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 UNIVERSIDADE DO ESTADO DA BAHIA
       JACIMAR OLIVEIRA ALMEIDA RAMOS
         MICHELE OLIVEIRA NASCIMENTO




            ENSAIOS DO REAL:
Identidades femininas e suas representações no
        contexto de Conceição do Coité




                 Conceição do Coité
                       2011
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     JACIMAR OLIVEIRA ALMEIDA RAMOS
       MICHELE OLIVEIRA NASCIMENTO




            ENSAIOS DO REAL:
Identidades femininas e suas representações no
        contexto de Conceição do Coité


                          Trabalho de conclusão apresentado ao curso de
                          Comunicação Social - Habilitação em
                          Radialismo, da Universidade do Estado da
                          Bahia, como requisito parcial de obtenção do
                          grau de bacharel em Comunicação, sob a
                          orientação da Professora Mestre Carolina Ruiz
                          de Macedo.




                 Conceição do Coité
                       2011
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     JACIMAR OLIVEIRA ALMEIDA RAMOS
       MICHELE OLIVEIRA NASCIMENTO




            ENSAIOS DO REAL:
Identidades femininas e suas representações no
        contexto de Conceição do Coité



                     Trabalho de conclusão apresentado ao curso de
                     Comunicação Social - Radialismo, da Universidade do
                     Estado da Bahia, realizado sob a orientação da Professora
                     Mestre Carolina Ruiz de Macedo.




          Data: ____________________________
          Resultado: ________________________

          BANCA EXAMINADORA
          Profª. Msc. Carolina Ruiz de Macedo (orientadora)
          Assinatura________________________

          Profª. Dra.. Rosane Meire Vieira de Jesus
          Assinatura_______________________

          Profª. Msc. Vilbégina Monteiro dos Santos
          Assinatura___________________________
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                              AGRADECIMENTOS



        À Deus por ter nos dado saúde, coragem e sabedoria durante essa caminhada.


            Às nossas famílias pelo apoio incondicional em todos os momentos.


    À nossa orientadora Prof.ª Msc. Carolina Ruiz de Macedo pelo incentivo, presteza e
            contribuições para construção desse trabalho de conclusão de curso.


Em especial à Prof.ªMsc. Vilbégina Monteiro dos Santos que além das discussões em sala de
aula nos proporcionou com sua amizade grandes experiências de vida, as quais impulsionaram
                               nosso crescimento acadêmico.


  À Clélia, Geninha, Gilca, Juçara e Vilmara pela gentileza e disponibilidade em participar
            desse trabalho, permitindo a construção de uma relação de amizade.


Aos nossos colegas e demais professores por fazerem parte de nossa vida durante esses quatro
    anos. Em especial à Bruna, Juçara, Mevolandia e Raiane com quem compartilhamos
        momentos positivos e negativos, os quais nos marcaram significativamente.
13




“Seguimos buscando compreender a natureza complexa da
imagem fotográfica documento fechado, definido,
delimitado pelas margens da superfície fotográfica,
portador de um inventário de informações que é, ao
mesmo tempo, uma representação aberta, indefinida, real
porém imaginária, plena de segredos extra-imagem que
segue sua trajetória mostrando/encobrindo sua razão de ser
no mundo; uma aparência construída em eterna tensão
com seu verdadeiro mistério, subcutâneo à superfície
fotográfica: sua trama, sua história, sua realidade interior.
Um signo a espera de sua desmontagem..”

Boris Kossoy (2000, p.143-144)
14



                                        RESUMO



                          ENSAIOS DO REAL:
 Identidades femininas e suas representações no contexto de Conceição do
                                  Coité



Considerando o desenvolvimento da atuação das mulheres, numa perspectiva histórica,
observa-se que os papéis sociais assumidos por elas foram se transformando e
consequentemente foram resignificando suas identidades. Nesse sentido, nas sociedades pós-
modernas, os sujeitos femininos assumem múltiplas identidades que fomentam a
reestruturação de suas representações nos espaços sociais. Propõe-se através de um ensaio
fotográfico construir representações das várias identidades de algumas mulheres que têm
participação ativa no contexto social de Conceição do Coité, Assim, o objetivo com esse
trabalho não é retratar a mulher pelo filtro de uma perspectiva feminista, mas através dos
fragmentos temporais e espaciais materializados nas fotografias, dar visibilidade à mulher
como sujeito social, que pode ser mãe, empresária, líder sindical, professora etc., mas antes de
tudo mulher. Com esse objetivo foram selecionadas mulheres símbolo de transformação
social, pela cidadania, e de luta por melhores condições de vida.
Palavras-chave: Identidades. Mulheres. Conceição do Coité. Representação. Ensaio
Fotográfico.
15



                                      ABSTRACT


                           THE REAL ESSAY:
      Women's identities and their representations in the context of the
                            Conceição do Coité


Considering the development of the actuation of women in historical perspective, we see that
the social roles assumed by them were turning and therefore their identities were resignifying.
Accordingly, in postmodern societies, the female subjects assume multiple identities that
foster the restructuring of its representations in social spaces. We propose using a photo essay
to build representations of the multiple identities of some women who are active in the social
context of Conceição do Coité. So our goal with this work is not portray the woman through
the filter of a feminist perspective, but through fragments of time space materialized in the
photographs, to give visibility to women as a social subject, which can be a mother,
businesswoman, union leader, teacher etc.. But above all women. With this aim we selected a
symbol of women for citizenship and social transformation of the struggle for better living
conditions.


Keywords: Identity. Women. Conceição do Coité. Representation. Photo Essay.
16



                                       Sumário


Introdução                                                                         09
Público-alvo                                                                       17
1 Mulher: Identidades e Representações                                             13
  1.1 O empoderamento das mulheres em Conceição do Coité                           15
  1.2 Uma Questão de Identidade                                                    17
  1.3 Identidade Feminina e Representação na Mídia                                 19
  1.4 Mulher e Propaganda                                                          20
2 Imagem e Sociedade                                                               22
  2.1 Implicações sociais da Imagem fotográfica                                    26
  2.2 Representação fotográfica: formas de percepção, criação e interpretação da   29
  realidade
3 Registros Fotográficos                                                           33
  3.1 Pré-produção                                                                 33
  3.1.1Proposta do Ensaio                                                          35
  3.1.2 Equipe                                                                     35
  3.1.3 Perfis                                                                     35
  3.1.4 Pré-produção dos ensaios                                                   43
  3.2 Produção                                                                     43
  3.2.1Relatório dos ensaios                                                       44
  3.2.2 Descrição das fotografias selecionadas para a exposição                    60
  3.3 Pós-produção                                                                 64
4 Cronograma                                                                       65
5 Orçamento                                                                        65
6 Considerações Finais                                                             67
Referências                                                                        69
Apêndice                                                                           72
17



          Introdução




          A relação histórica entre o homem e os mecanismos de captação de imagens é
marcada pela lógica da experimentação, numa perspectiva de desenvolvimento impulsionado
pelo aprimoramento técnico e busca da qualidade estética.               Nesse processo de
desenvolvimento, o homem, através da fotografia, reconfigura o modo como se relaciona com
o mundo, criando com as representações fotográficas novas formas de percepção e recepção
de sua realidade histórica.

          Nesse sentido, as representações criadas através da fotografia envolvem não só
aparatos técnicos ou concepções estéticas, mas também elementos que ideológica e
culturalmente surgem da relação entre – utilizando a terminologia de Roland Barthes (2009) –
o operator (fotógrafo) e o espectrum (objeto fotografado). Ou seja, o resultado do ato
fotográfico está intrinsecamente ligado à forma de relação que o fotógrafo estabelece com seu
objeto.

          Assim a imagem fotográfica é classificada como um produto cultural que apresenta
imbricado em sua concretude material e simbólica o fazer de um ser social (fotógrafo) num
dado contexto histórico indissociável de seus conflitos, negociações e de suas formas de
desenvolvimento social.

