Decidido pelos pais dos
noivos em nome da conveniência (“bom partido”, amizade, gratidão,
honra, alianças políticas e econômicas etc.).
▪▪ Dupla moral sexual: o rapaz tem iniciação sexual precoce, dispondo
de escravas e moças pobres; a moça deve casar-se cedo e virgem; o
marido dispõe de ampla liberdade sexual; a esposa deve fidelidade e
submissão.
▪▪ Negócios:realizadosemnomedeamizade,prestígioehonra.Apalavra
dada é garantia suficiente.
▪▪ Trabalho: castigo ou pena, obrigação dos servos e sina do pobre; à
“gente bem” cabe o comando. O trabalho degrada um fidalgo, só o
nascimento enobrece.
A moral de um grupo social pode ser compreendida a partir da hierarquia de valores
que incorpora em suas normas, especialmente os valores mais elevados.
7. 79Estudo do Homem Contemporâneo
Moral burguesa
Moral das classes altas a partir dos anos 1930; moral das novelas da TV
brasileira e dos filmes americanos.
▪▪ Origem: burguesia europeia. No Brasil, surge com a industrialização e
com o avanço do capitalismo na economia no século XX.
▪▪ Valoresmaisaltos:riqueza(dinheiro),liberdadeesucesso,interpretados
como portadores de prazer e concebidos de forma individualista.
▪▪ Família: o pai tem autoridade, mas não é suprema nem incondicional;
a esposa redefine seus papéis dentro da tendência de emancipação
feminina; os filhos têm direitos que, aos poucos, passam a ser
respeitados.
▪▪ Casamento: é um contrato solúvel dotado de cláusula de fidelidade; o
parceiro é escolhido em nome dos sentimentos.
▪▪ Moralsexual:antesdocasamento–liberdadesexualedeclíniodovalor
da virgindade; depois do casamento – cláusula de fidelidade.
▪▪ Negócios: realizados em nome do lucro, apenas. Exigem garantias
reais (bens).
▪▪ Trabalho:fontederiquezaserealizaçãopessoal;“otrabalhoenobrece”.
Moral da integridade e moral do oportunismo
As matrizes denominadas “moral da integridade” e “moral do
oportunismo” não se caracterizam propriamente pelo conteúdo, como as
anteriormente descritas. São modos de entender e interpretar os valores e
normas adotados por uma coletividade.
A moral da integridade ensina:
▪▪ o cumprimento fiel, completo e imparcial das normas admitidas,
sem hesitações nem desvios, mesmo que para isso seja sacrificado o
interesse pessoal;
▪▪ agir com honestidade, honra e manter a palavra dada são as atitudes
mais valorizadas por essa matriz da moral.
Assista ao seriado brasileiro A Muralha. Disponível em
DVD, exemplifica com clareza as características da matriz
tradicional patriarcal.
8. 80 Paulo Moacir Godoy Pozzebon
A moral do oportunismo caracteriza-se:
▪▪ por adotar critérios mutáveis, parciais e de conveniência para cumprir
as normas morais adotadas.
Assim, por exemplo, a norma que proíbe roubar pode ser relativizada
pela ocasião (ninguém está vendo), amizade (só para ajudar aquele amigo
necessitado), inimizade (por raiva ou vingança contra o proprietário),
abundância(umpouconãofaráfaltaaquemtemtanto)oufacilidade(sejamos
práticos...). Exemplos famosos são as frases atribuídas a importantes políticos
brasileiros: “Para os amigos, tudo; para os inimigos, a lei.” “A lei? Ora, a lei...”
“Eu roubo, mas eu faço”.
Cabelembrarqueasnormasmoraissãovistasaquicomoalgodogmático,
como perenes, universais e pouco discutíveis.
Alguns problemas a discutir:
A partir da consideração dessas matrizes, que interagem entre si
combinando-se em normas e comportamentos concretos, é oportuno refletir
pelo menos sobre quatro problemas expostos a seguir.
A moral cristã
AolongodaHistória,emespecialdevidoàhegemoniaideológicadaIgreja
Católica, quase sempre aliançada com o poder político, confundiu-se a moral
tradicional, anteriormente descrita, com a ideia de moral cristã. Ainda hoje,
muitas pessoas consideram-nas idênticas. Essa concepção parece equivocada
e merece reflexão.
