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UNIVERSIDADE DO ESTADO DA BAHIA – UNEB
    DEPARTAMENTO DE ENSINO – CAMPUS XIV
         LICENCIATURA EM HISTÓRIA


        ALINE DA SILVA MOREIRA MENDES




ENTRE O DISCURSO DA IGREJA E A PRÁTICA DAS
RELAÇÕES CONJUGAIS: PERCEPÇÕES FEMININAS
 NUMA CIDADE DO INTERIOR BAIANO 1980-2009




                    Trabalho de Conclusão de Curso de
                    Licenciatura em História da Universidade do
                    Estado da Bahia – Campus XIV, orientado
                    pela professora Zuleide Paiva.




             CONCEIÇÃO DO COITÉ
              FEVEREIRO DE 2010
2


ENTRE O DISCURSO DA IGREJA E A PRÁTICA DAS RELAÇÕES
CONJUGAIS: PERCEPÇÕES FEMININAS NUMA CIDADE DO INTERIOR
                                   BAIANO 1980-2009


                                                           Aline da Silva Moreira Mendes*


RESUMO

Este artigo discute como a mulher evangélica se posiciona enquanto sujeito histórico
ante o discurso de sua Igreja e situações cotidianas que envolvem sua fé na Bíblia, sua
relação com a Igreja, e suas concepções pessoais sobre deveres conjugais e a condição
feminina. Divide-se em duas partes: a primeira analisa como a Igreja Evangélica
Assembléia de Deus nos períodos de 1980-2009 constrói o gênero a partir de Revistas
da Escola Bíblica Dominical, a segunda discute como as mulheres evangélicas
percebem o gênero. Tenta-se fazer aqui um paralelo entre as interpretações da Igreja e a
percepção de gênero das mulheres.

Palavras-chave: Discurso religioso, mulher evangélica, gênero, sujeito histórico.

ABSTRACT

This article discusses how evangelical woman stands as a historical speech against the
Church and the everyday situations that involve their faith in the Bible, its relationship
with the Church and their personal conceptions of conjugal duties and status of women.
It is divided into two parts: the first looks like the Evangelical Assembly of God in the
periods of 1980-2009 to build the kind of magazines from Sunday school, the second
discusses how women perceive the gospel genre. We try to make a parallel between the
interpretations of the Church and gender perception of women.

Keywords: Speech religious, evangelical women, gender, historical subject.



1 INTRODUÇÃO


           Desde o início do século XX o fazer histórico tem passado por uma série de
questionamentos levantados em termos de seus objetos de estudos, sujeitos, fontes e
possibilidades temáticas. Nesse sentido a Escola dos Annales em seus anseios por uma
“história nova” que problematizasse o social em suas diversas instâncias e fosse capaz
_________________________
*Estudante do IX Semestre do curso Licenciatura em História da Universidade do Estado da Bahia
Campus XIV. E-mail: alineemendes@yahoo.com.br
3



de tratar de outros sujeitos históricos em suas outras dimensões, assim como o
movimento feminista na década de 1960, possibilitaram o surgimento de uma história
que abordassem um tipo de sujeito excluído até então: as mulheres. Entretanto,
enquanto categoria social extremamente heterogênea não se pode falar de uma história
da mulher, mas de história das mulheres1.
             Este trabalho pretende estudar um grupo bastante específico de mulheres: as
mulheres casadas participantes da Igreja Evangélica Assembléia de Deus em Conceição
do Coité no período de 1980-2009. Parte para tanto da questão central: como essas
mulheres posicionam-se entre o discurso de gênero de sua Igreja e as diversas situações
que envolvem uma relação conjugal2.
             Adota-se aqui a abordagem micro-histórica a partir do conceito de Giovanni
Levi, para quem a mesma não se define apenas pelas micro-dimensões de seu objeto de
estudo, mas pela tentativa de questionar os grandes sistemas explicativos da realidade
social, pela intenção de estudar a ação dos indivíduos dentro das estruturas sociais,
investigar os limites e possibilidades de sua liberdade exercida pelas brechas existentes
dentro das mesmas. Como ele o coloca “definir as margens – por mais estreitas que
possam ser – da liberdade garantida a um indivíduo pelas brechas e contradições dos
sistemas normativos que o governam”3.
             O conceito de poder aqui adotado é o de Michel Foucault, segundo o qual
todos os sujeitos são investidos de poder e não há como tê-lo de forma permanente.


                           O poder está, ao mesmo tempo, em toda parte e em lugar nenhum. Ele é, a um
                           só tempo, visível e invisível, presente e oculto. O fato é que o poder não pode
                           ser apropriado; não por uma mesma classe, não de forma exclusiva, não de
                           forma permanente, não por um mesmo grupo de pessoas: ‘ o poder não é algo
                           que se adquira, arrebate ou compartilhe, algo que se guarde ou deixe escapar
                           4
                             .



1
  SOIHET, Rachel. História das mulheres. In. CARDOSO, Ciro Flamarion, VAINFAS, Ronaldo (orgs.).
Domínios da História: Ensaios e metodologias. Rio de Janeiro: Elsevier, 1997, p 275-6.
2
  A delimitação temporal do trabalho 1980-2009 refere-se ao discurso divulgado pelas revistas da Escola
Dominical da Assembléia de Deus no período. Vale como delimitação de todo trabalho uma vez que as
mulheres aqui entrevistadas presenciaram esse discurso nesse período. É importante ressaltar, entretanto,
que como as percepções de gênero das duas entrevistadas referem-se à toda história de vida delas, são
analisados nesse artigo episódios de suas vidas que não se encerram dentro dessa temporalidade
delimitada.
3
  LEVI, Giovanni. Sobre a micro-história. In: BURKE, Peter. A escrita da história: Novas perspectivas.
São Paulo: UNESP, 1992, p. 135.
4
  FOUCAULT, Michel. História da sexualidade, volume I: A vontade de saber. apud POGREBINSCHI,
Thamy. Foucault, para além do poder disciplinar e do biopoder. Lua Nova nº 63, 2004, p 189.
4

           O conceito de poder de Michel Foucault, bastante útil ao romper com a
concepção de mulheres rebeldes x passivas, concebe o poder como uma prática de
caráter fluido e relacional em que ambas as partes exercem o poder. Nesse sentido
Foucault admite a dominação dialética, na qual a resistência é um elemento intrínseco
ao exercício do poder, ou seja, que em nenhum sistema de dominação apenas uma das
partes exerce o poder, ou que existe um ser passivo ante a um ativo, antes ambos
exercem o poder de maneira relacional. Nesse sentido entende-se aqui resistência como
o exercício do poder pelos sujeitos que assumem algum tipo de desvantagem em uma
dada relação.
           Partindo do pressuposto que numa relação conjugal em que a mulher assuma
a identidade cristã está numa situação de desvantagem - uma vez que o discurso
religioso cristão afirma “o homem é a cabeça da mulher como Cristo é o cabeça da
Igreja” - como funciona a relação de poder, uma vez que o exercício do mesmo lhe é
negado com autoridade sagrada? Como as mulheres reagem a esse discurso? Ou ainda,
como o mesmo as orienta?
           Perceber como as mulheres evangélicas casadas de uma Igreja Evangélica
tradicional, a qual constrói o gênero de forma um tanto patriarcal, se percebem ante a
obrigação de serem boas donas-de-casa, submissas ao seu marido, é relevante ao
questionar a posição de submissas e passivas que estas mulheres deveriam ocupar
mediante uma autoridade divina. Implica percebê-las como sujeitos históricos.


2 DISCURSO E IDENTIDADE SUBJETIVA


           Debates efervescentes atuais que questionam a capacidade humana de
apreensão do real em si têm dado grande importância à linguagem, enquanto meio
essencial de comunicação humana e, portanto como elemento imprescindível na
elaboração das representações, construções ideológicas que são oferecidas aos sujeitos
sociais. Nesse sentido fica posta a atenção que se deve dar aos sistemas discursivos que
constroem as diferenças entre homens e mulheres.
       Nesse sentido o conceito de gênero de Scott é bastante útil ao apontar a
necessidade de se estudar o gênero, como ele é construído, uma vez que o gênero
constrói as relações sociais. Para ela “o gênero é um elemento constitutivo de relações
sociais baseadas nas diferenças percebidas entre os sexos e o gênero é uma forma
5

primeira de significar as relações de poder5” e ele se constitui na sociedade por meio de
quatro elementos: os símbolos culturalmente disponíveis que evocam representações
múltiplas, os conceitos normativos que interpretam e delimitam o sentido dos símbolos
a fim de “conter as suas possibilidades metafóricas”, as instituições e organizações
sociais e a identidade subjetiva.
         Scott deixa claro que cabe aos historiadores verificar como esses quatro
elementos se inter-relacionam. Para os fins que se propõe este trabalho, estudar sujeitos
históricos femininos, opera-se a seguinte síntese do conceito de Scott: o discurso
efetuado por meio das instituições – neste caso a Igreja - se dá através do controle das
figuras socialmente disponíveis, as quais atuam na construção de identidades subjetivas.
         Para a concepção de identidade este trabalho parte do conceito de Stuart Hall:
algo não tão seguro, fluido, em que diversas identidades, às vezes antagônicas
coexistem. “A identidade plenamente unificada, completa, segura e coerente é uma
fantasia”6.


3 DISCURSO DA IGREJA


              A cerca do discurso normativo da Igreja sobre o comportamento do homem
e da mulher na relação conjugal verifica-se a insistência de percepções centradas no
sistema ideológico de gênero de modelo patriarcal, aqui entendido a partir do conceito
de Heleieth Saffioti7, como uma ordem ideológica que dita a dominação/exploração
masculina sobre as mulheres que possui forte potencial de construir relações sociais
desiguais.
              Para uma compreensão do que o discurso oficial da Igreja Evangélica
Assembléia de Deus em Conceição do Coité diz acerca das relações conjugais,
referendamo-nos numa série de “Revistas da Escola Dominical” de 1980-2009
ensinadas em reuniões dominicais.
              A Escola Bíblica dominical é um dos departamentos mais importantes da
Igreja, é nela onde acontecem os ensinamentos mais diversos sobre o modo de viver do
5
  SCOTT, Joan. Gênero: uma categoria útil de análise histórica. ( Tradução de Christine Rufino Dabat e
Maria Betânia Ávila). Recife, SOS Corpo, 1991. p. 14.
6
  HALL, Stuart.. A identidade cultural na pós-modernidade Tradução Tomaz Tadeu da Silva e Guacira
Lopes Louro. 11ª ed. Rio de Janeiro: DP&A, 2006. p. 13.
7
  SAFFIOTI, Heleieth I.B. Contribuições feministas para o estudo da violência de gênero. Revista labrys,
estudos    feministas,      número      1-2,    julho/     dezembro       2002.      Disponível     em:
http://www.unb.br/ih/his/gefem/labrys1_2/heleieth1.html
6

crente. Percebe-se, portanto a importância de recorrer às revistas nela utilizadas por elas
serem de maior acesso ao conjunto de membros da Igreja e serem ensinadas em cada
domingo ao conjunto de membros da mesma.
            Predominantemente o discurso das revistas pauta-se na interpretação dos
textos da Bíblia, única autoridade que representa a voz do próprio Deus. Partindo,
portanto da evidência de que a Bíblia é “inerrante, infalível”8, mas às vezes difícil de ser
entendida, resta interpretá-la de forma verdadeira a fim de se evitar interpretações
infundadas.
            Michel Foucault ao estruturar suas definições sobre o discurso, suas formas
de atuação na sociedade, coloca que na nossa sociedade atual existem discursos
corriqueiros, que se formam e desaparecem logo, mas que existem outros, entretanto


                          que estão na origem de certo número de atos novos de fala que os retomam,
                          os transforma ou falam deles, ou seja discursos que, indefinidamente, para
                          além de suas formulações, ‘são ditos’, permanecem ditos e estão ainda por
                          dizer9.

            Entre os discursos que “estão ainda por dizer” encontram-se os discursos
religiosos, os quais por assumirem o caráter de porta-vozes da vontade divina são
constantemente retomados; afirmados quando concorda-se com o mesmo, e
reinterpretados quando não aceitos pelos participantes da fé. No que se refere ao
discurso cristão, neste caso no da Igreja Evangélica Assembléia de Deus, este só tem
validade se a Bíblia o confirmar. Nesse sentido vale notar que as revistas da Escola
Bíblica Dominical, por serem comentadas por diferentes autores, variam na
interpretação da Bíblia, mas produzem doutrinas e ensinamentos “verdadeiros” que são
ensinados e difundidos entre os membros da Igreja por se basearem na mesma.


3.1 SUBMISSÃO


            Diante da evidência de que são diversos os textos bíblicos que afirmam o
papel de liderança do homem sobre a mulher, e o dever da submissão da mulher10,


8
  LIÇÕES BÍBLICAS JOVENS E ADULTOS. Rio de Janeiro: CPAD-. Trimestral. 3º trimestre, 1980, p 9
e 28.
9
  FOUCAULT, Michel. A ordem do discurso. 10ª ed. São Paulo: Edições Loyola, 2008. p. 22.
10
   Algumas passagens bíblicas que se referem a esse assunto:
Efésios 5.22, 24: “Vós mulheres sujeitai-vos a vossos maridos, como ao Senhor; porque o marido é a
cabeça da mulher, como também Cristo, é a cabeça da Igreja, sendo ele próprio o salvador do corpo. De
7

afirma-se a veracidade dessa ordem: a mulher deve submeter-se e o marido liderar a
família.
              Essa percepção confere à mulher um dever de submissão ao esposo do qual
não pode fugir, desde que constitui-se num mandamento divino e colocar-se dentro de
uma hierarquia divina significa obedecer ao próprio Deus: “Por obediência à Palavra de
Deus e por efeito da salvação, deve o marido amar a sua esposa e cuidar dela. Pelo
mesmo motivo, cabe à mulher ser submissa ao seu marido, sendo fiel e leal’.”11
           Esse discurso apesar de ser complexo, pois ao mesmo tempo em que indica a
autoridade masculina, lhe tira, e ao passo que indica a submissão feminina, a minimiza,
oferecendo-lhe às vezes mecanismos de defesa (como ao Senhor...) não foge da
hierarquia familiar em que o marido é o líder e a mulher acata a liderança do marido,
desde que suas ordenanças estejam de acordo com o padrão cristão. Para tanto coloca
um fardo sobre a mulher, ser submissa ao marido, seja ele crente ou não, e outro sobre o
homem ser o protetor, o provedor, ter obrigação de amar. Chega mesmo a insistir na
naturalização dessa posição, afirmá-la imutável (porque divina): “Existe uma ordem,
natural e divina, dentro do princípio de autoridade. Deus, o Pai, é o cabeça de Cristo;
Cristo é o cabeça do homem; e o homem o cabeça da mulher”12 .
           Concebe-se, portanto que “A submissão (...) é um mandamento bíblico. É o
alicerce da família enquanto instituição”13, o qual deve ser seguido como sinônimo de
fé, de respeito à autoridade divina. O que existe, portanto é uma divinização da
ordenação dos papéis que exige uma submissão espontânea por parte da mulher.