          O desenvolvimento social no contexto de Conceição do Coité, durante, os anos 1970 e
1980 esteve pautado numa estrutura de sociedade patriarcalista, na qual a mulher desenvolve
papéis secundários e ocupa lugares hegemonicamente definidos pelos homens. Dentro desse
contexto os meios de comunicação reafirmam e alimentam tal estrutura através da construção
e disseminação de modelos estereotipados da identidade feminina que reforçam a lógica
patriarcalista; e alguns desses modelos ainda fazem parte de sistemas de identificação na
sociedade contemporânea.

          A proposta deste projeto surgiu do desejo de construir um produto visual que possa
contribuir, como alternativa, para a percepção de novas possibilidades de representação da
mulher. Criando imagens fotográficas que represente a mulher com seus múltiplos papéis,
mostrando a complexidade da sua identidade na sociedade contemporânea, a fim de
evidenciar, além dos papéis sociais tradicionalmente exercidos, suas realizações sociais,
apresentando-a como construtora de uma nova realidade.
18



       No que se refere ao processo de construção da interpretação de imagens fotográficas,
que é uma proposta de Kossoy (2000), esse trabalho pretende propor uma outra concepção
visual do sujeito feminino na cidade de Conceição do Coité. A cidade de Conceição do Coité
foi delimitada como locus deste ensaio fotográfico por ter sua dinâmica social, política e
econômica influenciada pela atuação dessas mulheres, que transformam sua realidade social
criando uma nova perspectiva para o desenvolvimento tanto de suas famílias quando da
sociedade.

       O nosso objetivo geral com esse trabalho é construir um ensaio fotográfico de cunho
documental que materialize, através da imagem, a representatividade da mulher em Conceição
do Coité, destacando as múltiplas identidades apropriadas pela mulher pós-moderna.
       A partir deste objetivo geral surgem outros de natureza mais específica, quais sejam:
               dar visibilidade a mulher enquanto construtora e transformadora de sua
       realidade em Conceição do Coité.
               mostrar a mulher enquanto sujeito transformador e protagonista de sua própria
       história;
               representar as várias identidades assumidas por algumas mulheres coiteenses
       no desempenho de seus papéis sociais;
               montar uma exposição a fim de mostrar algumas mulheres coiteenses símbolo
       de luta por melhores condições de vida.
       Desse modo propomos um ensaio que contribua politicamente para uma releitura da
imagem dos sujeitos femininos em Conceição do Coité. Assim o propósito não é construir
fotografias artísticas para contemplação como obra de arte, mas colocá-las como propulsoras
de reflexões.
       Sendo que para selecionar essas mulheres, fizemos algumas pesquisas exploratórias,
nas quais observamos, por meio de amostragem tipificada, algumas características que
nortearam nossas escolhas. Com base no levantamento de dados, selecionamos seis mulheres,
com quem fizemos entrevista oral semiestruturada a fim de obter informações necessárias
para conhecer melhor cada uma das personagens e também para construir seus perfis.
       Visto que os meios de comunicação comerciais, por obedecer a lógica capitalista de
produção, em grande parte, não trazem representações da mulher enquanto sujeito
transformador e construtor de uma nova realidade, tanto social quanto familiar, decidimos
realizar um ensaio fotográfico com intenção de representar mulheres que compõem o cenário
público e social de Conceição do Coité como sujeitos transformadores.
19



       Temos conhecimento que a temática das mulheres já foi explorada em trabalhos
acadêmicos através de várias perspectivas e usando diversos suportes, no entanto, o uso da
fotografia como método de construção do saber, promoção do conhecimento, da informação e
da reflexão, ainda não foi explorado pela comunidade acadêmica de Conceição do Coité.
Dessa forma, o tema proposto apresenta grande relevância social, pois tem uma capacidade
maior de acessibilidade, além da facilidade de divulgação e propagação, pois a atração que a
imagem fotográfica exerce sobre as pessoas é mais direta do que um texto escrito.
       Nesse sentido, ao aumentar a sociabilização do conhecimento, estamos ajudando a
Universidade a cumprir seu papel junto à sociedade, pois com a inserção de novos debates e
novas discussões no contexto social, estamos provocando mudanças que impulsionam seu
desenvolvimento.
       Além disso, acreditamos que assim como o mapa é capaz de construir sentido e
transmitir conhecimento, a imagem também o faz, visto que, a partir de uma concepção
esteticamente trabalhada, as fotografias aqui propostas, podem adquirir funções informativas
e de valorização da imagem simbólica das mulheres retratadas.
       Mostrar essas mulheres, através de um ensaio fotográfico, surgiu como uma
alternativa de criar uma forma da sociedade ver/perceber as mulheres, contrapondo as
imagens estereotipadas, em formatos mercadológicos, veiculadas pelas mídias convencionais.
       No capitulo 1 deste memorial, foi abordado, numa perspectiva histórica, as relações de
gênero e a trajetória feminina na sociedade, fazendo um apanhado geral a respeito do modelo
patriarcalista, o qual estruturou por muito tempo as relações sociais, inclusive no contexto de
Conceição do Coité. Para melhor abordagem dos assuntos, o capítulo foi dividido em quatro
subtemas: O empoderamento das mulheres em Conceição do Coité; Uma questão de
identidade ; Identidade feminina e representação na mídia e Mulher e Propaganda.
       No primeiro tópico, discutimos questões a cerca do empoderamento dos sujeitos
femininos na perspectiva de Almeida (2010) e Silva, Z. P. (2007), com recorte espacial da
cidade de Conceição do Coité, traçando uma trajetória do envolvimento da mulher coiteense
na transformação da sociedade. No segundo, trazemos, através dos conceitos de identidade e
representação de autores como Hall (2006), Silva, T. T. (2007) e Kellner(2001), argumentaçõs
sobre os processos de construção, desconstrução e reconstrução das identidades femininas,
considerando os múltiplos papéis sociais que as mulheres desenvolvem.
       No terceiro tópico, foram abordados, baseado em Cruz (2009), o papel dos meios de
comunicação no processo de representação e consolidação dos estereótipos criados em torno
dos sujeitos femininos no contexto contemporâneo. Por fim, debatemos no quarto tópico a
20



problemática do uso da imagem feminina nas propagandas, discutindo a associação que se faz
dela com os interesses mercadológicos e como mudar essa realidade, colocando o ensaio
fotográfico no âmbito acadêmico como uma alternativa de representar a mulher dissociada de
um produto.
       No capítulo 2, trabalhamos uma retrospectiva histórica da relação do homem com a
imagem, desde as primeiras pinturas no interior das cavernas até a fotografia digital.
Abordamos, a partir das reflexões de Bazin (1991), Barthes (2009), Debrey (1994) e Sontag
(2004), como o significado da imagem para o homem se modificou com o passar do tempo e
com o avanço da técnica. Dividimos este capítulo em dois tópicos: Implicações sociais da
imagem fotográfica e Representação fotográfica: formas de percepção, criação e
interpretação da realidade.
       No primeiro tópico, trabalhamos, ancoradas nas discussões trazidas por Fabris (2007)
e Sontag (2004), quais as implicações das fotografias nos processos de comunicação
imagética e também os novos usos e funções atribuídos à fotografia, considerando, nesse
contexto, as modificações que estas imagens provocam tanto nos espaços concretos quanto
nos simbólicos. O segundo tópico, dialogando com Barthes (2009) e Kossoy (2000), discute
como as representações fotográficas são usadas na percepção, criação e interpretação da
realidade já que a materialização do real, através da fotografia, é um processo cultural que
envolve múltiplas interpretações, tanto na sua produção quanto na sua percepção/recepção.
       No terceiro capítulo, fazemos a descrição técnica e metodológica da pré-produção,
produção e pós-produção do ensaio fotográfico.