Se um conjunto organizado de normas morais pode ser identificado
pelos valores que coloca acima dos demais, é razoável supor que uma moral
cristã aponte como valores mais altos os valores do Evangelho, como o amor-
caridade, a confiança em Deus, a misericórdia para com o sofrimento alheio,
a dignidade do ser humano e a justiça, entre outros.
Ora, o exame da moral tradicional patriarcal mostra que nenhum desses
valores ocupa as posições mais elevadas da escala. Constatação semelhante
se dá no exame da moral burguesa. Parece, então, forçoso concluir que nem
a moral patriarcal (tradicionalmente identificada com a moral cristã) nem a
moral burguesa são efetivamente cristãs.
Se os valores evangélicos subsistem dentro das respectivas escalas de
valores, sem dúvida ocupam posições secundárias. Portanto, o cristão que
busquesinceramenteagirmoralmentesegundoosvaloresdesuafénãodevese
sentirforçadoacomprometer-secomamoraltradicional.Deve,antes,procurar
elaborar uma ética efetivamente baseada nos valores do Evangelho, capaz de
responder aos desafios da cultura midiática e da sociedade de consumo.
Uma ética cristã deve ser elaborada com base nos valores propostos pelos Evangelhos.
Por isso, não deve ser confundida com a moral tradicional.
9. 81Estudo do Homem Contemporâneo
A sociedade de consumo e a moral do mercado
Nesse sistema econômico, “tudo está à venda”, e a forma de se adquirir
algo é quase sempre comprando. Por isso, as pessoas trabalham para obter
dinheiro,afimdepoder,comele,consumir.Constitui-se,assim,umasociedade
de consumo inteiramente intermediada pelo dinheiro. Nela, o consumo
confere identidade, posição social e realização pessoal. As pessoas valem pelo
que têm, pelos objetos que compram e ostentam.
Cria-se,portanto,ailusãodequetudopodesercomprado,incluindoamor,
realização e felicidade. Cria-se também a ilusão de que o consumo é acessível
a todos, devido ao trabalho. Vive nessa sociedade um ser humano superficial e
materialista,quebuscaapenasoprazertransformadoem valor universal, isto é,
finalidade de todas as ações e critério para avaliar uma tarefa que precisa ser
realizada,umrelacionamentointerpessoaleatémesmoaprópriavidahumana.
Nocontextodessasociedadedeconsumo,omercadoseapresentacomo
fonte de valores morais, transformando valores econômico-administrativos,
como competitividade, agressividade, individualismo, ambição por dinheiro e
poder, em valores para orientar toda a vida humana. O ser humano é reduzido
à sua dimensão econômica e o novo modelo de homem surge nas exigências
queasempresasfazemaseusprofissionais:dinamicidade,iniciativa, liderança,
O sistema capitalista tudo
transforma em mercadoria e faz
circular como mercadoria, inclusive
trabalho, competência, conheci-
mento, cultura, valores, posição
social, reconhecimento etc.
O ser dá lugar ao ter!
Fonte: Revista Alfa (2012)
http://blogdamadame.com/wp-content/uploa-
ds/2011/09/pessoas-mais-ricas-3.jpg
10. 82 Paulo Moacir Godoy Pozzebon
conhecimento, competência e criatividade. Em resumo, uma dedicação sem
limites ao trabalho, recompensada com promessas nunca cumpridas de obter
felicidade por meio do consumo.
Corrupção e crime
A corrupção e o crime violento representam a antítese de uma moral
elevada e da ética, na medida em que negam valores universais como o
respeito ao ser humano, aos direitos reconhecidos e à conduta honesta e
verdadeira.
Fonte da imagem: Junião In: matutando.com (jan. 2012)
Curiosamente, a corrupção e o crime podem ser aceitos e reforçados por
certas morais grupais, baseadas na oposição amigo-inimigo, ou membro do
grupo-estranho ao grupo.
