A governança corporativa pode ser definida de várias maneiras sendo uma delas os modos do processo decisório e da alocação de poder entre. Os stakeholders da firma são todos aqueles agentes econômicos que possuem um stake na firma, algo a ganhar ou perder como resultado das suas atividades. O Comitê da Basiléia de Supervisão Bancária tem elaborado inúmeras sugestões para o fortalecimento da estrutura de governança corporativa de instituições bancárias
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1. Economic Letter
2002 número 2
Governança Corporativa, Stakeholders e Instituições Bancárias
Luiz Nelson Porto Araujo
A governança corporativa pode ser definida de várias maneiras sendo uma delas os modos
do processo decisório e da alocação de poder entre. Os stakeholders da firma são todos
aqueles agentes econômicos que possuem um stake na firma, algo a ganhar ou perder como
resultado das suas atividades. O Comitê da Basiléia de Supervisão Bancária tem elaborado
inúmeras sugestões para o fortalecimento da estrutura de governança corporativa de
instituições bancárias.
As transformações econômicas observadas nas economias da Europa Central e Oriental, os programas
de estabilização inflacionária adotados em países em desenvolvimento e a volatilidade crescente dos
mercados financeiros das nações desenvolvidas aparecem como variáveis adicionais na definição do
ambiente competitivo onde as firmas operam. Entender a dinâmica do funcionamento das firmas é,
cada vez mais, fundamental para a compreensão de uma economia de mercado.
A natureza da firma (companhia ou sociedade) foi inicialmente estudada por Adam Smith, no
momento da Revolução Industrial na Inglaterra, e formalizada em sua obra clássica - An Inquiry into
the Nature and Causes of the Wealth of Nations, de 1776. O modelo inicial de análise, posteriormente
denominado de modelo neoclássico, supunha um mercado de concorrência perfeita, sem custos de
transação e com perfeita mobilidade de insumos e fatores de produção. Este modelo atingiu o seu
ápice na formulação de Alfred Marshall no início deste século, apresentada em seus Principles of
Economics.
Em geral, esse modelo do comportamento da firma pressupõe como função objetivo dos
administradores a maximização do lucro (definido em termos correntes e futuros). No entanto, é muito
possível que na prática a função objetivo contenha outras variáveis e, portanto, que o critério de
decisão sobre a alocação de recursos escassos seja mais amplo. É neste contexto que o chamado
problema de agência (principal-agent problem) adquire uma conotação relevante, já que trata de
informações e esquemas de incentivos.
No entanto, apesar da sua utilidade no entendimento do funcionamento da firma, o modelo
neoclássico apresentava sérias deficiências. Primeiro, desconsiderava completamente o papel dos
incentivos dentro da firma. Segundo, desenvolvia muito pouco a organização interna da firma
(estrutura hierárquica, delegação de decisões e alocação de autoridade). Terceiro, não delimitava
satisfatoriamente as fronteiras da firma. A partir do trabalho pioneiro de Ronald Coase, em 1937,
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inúmeros economistas debruçaram-se sobre essas deficiências, o que resultou na elaboração de
modelos alternativos, apesar de ainda inseridos no contexto da abordagem neoclássica.
A governança corporativa pode ser definida de várias maneiras sendo uma delas os modos do
processo decisório e da alocação de poder entre os acionistas, os membros do conselho de
administração e os diretores executivos da firma. Um objetivo central de qualquer estrutura de
governança é permitir que a firma opere da "melhor forma possível". De fundamental importância,
neste contexto, são as atribuições, os direitos e os deveres dos acionistas, dos conselheiros e dos
diretores.
Em essência, os fundamentos da governança corporativa compreendem um conjunto de controles
básicos pelos quais as firmas são governadas. Não obstante a relevância do tema é curioso o fato de
que a expressão "governança corporativa" não existia a mais do que 20 anos atrás, apesar de muitas
das questões fundamentais tratadas por ela terem surgido com o estudo clássico de A. Berle e G.
Means - publicado em 1932 - The Modern Corporation and Private Property.
Na discussão da governança corporativa o conceito de stakeholder é fundamental. Um stake é
algo de valor (capital financeiro, humano ou físico) que está sob risco. Os stakeholders da firma são
todos aqueles agentes econômicos que possuem um stake na firma, algo a ganhar ou perder como
resultado das suas atividades. Esses stakeholders compreendem uma gama bastante ampla de agentes:
acionistas, credores, funcionários, fornecedores, clientes e governo. Desses agentes, geralmente são os
administradores profissionais, e outros com acesso a informações confidenciais sobre a companhia,
que controlam as principais decisões. Dada a separação do controle e propriedade observado nas
economias de mercado, o modo através do qual os stakeholders controlam os administradores é
matéria da governança corporativa. Portanto, a razão principal da governança corporativa é esta
separação e o problema de agência decorrente.