       Público-alvo:

       Toda sociedade de Conceição do Coité, assim como a comunidade acadêmica que
engloba através da diversidade e heterogeneidade de seus estudantes outros contextos sociais.
21



       1. Mulher: Identidades e Representações




       Para que se desenvolvam, as sociedades adotam sistemas e modelos de organização
social em que são definidos padrões, papéis, condutas e comportamentos para seus atores
sociais que obedecem à lógica de funcionamento do modelo ou sistema adotado, o qual é
firmado e legitimado por instituições sociais que desempenham funções importantes na
sociedade, como as escolas, igrejas e a família. Assim como também pelos meios de
comunicação, que interferem nesse processo de organização, reforçando ou não determinadas
concepções e estereótipos.
       A partir deste pressuposto, consegue-se, através de uma análise histórica, identificar
que a sociedade brasileira adotou o sistema patriarcalista como estrutura social e como forma
de organizar as relações de poder. O modelo tem suas bases definidas desde o Brasil Imperial
(BAUER, 2001) em que as famílias eram estruturadas através do domínio do pai, o qual
assumia a responsabilidade de conduzir a família, atuando de forma autoritária e impositiva.


                       Se o ser homem é patriarcalmente identificado nos músculos fortes e à mostra, no
                       ser agressivo e autoritário, a mulher é definida a partir de uma relação de oposição,
                       frágil, emotiva, passiva, ingênua e dominável. (ALMEIDA, 2010, p. 102)



       Nesse sentido foram sendo estabelecidas, a partir dos padrões patriarcalistas, as
diferenciações dos papéis do pai/homem/esposo e da mãe/mulher/esposa no espaço privado de
suas casas, mas também na sociedade, caracterizada como espaço público, passando a
envolver as relações sociais existentes dentro desses espaços.
       No patriarcado, o homem (patriarca) é colocado como um ser superior em relação a
mulher (matriarca), sendo considerado o responsável pelo sustento da família e pelo
desenvolvimento da sociedade, enquanto o papel atribuído às mulheres fica restrito ao lar,
cabendo-lhes apenas a educação dos filhos e os cuidados com a casa.
       A partir dessa hierarquização, as relações de gênero são caracterizadas pela
dominação-exploração, nas quais o homem assume o papel de dominador e a mulher de
submissa, construindo um sistema de poder que predominantemente apresenta-se
desfavorável a mulher. Esse poder, segundo Foucault (1988), se exerce também através de
uma rede de discursos e práticas sociais, pois as relações sociais e o comportamento dos
22



atores sociais são elementares para o processo de manutenção e/ou reestruturação desses
sistemas.
       É por meio da proliferação e reafirmação desses discursos que muitas mulheres foram
convencidas de que não possuíam o perfil para a competitividade e para o exercício do poder,
reforçando o sistema patriarcalista. No entanto Almeida coloca que:


                        Historicamente a mulher nunca esteve dissociada do trabalho como atividade
                        econômica, especialmente naquelas vinculadas a sobrevivência familiar, seja no
                        espaço rural, ocupando-se da terra, trabalhando na plantação e na colheita, seja nos
                        centros urbanos, comerciais e industriais. (ALMEIDA, 2010, p.24)




       Nessa perspectiva a mulher desempenha funções que extrapolam os limites do espaço
privado de seus lares e contribui com sua atuação nos espaços públicos, para o
desenvolvimento de sua família e da sociedade como um todo. Mas ainda assim as mulheres
não adquirem a mesma valorização atribuída aos homens.
       Contudo algumas mulheres, ao longo da história, criaram formas silenciosas e
particulares, de subverter e burlar a autoridade do patriarca (pai e/ou esposo), utilizando-se de
táticas sutis para participar das tomadas de decisões referentes tanto às relações familiares
quanto aos negócios e aos setores econômicos e políticos da sociedade, sendo possível
“identificar estratégias de lutas e resistências que permitiram algumas mulheres driblar o
poder do macho, transitar entre o público e o privado e, em alguns casos, exercer o papel de
chefe de família, tomando nas suas próprias mãos as rédeas de sua existência” (BRANDÃO,
2008, p. 154).
       Com essa nova postura, as mulheres passam a demandar a abertura e o alargamento de
espaços para sua atuação. Nesse momento que corresponde às primeiras décadas o século XX,
surgem, na sociedade brasileira, as primeiras manifestações e mobilizações de mulheres de
forma organizada. É nesse cenário que emergem fortes grupos feministas que atuam em áreas
específicas da sociedade.
       As mulheres começaram a se organizar em clubes de mães. Com a militância, o
movimento feminista ganhou novos rumos, conquistando novos espaços. Em sua primeira
fase no Brasil, o feminismo teve como objetivo a conquista dos direitos políticos das
mulheres, mediante participação eleitoral, assim como também o alcance da sua cidadania
através da educação, com a finalidade de obter maiores oportunidades de participação na vida
social e pública.
23



          Esta luta durou muitos anos e, para conseguirem êxito nesse propósito, foi fundado,
em 1910, o Partido Republicano Feminino. É interessante ressaltar que a atuação do partido
ocorria fora da ordem estabelecida, já que era composto por pessoas que não possuíam
direitos políticos. Este partido não defendia apenas o direito ao voto, ele também buscava a
conscientização das mulheres sobre a emancipação e a independência feminina, além de
propugnar pelo fim da exploração sexual.
          Muitos anos passados desde o início da luta das mulheres pela conquista dos direitos
políticos femininos, as mulheres conseguiram não apenas direito ao voto. Em 2010 foi eleita a
primeira mulher presidente do Brasil, fato que confirma a importância da luta no processo de
emancipação, desafiando o conservadorismo e os resquícios patriarcalistas existentes na
sociedade brasileira, tentando equilibrar o jogo de poder.
          A conquista da presidência da República, assim como tantas outras, é fruto de
processos históricos em que a mulher constrói/desconstrói, significa e ressignificam-se num
movimento dialético que envolve tanto os espaços concretos quanto os espaços simbólicos.
No entanto essas conquistas não são características específicas de um contexto, mas o
resultado de uma mobilização pulverizada em várias áreas, como a da educação. Através do
maior acesso à educação na sociedade atual, a mulher consegue transpor o espaço privado,
circulando entre estas duas instâncias da sociedade.
          Neste sentido, o empoderamento das mulheres na contemporaneidade está estritamente
associado ao seu nível educacional, o qual lhe permite ocupar espaços que anteriormente
estavam restritos aos homens. Isto pode ser visualizado no mercado de trabalho, onde as
mulheres com qualificação têm mais oportunidades de emprego que os homens.




          1.1 O empoderamento das mulheres em Conceição do Coité




          O semiárido baiano é uma das regiões que registram um dos piores índices de
desenvolvimento social do Brasil e é, nessa região, mais especificamente no Território do
Sisal, que está localizada a cidade de Conceição do Coité. De acordo com o levantamento do
censo 2010, a cidade tem 62.042 habitantes, sendo deste total 31.338 mulheres e 30.704
homens1.