                            De acordo com o padrão divino, exarado na Escrituras, é simplesmente
                            deplorável quando a esposa ‘mandona’ domina, e o marido, acomodamente se
                            submete. (...) mostrar-se uma mulher submissa a seu marido, crente ou não, é


sorte que, assim como a Igreja está sujeita a Cristo, assim também as mulheres sejam em tudo sujeitas a
seus maridos”.
-Colossenses 3.18 e 19: “Vos, mulheres, estai sujeitas a vossos próprios maridos, como convém no
Senhor. Vós, maridos, amai a vossas mulheres e não vos irriteis contra elas.”
-1 Pedro 3.1: “Semelhantemente, vós, mulheres, sede sujeitas aos vossos próprios maridos, para que
também, se alguns não obedecem à palavra, pelo porte de suas mulheres sejam ganhos sem palavra”.
- Tito 2.4-6: “Para que ensinem as mulheres novas a serem prudentes, a amarem seus maridos, a amarem
seus filhos, a serem moderadas, castas, boas donas de casa, sujeitas a seus maridos, a fim de que a palavra
de Deus não seja blasfemada. Exorta semelhantemente os mancebos a que sejam moderado”
-1 Coríntios 11.3: “Mas quero que saibais que Cristo é a cabeça de todo varão, e o varão, a cabeça da
mulher; e Deus, a cabeça de Cristo ”.
-Gêneses 3.16: “E à mulher disse: multiplicarei grandemente a tua dor e a tua conceição; com dor trás
filhos; e o teu desejo será para o teu marido e ele te dominará”.
11
   LIÇÕES BÍBLICAS JOVENS E ADULTOS. Rio de Janeiro: CPAD-. Trimestral. 3º trimestre, 1987, p
88.
12
   Id., 3º trimestre, 1987, p. 28.
13
   Id., 4º trimestre, 1996, p. 30.
8

                              revelar submissão ao próprio Senhor Jesus (...) A submissão, particularmente,
                              da mulher cristã a seu marido não deve ser por temor ou por força, mas de
                              boa vontade em obediência ao preceito divino (Ef 5.22; 1 Pe 3.1). 14

              Nas lições das duas décadas seguintes o mesmo ainda é afirmado:


                              A esposa ser submissa ao marido, em termos bíblicos, não constitui
                              inferioridade alguma. É um mandamento bíblico. Não há dificuldade em uma
                              esposa obedecer ao marido, quando primeiramente ela obedece a Cristo como
                              seu Salvador e Senhor.15

              Ou ainda: “Mulher alguma terá dificuldades de manter-se submissa ao
marido que a ama e comporta-se conforme os padrões da Palavra de Deus”16.
               Como já foi dito a submissão é ensinada como algo que faz parte de uma
natureza divina, porque por Deus foi ordenado assim. Não dá para negar, portanto a
situação difícil em que são postas as mulheres: pede-se a submissão espontânea, mas
esta cheira imposição, e uma imposição cruel porque não é humana, é divina, portanto
não pode ser questionada e sendo assim a mulher deve ter “conduta obediente, piedosa,
carinhosa - modo de aprazer o marido e ser testemunho sem palavras”17.
              Conferir à mulher esse lugar de submissão, mesmo que ela seja norteada
pelo amor e moderação do marido, como o deseja a Igreja, hierarquiza a relação
conjugal, constrói o gênero de forma desigual em desvantagem às mulheres.
              Entretanto, embora possa parecer contraditório, esse mesmo discurso que
prega a submissão oferece em contrapartida meios para a mulher burlá-lo, desde que se
baseie também na Bíblia, como notaremos mais adiante.


3.2 ORGANIZAÇÃO FAMILIAR


              A naturalização desse tipo de organização familiar vai, entretanto além das
ordenanças sobre o exercício do poder, ela dita também sobre os deveres e
responsabilidades com os filhos, com a casa. Vejamos como isso é colocado:


                              Em relação à casa a mulher cristã (...) ela prima pelo rigoroso asseio de sua
                              casa e procura mantê-la em boa ordem. Trata a todos, de modo atencioso e
                              cordial, deixando aos visitantes as belas impressões de seu zelo e cuidado (...)
                              Em relação aos filhos a mulher virtuosa não deixa de ser, concomitantemente,
                              uma boa mãe. Não só cuida da educação dos filhos infundindo neles boas

14
   Id.,2º trimestre, 1987, p. 28.
15
    Id., 4º trimestre 1996, p. 30.
16
   Id., 3º trimestre 2007, p. 51.
17
   Id., 4º trimestre, 2001, p 41.
9

                              maneiras, auxiliando, com isto, ao marido, como também dá-lhes assistência,
                              seja zelando pelo seu vestuário, seja cuidando de sua higiene corporal, ou
                              orientando-os moral, social e espiritual.18


              Nessa mesma revista há uma passagem um pouco contraditória quando
compara a mulher a uma videira frutífera – “A tua mulher será como a videira frutífera
aos lados da tua casa; os teus filhos como plantas de oliveira à roda da tua mesa (Sl
128.3)” - quando a explica de duas formas. A primeira relaciona-se ao modelo de boa
esposa/dona-de-casa, o que significa sua beleza também. A segunda, em sua primeira
frase faz referência à importância econômica, à prosperidade do lar, a uma mulher
eficiente.
                               É linda a parreira, suspensa em suporte, coberta de uvas. Bem representa a
                              beleza da esposa querida, da dona de casa, zelosa e mãe carinhosa, dirigindo
                              o lar, adornando a casa e acariciando os filhos (...) A videira era responsável
                              por uma parte importante da economia de Israel e também de outras nações
                              no Antigo Testamento. Por isso, diz o salmista: ‘tua esposa como videira no
                              interior da tua casa’. Ele compara a importância da videira com a ação da
                              mulher eficiente, responsável pela prosperidade do seu lar.19


              Nessa mesma revista e à respeito da mesma passagem bíblica se interpreta as
funções de pai de família relacionadas à liderança sobre mulher e filhos, o que significa
também ser o provedor do lar, como vemos nessas duas passagens: “A liderança do
homem, indicada pelos possessivos ‘tua’ e ‘teus’. Isto ensina que o encargo de proteger
o lar, prover o conforto, a segurança, a estabilidade, enfim, depende do chefe da
família”20 e “É dever (do pai) esforçar-se para manter a família dignamente, mediante
trabalho diligente e bem planejado”21.
              Fala-se até que é para os homens ajudarem nos afazeres domésticos,
entretanto, isso é colocado porque a mulher possui constituição física mais frágil: “ o
homem deve entender que a mulher, por sua constituição física mais frágil, deve ser
auxiliada em seus afazeres domésticos”22.
              Como se viu mais acima, o modelo de família orientado pela Igreja é o
homem enquanto mantenedor da casa, liderança da família, a mulher enquanto boa
esposa e dona-de-casa.




18
   Id., 3º trimestre, 1987, p. 4.
19
   Id., 3º trimestre, 1987, p. 43.
20
   Id., 3º trimestre, 1987, p. 43.
21
   Id., 3º trimestre, 1987, p. 32.
22
   Id., 4º trimestre, 2001, p. 43.
10

                               O dever da esposa não é somente o de fazer saborosas refeições, cuidar da
                              casa, ser mãe carinhosa. O marido também precisa de seu carinho, de seus
                              beijos e abraços, e de um bem-vindo afetuoso, ao retornar para casa no
                              términio de cada jornada de trabalho. 23

                              As pressões e demandas sociais e econômicas dos últimos tempos têm levado
                              multidões de mulheres a buscar o incremento dos recursos financeiros da
                              família, o que não fere os princípios bíblicos. Porém, isso não a isenta da
                              responsabilidade de cumprir as orientações de seu marido no lar,
                              principalmente na educação dos filhos, além da própria manutenção e bem-
                              estar da família (Pv. 31). Por mais que esta mulher disponha de pessoas para
                              executar as tarefas rotineiras do lar, sobre ela recai a responsabilidade final
                              das atribuições de uma mãe de família e dona de casa. 24


              Percebe-se nesse último trecho certa relativização do trabalho feminino fora
do lar desde, entretanto, que ela não abra mão dos serviços domésticos, e isso mesmo
que tenha empregada doméstica.


3.3     OUTRAS             POSSIBILIDADES               INTERPRETATIVAS                   SOBRE         OS
SÍMBOLOS?


3.3.1 ADÃO E EVA


              Como visto o discurso de gênero das revistas não segue uma forma fixa, há
uma variação na forma como ele se apresenta, às vezes é ressaltada a literalidade da
submissão que signifique uma acatação das vontades do marido, às vezes é apresentada
como algo que faz parte da fé, outrora como algo que deva ser cumprido, mas de forma
em que os princípios máximos que a ordena sejam cumpridos por parte do marido “no
Senhor”. Da mesma forma, os mesmos símbolos são interpretados de forma
diferenciadas, vejamos sobre o fato da criação de Eva ter se dado a partir de Adão, o
que Deus queria dizer com isso? Quais lições tirar do primeiro casal?

                              Deus, na sua sabedoria, não fez a mulher do pó da terra, mas tirou-a de Adão.
                              (...) Era assim, do mesmo sangue e da mesma carne de Adão. Podiam,
                              portanto, se amar profundamente e viver na mais perfeita intimidade, em
                              condições de servirem de modelo para todos os casais, em todas as épocas. 25


              Fica assim justificada a vontade de Deus em fomentar o amor entre o casal.
Mas seria só isso?


23
   Id., 4 º trimestre, 1993, p 42.
24
   Id., 2º trimestre 2004, p. 29.
25
   Id., 3º trimestre 1987, p. 4.
11

                               É interessante notar que a mulher foi feita duma costela tirada do lado de
                               Adão. Não foi tirada da cabeça, para que viesse mandar nele, nem tampouco
                               do pé, para ser por ele pisada, mas do seu lado, para ao lado dele permanecer.
                               A costela, debaixo do braço indica que a mulher deve ser protegida pelo
                               homem. Foi tirada de perto do coração para ser amada por ele. 26


               Esse outro texto que faz uma analogia à criação se utiliza da imagem para
colocar Eva ao lado de Adão e não debaixo de seus pés, seria um controle de possíveis
pretensões machistas, e uma afirmação da obrigação do marido amar a esposa.
Entretanto noutra lição já houvera se afirmado o lugar da mulher em relação ao homem
não como parceira, mas como um ser que deve sujeitar-se ao homem, por conta de sua
fragilidade em ter se deixado influenciar pela serpente e ter causado um grande estrago
ao paraíso que teria sido oferecido ao desfrute do homem, como vemos:


                               há um juízo sobre a mulher, conforme Gênesis 3.16. Nesta escritura, Deus
                               predisse que ela seria sujeita ao homem. Não seria mais a parceira na
                               administração da terra. Seria dominada pelo marido e toda sua vontade estaria
                               subjugada a ele. Seus filhos seriam gerados com dores de parto.27

               Além disso, utiliza-se dessa mesma cena para afirmar a naturalização de
aspectos de fragilidade oferecidos às mulheres ao longo da história e à posição de
liderança oferecida aos homens. Afirma a predisposição psíquica mais racional que
emocional do homem – “por isso Deus lhe confiou a condução do lar. A ele compete
enxergar os problemas, estudar e promover as suas soluções”28 - e a fragilidade inerente
à natureza feminina:


                               Satanás sabia que não seria tão fácil convencer o casal a desobedecer a Deus.
                               Ele investiu, então sobre a mulher, porque entendia que ela, como um ser
                               mais frágil que o homem, facilmente cederia as suas provocações .29


          Justifica-se, portanto a submissão feminina como ordenança de Deus, pelo fato
dela ser mais frágil e ter se deixado seduzir pela astúcia da serpente.

3.3.2 FIGURAS DE MULHERES


            Um dos exemplos mais intrigantes ensinados nas revistas é a figura de Débora
- figura que atuou como juíza em Israel e liderou uma guerra na qual os israelitas foram


26
   Id., 4º trimestre 2001, p. 40.
27
    Id., 4º trimestre 1995, p. 29.
28
    Id., 2º trimestre 2004, p. 28.
29
    Id., 4º trimestre, 1995, p.27.
12

vencedores - o qual ao contrário de oferecer exemplo de coragem, de capacidade
feminina às mulheres, oferece-se ao exemplo de coragem, ou mesmo de submissão à
Deus, à todos os cristãos: “Débora é um exemplo de fé e coragem para todos os que
amam a Palavra de Deus”30. Em termos da possibilidade de o exemplo de Débora
oferecer-se às mulheres esta é indicada a ser utilizada no exercício de suas atividades
voltadas à vida religiosa.
               Às vezes não se hesita utilizá-la para afirmar ainda assim o caráter pequeno
e frágil das mulheres. Há por exemplo numa revista analisada a explicação da utilização
de uma mulher por Deus para liderar uma guerra: “Deus usa instrumentos frágeis”31,
afinal “Deus usa quem quer e onde quer”, e que é de propósito de Deus fazê-lo para
confundir a sabedoria humana. Ainda que na mesma lição fique posta uma possibilidade
de que a designação de lugares inferiores às mulheres na sociedade israelita enquanto
“princípios humanos”, a afirmação das mulheres enquanto seres frágeis é significativa
ao passo que isso é dado como natural e não como designação puramente humana e
cultural.
              Outras figuras femininas invocadas reforçam características de fidelidade a
Deus, ao esposo, e ao sacerdote, como por exemplo, Sara, figura esta invocada por
excelência para tratar do exemplo de submissão. Esta é mostrada, portanto como
mandamento divino, e cumprí-lo acarreta bênçãos.


                              Abraão foi repreensível, mas Sara não o desonrou diante dos egípcios. (...)
                              não se manifestou, mas fora submissa à decisão tomada pelo marido. Ela
                              mesma prontificou-se a confirmar a história contada pelo esposo (Gn. 20.5).
                              O grande patriarca mais uma vez expôs sua esposa ao perigo, para poupar a
                              própria vida. Isto já seria motivo mais que suficiente para que Sara se
                              opusesse à decisão do patriarca. Porém, não o fez. Foi assim que o próprio
                              Deus entrou em cena para livrá-la (Gn. 20.3). Sua obediência foi
                              recompensada. 32

              Existe, portanto uma divinização das relações de gênero em que obedecer ao
esposo significa obedecer ao próprio Deus, e fazê-lo, portanto deve ser gratificante, pois
se espera uma vitória, uma saída providenciada pelo mesmo.
              Nesse sentido poderia se dizer claramente que o discurso proferido pela
Igreja Assembléia de Deus assume a conotação patriarcal, ou seja, oferece meios para
difusão/perpetuação das relações desiguais de gênero, em que aos homens são

30
   Id., 3º trimestre 2007, p. 37.
31
   Id., 2º trimestre 1996, p. 25.
32
   Id., 3º trimestre 2007, p. 50.
13

concedidos direitos sobre as mulheres, e estas devem demonstrar boa vontade em
obedecer tal ordem que lhes afirma uma posição de subordinação. Ou seja, contribui
pela divinização das possibilidades do “regime da dominação-exploração das mulheres
pelos homens”, como o diz Saffioti (2002), a qual afirma a existência do sistema
ideológico que confere aos homens direitos sobre as mulheres, o qual potencialmente
pode se configurar na realidade sob a forma de violências diversas contra as mulheres.
             A partir dessa breve exposição acerca do discurso religioso de uma Igreja
Evangélica fica uma pergunta como as mulheres evangélicas se posicionam frente a
tudo isso? Esse discurso realmente orienta suas atitudes? Se elas se reconhecem como
fiéis como lidar com os problemas cotidianos presentes uma relação conjugal?



4 PERCEPÇÕES FEMININAS


             Como foi exposto, o sistema ideológico de gênero em suas formas de difusão
se dá em muitos aspectos pela atribuição de características opostas ao homem e a
mulher, com a especificação de papéis e comportamentos antagônicos. Entretanto a
realidade social é mais complexa não se dando em formas de oposição rígida, mesmo
que o sistema ideológico de gênero o faça.
             Sobre a questão central deste trabalho: como as mulheres se percebem
enquanto mulheres, ou seja, de que forma o discurso religioso é entendido e vivenciado
por elas, foram realizadas duas entrevistas com duas mulheres membros da Igreja
Assembléia de Deus. Zelinda, 65 anos, casada há 46 anos, participa da Igreja como
professora da Escola dominical e dirigente do Círculo de Oração, atuou como
professora por mais de 30 anos. Terezinha, 54 anos, casada há 36 , atua como dirigente
do círculo de Oração, possui o primeiro grau incompleto.
             A metodologia utilizada foi a história oral, seguindo a orientação de não
restringir a entrevista a um aspecto específico da vida das entrevistadas33, procurou-se
saber de suas vivências, como elas percebem a educação que receberam, etc. Nesse
sentido foi detectada       a forma que se deu a educação familiar em dois contextos
distintos em termos de espaço e tempo, mas que ao mesmo tempo coincidem em vários
aspectos.