Assim, se um roubo for cometido contra um indivíduo de fora do
grupo, será visto como ato de esperteza e coragem, pois lesou um inimigo e
favoreceu os amigos (o grupo a que pertence o agente). Da mesma forma,
atos de corrupção podem ser minimizados se visarem obter privilégios para a
própria comunidade ou família; atos de terrorismo são considerados heroicos
e louváveis, por causarem morte e danos a supostos inimigos; roubos podem
ser considerados simples “negócios” se as vítimas estiverem foram do grupo
social do criminoso.
Evidentemente, na medida em que prevaleça esse pensamento moral, o
crime, a violência e a corrupção tendem a crescer e se generalizar, dificultando
a vida em sociedade.
Relativismo moral
Relativismo moral é a tendência muito frequente na cultura brasileira
atual de considerar como equivalentes, isto é, igualmente bons e válidos,
conjuntos de normas e valores morais frontalmente divergentes, isto é,
derivados de escalas de valores discrepantes.
11. 83Estudo do Homem Contemporâneo
Segundo esse pensamento, o ato bom e o ato mau, o justo e o injusto,
a virtude e o crime se diferenciam apenas pelo ponto de vista do avaliador,
ou seja, pelo seu interesse. De fato, são comuns frases como “O que é ruim
para você pode ser bom para outro” ou “Você acha injusto, eu acho justo: é
questão apenas de ponto de vista”.
Embora sedutoras, quando convenientes, essas frases implicam a morte
da ética, pois tornam indiferentes os valores, irrelevante a escolha de quem
age e inelutáveis as consequências.
Triunfa, portanto, o interesse próprio: para que agir com honestidade,
se o bem e o mal são apenas pontos de vista divergentes? Para que pagar
impostos, se esse dinheiro beneficiará outros? O que há de errado em matar
os próprios pais, se, com isso, anteciparei minha herança? Por que preservar
a floresta, se vendê-la em forma de tábuas dá mais lucro? O bem e o mal se
igualam,pelomenosenquantoasconsequênciasfunestasatingiremosoutros.
Como se vê, o relativismo moral serve bem para justificar o oportunismo.
Mas duas crenças do senso comum também o auxiliam: a primeira diz que
todomundosabedistinguirimediatamenteobemdomale,portanto,elaborar
um julgamento ético; a segunda crença, apoiada na primeira, diz que cada um
tem de escolher seus próprios valores e normas éticas, sem que outra pessoa
possaobjetaroucorrigirsuasescolhas.Sãocrençasagradáveisedisseminadas.
No entanto, o bem e o mal, o justo e o injusto não são evidentes, nem
conhecidos com facilidade por todas as pessoas, ou em todas as épocas. Ao
contrário, avaliar se um ato é bom ou mau exige um exame minucioso de
suas motivações, meios, consequências diretas e indiretas. Para fazê-lo, não
basta o senso moral de cada um, é necessária, também, a reflexão pessoal e
coletiva, instruída pelos conceitos e critérios da ética. Se o modo de realizar
o bem e o mal fosse claro e evidente para todos, não haveria consequências
funestas nem conflitos éticos.
Escolhas éticas também não podem ser inquestionáveis, pois, se a
motivação do agente pode ser pessoal, as boas e más consequências de seus
atos quase sempre atingem a coletividade em que ele vive.
Buscar modos de agir que produzam resultados bons – não só para o
agente, mas para toda a sociedade, não só no presente, mas também no
futuro – implica reflexão e debates continuados, participação e colaboração
de toda a sociedade, revisão de crenças, costumes e instituições. Jamais pode
ser resultado de uma escolha pessoal e inquestionável.
Após a reflexão sobre os quatro grandes dilemas, vamos aprofundar o
que constitui a disposição da busca pelo exercício da ética.
EM BUSCA DE UMA ÉTICA DA RESPONSABILIDADE
Diante das graves limitações apresentadas pelas matrizes morais e pelas
tendênciascomentadas,nãocausaestranhezaqueaspessoasfrequentemente
sesintamperplexasedesorientadas.Muitasserefugiamnorelativismo,outras
nas orientações morais de correntes religiosas.