1
    Fonte: IBGE, Disponível em: www.ibge.gov.br/home/.../populacao/censo2010/.../total_populacao_bahia.pdf
24



        Seguindo a dinâmica do desenvolvimento nas outras regiões do país e do mundo as
mulheres de Conceição do Coité, mesmo enfrentando preconceitos da sociedade, também
buscaram se tornar independentes de seus pais e maridos, tomaram as rédeas de suas vidas,
assumindo responsabilidades e a liderança do desenvolvimento de suas famílias. Muitas
mulheres da cidade saíram dos bastidores para serem protagonistas das transformações sociais
na comunidade.
        Segundo Silva, Z. P. (2007), o envolvimento direto de mulheres no processo de
mobilização social em Coité se inicia a partir de 1994, ano em que foi criada a Comissão de
Mulheres do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Conceição do Coité/BA, renomeada em
1997, como Movimento de Mulheres do Sindicato de Trabalhadores Rurais de Conceição do
Coité/BA, que lutava pela emancipação da mulher trabalhadora rural.
        Este movimento ampliava sua atuação em reuniões e encontros realizados em várias
cidades do território, a fim de discutir questões como valorização do trabalho feminino e
respeito à mulher, bem como incentivar as trabalhadoras a se organizarem na luta por seus
direitos.
        Em 2000, o Movimento de Mulheres do Sindicato de Trabalhadores Rurais de
Conceição do Coité/BA mudou novamente de nome e tornou-se Coletivo de Mulheres do
Sindicato de Trabalhadores Rurais de Conceição do Coité/BA. Não foi apenas o nome que
mudou, a principal inovação deste coletivo nesse momento foi a abertura de espaço para a
participação da trabalhadora urbana.
        O Coletivo conseguiu efetivar muitos de seus projetos sociais, que, hoje, englobam
não só a mulher, mas a melhoria das condições de vida do povo do semiárido. Desde 1998, a
principal bandeira de luta do Coletivo de Mulheres tem sido a implantação de uma Delegacia
de Atendimento Especial à Mulher em Conceição do Coité, entretanto esta tem se mostrado
uma luta perene, pois esta solicitação tem passado como algo desnecessário aos olhos do
poder público.
        O Coletivo de Mulheres do Sindicato de Trabalhadores Rurais de Conceição do
Coité/BA é um movimento de grande visibilidade que demonstra a capacidade de organização
e mobilização da mulher coiteense em busca da sua emancipação e na luta pela melhoria da
qualidade de vida no semiárido. É o diálogo com o sindicato que tem fornecido bases para a



Acessado em 06/04/2011
25



reflexão crítica e para a conscientização destas mulheres, oferecendo elementos para que
possam interpretar a sociedade e conhecer seus direitos sociais.
        É através destas reflexões que acontece o processo de empoderamento das mulheres
de Conceição do Coité e o reconhecimento de sua capacidade política. No corpo constitutivo
deste Coletivo há mulheres que são mães, esposas, filhas, trabalhadoras, e que em suas casas e
nas ruas travam batalhas diárias em busca de sua autonomia.
       Para além do Coletivo de Mulheres, há em Conceição do Coité, inúmeras mulheres,
cada uma desempenhando seu papel ou seus múltiplos papéis na sociedade. São donas-de-
casa, mobilizadoras sociais, líderes religiosas, empresárias, professoras, operárias, estudantes,
comerciantes, agricultoras. Mulheres que atualmente participam da vida econômica e social
da cidade e impulsionam o seu desenvolvimento, mas que, antes, ficavam nos bastidores da
sociedade, permitindo que apenas os homens recebessem o mérito por esse desenvolvimento.
       Hoje há uma flexibilidade maior nas relações de poder, mas algumas mulheres ainda
precisam desenvolver estratégias para burlar o poder patriarcal, atuando de forma velada sem
que as figuras masculinas percebam. Nessa conjuntura, as mulheres lutam para serem
reconhecidas por suas ações de transformações sociais, não mais necessitando ficar na plateia
e sim estar no palco da sociedade recebendo o reconhecimento por suas realizações.
       Assim como em qualquer outra sociedade, em Conceição do Coité, a mulher
desempenha inúmeros e cumulativos papéis indispensáveis ao desenvolvimento social,
econômico e cultural da cidade, entretanto ainda hoje não lhe é conferido o devido
reconhecimento por sua importância, sendo muitas vezes depreciada e/ou desvalorizada com
bases na hierarquização estabelecida entre os gêneros.




       1.2 Uma Questão de Identidade




       Em Conceição do Coité, assim como em outros contextos, as relações de identificação
e construção do sujeito se dão através de processos históricos que envolvem os espaços
socioculturais numa dinâmica dialética em que tanto as mulheres quanto a sociedade, entre
conflitos e resistências, transformaram-se.
       Nessa perspectiva, as noções de sujeito feminino e de identidade feminina
acompanharam os deslocamentos e as ressignificações provocadas pelas mudanças sociais
26



que perpassaram as sociedades, as quais nos Estudos Culturais, segundo Kellner (2001), são
perceptíveis em três fases definidas pela sociedade tradicional, a moderna e a pós-moderna.
       Em cada um desses momentos, as concepções de identidade têm características
próprias, delimitadas pelo pensamento e comportamento das pessoas nos espaços sociais. Nas
sociedades tradicionais, o conservadorismo e as tradições delimitavam os papéis sociais, os
quais predeterminavam e fixavam a identidade de cada indivíduo, definindo seu lugar no
mundo. Desse modo “o individuo nascia e morria como membro do mesmo clã, de um
sistema fixo de parentesco, de uma mesma tribo ou grupo, com trajetórias de vida fixada de
antemão” (KELLNER, 2001, p. 295).
       Nas sociedades modernas há uma ruptura com esse modelo de identidade sólida e
estável, tornando-se “mais móvel, múltipla, pessoal, reflexiva e sujeita a mudanças e
inovações” (ibidem p. 295), de forma que os indivíduos têm uma flexibilidade maior para
definir sua identidade, ou melhor, suas identidades, já que, na modernidade, o descentramento
dos papéis sociais permite aos indivíduos ocupar várias identidades.
       No entanto Kellner coloca que ainda, na modernidade, a identidade permanece com
certa fixidez e tem sua origem ligada a papéis sociais e normas. “As identidades ainda são
relativamente fixas e limitadas, embora os limites para identidades possíveis e novas estejam
em contínua expansão” (idem, p. 296).
       Já na teoria pós-moderna, a questão da identidade é problematizada a partir das
mudanças estruturais que se instauram pelo desenvolvimento das sociedades, transformando
as noções de classe, gênero, raça etc., que, segundo Hall, também estão “mudando nossas
identidades pessoais, abalando a idéia que temos de nós próprios como sujeitos integrados”
(HALL, 2006, p.09).
       Considerando essa abordagem panorâmica dos Estudos Culturais sobre identidade,
realizamos este ensaio sob a perspectiva de sujeito pós-moderno, considerando as identidades
como “definidas historicamente, e não biologicamente. [e que] O sujeito assume identidades
diferentes em diferentes momentos, identidades que não são unificadas ao redor de um „eu‟
coerente” (HALL, 2006, p.13).
       A pós-modernidade possibilitou à mulher a construção de múltiplas e ambíguas
identidades, superando os limites que demarcam simbolicamente os territórios das diferentes
identidades, num sentido que “o „cruzamento de fronteiras‟ e o cultivo propositado de
identidades ambíguas é, entretanto, ao mesmo tempo uma poderosa estratégia política de
questionamento das operações de fixação da identidade” (SILVA, T. T. 2007, p.89).
27



       A mulher pós-moderna, através de seus pensamentos e ações, num jogo de apropriação
e desapropriação de identidades, outrora impossíveis de serem aceitas como identificações
femininas, desafia e questiona o sistema de fixação de identidades.
       Nesse sentido, o papel de mãe biologicamente atribuído à mulher passou a ser
contestado pelo pensamento pós-moderno, o qual o define como uma identidade facultativa e
não obrigatória. A assimilação de tal identidade, assim como as outras, perpassa pelo campo
da liberdade de escolha e da autonomia dos sujeitos.
       Com isso, ao assimilar ou ao negar identidades, as pessoas estão em constante
processo de negociação dentro de espaços e sistemas de representações, os quais envolvem
tanto o simbólico quanto sua concretude, pois as negociações materializam-se também em
espaços sociais.


                       A representação, compreendida como um processo cultural, estabelece identidades
                       individuais e coletivas e os sistemas simbólicos nos quais ela se baseia fornecem
                       possíveis respostas às questões: Quem eu sou? O que eu poderia ser? Quem eu quero
                       ser? Os discursos e os sistemas de representação constroem lugares a partir dos
                       quais os indivíduos podem se posicionar e a partir dos quais podem falar.
                       (WOODWARD, apud SILVA, T.T. 2007, p. 17)



       Todavia esses sistemas de representações não são autorregulavéis, eles são construídos
socialmente e legitimados pelas relações pessoais e inter-pessoais dos indivíduos. Esses
sistemas utilizam várias ferramentas para construir modelos de identificações socialmente
aceitáveis, porque “é por meio dos significados produzidos pelas representações que damos
sentido à nossa experiência e àquilo que somos” (ibidem p. 17).