33
  TOURTIER-BONAZZI, Chantal de. Arquivos: Propostas metodológicas. In: FERREIRA, Marieta de
Moraes; AMADO, Janaína. . Usos e abusos da história oral. 7. ed. Rio de Janeiro: Ed. da FGV, 2005. p.
238.
14

               As lembranças de dona Zelinda e Terezinha fazem referência ao tipo de
educação que receberam. Zelinda nos chama atenção a uma educação voltada ao espaço
doméstico, sem muitas amizades.


                             na época, da minha juventude, a gente não tinha direito assim de passear, de
                             sair de casa, que os pais não liberavam muito (...) dentro de casa a gente não
                             saia para canto nenhum, só de casa para a igreja. Na escola não tinha certas
                             convivências, (não é?), não tinha tanta amizade, como a gente tem hoje34.


               Dona Terezinha reforça a fala de Zelinda, denunciando uma educação rígida
em que nem estudar pôde:


                             apesar de um tempo de ignorância, de muita ignorância naquele tempo, que a
                             gente era bem assim, criada bem presa (...) a gente era criada assim com
                             muito trabalho, trabalhando muito,(...) apesar de... ser um pouco atrasado,
                             que hoje eu não tenho estudo, por causa daquele tempo atrasado né? Que os
                             patrão deles falou, o patrão do meu pai falou que não era pra colocar nas
                             escola, que as escola só tinha o que não presta, e assim meu pai ficou com
                             aquela coisa toda, e não botou a gente pra estudar.35


           Terezinha nos chama atenção à representação do trabalho feminino fora do
espaço doméstico, quando afirma que apesar de ter sido “criada assim com muito
trabalho”, este acontecia mais por uma questão de necessidade material do que por uma
escolha por parte dos pais. Ela afirma que o fato dela trabalhar para fora não bem visto
por seu pai.
                           Trabalhava no motor e dentro de casa, e já eu lavava roupa pra minha mãe que
                           lavava roupa de ganho, e a gente já ajudava ela, e ele não gostava, mesmo
                           assim a gente lavava roupa de ganho, mas ele não gostava que a gente saísse
                           pra trabalhar fora, ele não gostava...


               Percebe-se, a partir de suas falas que tanto Zelinda, quanto Terezinha foram
educadas para cumprir seu papel de boa esposa e dona-de-casa, dentro do modelo
tradicional de família, em que a mulher reside no espaço privado, e ao homem designa-
se o espaço público do trabalho pra que ele cumpra seu papel de provedor do lar.
Quando esse padrão é reforçado pelo discurso da Igreja ele assume a forma de
verdadeiro: homem-provedor, mulher-dona-de-casa, é o que nos diz Zelinda:


                              É claro que a gente sabe que a mulher, cuida mais da casa, cuida mais dos
                              filhos, dá mais atenção aos filhos, (não é?), (...) o que eu posso fazer eu faço,

34
     Depoimento de Zelinda recolhido dia 25 de junho de 2009.
35
     Depoimento de Terezinha recolhido dia 01 de outubro de 2009.
15

                          tanto pra casa, quanto pra ajuda dos filhos, e pra me manter, enfim, pra tudo
                          o que for necessário, mas não deixou de ter o compromisso e a
                          responsabilidade do marido como o dono da casa (...) E tendo sempre um
                          papel maior do que a esposa, claro que o marido é quem é o responsável
                          pela família (né?) (...) Não é porque o homem é homem, ele não é capaz de
                          lavar um prato, se for caso varrer a casa, faz parte da família. Agora não é
                          certo a mulher deixar de fazer pra entregar ao marido, porque ele também
                          tem as suas atividades, porque a atividade maior da casa é da mulher
                          mesmo.

             Entretanto, a atuação feminina nos trabalhos extra-domésticos parece ter sido
uma realidade experenciada por dona Zelinda desde o início de sua relação conjugal, e
embora sua fala denuncie a concepção de família centrada no modelo tradicional em
que foi educada, a mesma faz uma certa relativização “Não é porque o homem é
homem, ele não é capaz de lavar um prato, se for caso varrer a casa, faz parte da
família”, mas a mesma não deixa de referenciar seu modelo de família em que a figura
masculina assuma um papel central na responsabilidade de manutenção da casa, e a
mulher com os serviços domésticos “porque a atividade maior da casa é da mulher
mesmo”.
             Terezinha faz o mesmo relativiza a rigidez do modelo tradicional de família,
apontando sua participação no orçamento doméstico, o que, entretanto não faz do
trabalho doméstico algo que também deva ser realizado “em partes iguais”.


                         Nós sempre trabalhemos os dois, e nós era partes iguais, se ele, se ele trabalha
                         para ajudar... pra, pra despesa da casa, eu também trabalhava para ajudar a
                         mesma coisa, quando eu não trabalhava... aí ele era, o peso era pra ele (né?),
                         ele que se virava, mas mesmo assim, eu ainda me virava em alguma forma, e
                         quando eu trabalhava era partes iguais. (...) Serviço doméstico pra ele não, aí
                         era eu. O que ele faz em casa, a única coisa que ele, que ele faz mesmo é só
                         lutar, só botar as coisa dentro de casa mesmo, ele não é pra serviço doméstico
                         dentro de casa.


             A entrevistada não consegue fugir do caráter patriarcal que a família assume,
pelo fato de que mesmo que a mulher participe do orçamento familiar, à mulher fica a
responsabilidade do serviço doméstico. Ela afirma ainda uma certa “compreensão” pela
atitude do marido em dizer que serviço doméstico “é coisa de muler, isso é coisa de
muler”....
                         porque verdadeiramente ele não é assim..., ele foi criado assim só em roça, só
                         trabalho viu?, ele não foi trabalhado assim dentro de casa , fazendo nada
                         dentro de casa, ele faz, se eu for gritar pra ele fazer assim, barre uma casa, só
                         a casa ele dá uma basculhada assim por cima (risos), assim por cima, mas
                         outra coisa, não. (...) ‘isso é coisa de mulher não, você também pode fazer’ ...,
                         mas é porque o tempo dele não ajuda, pra ele fazer aqui, e ele também não
                         tem aquela prática, aquela pratica, pra fazer as coisas domésticas que a gente
                         faz. Aí eu entendo ele (né?), aí nessa parte..., já os meus filho, é diferente, eu
16

                       tenho um filho Ezequiel ele barre casa, ele..., ele só não lava prato, ele barre
                       casa, ele dá faxina em casa, ele limpa móveis, ele passa pano em móveis, é...,
                       lava roupa..., ele faz tudo, agora só prato, se largar na pia fica lá..., que ele diz
                       que não...


           Percebe-se nessa fala dela que pelo fato de ela ter que trabalhar fora do
espaço doméstico e ainda assim ter que dar conta da criação de muitos filhos pequenos,
uma compreensão mais aberta em torno da divisão do trabalho, obrigada pela própria
necessidade. Como ela diz, para ela não tem problema nenhum de o filho dela fazer os
trabalhos, entendidos por seu marido como próprios de mulher.
           Entretanto, apesar de em algum momento ela até ter argumentado com seu
marido para que ele mudasse sua concepção “isso é coisa de mulher não você também
pode fazer”, ela não o questiona quando ele diz que serviço doméstico não é coisa pra
ele. Resta-lhe um esforço de compreensão para que não haja conflito.
           Apesar disso Terezinha demonstra ser preferível ter dupla/tripla jornada de
trabalho do que ser apenas dona de casa.

                       E eu queria tá hoje assim, até hoje. (...) Trabalhando fora e chegar em casa
                       trabalhar, essa é minha alegria. (...) Eu tinha felicidade que eu saía trabalhava,
                       tinha meu dinheiro, ajudava meu esposo, comprava o que queria, pagava o
                       que eu queria, minhas coisa, e tinha saúde também pra chegar em casa e... e
                       vir trabalhar fazer minhas coisa. Eu me sentia muito feliz. (...) aí hoje tem
                       mulher que diz ‘é que eu não agüento mais, e luto com filho e luto com isso,
                       e eu vou largar essa vida, e essa vida num..., e eu não agüento mais’ e eu
                       nunca reclamei disso. (...) criei meus filho tudo assim, trabalhava fora, e
                       cuidei de minha casa, e nunca tive que reclamar e não tenho, o que reclamar,
                       não.


       O mesmo nos diz Zelinda:

                       chegando em casa vai ter que fazer o trabalho, não no seu total porque não dá
                       tempo, então se o marido achar ruim ele vai ter que achar ruim mesmo,
                       porque não deu tempo fazer, então... se for reclamar vai ter que fazer junto,
                       caso contrário vai viver assim. Agora quem sabe de fazer seu jogo de cintura
                       faz tudo diretinho, porque eu já fiz, jogo de cintura, cuidando da casa,
                       cuidando dos filhos e ensinando, é difícil (...) Mas dá pra fazer esse jogo de
                       cintura.


           Na defesa do trabalho feminino, mesmo que ele seja exorbitante para a
mulher, percebe-se, na fala de Zelinda que embora ela tente conciliar a autoridade do
marido com sua “independência financeira”, esta pode gerar certos conflitos que são
ignorados: “se o marido achar ruim ele vai ter que achar ruim mesmo, porque não deu
tempo fazer, então... se for reclamar vai ter que fazer junto, caso contrário vai viver
17

assim”. Percebe-se aqui uma imposição do jeito feminino de se resolver entre os
trabalhos domésticos e o trabalho fora do lar.
           No caso de Terezinha ela afirma que queria possuir uma profissão melhor e
caso isso acontecesse para ela isso não resultaria em nenhum problema, seu marido
concordaria.

                        eu queria ter na minha vida era ter tido assim uma, assim uma oportunidade
                       de estudar e se eu ser alguma coisa ser uma enfermeira, ser uma professora,
                       (...) se tivesse assim algum emprego, fosse uma pessoa que tivesse assim
                       algum..., sei lá, se pudesse ter uma vida mais elevada, uma condições mais
                       alta...


            Existem, portanto formas próprias delas conciliarem sua vida cotidiana, sua
independência financeira, com a responsabilidade de ser “submissa” como manda a
Bíblia e a confirma a sua Igreja, embora esta assuma forma específicas para cada uma,
de forma que suas maneiras de viver não contradizam sua fé. Nota-se na fala delas, em
especial na de Terezinha, uma necessidade de fazer de sua vida um engrandecimento
pessoal a Deus, de divulgação pessoal da fé de “Servir a Deus com alegria”, de zelar o
título de cristão, não escandalizar. Note-se como Terezinha relata brevemente sua vida,
desde sua criação à estruturação da família:

                       É... minha criação foi ótima. Eu sou feliz hoje pela minha criação meus pais
                       me criou (...) Minha família tenho, tenho assim felicidade porque eu tenho
                       uma família grande, graças a Deus, (...) e eu tenho sido feliz, não tenho
                       palavras pra expressar assim a alegria que eu tenho de ser uma mãe de família
                       assim, que apesar de muita luta, apesar de não ter um emprego (...) mas o
                       Senhor tem cuidado de tudo não tem me deixado faltar nada, não tem me
                       deixado faltar o pão, nem o calçado, nem a roupa, graças a Deus.


           Ela porém traz essa preocupação em não ser resmungadora, a necessidade de
falar em felicidade em meio à situação de constrangimento e controle em que foi
educada, em meio a uma situação de condições financeiras não muito favoráveis. Ela
reclama cautelosamente apenas da falta de estudo, hoje grande empecilho à sua inserção
social, profissional, e da falta de emprego, mesmo assim fazendo paralelamente uma
referência constante a um sentimento de felicidade pelo resultado de sua criação: um
casamento e a casa cheia de filhos o que para ela é motivo de grande satisfação, e pela
providência divina, a qual para ela “não tem deixado faltar nada”.
           Poderia dizer o mesmo sobre a fala de Zelinda quando ela relata sua asserção
profissional, ela sempre faz referência à bondade divina, colocando Deus em primeiro
18

lugar em sua gratidão por ter conseguido o emprego de professora estadual, e ter se
aposentado como tal.

                            eu tinha na minha mente, alguma coisa que faltava completar: que era os
                            estudos. (...) com a ajuda dos políticos, que geralmente a força era maior
                            (né?) na época nossa, era mais a força política, e pela misericórdia de Deus,
                            Deus em primeiro plano, e segundo a força política, eu ingressei no estado,
                            trabalhei vinte e cinco anos no Estado, completei o tempo com o município, e
                            me aposentei, com sessenta e um anos de idade.


         Sobre o significado de suas participações pessoais na Igreja, Zelinda, que já
participa da Igreja há mais de 50 anos, e Terezinha há 32, fornecem perspectivas
diferenciadas. Assim diz Zelinda sobre o tempo em que é crente da Igreja Assembléia
de Deus:

                            eu sinto-me honrada por participar deste trabalho, desta origem, como um
                            dom que Deus me deu, e faço com prazer a obra do Senhor, não tenho receio
                            de evangelizar, não tenho ressentimento de nada, e Deus tem me abençoado, e
                            eu tenho feito a obra do Senhor, e quero permanecer até o fim.


         Enquanto Zelinda demonstra uma identificação maior com a Igreja, com sua
história em Conceição do Coité, Terezinha justifica o tempo que é participante da Igreja
apenas por uma questão de fé em Deus e por uma preocupação com sua salvação.

                            não é que é a praca da Igreja, que a Assembléia de Deus vá..., não é isso,
                            não é a Assembléia de Deus que vai me levar pro céu, não é a praca da
                            Igreja, não é a Igreja que eu congrego, não, é a minha fidelidade com Deus.
                            (...) já teve ocasião assim que tava pensando que já me deu vontade de sair
                            do ministério da Assembléia, mas, em todo lugar existe problema, (né?),
                            onde vai existe problema, aonde a gente sair os problemas nos acompanham,
                            espero ficar aqui mesmo até esperar o dia que Jesus quiser (né?).


             Por conta disso, ou talvez por diferenças relacionadas à experiência de vida
de cada uma36, foram percebidas diferenças quanto às suas formas particulares de
percepção acerca da posição da mulher na Igreja e na sociedade em geral, embora
tenham sido notados pontos de convergência. Quando perguntado a Zelinda sobre como
ela entendia o fato de as mulheres de suas Igrejas não assumirem determinadas posições
que são apenas conferidas aos homens, Zelinda, embora dê à sua fala um sentido bem




36
  Zelinda participou apenas de uma igreja em toda sua vida, tendo além disso um comprometimento mais
intricado com as doutrinas da Igreja, a qual ajudou a instalar no centro da cidade, já Terezinha participou
de outras Igrejas que não a Assembléia de Deus, portanto possui um campo de visão não restrito às
doutrinas de sua igreja por ter experenciado outras realidades diferentes.
19

pessoal, coincide sua fala com a doutrina de sua Igreja, referendando-se na Bíblia para
tanto.

                       Eu acho correto porque, em relação à Palavra de Deus, a Bíblia diz assim que
                       Deus escolheu profetas (né?), e pastores, doutores, só falou mais no sexo
                       masculino, não falou no sexo feminino para atuação da Igreja, (...) eu acho
                       assim mais respeitável, no meu modo de entender, (né?). Mais respeitável, um
                       pastor dominando a igreja de que uma pastora, eu acho mais respeitável.