A correta identificação e análise dos stakeholders é fundamental para a otimização da estrutura de
governança corporativa. Em geral, os stakeholders podem ser classificados em classes de acordo com
os atributos que possuem; esses atributos são usualmente organizados em três grupos distintos: 1) o
poder em influenciar a firma; 2) a legitimidade do relacionamento com a firma; e 3) a urgência das
demandas sobre a firma. Não resta dúvida de que a otimização de estrutura de governança de qualquer
firma deve levar em consideração, primeiro, a correta identificação dos stakeholders e, segundo, o
atendimento de maneira eficiente e eficaz dos seus interesses.
O Comitê da Basiléia de Supervisão Bancária tem elaborado inúmeras sugestões para o
fortalecimento da estrutura de governança corporativa de instituições bancárias. A supervisão bancária
não funciona de forma eficiente se essa estrutura não está operacionalizada e, daí os reguladores têm
um grande interesse em assegurar-se de que a estrutura de governança seja efetiva. A experiência
regulatória demonstra a necessidade de se constituir mecanismos de cheks and balances para cada
banco. Em resumo, uma completa estrutura de governança pode tornar o papel dos supervisores muito
mais fácil.
Estudos recentes desse Comitê enfatizam a necessidade de os bancos estabelecerem estratégias
operacionais e definirem accountability na sua execução. Além disso, a transparência e
disponibilidade das informações relacionadas às condições, decisões e ações existentes são
inteiramente relacionadas com essa accountability, na medida em que dão aos participantes do
mercado informações suficientes para avaliaram a administração do banco.
Em particular, a estrutura de governança dessas instituições impacta o modo como os bancos: (i)
estabelecem objetivos corporativos (incluindo a geração de retorno para os seus acionistas); (ii)
conduzem diariamente as operações financeiras; (iii) consideram os interesses dos seus stakeholders;
(iv) concatenam atitudes e ações corporativas com a expectativa de que irão operar da melhor maneira
possível e em acordo com a regulação geral e (v) protegem os interesses dos seus depositantes.
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Dadas as disparidades observadas nas estruturas de governança corporativa, decorrentes das
diferenças entre os sistemas econômicos e o ordenamento jurídico dos países que as adotam, não
existe uma única melhor prática de governança. No entanto, existem quatro formas de supervisão que
deveriam ser incluídas na estrutura organizacional de qualquer instituição bancária para assegurar que
os checks and balances são apropriados: (i) supervisão por um Conselho de Administração ou
Conselho de Supervisão, (ii) supervisão por agentes não envolvidos no dia-a-dia das operações nas
diversas unidades, (iii) supervisão direta de áreas de negócio e (iv) gestão de risco e auditoria
independentes. Além disso, é preciso que o capital humano seja adequado à realização dessa
fiscalização.
É entendimento corrente que boas práticas de governança corporativa devem proporcionar um
referencial importante para respostas rápidas do conselho de administração e da diretoria a situações
que podem impactar diretamente o investimento dos acionistas. Na verdade, pode-se mesmo afirmar
que a ausência de uma boa governança corporativa - mesmo em uma instituição com excelentes
resultados financeiros - pode implicar em vulnerabilidades para os acionistas, na medida em que a
companhia pode não estar posicionada otimamente para tratar de eventuais desafios administrativos e
financeiros.
No caso particular de instituições bancárias, o Comitê da Basiléia de Supervisão Bancária sugere,
dentre outras, as seguintes melhores práticas de governança corporativa:
Estabelecer objetivos estratégicos e um conjunto de valores corporativos que são disseminados
por toda a organização;
Definir e cobrar linhas de responsabilidade e accountability por toda a organização;
Assegurar que os membros do conselho de administração são devidamente qualificados para os
seus cargos, possuem um claro entendimento do seu papel na estrutura de governança corporativa
e não estão sujeitos a influências indevidas dos administradores ou de interesses externos;
Assegurar que os administradores são devidamente supervisionados;
Utilizar efetivamente os trabalhos realizados pelos auditores internos e externos, em parte
responsáveis por importante função de monitoramento;
Assegurar que os mecanismos de remuneração são consistentes com os valores éticos da
instituição, seus objetivos, suas estratégias e seu ambiente empresarial;
Conduzir a governança corporativa de modo transparente.
Luiz Nelson Porto Araujo, economista, é sócio-diretor da Delta Economics & Finance. Foi Professor do Departamento de
Planejamento e Análise Econômica da EAESP-FGV e da FCECA da Universidade Mackenzie.
As opiniões expressas nesse estudo são de responsabilidade exclusiva do(s) autor(es) e não expressam, necessariamente, a
visão da Delta Economics & Finance.