       1.3 Identidade Feminina e Representação na Mídia




       Segundo a Teoria dos Estudos Culturais, a existência da identidade está estritamente
ligada a sistemas de representação, pois é por meio da representação que a identidade adquire
sentido. Segundo Silva, T. T. (2007), também é por meio da representação que a definição de
identidade se liga aos sistemas de poder


                        As representações são socialmente produzidas e partilhadas dentro de um contexto
                        histórico específico. São constituídas a partir de experiências, das informações, dos
                        saberes e dos modelos de pensamentos recebidos, transmitidos e construídos
28


                        através da tradição, da educação e da mídia, enfim da cultura. Quando os sujeitos
                        encontram-se para falar, argumentar, discutir o cotidiano as representações sociais
                        estão sendo formadas. (CRUZ, 2009, p. 03)




       Vivendo em uma sociedade de imagens, controlada pela cultura das mídias, é válido
afirmar que, nessa argumentação, conversa e discussão do cotidiano em que, segundo Cruz,
são formadas as identidades, as informações transmitidas pelos meios de comunicação são
pautas recorrentes. As pessoas se reúnem para discutir sobre o que foi exibido no jornal, o que
aconteceu no capítulo da novela, ou as cenas “interessantes” de comerciais publicitários.
       Dessa maneira, a afirmação e legitimação de estereótipos criados pelo modelo
patriarcal em torno da mulher, ainda hoje, são, em grande parte, de responsabilidade dos
meios de comunicação, que, através de seus mecanismos, conseguem disseminar as
mensagens e ideias de seus realizadores a um grande número de pessoas, pessoas estas que,
muitas vezes, reproduzem estes conteúdos.




       1.4 Mulher e Propaganda




       Desde as primeiras exibições televisivas até os dias atuais a imagem feminina é cada
vez mais utilizada como forma eficaz para fazer anúncios, seja na imagem de dona-de-casa,
em comercias de sabão em pó, detergente, móveis; como símbolo de beleza em propagandas
de cosméticos e roupas; ou como símbolo sexual, aparecendo sempre de forma sensual em
propagandas de produtos destinados para o público masculino, como em comerciais de
cerveja, cigarro, produtos automotivos etc.
       Hoje a imagem de mulher difundida pelos comerciais publicitários gira muito em
torno da mulher esbelta, bonita, que se preocupa com o corpo e, consequentemente, está
sempre preocupada com a perfeição. Dessa maneira, os meios de comunicação criam padrões
idealizados de beleza que concomitantemente constroem e projetam identificações que
servem de elementos para constituir identidades.
       Entretanto a construção das imagens midiáticas não se dá de maneira aleatória, mas é
feita a partir de interesses que se estruturam na lógica capitalista, em que os seus produtores
selecionam e elegem características que tornam tais identidades desejáveis, induzindo ao
consumo.
29



       Considerando essa realidade, observa-se predominantemente em Conceição de Coité
as imagens da mulher que circulam nos espaços públicos e no imaginário social seguem essa
lógica da produção/consumo, o que pode ser observado nos cartazes publicitários, em
outdoors propagandas televisivas etc.
       No    entanto,   apesar    dos   meios   de   comunicação    reforçarem    estereótipos
mercadológicos, suas potencialidades podem ser utilizadas de formas diferentes, no sentido de
desconstruir e reconstruir tais modelos de representação e identificação. Poderiam dar, assim,
visibilidade a outras imagens/ identidades femininas dissociadas de interesses capitalistas,
procurando evidenciar a imagem da mulher e não de algum produto.
       Por isso faz-se necessário investir em alternativas de construir novas representações
para as identidades femininas, colocando em circulação imagens do sujeito feminino que
possibilitem múltiplas codificações e decodificações a fim de confrontar as ideologias do
mercado.
       Visto que, para os meios de comunicação convencionais, este objetivo torna-se
inviável por não ser uma demanda mercadológica, as possibilidades de criar estas outras
representações são maiores no ambiente acadêmico, artístico, cultural ou nos meios de
comunicação educativos, pois, potencialmente, têm maior liberdade de atuação nos contextos
sociais.
       Na construção dessas representações, as mensagens imagéticas da fotografia são
elementos importantes de uma narrativa visual que compõe e significa as identificações, pois,
através das técnicas de produção fotográfica, são criadas reproduções iconográficas de
identidades que servem de subsídio para apropriações e assimilação de identidades nos
espaços simbólicos e concretos.
30



        2 Imagem e Sociedade



        Desde os primeiros tempos (período paleolítico) o homem demonstra sua necessidade
de deixar vestígios através de imagens. Muito pouco se conhece sobre estes homens que
viveram há aproximadamente 30.000 anos atrás, mas sabe-se de sua existência através de
pinturas encontradas em cavernas, manifestações essas que reproduzem a vida diária daqueles
que as deixaram. Essas pinturas representam o relato mais antigo que se preservou no mundo.
        As pinturas feitas pelo homem no período paleolítico são caracterizadas como a
primeira forma de comunicação do homem com o mundo exterior de que se tem notícia.
Através destes desenhos o homem paleolítico criava representações imagéticas de seu
cotidiano na intenção de transmitir mensagens.
        Nas sociedades antigas a relação do homem com a imagem se dava muito em torno da
morte. Segundo Debray, “a arte nasce funerária, e renasce apenas sob o aguilhão da morte”
(1994, p.22). É na intenção de honrar o morto que o homem aguça sua “imaginação plástica”e
esta arte é feita para ser vista pelo morto e não pelos vivos. Um exemplo disto são os
verdadeiros tesouros em obras de arte depositadas nas pirâmides que serviam não para apenas
ornar, mas tinham a principal função de ajudar o morto a prosseguir suas atividades normais.
Logo após o funeral, a entrada da pirâmide era interditada, não permitindo a entrada dos vivos
nestes verdadeiros museus.
        Assim como a música e a dança, a arte/imagem era componente da religião e, para
uma religião que se fundava sobre o culto dos antepassados era necessário que o morto
sobrevivesse pela imagem. Para os gregos antigos, morrer não era deixar de respirar e sim
deixar de ser visto, por isso a importância da recriação da imagem do defunto, pois era através
dessa representação2 que ele continuaria vivo. Segundo Bazin (1991), a estátua seria criada na
intenção de “salvar o ser pela aparência”.
        Esta prática de criar um “segundo corpo”, uma representação para o morto, foi muito
recorrente na Europa da Idade Média, onde os ritos dedicados aos reis duravam quarenta dias,
tempo em que o corpo do soberano deveria permanecer exposto. Visto que a putrefação da
carne avançava mais depressa do que a duração materialmente exigida para a exposição, era
criada, então, uma efígie do soberano morto, ornada com seus adornos e dotada com as

2
 Em linguagem litúrgica “representação” designa “um caixão vazio” sobre o qual se estende uma mortalha para
uma cerimônia fúnebre. Já na Idade Média, era a figura moldada e pintada que, nas obséquias representava o
defunto.
31



insígnias do poder. Esse ato, segundo Debray (1991), ilustra tanto as virtudes simbólicas
quanto as vantagens práticas da imagem primitiva como substituto vivo do morto.
       A imagem pode ser vista, então, como instrumento de poder, pois através dela um
indivíduo se eterniza, já que a imagem resiste, por um longo tempo. A representação torna-se
então um privilégio social.