           Terezinha, entretanto mostra-se mais flexível diante desse mesmo assunto:

                       Pra mim é simples uma mulher ter a posição de diácono, de cooperador, como
                       tem lugar que tem, tem muitas Igreja que tem (né?), tem pastora, eu conheço
                       mulheres pastora, mulheres que é... faz o cargo que os diáconos fazem, elas
                       faz o que o diácono faz, diaconista, muitas Igreja tem diaconista, tem as
                       obreira, tem (...) agora aqui na Assembléia de Deus é que é isso.


           Nesse aspecto Terezinha foge dos padrões tradicionais de sua Igreja,
referendando-se em outros modelos de Igreja.             Mas quanto ao comportamento da
mulher nas relações conjugais tanto uma entrevistada como a outra destacam sua crença
na Bíblia como fundamental. Assim afirma Terezinha a necessidade da submissão
feminina nas relações conjugais: “é a Bíblia, a Bíblia que diz que a mulher tem que
estar..., tem que ser submissa ao seu marido (...) Porque quando a gente é submissa com
tudo e em tudo a gente vê a vitória, em tudo”. Zelinda da mesma forma afirma o
dever/direito de o homem ser o líder da família:

                       porque se a Bíblia registrar, como registrou, que Jonas foi engolido pelo... por
                       peixe e ele passou lá três dias e não morreu e foi jogado à Nínive, a gente
                       acredita porque a Palavra de Deus registra (né?), então a gente tem que
                       também acreditar que o homem é o cabeça da mulher.


           A partir daqui vamos tentar entender como essas mulheres, que acreditam na
Bíblia, portanto confirmam o dever da submissão, concebem a condição feminina nas
relações conjugais. Segundo Zelinda mesmo quando a mulher precisa agir como líder,
ela precisa colocar-se em seu lugar, não humilhar o marido, partindo-se do pressuposto
que existem mulheres que são mais aptas e precisam agir para fazer os negócios do
casal andarem bem:

                       Se ela tem um marido, se a mulher é casada com um marido que não tem um,
                       um, um meio de desenvolver, vamos dizer assim, no comércio, e ela tem
                       aptidão pra isso, ela pode muito bem tomar a frente do trabalho (...) ela pode
                       combinar com o marido (...), porque às vezes tem mais agilidade pr’aquilo
                       (né?), tem mais facilidade, e quem sabe tem mais inteligência, (...), então ela
20

                       pode fazer sim, agora não é que ela pode fazer, que ela vai humilhar o
                       marido porque ela é maior do que o marido, não, ela vai fazer porque ela tem
                       inteligência pr’aquilo, desenvolve melhor do que o marido, então ela tá
                       trabalhando para o bem dos dois. O marido tem, tem não, vai entender que foi
                       melhor assim, do que ele tomar a frente e não ir pra frente.


            Para ela o mais importante é a família andar bem e nesse sentido afirma que
“o marido vai entender”. Quando questionada acerca dessa imediatez ela o confirma
novamente

                       O... ele... pode até dizer assim ‘eu não quero que você faça isso’ e ela dizer
                       ‘eu vou fazer’. Se ela disser eu vou fazer, porque ela ta sabendo da situação,
                       porque se ela não fizer ‘a casa cai’, aí ele não vai ser mais o ‘esteio’ da casa,
                       vai ser agora ele e ela, no sentido do comércio, da vida financeira, e se ele
                       achar ruim, ele vai ter que continuar achando ruim, e se ela deixar de fazer
                       vai cair. (risos). Ela vai ter que manter essa posição dela aí, não é porque que
                       ela fazendo assim, ela vai tomar o poder do cabeça da mulher, não. Ela vai
                       manter ali a sua, a sua atitude no negócio para que mantenha a família, vamos
                       dizer assim, firme, no comércio, ou na sua vida financeira.


            Embora possa parecer confusa sua explicitação: quando for necessário, a
mulher deve agir mesmo que o marido não compreenda, quando ela o afirma ela evoca
uma capacidade que pressupõe existir em cada mulher, o “discernimento” para saber
quando deve ou não atuar. Nesse ponto onde fica a submissão, se a mulher pode decidir
quando quer se submeter?
            Para Terezinha a mulher precisa “colocar-se em seu lugar” mesmo quando
precisa agir de forma que sua vontade se sobreponha à do marido:

                       Abaixo, porque de qualquer jeito ela tem que ser abaixo do homem, mesmo
                       ela sendo o pescoço, mesmo ela vendo que o pescoço dela tem que dominar
                       o pescoço e a cabeça, mas ela tem que controlar no domínio da cabeça,
                       porque ela, ela tá vendo ‘ah, mais eu to vendo que eu, meu marido, oh, meu
                       Deus’. E meu marido é assim (...) às vezes até eu me agitava ‘ah! Tudo tem
                       que ser eu nessa casa, você não liga, você não faz’, só, mas eu tinha que tá ao
                       limite, sempre eu tinha que ficar abaixo dele, eu sabia que ele era nessa
                       posição.


            Há uma percepção em seu discurso de que a mulher mesmo quando deve
colocar-se à frente, deve cumprir o mandamento bíblico de ser submissa: “porque eu
sabia que ele era nessa posição”. Então ela conta um exemplo quando seu marido decide
vender a casa:

                       disse ‘oh, você é o homem, é você que vai... que vai, que coisa, agora eu vou
                       dizer agora não vou vender minha roça, (Terezinha se corrige) não vou
                       vender minha casa pra comprar roça, porque eu tenho meus filho, meus filho
                       trabalha, não vou vender minha roça porque não dá pra eu comprar uma roça,
21

                       comprar uma casa’ – se corrige- (ruído - passa uma charanga) (...) Ah ele
                       disse ‘ah! mais é quando isso acontece, que eu quero ver como é que você vai
                       aposentar, e não sei o que’, e eu deixei ele bem subir e disse eu não aceito, eu
                       não aceito, depois que ele esfriou a cabeça, eu sentei com ele e conversei com
                       ele, e pronto, acalmou e acabou e resolveu. Aí hoje ele não altera mais, ele
                       não sobe mais naquele, porque ele é, ‘é porque ele tem que fazer’, não, e hoje
                       ele não faz mais isso.


           Aqui Terezinha entra como um freio ao impulso do marido em vender a casa
“eu deixei ele bem subir e disse eu não aceito, eu não aceito”. Nessa situação
claramente o marido não foi o cabeça, pois se o tivesse sido ela teria que acatar sua
decisão, a vontade de dona Terezinha foi a que prevaleceu.
           Tanto no discurso de Zelinda como no de Terezinha foi percebida essa
justificação para uma possível insubmissão: quando for resultar num bem mútuo, ainda
este seja compreendido apenas pela mulher. Zelinda o diz enquanto fala da direção dos
negócios, Terezinha na questão da venda da casa. Terezinha relata ainda uma outra
situação, vivenciada por uma filha sua, em que ela teria ao invés de obedecer ao marido,
insistido para que seu interesse prevalecesse:

                       aconteceu com minha menina. Porque ela estudava, ela era jovem, ela
                       estudava, e aí casou, e depois que casou o marido não deixou mais estudar e
                       atrapalhou toda a vida dela. (...) ela tinha que não obedecer, ainda disse a
                       ela, ó sobre isso você não pode obedecer a seu marido, porque uma coisa que
                       você tá o bem pra você, e pra ele tombém (...) E ela ai, nessa parte eu achei
                       ela fraca, que ela aí podia ter insistido mesmo, porque se ela tivesse
                       insistido...


       As duas entrevistadas reforçaram que a mulher deve ser insubmissa quando a
insubmissão for resultar num bem comum. Isso é bem do discurso delas mesmo, não
consta no discurso oficial de suas igrejas. Esse posicionamento apesar de concordar com
discurso oficial da submissão feminina - pela obrigação de ela ter que ser submissa, não
o ser só é justificada por uma boa causa - abre brechas no mesmo, quando permite que a
mulher contrarie o principio da submissão quando ela achar que seja melhor.
       Há, mesmo em meio do consentimento à submissão, resistências à designação
de passividade, obediência da mulher em relação ao marido. Nesse dois casos percebe-
se um refúgio nos princípios do próprio cristianismo de procurar fazer o bem,
proporcionar que as coisas se resolvam em direção ao melhor, ao bem da família. Essas
e outras formas de resistência que possam haver no cotidiano delas confere à mulher um
lugar de sujeito em que ela analisa as colocações do marido as aceita quando estas
forem coerentes com sua vontade, “se submetem”, quando acharem que for para o bem
22

mútuo, ou quando não ferir a sua integridade, seu princípios de fé. Como o diz Zelinda
que se refugia no próprio discurso da submissão para afirmar que esta deve orientar
pelos princípios maiores da sua fé, uma vez que a submissão deve se dar “como ao
Senhor”.

                          e a Bíblia ainda diz assim que a gente ‘tem que fazer a vontade do marido no
                          Senhor’ – enfatiza a entrevistada entoando a voz . Como é isso? Se ele quiser
                          que a gente faça coisa que não é do agrado do Senhor, não é porque ele é
                          marido que eu vou fazer37, nem ninguém vai fazer. ‘É no Senhor’.


            Nesse sentido Zelinda refugia-se na submissão “como no Senhor”, ou seja,
seus princípios de fé colocam-se acima da autoridade do marido. Nesse sentido a mulher
evangélica deve colocar-se mais na posição de mulher sábia do que submissa. A
necessidade de conciliar os dois, a clareza com que essa obrigação se impõe para elas
oferece-lhes uma boa saída aos impulsos de domínio que possivelmente seus maridos
venham a ter, como o diz Terezinha:

                          tem umas coisas que ela tem que ser só o pescoço, mas em outra coisa ela
                          tem que ser o pescoço e a cabeça, não que..., desde que a cabeça não exagere,
                          mas que ela lutando pra cabeça funcionar junto com o pescoço, mas ela tem
                          que lutar, que não pode deixar... (né?).


            Não há, portanto uma submissão passiva, tanto uma como outra entrevistada,
apesar de afirmarem o dever da mulher ser submissa ao seu marido, encontram
alternativas para negá-la enquanto uma atitude passiva. Esse posicionamento não foge,
entretanto dos limites de sua fé, refugia-se na própria Bíblia. Como o afirma uma revista
de Escola Dominical, a Bíblia é a “única orientadora das relações conjugais”, “o manual
de estudos da família”38. Resta-lhes enquanto mulheres evangélicas refugiarem-se na
própria Bíblia para poderem tomar suas decisões. A escolha de outros referenciais na
própria Bíblia permite à mulher evangélica mais autonomia no sentido de que ela pode
referendar suas atitudes no que é aceito pela sociedade em geral e não apenas na
vontade do marido, como por exemplo: trabalhar fora de casa e estudar, mesmo que o
marido não concorde.




37
   Uma vez que as igrejas pentecostais conferem aos seus membros autonomia de instrução perante a
Bíblia, algumas mulheres se utilizam da mesma para barrar algumas conferências de poder masculino
conferidas em algumas de suas mesmas passagens, o que fica explícito nessa parte da entrevista.
38
   LIÇÕES BÍBLICAS JOVENS E ADULTOS. Rio de Janeiro: CPAD-. Trimestral. 4º trimestre, 1985,
p. 41.
23

            Nesse sentido, por exemplo, quando questionado às entrevistadas sobre o
que elas achavam da condição de mulher na Bíblia, elas escolhem figuras que mais se
parecem com suas histórias de vida, o exemplo de serem submissas, um dos debatidos
na Escola dominical quando o assunto é mulher casada, não é citado. Zelinda cita alguns
exemplos:

                        Tem o exemplo de, o maior exemplo que se..., se aconselha é a mãe de Jesus,
                        Maria (né?), (...) tem também a história das... das... das mulheres que
                        faziam...que faziam rendas, as mulheres que tiavam mulheres que faziam
                        comércio, com se fosse uma empresária, como em provérbios diz assim:
                        ‘Mulher virtuosa, quem a achará?’ e a história dessa mulher virtuosa era uma
                        mulher empresária, era uma mulher que fazia um negócio mais alto do que o
                        homem (...) existia mulheres assim... de renome, mulheres de projetos,
                        mulheres de trabalho (né?), mulheres que faziam o social, que faziam coleta
                        para dar aos pobres (...) desde o antigo tempo que essas coisas existem (...).


            As mulheres citadas por Zelinda “para exemplo nosso” fazem referência a
qualidades que talvez ela tenha desempenhado enquanto participante da fundação da
Igreja na cidade, professora da escola dominical, e professora de escola pública. Nesse
sentido Zelinda dá ênfase a uma figura muito pouco explorada nas revistas da Escola
dominical “a mulher virtuosa” e a mulheres “de renome, mulheres de projetos, mulheres
de trabalho”.
       Terezinha o faz o mesmo quando enfatiza a figura de Ana:

                        Ana... que foi mulher prudente, mulher de oração, mulher de fé, mulher de
                        coragem, mulher sincera diante de Deus, foi mulher que não recuou por
                        nada, foi muito zombada, muito..., com muita crítica sobre Ana, mas ela tava
                        (né), com cabeça erguida, não desistiu.


            Seu refúgio nessa figura está diretamente relacionada à sua história de vida,
uma mulher que se sente humilhada por não ter estudado mais, não ter emprego, mas
que espera em Deus ser exaltada, tal como Ana.


CONCLUSÃO


            Percebe-se a partir do trabalho realizado com duas mulheres evangélicas que
o discurso da submissão não impera de forma passiva sobre a concepção de vida dessas
mulheres, há outras figuras e outras passagens na Bíblia que lhes permitem ser e sonhar
ser algo mais que uma boa dona-de-casa submissa a seu marido. Nesse sentido elas
buscam referências justifiquem seus modos de ser e pensar. Um refúgio para justificar
24

uma atitude não submissa seria a atuação feminina em busca de um bem maior que
justifique sua atitude: o bem estar da família.
               Diante de tudo isso fica claro, que elementos além do discurso religioso
interferem em seu comportamento na relação marital, um sonho de “ser alguém”, a
valorização de um bem conseguido, dos estudos, etc. Fazendo uma referência a este
dado fica claro que apesar do discurso religioso pautar-se na afirmação do modelo
tradicional de família em que o marido é o chefe do lar e a mulher uma boa esposa-
dona-de-casa este modelo tende a ruir quando se depara com questões cotidianas que
oferecem à mulher novos espaços na sociedade mesmo para mulheres que não negam a
veracidade do discurso que o afirma.
               Entretanto o discurso religioso atua conjuntamente na formação da
identidade de gênero feminina que concorde com o modelo patriarcal de família. O
mesmo motivo buscado pelas mulheres que lhe permitem burlar o princípio da
submissão, “o bem-estar dos dois, o bom funcionamento da família”, em contrapartida
também lhes impõe o dever de serem submissas, uma vez que noutras situações ela vai
ter que ceder a fim de não causar conflitos, como por exemplo, assumir duplo-triplas
jornadas de trabalho.
           Além disso fica colocada a impressão de o homem é líder por essência, é mais
austero, é a mulher da mesma forma deve ser por natureza mais voltada aos afazeres
domésticos. Ao passo que a igreja contribui para a perpetuação desse pensamento
quando naturaliza o gênero, ela contribui em perpetuar um sistema de gênero desigual,
do qual as mulheres participam, embora não de forma passiva. Existem meios
desenvolvidos por essas mulheres que justifiquem seus atos de insubmissão, como já o
dizia Roger Chartier:

                            Nem todas as fissuras que corroem as formas de dominação masculina tomam
                            a forma de dilacerações espetaculares, nem se exprimem sempre pela irrupção
                            singular de um discurso de recusa ou de rejeição. Elas nascem com freqüência
                            no interior do próprio consentimento, quando a incorporação da linguagem da
                            dominação se encontra reempregada para marcar uma resistência39.