12. 84 Paulo Moacir Godoy Pozzebon
Uma possível resposta às necessidades do tempo presente e da cultura
pós-modernaresidenaéticadaresponsabilidade.Oteólogocoreano-brasileiro
Jung Mo Sung expõe com excepcional clareza essa concepção:
Nessaperspectivacadagruposocialdeterminaconsensualmenteospadrões
de conduta que devem ser seguidos pelos indivíduos desse grupo. Estes
padrões, porém, não devem ser vistos como universais e imutáveis, mas
sim relativos a cada situação determinada e sempre sujeitos a mudanças,
caso a comunidade as julgue necessárias. A diferença básica entre a ética
da responsabilidade e as outras posturas [...] é que ela não se orienta
somente por princípios, mas principalmente pelo contexto e pelos efeitos
que podem causar nossas ações. [...] O ideal de participação e a busca de
consensodevemservirdebaseparaumaéticadaresponsabilidade.(SUNG;
SILVA, 1999).
A ética da responsabilidade representa uma substancial contribuição ao
debatenamedidaemquepropõeummétodoparaaelaboraçãoética,baseado
na participação e no consenso, assim como na valorização do contexto
histórico e social. Os lineamentos desse método representa uma “alavanca”
para a crítica e para a superação das matrizes morais vigentes. Não dispensa o
grupo, contudo, de elaborar uma escala hierarquizada de valores, colocando
no seu topo os valores que considerar mais importantes.
Jung Mo Sung (nascido na Coreia do Sul, 1957) é teólogo católico e
cientista da religião radicado no Brasil. Desenvolve trabalhos em religião
e educação, teologia e economia, igreja e sociedade, neoliberalismo,
globalização e solidariedade.
Mais informações disponíveis: pt.wikipedia.org/wiki/Jung_Mo_Sung.
Ética da responsabilidade: padrões de conduta escolhidos de forma participativa e
consensualmente pelo grupo, os quais serão modificados pelo próprio grupo quando o
contexto social, histórico e cultural o exigir.
13. 85Estudo do Homem Contemporâneo
Podemos concluir essas reflexões afirmando a necessidade de examinar
constanteecriticamenteoconteúdoeaorganizaçãodamoral(oudasmorais)
vigente na sociedade brasileira, visando ao seu aperfeiçoamento.
Valores e normas afirmados pelo costume não poderão orientar
satisfatoriamente o comportamento de uma sociedade vasta e complexa,
como a brasileira, num contexto cultural que favorece o individualismo e o
relativismo moral. Tais exigências só podem ser enfrentadas por uma ética
aberta a valores e situações novas e, ao mesmo tempo , válida para todos.
(Adaptado de POZZEBON, 2006).
Para aprofundamento, sugerimos a leitura de:
VÁSQUEZ, Adolfo Sanchez. Ética. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2008.
1. Concluída a leitura e repassados os pontos da Unidade, você será capaz
de responder às perguntas disponíveis na sala virtual, consolidando os
conhecimentos adquiridos nesse estudo.
2. No bloco correspondente a esta Unidade, você encontrará questões.
Procure respondê-las, num primeiro momento, sem consulta e, se possível,
discuta-as com os colegas no Ambiente Virtual.
Ao final desta Unidade, você deverá ser capaz de:
▪▪ Distinguir os conceitos de ética e moral.
▪▪ Reconhecer as normas, princípios e valores que estão presentes nas condutas
individuais.
▪▪ Reconhecerasprincipaiscaracterísticasdasmatrizesmoraistradicional,burguesa,
da integridade e do oportunismo.
▪▪ Refletir sobre os valores que orientam sua própria conduta moral.
14. 86 Paulo Moacir Godoy Pozzebon
REFERÊNCIAS
ABBAGNANO, Nicola. Dicionário de filosofia. 2. ed. São Paulo: Mestre Jou, 1982.
FERRATER MORA, José. Dicionário de filosofia. São Paulo: Loyola, 1994.
NOGUEIRA, Edmilson. Refletindo sobre ética. In: POZZEBON, Paulo Moacir Godoy. (org.). Pensar o
humano hoje. Bragança Paulista: EDUSF/IFAN, 2006. p. 66-74.
POZZEBON, Paulo Moacir Godoy. As matrizes da moral no Brasil. In: ______ (Org.). Pensar o
humano hoje. Bragança Paulista: EDUSF/IFA, 2006.
SUNG, Jung Mo; SILVA, Josué Cândido da. Conversando sobre ética e sociedade. 5. ed. Petrópolis:
Vozes, 1999.