                        Não se pode distribuir levianamente honras visuais porque o retrato individual
                        implica em sérias conseqüências. Em Roma até o baixo império, a exibição em
                        público de retratos é limitada e controlada. Colocava gravemente o jogo de poder.
                        No início, só tiveram direito a efígie os mortos ilustres porque são, por natureza,
                        influentes e poderosos; em seguida, os poderosos ainda vivos e sempre do sexo
                        masculino. Retratos e bustos de mulheres apareceram, em Roma, tardiamente, após
                        os dos homens; assim como o direito a imagem, apanágio dos nobres falecidos, só
                        tardiamente – no fim da era republicana – é que foi reconhecido ao cidadão comum.
                        (DEBRAY, 1991, p. 26)




       Mesmo no Cristianismo onde, segundo as doutrinas bíblicas, o culto a imagem é
considerado pecado a compulsão pela representação do irrepresentável, imagens que até então
estavam presentes apenas no imaginário dos fiéis, ganharam representações físicas e surgiu
então a arte cristã: os relicários, o oratório, o ex-voto de ouro, o retábulo, o díptico, o afresco
e, enfim, o quadro. Passando do amor aos ossos ao amor a arte. Isto acontece pela necessidade
de registrar a passagem de santos e mártires pela vida terrestre.
       Segundo Debrey a imagem surge num momento em que o homem passa por uma fase
de encontro do pânico da morte, buscando explicação para os fenômenos da natureza, com o
início da técnica de criação da imagem para torná-los imortais (- 30.000 anos). Enquanto o
pânico se sobrepõe ao domínio da técnica, o homem deposita suas crenças na magia e a
projeta visivelmente sobre os ídolos. No momento em que a técnica começa a levar vantagem
sobre o pânico e o homem passa a exercer domínio sobre a natureza e a moldar os materiais
do mundo, dominando os procedimentos de figuração, transcende-se a fase do ídolo religioso
à imagem de arte. Com isso a arte deixa de ter significação de “culto a morte” e passa a ter
valor estético.
       Foi na Grécia que surgiu o conceito moderno de arte, que com o culto à beleza ideal e
à perfeição tentava explicar o mundo através de uma visão racional e não mais através dos
sentidos. A arte grega tinha como principal objetivo a representação do corpo humano,
exaltando a força física e mostrando uma anatomia bastante desenvolvida. Na Grécia, a arte,
por não ter uma função religiosa, pôde evoluir livremente.
32



       No Renascimento, os artistas seguem uma linha grega de representação da realidade,
submetida a uma beleza irrealista, mas neste momento a pintura se sobressai sobre as outras
artes, e juntando-se à arte Gótica, passa a decorar o teto das Igrejas. A partir daí a pintura
invade também os palácios e as casas dos nobres através de telas, que inicialmente traziam
imagens da natureza.
       Com o passar do tempo e o aperfeiçoamento da técnica, os pintores passaram a fazer
retratos do reis, rainhas e nobres, retratos estes que realçavam a condição de poder do
retratado e que ocupava espaços privilegiados nos salões nobres das casas e palácios. “O
retrato, pintado, desenhado ou miniaturizado foi, até a difusão da fotografia, um bem restrito,
destinado, aliás, a marcar um estatuto social e financeiro” (BARTHES, 2009a, p. 20).
       Os artistas, na sua maioria, financiados por nobres interessados em arte, perseguiam
cada vez mais o domínio da técnica de fazer retratos perfeitos e foi assim que a câmara
obscura, desenvolvida pelos astrônomos e físicos para a observação de eclipses solares,
tornou-se acessório básico de pintores e desenhistas. Leonardo da Vinci foi um dos gênios da
pintura que deixou registrada a utilização da câmara obscura.
       Entretanto, os artistas não se satisfaziam em pintar a imagem captada através da
câmara obscura, eles queriam registrá-la tal qual era refletida, o mais próximo possível do
real. Na virada do século XVII para o século XVIII, vários pesquisadores já conseguiam
registrar estas imagens, mas todos eles encontravam dificuldades em fixá-las, pois elas não
resistiam à luz e ao tempo, desaparecendo logo após a revelação.
       Várias foram as iniciativas de cientistas em desenvolver um método de fixar as
imagens obtidas através da câmara obscura. Porém, segundo Oliveira (2006), a primeira
iniciativa bem sucedida de que se tem registro é a do francês Joseph Nicéphore Niépce que,
em 1826, teria conseguido gravar imagens em um material recoberto com betume da judeia e
em uma segunda etapa com sais de prata. Esta técnica foi batizada por Niépce de heliografia.
       Foi a pesquisa de seu sócio, Louis Jacqes Mande Daguerre, entretanto, que obteve
reconhecimento da academia de Ciências de Paris, em 1839. A técnica desenvolvida por
Daguerre consistia em expor na câmara obscura, placas de cobre recobertas com prata polida
e sensibilizada com vapor de iodo, que formava uma capa de iodeto sensível à luz. O inglês
Willian Fox Talbot reivindicou para si a descoberta, pois ele também gravava imagens através
da câmara escura, num método semelhante ao utilizado por Daguerre; a sua técnica foi
chamada de talbotipia ou calótipo. Outro a reivindicar o invento foi Hippolyte Bayrde,
responsável pela primeira montagem fotográfica da história, em 1840.
33



        No Brasil, o francês radicado Antoine Hercule Romuald Florence, também pesquisou,
entre 1832 e 1839, com a ajuda do botânico Côrrea de Melo, uma maneira de impressão,
sensibilizada pela luz do sol e sais de prata, método parecido com o utilizado por Daguerre.
Utilizando inclusive a palavra fotografia desde 1932, muito antes que na Europa, onde a
expressão passou a ser utilizada a partir de 1840. No entanto Florence e Côrrea de Melo só
tiveram suas pesquisas reconhecidas recentemente, através do trabalho de pesquisa de
Kossoy.
        Após sua descoberta, a fotografia despertou o interesse das pessoas. Tornou-se uma
atividade em franca expansão e rapidamente tomou conta do mundo. O fascínio das pessoas
pela fotografia se deu pelo fato de que ela dava ao homem uma visão “real” do mundo. “A
fotografia proporciona uma representação precisa e fiel da realidade, retirando da imagem a
hipoteca da subjetividade; a imagem, além de ser nítida e detalhada, forma-se rapidamente; o
procedimento é simples causando ampla difusão” (FABRIS, 2008, p.13).
        Para Barthes (2009b) este é o noema3 da fotografia, provar a existência de algo que no
momento não existe mais, mas que foi, mas que existiu; é o registro do momento que não
acontecerá mais. A fotografia ganha espaço por representar o real, e não resultar da
subjetividade de um criador.
        Segundo Fabris (2008) foram três os momentos fundamentais para o aperfeiçoamento
dos processos fotográficos. O primeiro momento estende-se de 1839 aos anos 50, quando o
interesse pela fotografia era restrito a um pequeno número de amadores que podiam pagar os
altos preços exigidos pelos artistas fotógrafos. O segundo momento corresponde à invenção
do “cartão de visita fotográfico” por Disdéri em 1854, que barateia o produto e coloca ao
alcance de muitos, o que até aquele momento fora privilégio de poucos. Por volta de 1889,
tem início a terceira etapa, quando a fotografia torna-se prevalentemente comercial, sem
deixar de lado sua pretensão artística.
        São esses três momentos que levam à invenção da primeira câmera portátil, em 1888,
por George Eastman. Com a Kodak de Eastman, que era uma câmera bem mais leve, de baixo
custo e simples de operar, a fotografia tornou-se bem mais popular.
        Com a popularização da fotografia e seu distanciamento da esfera do unicum, ela deixa
de ser vista como demonstração de poder e se abre a novas possibilidades, como a ilustração
de jornais e revistas. Transformada em instrumento de propaganda, a fotografia passa a ser