               Conclui-se portanto neste trabalho que dentro do sistema de afirmação de
dominação patriarcal empreendido pelo discurso religioso da Igreja evangélica
Assembléia de Deus, as mulheres evangélicas não atuam de forma passiva, existem


39
     CHARTIER, Roger. Diferenças entre os sexos e dominação simbólica. Cadernos pagu (4) 1995: P 42.
25

formas de resistência desenvolvidas pelas mesmas que se encontram dentro do próprio
discurso religioso, em princípios maiores que as concedem certas formas de liberdade
em decidir pela submissão/insubmissão à vontade do marido ou em outros tipos bíblicos
que contrariem a naturalização da posição de submissão feminina.



REFERÊNCIAS


CHARTIER, Roger. Diferenças entre os sexos e dominação simbólica. Cadernos pagu
(4) 1995: P 37-47.


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Entre o discurso da igreja e a prática das relações conjugais percepções femininas numa cidade do interior baiano 1980 2009

  • 1. UNIVERSIDADE DO ESTADO DA BAHIA – UNEB DEPARTAMENTO DE ENSINO – CAMPUS XIV LICENCIATURA EM HISTÓRIA ALINE DA SILVA MOREIRA MENDES ENTRE O DISCURSO DA IGREJA E A PRÁTICA DAS RELAÇÕES CONJUGAIS: PERCEPÇÕES FEMININAS NUMA CIDADE DO INTERIOR BAIANO 1980-2009 Trabalho de Conclusão de Curso de Licenciatura em História da Universidade do Estado da Bahia – Campus XIV, orientado pela professora Zuleide Paiva. CONCEIÇÃO DO COITÉ FEVEREIRO DE 2010
  • 2. 2 ENTRE O DISCURSO DA IGREJA E A PRÁTICA DAS RELAÇÕES CONJUGAIS: PERCEPÇÕES FEMININAS NUMA CIDADE DO INTERIOR BAIANO 1980-2009 Aline da Silva Moreira Mendes* RESUMO Este artigo discute como a mulher evangélica se posiciona enquanto sujeito histórico ante o discurso de sua Igreja e situações cotidianas que envolvem sua fé na Bíblia, sua relação com a Igreja, e suas concepções pessoais sobre deveres conjugais e a condição feminina. Divide-se em duas partes: a primeira analisa como a Igreja Evangélica Assembléia de Deus nos períodos de 1980-2009 constrói o gênero a partir de Revistas da Escola Bíblica Dominical, a segunda discute como as mulheres evangélicas percebem o gênero. Tenta-se fazer aqui um paralelo entre as interpretações da Igreja e a percepção de gênero das mulheres. Palavras-chave: Discurso religioso, mulher evangélica, gênero, sujeito histórico. ABSTRACT This article discusses how evangelical woman stands as a historical speech against the Church and the everyday situations that involve their faith in the Bible, its relationship with the Church and their personal conceptions of conjugal duties and status of women. It is divided into two parts: the first looks like the Evangelical Assembly of God in the periods of 1980-2009 to build the kind of magazines from Sunday school, the second discusses how women perceive the gospel genre. We try to make a parallel between the interpretations of the Church and gender perception of women. Keywords: Speech religious, evangelical women, gender, historical subject. 1 INTRODUÇÃO Desde o início do século XX o fazer histórico tem passado por uma série de questionamentos levantados em termos de seus objetos de estudos, sujeitos, fontes e possibilidades temáticas. Nesse sentido a Escola dos Annales em seus anseios por uma “história nova” que problematizasse o social em suas diversas instâncias e fosse capaz _________________________ *Estudante do IX Semestre do curso Licenciatura em História da Universidade do Estado da Bahia Campus XIV. E-mail: alineemendes@yahoo.com.br
  • 3. 3 de tratar de outros sujeitos históricos em suas outras dimensões, assim como o movimento feminista na década de 1960, possibilitaram o surgimento de uma história que abordassem um tipo de sujeito excluído até então: as mulheres. Entretanto, enquanto categoria social extremamente heterogênea não se pode falar de uma história da mulher, mas de história das mulheres1. Este trabalho pretende estudar um grupo bastante específico de mulheres: as mulheres casadas participantes da Igreja Evangélica Assembléia de Deus em Conceição do Coité no período de 1980-2009. Parte para tanto da questão central: como essas mulheres posicionam-se entre o discurso de gênero de sua Igreja e as diversas situações que envolvem uma relação conjugal2. Adota-se aqui a abordagem micro-histórica a partir do conceito de Giovanni Levi, para quem a mesma não se define apenas pelas micro-dimensões de seu objeto de estudo, mas pela tentativa de questionar os grandes sistemas explicativos da realidade social, pela intenção de estudar a ação dos indivíduos dentro das estruturas sociais, investigar os limites e possibilidades de sua liberdade exercida pelas brechas existentes dentro das mesmas. Como ele o coloca “definir as margens – por mais estreitas que possam ser – da liberdade garantida a um indivíduo pelas brechas e contradições dos sistemas normativos que o governam”3. O conceito de poder aqui adotado é o de Michel Foucault, segundo o qual todos os sujeitos são investidos de poder e não há como tê-lo de forma permanente. O poder está, ao mesmo tempo, em toda parte e em lugar nenhum. Ele é, a um só tempo, visível e invisível, presente e oculto. O fato é que o poder não pode ser apropriado; não por uma mesma classe, não de forma exclusiva, não de forma permanente, não por um mesmo grupo de pessoas: ‘ o poder não é algo que se adquira, arrebate ou compartilhe, algo que se guarde ou deixe escapar 4 . 1 SOIHET, Rachel. História das mulheres. In. CARDOSO, Ciro Flamarion, VAINFAS, Ronaldo (orgs.). Domínios da História: Ensaios e metodologias. Rio de Janeiro: Elsevier, 1997, p 275-6. 2 A delimitação temporal do trabalho 1980-2009 refere-se ao discurso divulgado pelas revistas da Escola Dominical da Assembléia de Deus no período. Vale como delimitação de todo trabalho uma vez que as mulheres aqui entrevistadas presenciaram esse discurso nesse período. É importante ressaltar, entretanto, que como as percepções de gênero das duas entrevistadas referem-se à toda história de vida delas, são analisados nesse artigo episódios de suas vidas que não se encerram dentro dessa temporalidade delimitada. 3 LEVI, Giovanni. Sobre a micro-história. In: BURKE, Peter. A escrita da história: Novas perspectivas. São Paulo: UNESP, 1992, p. 135. 4 FOUCAULT, Michel. História da sexualidade, volume I: A vontade de saber. apud POGREBINSCHI, Thamy. Foucault, para além do poder disciplinar e do biopoder. Lua Nova nº 63, 2004, p 189.
  • 4. 4 O conceito de poder de Michel Foucault, bastante útil ao romper com a concepção de mulheres rebeldes x passivas, concebe o poder como uma prática de caráter fluido e relacional em que ambas as partes exercem o poder. Nesse sentido Foucault admite a dominação dialética, na qual a resistência é um elemento intrínseco ao exercício do poder, ou seja, que em nenhum sistema de dominação apenas uma das partes exerce o poder, ou que existe um ser passivo ante a um ativo, antes ambos exercem o poder de maneira relacional. Nesse sentido entende-se aqui resistência como o exercício do poder pelos sujeitos que assumem algum tipo de desvantagem em uma dada relação. Partindo do pressuposto que numa relação conjugal em que a mulher assuma a identidade cristã está numa situação de desvantagem - uma vez que o discurso religioso cristão afirma “o homem é a cabeça da mulher como Cristo é o cabeça da Igreja” - como funciona a relação de poder, uma vez que o exercício do mesmo lhe é negado com autoridade sagrada? Como as mulheres reagem a esse discurso? Ou ainda, como o mesmo as orienta? Perceber como as mulheres evangélicas casadas de uma Igreja Evangélica tradicional, a qual constrói o gênero de forma um tanto patriarcal, se percebem ante a obrigação de serem boas donas-de-casa, submissas ao seu marido, é relevante ao questionar a posição de submissas e passivas que estas mulheres deveriam ocupar mediante uma autoridade divina. Implica percebê-las como sujeitos históricos. 2 DISCURSO E IDENTIDADE SUBJETIVA Debates efervescentes atuais que questionam a capacidade humana de apreensão do real em si têm dado grande importância à linguagem, enquanto meio essencial de comunicação humana e, portanto como elemento imprescindível na elaboração das representações, construções ideológicas que são oferecidas aos sujeitos sociais. Nesse sentido fica posta a atenção que se deve dar aos sistemas discursivos que constroem as diferenças entre homens e mulheres. Nesse sentido o conceito de gênero de Scott é bastante útil ao apontar a necessidade de se estudar o gênero, como ele é construído, uma vez que o gênero constrói as relações sociais. Para ela “o gênero é um elemento constitutivo de relações sociais baseadas nas diferenças percebidas entre os sexos e o gênero é uma forma
  • 5. 5 primeira de significar as relações de poder5” e ele se constitui na sociedade por meio de quatro elementos: os símbolos culturalmente disponíveis que evocam representações múltiplas, os conceitos normativos que interpretam e delimitam o sentido dos símbolos a fim de “conter as suas possibilidades metafóricas”, as instituições e organizações sociais e a identidade subjetiva. Scott deixa claro que cabe aos historiadores verificar como esses quatro elementos se inter-relacionam. Para os fins que se propõe este trabalho, estudar sujeitos históricos femininos, opera-se a seguinte síntese do conceito de Scott: o discurso efetuado por meio das instituições – neste caso a Igreja - se dá através do controle das figuras socialmente disponíveis, as quais atuam na construção de identidades subjetivas. Para a concepção de identidade este trabalho parte do conceito de Stuart Hall: algo não tão seguro, fluido, em que diversas identidades, às vezes antagônicas coexistem. “A identidade plenamente unificada, completa, segura e coerente é uma fantasia”6. 3 DISCURSO DA IGREJA A cerca do discurso normativo da Igreja sobre o comportamento do homem e da mulher na relação conjugal verifica-se a insistência de percepções centradas no sistema ideológico de gênero de modelo patriarcal, aqui entendido a partir do conceito de Heleieth Saffioti7, como uma ordem ideológica que dita a dominação/exploração masculina sobre as mulheres que possui forte potencial de construir relações sociais desiguais. Para uma compreensão do que o discurso oficial da Igreja Evangélica Assembléia de Deus em Conceição do Coité diz acerca das relações conjugais, referendamo-nos numa série de “Revistas da Escola Dominical” de 1980-2009 ensinadas em reuniões dominicais. A Escola Bíblica dominical é um dos departamentos mais importantes da Igreja, é nela onde acontecem os ensinamentos mais diversos sobre o modo de viver do 5 SCOTT, Joan. Gênero: uma categoria útil de análise histórica. ( Tradução de Christine Rufino Dabat e Maria Betânia Ávila). Recife, SOS Corpo, 1991. p. 14. 6 HALL, Stuart.. A identidade cultural na pós-modernidade Tradução Tomaz Tadeu da Silva e Guacira Lopes Louro. 11ª ed. Rio de Janeiro: DP&A, 2006. p. 13. 7 SAFFIOTI, Heleieth I.B. Contribuições feministas para o estudo da violência de gênero. Revista labrys, estudos feministas, número 1-2, julho/ dezembro 2002. Disponível em: http://www.unb.br/ih/his/gefem/labrys1_2/heleieth1.html
  • 6. 6 crente. Percebe-se, portanto a importância de recorrer às revistas nela utilizadas por elas serem de maior acesso ao conjunto de membros da Igreja e serem ensinadas em cada domingo ao conjunto de membros da mesma. Predominantemente o discurso das revistas pauta-se na interpretação dos textos da Bíblia, única autoridade que representa a voz do próprio Deus. Partindo, portanto da evidência de que a Bíblia é “inerrante, infalível”8, mas às vezes difícil de ser entendida, resta interpretá-la de forma verdadeira a fim de se evitar interpretações infundadas. Michel Foucault ao estruturar suas definições sobre o discurso, suas formas de atuação na sociedade, coloca que na nossa sociedade atual existem discursos corriqueiros, que se formam e desaparecem logo, mas que existem outros, entretanto que estão na origem de certo número de atos novos de fala que os retomam, os transforma ou falam deles, ou seja discursos que, indefinidamente, para além de suas formulações, ‘são ditos’, permanecem ditos e estão ainda por dizer9. Entre os discursos que “estão ainda por dizer” encontram-se os discursos religiosos, os quais por assumirem o caráter de porta-vozes da vontade divina são constantemente retomados; afirmados quando concorda-se com o mesmo, e reinterpretados quando não aceitos pelos participantes da fé. No que se refere ao discurso cristão, neste caso no da Igreja Evangélica Assembléia de Deus, este só tem validade se a Bíblia o confirmar. Nesse sentido vale notar que as revistas da Escola Bíblica Dominical, por serem comentadas por diferentes autores, variam na interpretação da Bíblia, mas produzem doutrinas e ensinamentos “verdadeiros” que são ensinados e difundidos entre os membros da Igreja por se basearem na mesma. 3.1 SUBMISSÃO Diante da evidência de que são diversos os textos bíblicos que afirmam o papel de liderança do homem sobre a mulher, e o dever da submissão da mulher10, 8 LIÇÕES BÍBLICAS JOVENS E ADULTOS. Rio de Janeiro: CPAD-. Trimestral. 3º trimestre, 1980, p 9 e 28. 9 FOUCAULT, Michel. A ordem do discurso. 10ª ed. São Paulo: Edições Loyola, 2008. p. 22. 10 Algumas passagens bíblicas que se referem a esse assunto: Efésios 5.22, 24: “Vós mulheres sujeitai-vos a vossos maridos, como ao Senhor; porque o marido é a cabeça da mulher, como também Cristo, é a cabeça da Igreja, sendo ele próprio o salvador do corpo. De
  • 7. 7 afirma-se a veracidade dessa ordem: a mulher deve submeter-se e o marido liderar a família. Essa percepção confere à mulher um dever de submissão ao esposo do qual não pode fugir, desde que constitui-se num mandamento divino e colocar-se dentro de uma hierarquia divina significa obedecer ao próprio Deus: “Por obediência à Palavra de Deus e por efeito da salvação, deve o marido amar a sua esposa e cuidar dela. Pelo mesmo motivo, cabe à mulher ser submissa ao seu marido, sendo fiel e leal’.”11 Esse discurso apesar de ser complexo, pois ao mesmo tempo em que indica a autoridade masculina, lhe tira, e ao passo que indica a submissão feminina, a minimiza, oferecendo-lhe às vezes mecanismos de defesa (como ao Senhor...) não foge da hierarquia familiar em que o marido é o líder e a mulher acata a liderança do marido, desde que suas ordenanças estejam de acordo com o padrão cristão. Para tanto coloca um fardo sobre a mulher, ser submissa ao marido, seja ele crente ou não, e outro sobre o homem ser o protetor, o provedor, ter obrigação de amar. Chega mesmo a insistir na naturalização dessa posição, afirmá-la imutável (porque divina): “Existe uma ordem, natural e divina, dentro do princípio de autoridade. Deus, o Pai, é o cabeça de Cristo; Cristo é o cabeça do homem; e o homem o cabeça da mulher”12 . Concebe-se, portanto que “A submissão (...) é um mandamento bíblico. É o alicerce da família enquanto instituição”13, o qual deve ser seguido como sinônimo de fé, de respeito à autoridade divina. O que existe, portanto é uma divinização da ordenação dos papéis que exige uma submissão espontânea por parte da mulher. De acordo com o padrão divino, exarado na Escrituras, é simplesmente deplorável quando a esposa ‘mandona’ domina, e o marido, acomodamente se submete. (...) mostrar-se uma mulher submissa a seu marido, crente ou não, é sorte que, assim como a Igreja está sujeita a Cristo, assim também as mulheres sejam em tudo sujeitas a seus maridos”. -Colossenses 3.18 e 19: “Vos, mulheres, estai sujeitas a vossos próprios maridos, como convém no Senhor. Vós, maridos, amai a vossas mulheres e não vos irriteis contra elas.” -1 Pedro 3.1: “Semelhantemente, vós, mulheres, sede sujeitas aos vossos próprios maridos, para que também, se alguns não obedecem à palavra, pelo porte de suas mulheres sejam ganhos sem palavra”. - Tito 2.4-6: “Para que ensinem as mulheres novas a serem prudentes, a amarem seus maridos, a amarem seus filhos, a serem moderadas, castas, boas donas de casa, sujeitas a seus maridos, a fim de que a palavra de Deus não seja blasfemada. Exorta semelhantemente os mancebos a que sejam moderado” -1 Coríntios 11.3: “Mas quero que saibais que Cristo é a cabeça de todo varão, e o varão, a cabeça da mulher; e Deus, a cabeça de Cristo ”. -Gêneses 3.16: “E à mulher disse: multiplicarei grandemente a tua dor e a tua conceição; com dor trás filhos; e o teu desejo será para o teu marido e ele te dominará”. 11 LIÇÕES BÍBLICAS JOVENS E ADULTOS. Rio de Janeiro: CPAD-. Trimestral. 3º trimestre, 1987, p 88. 12 Id., 3º trimestre, 1987, p. 28. 13 Id., 4º trimestre, 1996, p. 30.
  • 8. 8 revelar submissão ao próprio Senhor Jesus (...) A submissão, particularmente, da mulher cristã a seu marido não deve ser por temor ou por força, mas de boa vontade em obediência ao preceito divino (Ef 5.22; 1 Pe 3.1). 14 Nas lições das duas décadas seguintes o mesmo ainda é afirmado: A esposa ser submissa ao marido, em termos bíblicos, não constitui inferioridade alguma. É um mandamento bíblico. Não há dificuldade em uma esposa obedecer ao marido, quando primeiramente ela obedece a Cristo como seu Salvador e Senhor.15 Ou ainda: “Mulher alguma terá dificuldades de manter-se submissa ao marido que a ama e comporta-se conforme os padrões da Palavra de Deus”16. Como já foi dito a submissão é ensinada como algo que faz parte de uma natureza divina, porque por Deus foi ordenado assim. Não dá para negar, portanto a situação difícil em que são postas as mulheres: pede-se a submissão espontânea, mas esta cheira imposição, e uma imposição cruel porque não é humana, é divina, portanto não pode ser questionada e sendo assim a mulher deve ter “conduta obediente, piedosa, carinhosa - modo de aprazer o marido e ser testemunho sem palavras”17. Conferir à mulher esse lugar de submissão, mesmo que ela seja norteada pelo amor e moderação do marido, como o deseja a Igreja, hierarquiza a relação conjugal, constrói o gênero de forma desigual em desvantagem às mulheres. Entretanto, embora possa parecer contraditório, esse mesmo discurso que prega a submissão oferece em contrapartida meios para a mulher burlá-lo, desde que se baseie também na Bíblia, como notaremos mais adiante. 3.2 ORGANIZAÇÃO FAMILIAR A naturalização desse tipo de organização familiar vai, entretanto além das ordenanças sobre o exercício do poder, ela dita também sobre os deveres e responsabilidades com os filhos, com a casa. Vejamos como isso é colocado: Em relação à casa a mulher cristã (...) ela prima pelo rigoroso asseio de sua casa e procura mantê-la em boa ordem. Trata a todos, de modo atencioso e cordial, deixando aos visitantes as belas impressões de seu zelo e cuidado (...) Em relação aos filhos a mulher virtuosa não deixa de ser, concomitantemente, uma boa mãe. Não só cuida da educação dos filhos infundindo neles boas 14 Id.,2º trimestre, 1987, p. 28. 15 Id., 4º trimestre 1996, p. 30. 16 Id., 3º trimestre 2007, p. 51. 17 Id., 4º trimestre, 2001, p 41.
  • 9. 9 maneiras, auxiliando, com isto, ao marido, como também dá-lhes assistência, seja zelando pelo seu vestuário, seja cuidando de sua higiene corporal, ou orientando-os moral, social e espiritual.18 Nessa mesma revista há uma passagem um pouco contraditória quando compara a mulher a uma videira frutífera – “A tua mulher será como a videira frutífera aos lados da tua casa; os teus filhos como plantas de oliveira à roda da tua mesa (Sl 128.3)” - quando a explica de duas formas. A primeira relaciona-se ao modelo de boa esposa/dona-de-casa, o que significa sua beleza também. A segunda, em sua primeira frase faz referência à importância econômica, à prosperidade do lar, a uma mulher eficiente. É linda a parreira, suspensa em suporte, coberta de uvas. Bem representa a beleza da esposa querida, da dona de casa, zelosa e mãe carinhosa, dirigindo o lar, adornando a casa e acariciando os filhos (...) A videira era responsável por uma parte importante da economia de Israel e também de outras nações no Antigo Testamento. Por isso, diz o salmista: ‘tua esposa como videira no interior da tua casa’. Ele compara a importância da videira com a ação da mulher eficiente, responsável pela prosperidade do seu lar.19 Nessa mesma revista e à respeito da mesma passagem bíblica se interpreta as funções de pai de família relacionadas à liderança sobre mulher e filhos, o que significa também ser o provedor do lar, como vemos nessas duas passagens: “A liderança do homem, indicada pelos possessivos ‘tua’ e ‘teus’. Isto ensina que o encargo de proteger o lar, prover o conforto, a segurança, a estabilidade, enfim, depende do chefe da família”20 e “É dever (do pai) esforçar-se para manter a família dignamente, mediante trabalho diligente e bem planejado”21. Fala-se até que é para os homens ajudarem nos afazeres domésticos, entretanto, isso é colocado porque a mulher possui constituição física mais frágil: “ o homem deve entender que a mulher, por sua constituição física mais frágil, deve ser auxiliada em seus afazeres domésticos”22. Como se viu mais acima, o modelo de família orientado pela Igreja é o homem enquanto mantenedor da casa, liderança da família, a mulher enquanto boa esposa e dona-de-casa. 18 Id., 3º trimestre, 1987, p. 4. 19 Id., 3º trimestre, 1987, p. 43. 20 Id., 3º trimestre, 1987, p. 43. 21 Id., 3º trimestre, 1987, p. 32. 22 Id., 4º trimestre, 2001, p. 43.
  • 10. 10 O dever da esposa não é somente o de fazer saborosas refeições, cuidar da casa, ser mãe carinhosa. O marido também precisa de seu carinho, de seus beijos e abraços, e de um bem-vindo afetuoso, ao retornar para casa no términio de cada jornada de trabalho. 23 As pressões e demandas sociais e econômicas dos últimos tempos têm levado multidões de mulheres a buscar o incremento dos recursos financeiros da família, o que não fere os princípios bíblicos. Porém, isso não a isenta da responsabilidade de cumprir as orientações de seu marido no lar, principalmente na educação dos filhos, além da própria manutenção e bem- estar da família (Pv. 31). Por mais que esta mulher disponha de pessoas para executar as tarefas rotineiras do lar, sobre ela recai a responsabilidade final das atribuições de uma mãe de família e dona de casa. 24 Percebe-se nesse último trecho certa relativização do trabalho feminino fora do lar desde, entretanto, que ela não abra mão dos serviços domésticos, e isso mesmo que tenha empregada doméstica. 3.3 OUTRAS POSSIBILIDADES INTERPRETATIVAS SOBRE OS SÍMBOLOS? 3.3.1 ADÃO E EVA Como visto o discurso de gênero das revistas não segue uma forma fixa, há uma variação na forma como ele se apresenta, às vezes é ressaltada a literalidade da submissão que signifique uma acatação das vontades do marido, às vezes é apresentada como algo que faz parte da fé, outrora como algo que deva ser cumprido, mas de forma em que os princípios máximos que a ordena sejam cumpridos por parte do marido “no Senhor”. Da mesma forma, os mesmos símbolos são interpretados de forma diferenciadas, vejamos sobre o fato da criação de Eva ter se dado a partir de Adão, o que Deus queria dizer com isso? Quais lições tirar do primeiro casal? Deus, na sua sabedoria, não fez a mulher do pó da terra, mas tirou-a de Adão. (...) Era assim, do mesmo sangue e da mesma carne de Adão. Podiam, portanto, se amar profundamente e viver na mais perfeita intimidade, em condições de servirem de modelo para todos os casais, em todas as épocas. 25 Fica assim justificada a vontade de Deus em fomentar o amor entre o casal. Mas seria só isso? 23 Id., 4 º trimestre, 1993, p 42. 24 Id., 2º trimestre 2004, p. 29. 25 Id., 3º trimestre 1987, p. 4.
  • 11. 11 É interessante notar que a mulher foi feita duma costela tirada do lado de Adão. Não foi tirada da cabeça, para que viesse mandar nele, nem tampouco do pé, para ser por ele pisada, mas do seu lado, para ao lado dele permanecer. A costela, debaixo do braço indica que a mulher deve ser protegida pelo homem. Foi tirada de perto do coração para ser amada por ele. 26 Esse outro texto que faz uma analogia à criação se utiliza da imagem para colocar Eva ao lado de Adão e não debaixo de seus pés, seria um controle de possíveis pretensões machistas, e uma afirmação da obrigação do marido amar a esposa. Entretanto noutra lição já houvera se afirmado o lugar da mulher em relação ao homem não como parceira, mas como um ser que deve sujeitar-se ao homem, por conta de sua fragilidade em ter se deixado influenciar pela serpente e ter causado um grande estrago ao paraíso que teria sido oferecido ao desfrute do homem, como vemos: há um juízo sobre a mulher, conforme Gênesis 3.16. Nesta escritura, Deus predisse que ela seria sujeita ao homem. Não seria mais a parceira na administração da terra. Seria dominada pelo marido e toda sua vontade estaria subjugada a ele. Seus filhos seriam gerados com dores de parto.27 Além disso, utiliza-se dessa mesma cena para afirmar a naturalização de aspectos de fragilidade oferecidos às mulheres ao longo da história e à posição de liderança oferecida aos homens. Afirma a predisposição psíquica mais racional que emocional do homem – “por isso Deus lhe confiou a condução do lar. A ele compete enxergar os problemas, estudar e promover as suas soluções”28 - e a fragilidade inerente à natureza feminina: Satanás sabia que não seria tão fácil convencer o casal a desobedecer a Deus. Ele investiu, então sobre a mulher, porque entendia que ela, como um ser mais frágil que o homem, facilmente cederia as suas provocações .29 Justifica-se, portanto a submissão feminina como ordenança de Deus, pelo fato dela ser mais frágil e ter se deixado seduzir pela astúcia da serpente. 3.3.2 FIGURAS DE MULHERES Um dos exemplos mais intrigantes ensinados nas revistas é a figura de Débora - figura que atuou como juíza em Israel e liderou uma guerra na qual os israelitas foram 26 Id., 4º trimestre 2001, p. 40. 27 Id., 4º trimestre 1995, p. 29. 28 Id., 2º trimestre 2004, p. 28. 29 Id., 4º trimestre, 1995, p.27.
  • 12. 12 vencedores - o qual ao contrário de oferecer exemplo de coragem, de capacidade feminina às mulheres, oferece-se ao exemplo de coragem, ou mesmo de submissão à Deus, à todos os cristãos: “Débora é um exemplo de fé e coragem para todos os que amam a Palavra de Deus”30. Em termos da possibilidade de o exemplo de Débora oferecer-se às mulheres esta é indicada a ser utilizada no exercício de suas atividades voltadas à vida religiosa. Às vezes não se hesita utilizá-la para afirmar ainda assim o caráter pequeno e frágil das mulheres. Há por exemplo numa revista analisada a explicação da utilização de uma mulher por Deus para liderar uma guerra: “Deus usa instrumentos frágeis”31, afinal “Deus usa quem quer e onde quer”, e que é de propósito de Deus fazê-lo para confundir a sabedoria humana. Ainda que na mesma lição fique posta uma possibilidade de que a designação de lugares inferiores às mulheres na sociedade israelita enquanto “princípios humanos”, a afirmação das mulheres enquanto seres frágeis é significativa ao passo que isso é dado como natural e não como designação puramente humana e cultural. Outras figuras femininas invocadas reforçam características de fidelidade a Deus, ao esposo, e ao sacerdote, como por exemplo, Sara, figura esta invocada por excelência para tratar do exemplo de submissão. Esta é mostrada, portanto como mandamento divino, e cumprí-lo acarreta bênçãos. Abraão foi repreensível, mas Sara não o desonrou diante dos egípcios. (...) não se manifestou, mas fora submissa à decisão tomada pelo marido. Ela mesma prontificou-se a confirmar a história contada pelo esposo (Gn. 20.5). O grande patriarca mais uma vez expôs sua esposa ao perigo, para poupar a própria vida. Isto já seria motivo mais que suficiente para que Sara se opusesse à decisão do patriarca. Porém, não o fez. Foi assim que o próprio Deus entrou em cena para livrá-la (Gn. 20.3). Sua obediência foi recompensada. 32 Existe, portanto uma divinização das relações de gênero em que obedecer ao esposo significa obedecer ao próprio Deus, e fazê-lo, portanto deve ser gratificante, pois se espera uma vitória, uma saída providenciada pelo mesmo. Nesse sentido poderia se dizer claramente que o discurso proferido pela Igreja Assembléia de Deus assume a conotação patriarcal, ou seja, oferece meios para difusão/perpetuação das relações desiguais de gênero, em que aos homens são 30 Id., 3º trimestre 2007, p. 37. 31 Id., 2º trimestre 1996, p. 25. 32 Id., 3º trimestre 2007, p. 50.
  • 13. 13 concedidos direitos sobre as mulheres, e estas devem demonstrar boa vontade em obedecer tal ordem que lhes afirma uma posição de subordinação. Ou seja, contribui pela divinização das possibilidades do “regime da dominação-exploração das mulheres pelos homens”, como o diz Saffioti (2002), a qual afirma a existência do sistema ideológico que confere aos homens direitos sobre as mulheres, o qual potencialmente pode se configurar na realidade sob a forma de violências diversas contra as mulheres. A partir dessa breve exposição acerca do discurso religioso de uma Igreja Evangélica fica uma pergunta como as mulheres evangélicas se posicionam frente a tudo isso? Esse discurso realmente orienta suas atitudes? Se elas se reconhecem como fiéis como lidar com os problemas cotidianos presentes uma relação conjugal? 4 PERCEPÇÕES FEMININAS Como foi exposto, o sistema ideológico de gênero em suas formas de difusão se dá em muitos aspectos pela atribuição de características opostas ao homem e a mulher, com a especificação de papéis e comportamentos antagônicos. Entretanto a realidade social é mais complexa não se dando em formas de oposição rígida, mesmo que o sistema ideológico de gênero o faça. Sobre a questão central deste trabalho: como as mulheres se percebem enquanto mulheres, ou seja, de que forma o discurso religioso é entendido e vivenciado por elas, foram realizadas duas entrevistas com duas mulheres membros da Igreja Assembléia de Deus. Zelinda, 65 anos, casada há 46 anos, participa da Igreja como professora da Escola dominical e dirigente do Círculo de Oração, atuou como professora por mais de 30 anos. Terezinha, 54 anos, casada há 36 , atua como dirigente do círculo de Oração, possui o primeiro grau incompleto. A metodologia utilizada foi a história oral, seguindo a orientação de não restringir a entrevista a um aspecto específico da vida das entrevistadas33, procurou-se saber de suas vivências, como elas percebem a educação que receberam, etc. Nesse sentido foi detectada a forma que se deu a educação familiar em dois contextos distintos em termos de espaço e tempo, mas que ao mesmo tempo coincidem em vários aspectos. 33 TOURTIER-BONAZZI, Chantal de. Arquivos: Propostas metodológicas. In: FERREIRA, Marieta de Moraes; AMADO, Janaína. . Usos e abusos da história oral. 7. ed. Rio de Janeiro: Ed. da FGV, 2005. p. 238.