3
 O noema da fotografia é descrito por Barthes como isto foi provando a existência de algo que aconteceu. Assim
ele coloca que o noema é a essência da fotografia. (BARTHES, 2009b, p.87)
34



usada nas reportagens militares, ilustrando as reportagens de guerras e sendo utilizadas como
forma de registro policial.
       No fim do século XX, a fotografia se aproxima da vida pública e comum. Com a
criação das câmeras digitais, as imagens fotográficas passam a ser cada vez mais comuns na
sociedade, pois esta possibilitou que os processos de aquisição das fotografias se tornassem
cada vez mais baratos, facilitando e acelerando o processo de produção, armazenamento e
transmissão dessas imagens pelo mundo.
       A fotografia digital é responsável por essa chamada Civilização de Imagens
(AUMONT, 1993), onde tudo é registrado e disponibilizado praticamente em tempo real
através da internet, ou mesmo dos telefones celulares. Se desde as civilizações mais remotas a
imagem já mostrava sua importância, nos dias atuais ela é indispensável para as novas
culturas, já que é cada vez mais utilizada na transmissão de ideias através da publicidade e da
propaganda, chegando aos lugares mais distantes e remotos, exercendo grande influência
sobre as sociedades locais, chegando a influenciar mudanças de hábitos, costumes e
comportamentos.
       Nesse sentido, correlacionamos esse contexto à ideia de transfiguração utilizada por
Santaella, em que a imagem fotográfica transforma o objeto fotografado, tornado-o singular
ao revelar aspectos de sua realidade que não estão visíveis a não ser pela fotografia, ou seja, a
foto torna-se complemento inseparável da realidade que modifica, num processo dialético, a
sua apreensão. Pois “do mesmo modo que as fotografias alteram nossa apreensão da
realidade, essa apreensão alterada cria novos modos de produzir e interpretar as próprias
fotos” (SANTAELLA, 2008. p. 127).




       2.1 Implicações sociais da Imagem fotográfica



       A representação da realidade pela imagem fotográfica, compreendida como construção
social, cria, na sociedade, diferentes formas de percepção e de relação com a realidade
histórica, visto que cada cultura desenvolve mecanismos próprios de apropriação tanto da
fotografia quanto dos seus processos de produção.
35



       O modo como são construídas essas representações e o uso que se faz das imagens
fotográficas alimentam o imaginário social, definem os mecanismos de interpretação e de
produção de sentido.
       Nesse contexto, as imagens criadas pela fotografia são utilizadas como mensagem em
diversos processos comunicacionais, que englobam tanto práticas familiares de guardar fotos
como recordações; quanto às práticas mercadológicas de propaganda política e publicidade.
Essas práticas permeiam a vida cotidiana dos indivíduos, alterando suas experiências
socioculturais.
       Os fluxos de informação visual sustentados pelas imagens fotográficas modificam não
só os espaços simbólicos, mas também os espaços físicos, pois estamos rodeados de
fotografias, sejam em outdoors, cartazes, revistas, jornais, embalagens etc., e essas fotos,
apesar de suas multiplicidades de informação, são pensadas e idealizadas por seus criadores
seguindo objetivos distintos.
       Num sentido em que a


                        A fotografia não apenas reproduz o real, recicla-o ― um procedimento fundamental
                        numa sociedade moderna. Na forma de imagens fotográficas, coisas e fatos recebem
                        novos significados, que ultrapassam as distinções entre o belo e o feio, o verdadeiro
                        e o falso, o útil e o inútil, bom gosto e mau gosto (SONTAG, 2004, p. 191).




       Assim, na sociedade contemporânea é atribuída à fotografia várias possibilidades de
usos e funções, sendo apropriadas por várias áreas do conhecimento que a utiliza como fonte
de informação ou de disseminação de conteúdo, ampliando e criando novas experiências
visuais que induzem o ser humano a aumentar sua capacidade cognitiva que, por sua vez, está
mais associada ao visual.


                        O mundo hoje está condicionado, irresistivelmente, a visualizar. A imagem quase
                        substituiu a palavra como meio de comunicação. Tablóides, filmes educativos e
                        documentais, películas de massa, revistas e televisão rodeiam-nos. Parece até que a
                        existência da palavra está ameaçada. A imagem é um dos principais meios de
                        interpretação, e sua importância está se tornando cada vez maior (ABBOTT, 1980.
                        apud FABRIS, 2007, p. 01, grifo do autor).




       A fotografia dentro desse contexto tem a capacidade de criar simulacros nos quais os
objetos, as pessoas e os acontecimentos são revestidos de um realismo com poder testemunhal
de representação do real, sendo que a concretude material e simbólica da foto perpassa por
36



toda problemática do ato fotográfico, a qual envolve o processo de construção da imagem, a
subjetividade do fotógrafo e a objetividade técnica da câmera fotográfica. A imagem
resultante desse processo é a fixação de um modo de ver que ganha status de testemunho,
sendo a materialização de algo que aconteceu.
       Nesse sentido, a sociedade ao longo do tempo atribuiu a esse registro imagético um
poder peculiar de (re) apresentação do real em que


                       A fotografia parece estar imune a todo tipo de desconfiança quando transita pelo
                       imaginário social, tanto que há imagens que se tornaram símbolos de um
                       determinado momento, enfeixando em si um conjunto de valores não apenas visuais,
                       mas também éticos e estéticos. (FABRIS, 2007. p.4)




       Contudo, o fotógrafo dispõe de várias técnicas para capturar essas imagens,
construindo representações a partir de regras de composição e de enquadramentos a fim de
atender a determinados objetivos que podem ser profissionais e/ou pessoais. As imagens são
assim estruturadas por uma idealização pré-concebida.
       No contexto da propaganda política, as fotografias ajudam os meios de comunicação a
criar ideologicamente a imagem de uma figura pública, apresentando fotografias de fatos
selecionados de sua vida e de seu cotidiano em diferentes espaços (públicos e privados), ou
seja, constrói a imagem social de determinado indivíduo usando elementos escolhidos de
acordo com os objetivos pretendidos
       Na publicidade, as imagens fotográficas são usadas em campanhas com a finalidade de
disseminar conceitos e ideias; procurando a partir de uma concepção estética transmitir
valores morais e éticos, como acontece nas campanhas contra a fome que mostram imagens
com alto poder de sensibilização capaz de desestabilizar e mobilizar a consciência humana.
       As experiências fotográficas, no contexto bélico, são referências importantes para
pensar e problematizar esse poder de desestabilização e mobilização atribuído a essas
imagens, pois o impacto social provocado por determinadas fotografias devem ser
considerado, porque muitas delas chegam a ser compreendidas como marco histórico que
representam tais acontecimentos.
       As possibilidades e potencialidade de representação da fotografia são exploradas pela
sociedade moderna, a qual se pauta em uma cultura baseada em imagens numa lógica
capitalista de produção e consumo que substitui a experiência direta dos indivíduos com
mundo por uma relação mediada pelas imagens fotográficas. Nessa conjuntura,
37


                       As imagens (...) têm poderes excepcionais para determinar nossas necessidades em
                       relação à realidade e são, elas mesmas, cobiçados substitutos da experiência em
                       primeira mão se tornam indispensáveis para a saúde da economia, para a
                       estabilização do corpo social e para a busca da felicidade privada. (SONTAG, 2004.
                       p. 170)




       Assim, nossa relação com a realidade está cada vez mais associada a imagens, numa
perspectiva em que o consumo imagético está reconfigurando não só nossa visão do mundo
como também nossa própria existência nele, pois “ao saber muito do que se passa no mundo
(arte, catástrofes, belezas da natureza) por meio de imagens fotográficas, as pessoas não raro
se frustram, se surpreendem, se sentem indiferentes quando vêem a coisa real” (idem p.184).
       Essa relação conflituosa entre a realidade e sua representação pela fotografia colocada
por Sontag serve para problematizar as informações visuais disponíveis nas imagens
fotográficas e para refletir sobre como são construídas suas significações, pois com base na
interpretação das imagens as pessoas são capazes de adquirir conhecimento e desenvolver
uma reflexão crítica sobre determinado acontecimento ou assunto.
       Vista como uma mensagem visual, a fotografia compõe práticas comunicacionais que
transfiguram o papel do sujeito em relação as suas formas de interação com as tecnologias
fotográficas, que no seu aspecto mais amplo, compreende tanto os dispositivos de produção
quanto os de divulgação e recepção das imagens fotográficas.