  • 14. 14 As lembranças de dona Zelinda e Terezinha fazem referência ao tipo de educação que receberam. Zelinda nos chama atenção a uma educação voltada ao espaço doméstico, sem muitas amizades. na época, da minha juventude, a gente não tinha direito assim de passear, de sair de casa, que os pais não liberavam muito (...) dentro de casa a gente não saia para canto nenhum, só de casa para a igreja. Na escola não tinha certas convivências, (não é?), não tinha tanta amizade, como a gente tem hoje34. Dona Terezinha reforça a fala de Zelinda, denunciando uma educação rígida em que nem estudar pôde: apesar de um tempo de ignorância, de muita ignorância naquele tempo, que a gente era bem assim, criada bem presa (...) a gente era criada assim com muito trabalho, trabalhando muito,(...) apesar de... ser um pouco atrasado, que hoje eu não tenho estudo, por causa daquele tempo atrasado né? Que os patrão deles falou, o patrão do meu pai falou que não era pra colocar nas escola, que as escola só tinha o que não presta, e assim meu pai ficou com aquela coisa toda, e não botou a gente pra estudar.35 Terezinha nos chama atenção à representação do trabalho feminino fora do espaço doméstico, quando afirma que apesar de ter sido “criada assim com muito trabalho”, este acontecia mais por uma questão de necessidade material do que por uma escolha por parte dos pais. Ela afirma que o fato dela trabalhar para fora não bem visto por seu pai. Trabalhava no motor e dentro de casa, e já eu lavava roupa pra minha mãe que lavava roupa de ganho, e a gente já ajudava ela, e ele não gostava, mesmo assim a gente lavava roupa de ganho, mas ele não gostava que a gente saísse pra trabalhar fora, ele não gostava... Percebe-se, a partir de suas falas que tanto Zelinda, quanto Terezinha foram educadas para cumprir seu papel de boa esposa e dona-de-casa, dentro do modelo tradicional de família, em que a mulher reside no espaço privado, e ao homem designa- se o espaço público do trabalho pra que ele cumpra seu papel de provedor do lar. Quando esse padrão é reforçado pelo discurso da Igreja ele assume a forma de verdadeiro: homem-provedor, mulher-dona-de-casa, é o que nos diz Zelinda: É claro que a gente sabe que a mulher, cuida mais da casa, cuida mais dos filhos, dá mais atenção aos filhos, (não é?), (...) o que eu posso fazer eu faço, 34 Depoimento de Zelinda recolhido dia 25 de junho de 2009. 35 Depoimento de Terezinha recolhido dia 01 de outubro de 2009.
  • 15. 15 tanto pra casa, quanto pra ajuda dos filhos, e pra me manter, enfim, pra tudo o que for necessário, mas não deixou de ter o compromisso e a responsabilidade do marido como o dono da casa (...) E tendo sempre um papel maior do que a esposa, claro que o marido é quem é o responsável pela família (né?) (...) Não é porque o homem é homem, ele não é capaz de lavar um prato, se for caso varrer a casa, faz parte da família. Agora não é certo a mulher deixar de fazer pra entregar ao marido, porque ele também tem as suas atividades, porque a atividade maior da casa é da mulher mesmo. Entretanto, a atuação feminina nos trabalhos extra-domésticos parece ter sido uma realidade experenciada por dona Zelinda desde o início de sua relação conjugal, e embora sua fala denuncie a concepção de família centrada no modelo tradicional em que foi educada, a mesma faz uma certa relativização “Não é porque o homem é homem, ele não é capaz de lavar um prato, se for caso varrer a casa, faz parte da família”, mas a mesma não deixa de referenciar seu modelo de família em que a figura masculina assuma um papel central na responsabilidade de manutenção da casa, e a mulher com os serviços domésticos “porque a atividade maior da casa é da mulher mesmo”. Terezinha faz o mesmo relativiza a rigidez do modelo tradicional de família, apontando sua participação no orçamento doméstico, o que, entretanto não faz do trabalho doméstico algo que também deva ser realizado “em partes iguais”. Nós sempre trabalhemos os dois, e nós era partes iguais, se ele, se ele trabalha para ajudar... pra, pra despesa da casa, eu também trabalhava para ajudar a mesma coisa, quando eu não trabalhava... aí ele era, o peso era pra ele (né?), ele que se virava, mas mesmo assim, eu ainda me virava em alguma forma, e quando eu trabalhava era partes iguais. (...) Serviço doméstico pra ele não, aí era eu. O que ele faz em casa, a única coisa que ele, que ele faz mesmo é só lutar, só botar as coisa dentro de casa mesmo, ele não é pra serviço doméstico dentro de casa. A entrevistada não consegue fugir do caráter patriarcal que a família assume, pelo fato de que mesmo que a mulher participe do orçamento familiar, à mulher fica a responsabilidade do serviço doméstico. Ela afirma ainda uma certa “compreensão” pela atitude do marido em dizer que serviço doméstico “é coisa de muler, isso é coisa de muler”.... porque verdadeiramente ele não é assim..., ele foi criado assim só em roça, só trabalho viu?, ele não foi trabalhado assim dentro de casa , fazendo nada dentro de casa, ele faz, se eu for gritar pra ele fazer assim, barre uma casa, só a casa ele dá uma basculhada assim por cima (risos), assim por cima, mas outra coisa, não. (...) ‘isso é coisa de mulher não, você também pode fazer’ ..., mas é porque o tempo dele não ajuda, pra ele fazer aqui, e ele também não tem aquela prática, aquela pratica, pra fazer as coisas domésticas que a gente faz. Aí eu entendo ele (né?), aí nessa parte..., já os meus filho, é diferente, eu
  • 16. 16 tenho um filho Ezequiel ele barre casa, ele..., ele só não lava prato, ele barre casa, ele dá faxina em casa, ele limpa móveis, ele passa pano em móveis, é..., lava roupa..., ele faz tudo, agora só prato, se largar na pia fica lá..., que ele diz que não... Percebe-se nessa fala dela que pelo fato de ela ter que trabalhar fora do espaço doméstico e ainda assim ter que dar conta da criação de muitos filhos pequenos, uma compreensão mais aberta em torno da divisão do trabalho, obrigada pela própria necessidade. Como ela diz, para ela não tem problema nenhum de o filho dela fazer os trabalhos, entendidos por seu marido como próprios de mulher. Entretanto, apesar de em algum momento ela até ter argumentado com seu marido para que ele mudasse sua concepção “isso é coisa de mulher não você também pode fazer”, ela não o questiona quando ele diz que serviço doméstico não é coisa pra ele. Resta-lhe um esforço de compreensão para que não haja conflito. Apesar disso Terezinha demonstra ser preferível ter dupla/tripla jornada de trabalho do que ser apenas dona de casa. E eu queria tá hoje assim, até hoje. (...) Trabalhando fora e chegar em casa trabalhar, essa é minha alegria. (...) Eu tinha felicidade que eu saía trabalhava, tinha meu dinheiro, ajudava meu esposo, comprava o que queria, pagava o que eu queria, minhas coisa, e tinha saúde também pra chegar em casa e... e vir trabalhar fazer minhas coisa. Eu me sentia muito feliz. (...) aí hoje tem mulher que diz ‘é que eu não agüento mais, e luto com filho e luto com isso, e eu vou largar essa vida, e essa vida num..., e eu não agüento mais’ e eu nunca reclamei disso. (...) criei meus filho tudo assim, trabalhava fora, e cuidei de minha casa, e nunca tive que reclamar e não tenho, o que reclamar, não. O mesmo nos diz Zelinda: chegando em casa vai ter que fazer o trabalho, não no seu total porque não dá tempo, então se o marido achar ruim ele vai ter que achar ruim mesmo, porque não deu tempo fazer, então... se for reclamar vai ter que fazer junto, caso contrário vai viver assim. Agora quem sabe de fazer seu jogo de cintura faz tudo diretinho, porque eu já fiz, jogo de cintura, cuidando da casa, cuidando dos filhos e ensinando, é difícil (...) Mas dá pra fazer esse jogo de cintura. Na defesa do trabalho feminino, mesmo que ele seja exorbitante para a mulher, percebe-se, na fala de Zelinda que embora ela tente conciliar a autoridade do marido com sua “independência financeira”, esta pode gerar certos conflitos que são ignorados: “se o marido achar ruim ele vai ter que achar ruim mesmo, porque não deu tempo fazer, então... se for reclamar vai ter que fazer junto, caso contrário vai viver
  • 17. 17 assim”. Percebe-se aqui uma imposição do jeito feminino de se resolver entre os trabalhos domésticos e o trabalho fora do lar. No caso de Terezinha ela afirma que queria possuir uma profissão melhor e caso isso acontecesse para ela isso não resultaria em nenhum problema, seu marido concordaria. eu queria ter na minha vida era ter tido assim uma, assim uma oportunidade de estudar e se eu ser alguma coisa ser uma enfermeira, ser uma professora, (...) se tivesse assim algum emprego, fosse uma pessoa que tivesse assim algum..., sei lá, se pudesse ter uma vida mais elevada, uma condições mais alta... Existem, portanto formas próprias delas conciliarem sua vida cotidiana, sua independência financeira, com a responsabilidade de ser “submissa” como manda a Bíblia e a confirma a sua Igreja, embora esta assuma forma específicas para cada uma, de forma que suas maneiras de viver não contradizam sua fé. Nota-se na fala delas, em especial na de Terezinha, uma necessidade de fazer de sua vida um engrandecimento pessoal a Deus, de divulgação pessoal da fé de “Servir a Deus com alegria”, de zelar o título de cristão, não escandalizar. Note-se como Terezinha relata brevemente sua vida, desde sua criação à estruturação da família: É... minha criação foi ótima. Eu sou feliz hoje pela minha criação meus pais me criou (...) Minha família tenho, tenho assim felicidade porque eu tenho uma família grande, graças a Deus, (...) e eu tenho sido feliz, não tenho palavras pra expressar assim a alegria que eu tenho de ser uma mãe de família assim, que apesar de muita luta, apesar de não ter um emprego (...) mas o Senhor tem cuidado de tudo não tem me deixado faltar nada, não tem me deixado faltar o pão, nem o calçado, nem a roupa, graças a Deus. Ela porém traz essa preocupação em não ser resmungadora, a necessidade de falar em felicidade em meio à situação de constrangimento e controle em que foi educada, em meio a uma situação de condições financeiras não muito favoráveis. Ela reclama cautelosamente apenas da falta de estudo, hoje grande empecilho à sua inserção social, profissional, e da falta de emprego, mesmo assim fazendo paralelamente uma referência constante a um sentimento de felicidade pelo resultado de sua criação: um casamento e a casa cheia de filhos o que para ela é motivo de grande satisfação, e pela providência divina, a qual para ela “não tem deixado faltar nada”. Poderia dizer o mesmo sobre a fala de Zelinda quando ela relata sua asserção profissional, ela sempre faz referência à bondade divina, colocando Deus em primeiro
  • 18. 18 lugar em sua gratidão por ter conseguido o emprego de professora estadual, e ter se aposentado como tal. eu tinha na minha mente, alguma coisa que faltava completar: que era os estudos. (...) com a ajuda dos políticos, que geralmente a força era maior (né?) na época nossa, era mais a força política, e pela misericórdia de Deus, Deus em primeiro plano, e segundo a força política, eu ingressei no estado, trabalhei vinte e cinco anos no Estado, completei o tempo com o município, e me aposentei, com sessenta e um anos de idade. Sobre o significado de suas participações pessoais na Igreja, Zelinda, que já participa da Igreja há mais de 50 anos, e Terezinha há 32, fornecem perspectivas diferenciadas. Assim diz Zelinda sobre o tempo em que é crente da Igreja Assembléia de Deus: eu sinto-me honrada por participar deste trabalho, desta origem, como um dom que Deus me deu, e faço com prazer a obra do Senhor, não tenho receio de evangelizar, não tenho ressentimento de nada, e Deus tem me abençoado, e eu tenho feito a obra do Senhor, e quero permanecer até o fim. Enquanto Zelinda demonstra uma identificação maior com a Igreja, com sua história em Conceição do Coité, Terezinha justifica o tempo que é participante da Igreja apenas por uma questão de fé em Deus e por uma preocupação com sua salvação. não é que é a praca da Igreja, que a Assembléia de Deus vá..., não é isso, não é a Assembléia de Deus que vai me levar pro céu, não é a praca da Igreja, não é a Igreja que eu congrego, não, é a minha fidelidade com Deus. (...) já teve ocasião assim que tava pensando que já me deu vontade de sair do ministério da Assembléia, mas, em todo lugar existe problema, (né?), onde vai existe problema, aonde a gente sair os problemas nos acompanham, espero ficar aqui mesmo até esperar o dia que Jesus quiser (né?). Por conta disso, ou talvez por diferenças relacionadas à experiência de vida de cada uma36, foram percebidas diferenças quanto às suas formas particulares de percepção acerca da posição da mulher na Igreja e na sociedade em geral, embora tenham sido notados pontos de convergência. Quando perguntado a Zelinda sobre como ela entendia o fato de as mulheres de suas Igrejas não assumirem determinadas posições que são apenas conferidas aos homens, Zelinda, embora dê à sua fala um sentido bem 36 Zelinda participou apenas de uma igreja em toda sua vida, tendo além disso um comprometimento mais intricado com as doutrinas da Igreja, a qual ajudou a instalar no centro da cidade, já Terezinha participou de outras Igrejas que não a Assembléia de Deus, portanto possui um campo de visão não restrito às doutrinas de sua igreja por ter experenciado outras realidades diferentes.
  • 19. 19 pessoal, coincide sua fala com a doutrina de sua Igreja, referendando-se na Bíblia para tanto. Eu acho correto porque, em relação à Palavra de Deus, a Bíblia diz assim que Deus escolheu profetas (né?), e pastores, doutores, só falou mais no sexo masculino, não falou no sexo feminino para atuação da Igreja, (...) eu acho assim mais respeitável, no meu modo de entender, (né?). Mais respeitável, um pastor dominando a igreja de que uma pastora, eu acho mais respeitável. Terezinha, entretanto mostra-se mais flexível diante desse mesmo assunto: Pra mim é simples uma mulher ter a posição de diácono, de cooperador, como tem lugar que tem, tem muitas Igreja que tem (né?), tem pastora, eu conheço mulheres pastora, mulheres que é... faz o cargo que os diáconos fazem, elas faz o que o diácono faz, diaconista, muitas Igreja tem diaconista, tem as obreira, tem (...) agora aqui na Assembléia de Deus é que é isso. Nesse aspecto Terezinha foge dos padrões tradicionais de sua Igreja, referendando-se em outros modelos de Igreja. Mas quanto ao comportamento da mulher nas relações conjugais tanto uma entrevistada como a outra destacam sua crença na Bíblia como fundamental. Assim afirma Terezinha a necessidade da submissão feminina nas relações conjugais: “é a Bíblia, a Bíblia que diz que a mulher tem que estar..., tem que ser submissa ao seu marido (...) Porque quando a gente é submissa com tudo e em tudo a gente vê a vitória, em tudo”. Zelinda da mesma forma afirma o dever/direito de o homem ser o líder da família: porque se a Bíblia registrar, como registrou, que Jonas foi engolido pelo... por peixe e ele passou lá três dias e não morreu e foi jogado à Nínive, a gente acredita porque a Palavra de Deus registra (né?), então a gente tem que também acreditar que o homem é o cabeça da mulher. A partir daqui vamos tentar entender como essas mulheres, que acreditam na Bíblia, portanto confirmam o dever da submissão, concebem a condição feminina nas relações conjugais. Segundo Zelinda mesmo quando a mulher precisa agir como líder, ela precisa colocar-se em seu lugar, não humilhar o marido, partindo-se do pressuposto que existem mulheres que são mais aptas e precisam agir para fazer os negócios do casal andarem bem: Se ela tem um marido, se a mulher é casada com um marido que não tem um, um, um meio de desenvolver, vamos dizer assim, no comércio, e ela tem aptidão pra isso, ela pode muito bem tomar a frente do trabalho (...) ela pode combinar com o marido (...), porque às vezes tem mais agilidade pr’aquilo (né?), tem mais facilidade, e quem sabe tem mais inteligência, (...), então ela
  • 20. 20 pode fazer sim, agora não é que ela pode fazer, que ela vai humilhar o marido porque ela é maior do que o marido, não, ela vai fazer porque ela tem inteligência pr’aquilo, desenvolve melhor do que o marido, então ela tá trabalhando para o bem dos dois. O marido tem, tem não, vai entender que foi melhor assim, do que ele tomar a frente e não ir pra frente. Para ela o mais importante é a família andar bem e nesse sentido afirma que “o marido vai entender”. Quando questionada acerca dessa imediatez ela o confirma novamente O... ele... pode até dizer assim ‘eu não quero que você faça isso’ e ela dizer ‘eu vou fazer’. Se ela disser eu vou fazer, porque ela ta sabendo da situação, porque se ela não fizer ‘a casa cai’, aí ele não vai ser mais o ‘esteio’ da casa, vai ser agora ele e ela, no sentido do comércio, da vida financeira, e se ele achar ruim, ele vai ter que continuar achando ruim, e se ela deixar de fazer vai cair. (risos). Ela vai ter que manter essa posição dela aí, não é porque que ela fazendo assim, ela vai tomar o poder do cabeça da mulher, não. Ela vai manter ali a sua, a sua atitude no negócio para que mantenha a família, vamos dizer assim, firme, no comércio, ou na sua vida financeira. Embora possa parecer confusa sua explicitação: quando for necessário, a mulher deve agir mesmo que o marido não compreenda, quando ela o afirma ela evoca uma capacidade que pressupõe existir em cada mulher, o “discernimento” para saber quando deve ou não atuar. Nesse ponto onde fica a submissão, se a mulher pode decidir quando quer se submeter? Para Terezinha a mulher precisa “colocar-se em seu lugar” mesmo quando precisa agir de forma que sua vontade se sobreponha à do marido: Abaixo, porque de qualquer jeito ela tem que ser abaixo do homem, mesmo ela sendo o pescoço, mesmo ela vendo que o pescoço dela tem que dominar o pescoço e a cabeça, mas ela tem que controlar no domínio da cabeça, porque ela, ela tá vendo ‘ah, mais eu to vendo que eu, meu marido, oh, meu Deus’. E meu marido é assim (...) às vezes até eu me agitava ‘ah! Tudo tem que ser eu nessa casa, você não liga, você não faz’, só, mas eu tinha que tá ao limite, sempre eu tinha que ficar abaixo dele, eu sabia que ele era nessa posição. Há uma percepção em seu discurso de que a mulher mesmo quando deve colocar-se à frente, deve cumprir o mandamento bíblico de ser submissa: “porque eu sabia que ele era nessa posição”. Então ela conta um exemplo quando seu marido decide vender a casa: disse ‘oh, você é o homem, é você que vai... que vai, que coisa, agora eu vou dizer agora não vou vender minha roça, (Terezinha se corrige) não vou vender minha casa pra comprar roça, porque eu tenho meus filho, meus filho trabalha, não vou vender minha roça porque não dá pra eu comprar uma roça,
  • 21. 21 comprar uma casa’ – se corrige- (ruído - passa uma charanga) (...) Ah ele disse ‘ah! mais é quando isso acontece, que eu quero ver como é que você vai aposentar, e não sei o que’, e eu deixei ele bem subir e disse eu não aceito, eu não aceito, depois que ele esfriou a cabeça, eu sentei com ele e conversei com ele, e pronto, acalmou e acabou e resolveu. Aí hoje ele não altera mais, ele não sobe mais naquele, porque ele é, ‘é porque ele tem que fazer’, não, e hoje ele não faz mais isso. Aqui Terezinha entra como um freio ao impulso do marido em vender a casa “eu deixei ele bem subir e disse eu não aceito, eu não aceito”. Nessa situação claramente o marido não foi o cabeça, pois se o tivesse sido ela teria que acatar sua decisão, a vontade de dona Terezinha foi a que prevaleceu. Tanto no discurso de Zelinda como no de Terezinha foi percebida essa justificação para uma possível insubmissão: quando for resultar num bem mútuo, ainda este seja compreendido apenas pela mulher. Zelinda o diz enquanto fala da direção dos negócios, Terezinha na questão da venda da casa. Terezinha relata ainda uma outra situação, vivenciada por uma filha sua, em que ela teria ao invés de obedecer ao marido, insistido para que seu interesse prevalecesse: aconteceu com minha menina. Porque ela estudava, ela era jovem, ela estudava, e aí casou, e depois que casou o marido não deixou mais estudar e atrapalhou toda a vida dela. (...) ela tinha que não obedecer, ainda disse a ela, ó sobre isso você não pode obedecer a seu marido, porque uma coisa que você tá o bem pra você, e pra ele tombém (...) E ela ai, nessa parte eu achei ela fraca, que ela aí podia ter insistido mesmo, porque se ela tivesse insistido... As duas entrevistadas reforçaram que a mulher deve ser insubmissa quando a insubmissão for resultar num bem comum. Isso é bem do discurso delas mesmo, não consta no discurso oficial de suas igrejas. Esse posicionamento apesar de concordar com discurso oficial da submissão feminina - pela obrigação de ela ter que ser submissa, não o ser só é justificada por uma boa causa - abre brechas no mesmo, quando permite que a mulher contrarie o principio da submissão quando ela achar que seja melhor. Há, mesmo em meio do consentimento à submissão, resistências à designação de passividade, obediência da mulher em relação ao marido. Nesse dois casos percebe- se um refúgio nos princípios do próprio cristianismo de procurar fazer o bem, proporcionar que as coisas se resolvam em direção ao melhor, ao bem da família. Essas e outras formas de resistência que possam haver no cotidiano delas confere à mulher um lugar de sujeito em que ela analisa as colocações do marido as aceita quando estas forem coerentes com sua vontade, “se submetem”, quando acharem que for para o bem
  • 22. 22 mútuo, ou quando não ferir a sua integridade, seu princípios de fé. Como o diz Zelinda que se refugia no próprio discurso da submissão para afirmar que esta deve orientar pelos princípios maiores da sua fé, uma vez que a submissão deve se dar “como ao Senhor”. e a Bíblia ainda diz assim que a gente ‘tem que fazer a vontade do marido no Senhor’ – enfatiza a entrevistada entoando a voz . Como é isso? Se ele quiser que a gente faça coisa que não é do agrado do Senhor, não é porque ele é marido que eu vou fazer37, nem ninguém vai fazer. ‘É no Senhor’. Nesse sentido Zelinda refugia-se na submissão “como no Senhor”, ou seja, seus princípios de fé colocam-se acima da autoridade do marido. Nesse sentido a mulher evangélica deve colocar-se mais na posição de mulher sábia do que submissa. A necessidade de conciliar os dois, a clareza com que essa obrigação se impõe para elas oferece-lhes uma boa saída aos impulsos de domínio que possivelmente seus maridos venham a ter, como o diz Terezinha: tem umas coisas que ela tem que ser só o pescoço, mas em outra coisa ela tem que ser o pescoço e a cabeça, não que..., desde que a cabeça não exagere, mas que ela lutando pra cabeça funcionar junto com o pescoço, mas ela tem que lutar, que não pode deixar... (né?). Não há, portanto uma submissão passiva, tanto uma como outra entrevistada, apesar de afirmarem o dever da mulher ser submissa ao seu marido, encontram alternativas para negá-la enquanto uma atitude passiva. Esse posicionamento não foge, entretanto dos limites de sua fé, refugia-se na própria Bíblia. Como o afirma uma revista de Escola Dominical, a Bíblia é a “única orientadora das relações conjugais”, “o manual de estudos da família”38. Resta-lhes enquanto mulheres evangélicas refugiarem-se na própria Bíblia para poderem tomar suas decisões. A escolha de outros referenciais na própria Bíblia permite à mulher evangélica mais autonomia no sentido de que ela pode referendar suas atitudes no que é aceito pela sociedade em geral e não apenas na vontade do marido, como por exemplo: trabalhar fora de casa e estudar, mesmo que o marido não concorde. 37 Uma vez que as igrejas pentecostais conferem aos seus membros autonomia de instrução perante a Bíblia, algumas mulheres se utilizam da mesma para barrar algumas conferências de poder masculino conferidas em algumas de suas mesmas passagens, o que fica explícito nessa parte da entrevista. 38 LIÇÕES BÍBLICAS JOVENS E ADULTOS. Rio de Janeiro: CPAD-. Trimestral. 4º trimestre, 1985, p. 41.
  • 23. 23 Nesse sentido, por exemplo, quando questionado às entrevistadas sobre o que elas achavam da condição de mulher na Bíblia, elas escolhem figuras que mais se parecem com suas histórias de vida, o exemplo de serem submissas, um dos debatidos na Escola dominical quando o assunto é mulher casada, não é citado. Zelinda cita alguns exemplos: Tem o exemplo de, o maior exemplo que se..., se aconselha é a mãe de Jesus, Maria (né?), (...) tem também a história das... das... das mulheres que faziam...que faziam rendas, as mulheres que tiavam mulheres que faziam comércio, com se fosse uma empresária, como em provérbios diz assim: ‘Mulher virtuosa, quem a achará?’ e a história dessa mulher virtuosa era uma mulher empresária, era uma mulher que fazia um negócio mais alto do que o homem (...) existia mulheres assim... de renome, mulheres de projetos, mulheres de trabalho (né?), mulheres que faziam o social, que faziam coleta para dar aos pobres (...) desde o antigo tempo que essas coisas existem (...). As mulheres citadas por Zelinda “para exemplo nosso” fazem referência a qualidades que talvez ela tenha desempenhado enquanto participante da fundação da Igreja na cidade, professora da escola dominical, e professora de escola pública. Nesse sentido Zelinda dá ênfase a uma figura muito pouco explorada nas revistas da Escola dominical “a mulher virtuosa” e a mulheres “de renome, mulheres de projetos, mulheres de trabalho”. Terezinha o faz o mesmo quando enfatiza a figura de Ana: Ana... que foi mulher prudente, mulher de oração, mulher de fé, mulher de coragem, mulher sincera diante de Deus, foi mulher que não recuou por nada, foi muito zombada, muito..., com muita crítica sobre Ana, mas ela tava (né), com cabeça erguida, não desistiu. Seu refúgio nessa figura está diretamente relacionada à sua história de vida, uma mulher que se sente humilhada por não ter estudado mais, não ter emprego, mas que espera em Deus ser exaltada, tal como Ana. CONCLUSÃO Percebe-se a partir do trabalho realizado com duas mulheres evangélicas que o discurso da submissão não impera de forma passiva sobre a concepção de vida dessas mulheres, há outras figuras e outras passagens na Bíblia que lhes permitem ser e sonhar ser algo mais que uma boa dona-de-casa submissa a seu marido. Nesse sentido elas buscam referências justifiquem seus modos de ser e pensar. Um refúgio para justificar
  • 24. 24 uma atitude não submissa seria a atuação feminina em busca de um bem maior que justifique sua atitude: o bem estar da família. Diante de tudo isso fica claro, que elementos além do discurso religioso interferem em seu comportamento na relação marital, um sonho de “ser alguém”, a valorização de um bem conseguido, dos estudos, etc. Fazendo uma referência a este dado fica claro que apesar do discurso religioso pautar-se na afirmação do modelo tradicional de família em que o marido é o chefe do lar e a mulher uma boa esposa- dona-de-casa este modelo tende a ruir quando se depara com questões cotidianas que oferecem à mulher novos espaços na sociedade mesmo para mulheres que não negam a veracidade do discurso que o afirma. Entretanto o discurso religioso atua conjuntamente na formação da identidade de gênero feminina que concorde com o modelo patriarcal de família. O mesmo motivo buscado pelas mulheres que lhe permitem burlar o princípio da submissão, “o bem-estar dos dois, o bom funcionamento da família”, em contrapartida também lhes impõe o dever de serem submissas, uma vez que noutras situações ela vai ter que ceder a fim de não causar conflitos, como por exemplo, assumir duplo-triplas jornadas de trabalho. Além disso fica colocada a impressão de o homem é líder por essência, é mais austero, é a mulher da mesma forma deve ser por natureza mais voltada aos afazeres domésticos. Ao passo que a igreja contribui para a perpetuação desse pensamento quando naturaliza o gênero, ela contribui em perpetuar um sistema de gênero desigual, do qual as mulheres participam, embora não de forma passiva. Existem meios desenvolvidos por essas mulheres que justifiquem seus atos de insubmissão, como já o dizia Roger Chartier: Nem todas as fissuras que corroem as formas de dominação masculina tomam a forma de dilacerações espetaculares, nem se exprimem sempre pela irrupção singular de um discurso de recusa ou de rejeição. Elas nascem com freqüência no interior do próprio consentimento, quando a incorporação da linguagem da dominação se encontra reempregada para marcar uma resistência39. Conclui-se portanto neste trabalho que dentro do sistema de afirmação de dominação patriarcal empreendido pelo discurso religioso da Igreja evangélica Assembléia de Deus, as mulheres evangélicas não atuam de forma passiva, existem 39 CHARTIER, Roger. Diferenças entre os sexos e dominação simbólica. Cadernos pagu (4) 1995: P 42.
  • 25. 25 formas de resistência desenvolvidas pelas mesmas que se encontram dentro do próprio discurso religioso, em princípios maiores que as concedem certas formas de liberdade em decidir pela submissão/insubmissão à vontade do marido ou em outros tipos bíblicos que contrariem a naturalização da posição de submissão feminina. REFERÊNCIAS CHARTIER, Roger. Diferenças entre os sexos e dominação simbólica. Cadernos pagu (4) 1995: P 37-47. TOURTIER-BONAZZI, Chantal de. Arquivos: Propostas metodológicas. In: FERREIRA, Marieta de Moraes; AMADO, Janaína. . Usos e abusos da história oral. 7. ed Rio de Janeiro: Ed. da FGV, 2005 FOUCAULT, Michel. A ordem do discurso. 10ª ed. São Paulo: Edições Loyola, 2008. HALL, Stuart.. A identidade cultural na pós-modernidade Tradução Tomaz Tadeu da Silva e Guacira Lopes Louro. 11ª ed. Rio de Janeiro: DP&A, 2006. LEVI, Giovanni . Sobre a micro-história. In: BURKE, Peter. A escrita da história: Novas perspectivas. São Paulo: UNESP, 1992. LIÇÕES BÍBLICAS JOVENS E ADULTOS. Rio de Janeiro: CPAD. Trimestral. Coleção 1980-2009. SAFFIOTI, Heleieth I.B. Contribuições feministas para o estudo da violência de gênero. Revista labrys, estudos feministas, número 1-2, julho/ dezembro 2002. Disponível em: http://www.unb.br/ih/his/gefem/labrys1_2/heleieth1.html SCOTT, Joan. Gênero: uma categoria útil de análise histórica. ( Tradução de Christine Rufino Dabat e Maria Betânia Ávila). Recife, SOS Corpo, 1991. SOIHET, Rachel. História das mulheres. In. CARDOSO, Ciro Flamarion, VAINFAS, Ronaldo (orgs.). Domínios da História: Ensaios e metodologias. Rio de Janeiro: Elsevier, 1997. POGREBINSCHI, Thamy. Foucault, para além do poder disciplinar e do biopoder. Lua Nova nº 63, 2004.