       2.2 Representação fotográfica: formas de percepção, criação e interpretação da
realidade.




       A fotografia é classificada como um produto cultural, resultado de um processo social
indissociável de seu contexto histórico, bem como de seus conflitos e negociações, por isso,
para compreender uma determinada fotografia é necessário compreender anteriormente os
mecanismos de produção e de criação dessas imagens.
       Para que exista, a fotografia depende de alguns elementos constitutivos, que são,
segundo Kossoy (2000), o assunto, objeto de registro, a tecnologia, que viabiliza
tecnicamente o registro e o fotógrafo, que motivado por razões pessoais ou profissionais a
idealiza e elabora através de um processo de concepções culturais/estéticas/técnicas, as quais
configuram a expressão fotográfica.
38



       Para Kossoy, além dos elementos constitutivos, há ainda as coordenadas de situação
que são o espaço e o tempo implícito no documento, já que a fotografia é a representação de
uma realidade em um determinado lugar, num determinado espaço de tempo. São estes
componentes que tornam a fotografia materialmente existente no mundo.
       No entanto, essas fotografias delimitam a verdade histórica daquilo que (re) apresenta.
Há implícito na sua materialização realidades que despertam múltiplas interpretações, que
contém uma abrangência multidisciplinar fazendo com que estas imagens não se esgotem em
si mesmas. Toda imagem fotográfica traz duas realidades nela implícitas. A primeira
realidade é a do instante em que a imagem é gerada no material fotossensível. No momento
em que a imagem é registrada ela já é parte de outra realidade, a realidade do assunto
representado, é a realidade do documento, contida nos limites bidimensionais da imagem
fotográfica e é sobre esta segunda realidade que o receptor da imagem irá fazer sua leitura.


                        A realidade da fotografia não corresponde (necessariamente) a verdade histórica,
                        apenas ao registro da aparência... A realidade da fotografia reside nas múltiplas
                        interpretações, nas diferentes “leituras” que cada receptor dela faz num dado
                        momento (KOSSOY, 2000, p. 38, grifo do autor).




       Nesse sentido, a complexidade das representações da realidade pela fotografia resulta
da relação conflituosa entre os elementos históricos, sociais, econômicos, políticos e culturais
que envolvem tanto os processos de construção/criação do fotógrafo, quanto os processos de
preparação/interpretação de cada receptor.
       Segundo Kossoy, esses processos podem ser resumidos em duas vertentes:


                        - processos de construção da representação, isto é, a produção da obra fotográfica
                        propriamente dita, por parte do fotografo;
                        - processo de construção da interpretação, isto é, a recepção da obra fotográfica por
                        parte dos diferentes receptores, suas diferentes leituras em precisos momentos da
                        história (KOSSOY, 2000, p.41).




       No entanto é importante ter em mente que o processo de construção da representação
fotográfica passa inicialmente pelo filtro cultural do fotógrafo, que, de acordo com sua visão
particular de mundo, seleciona o tema, os personagens, os ambientes e os enquadramentos, na
intenção de imprimir na fotografia seus sentimentos e suas concepções sociais, culturais e
artísticas. Neste processo, é válido dizer, que “a construção do signo da fotografia passa,
39



portanto, pelas escolhas valorativas do sujeito enunciador da imagem, o fotógrafo” (TACCA,
2005, p. 13).
       É por este motivo que a fotografia não deve ser tomada como espelho do real, pois ao
mesmo tempo em que ela retrata uma coisa que realmente aconteceu, ela é um fragmento de
um todo visto sob determinado ângulo e através de determinada concepção ideológica.
       Com isso a fotografia resulta em “um processo estético-documental que parte do real
enquanto matéria prima visível, mas que é elaborada ao longo da produção fotográfica em
conformidade com a visão de mundo de seu autor” (KOSSOY, 2000, p. 76).
       Portanto, as imagens fotográficas não podem ser compreendidas isoladamente de seus
processos e contextos de produção, já que estes criam e sobrepõem significados não só no
momento de sua criação, mas também nos diversos momentos de recepção/interpretação.
       Sendo que o processo de construção da interpretação também envolve conflitos e
negociações, pois os contextos sociais, culturais, econômico e políticos em que estas imagens
são recepcionadas são distintos a cada sociedade/indivíduo, os quais desenvolvem maneiras
próprias de ler as imagens e de se apropriar de suas representações.
       A construção da interpretação


                       Se funda na evidência fotográfica e que é elaborado no imaginário dos receptores,
                       em conformidade com seus repertórios pessoais, culturais, seus conhecimentos, suas
                       concepções ideológicas/estéticas, suas convicções morais, éticas, religiosas, seus
                       interesses econômicos, profissionais, seus mitos (KOSSOY, 2000, p. 44).




       Compreende-se, a partir dessa colocação de Kossoy, que vários elementos interferem
na decodificação da mensagem fotográfica, e que esta decodificação tem uma natureza
polissêmica e imprevisível, pois os estímulos perceptivos e emocionais destas imagens são
subjetivos, provocando comportamentos distintos.


                       Essas imagens, entretanto, uma vez assimiladas em nossas mentes, deixam de ser
                       estáticas; tornam-se dinâmicas e fluidas e mesclam-se ao que somos, pensamos e
                       fazemos. Nosso imaginário reage diante das imagens visuais, de acordo com nossas
                       concepções de vida, situação econômica, ideologia, conceitos e pré-conceitos
                       (KOSSOY, 2000, p. 45).




       A ressignificação das imagens fotográficas em contextos especiais e temporais
diferentes de sua criação alimenta a dinamicidade de sua representação e reconfigura suas
40



interpretações. Um exemplo disso é que as fotografias do período escravocrata no Brasil têm
significações diferentes na sociedade contemporânea.
       No entanto, segundo Barthes (2009b), a fotografia tem duas possibilidades de
interpretação. Seriam eles o studium e o puctum. O studium seria a imagem codificada pelo
fotógrafo, a cena dada a ver no espaço bidimensional da fotografia. Já o puctum seria apenas
uma parte do todo que modificaria o studium. O puctum não pode ser codificado na fotografia,
pois é a exploração pessoal e subjetiva determinada pelos conhecimentos socioculturais de
cada sujeito. Para Barthes, sem esta subjetividade, a fotografia não existiria.
       A significação da fotografia é indissociável de sua enunciação e recepção. São vários
os fatores que compõem o processo de significação da fotografia, o fotógrafo, o dispositivo
técnico, a cena e seus atores e, por fim, o espectador. Em cada situação ou em cada momento
particular de uma leitura, um destes elementos poderá se sobrepor a outro modificando o
significado da fotografia. Seria o puctum quebrando o studium.
        Nesse sentido, a obra fotográfica apesar de seu planejamento e estruturação é
imprevisível em relação a como será interpretada e que aspecto despertará a atenção de cada
indivíduo, pois muitas fotos “que em si mesmas” não se podem explicar, são convites
investigáveis à dedução, à especulação e à fantasia.
       Assim, não podemos dizer com objetividade o que está representado nas imagens
fotográficas das mulheres no ensaio fotográfico proposto, pois a subjetividade que permeia a
existência concreta da fotografia convida cada olhar lançado sobre ela a revelar um puctun
diferente.
       De modo que provoca, até mesmo no processo de produção dessas fotografias, uma
constante ressignificação das representações identitárias criadas para as personagens
escolhidas, pois, enquanto produtoras, temos que refletir continuadamente sobre o quê colocar
no enquadramento e como será feita a composição da cena das fotografias.
        Nessa perspectiva, as imagens fotográficas criam possibilidades de trocas de
percepções e recepções de mundos diferentes, visto que a fotografia impressa não se restringe
a reprodução material daquilo que foi captado por uma câmera, mas permite confluência de
significações e desdobramentos.
41



       3 Registros Fotográficos


       3.1 Pré-produção


       Com o objetivo de evidenciar mulheres coitenenses atuantes socialmente,
inicialmente, para concretização desse trabalho, fizemos algumas pesquisas exploratórias e
selecionamos as mulheres por meio de amostragem por tipificidade, a qual, segundo Marconi
e Lakatos (1990), considera um grupo ou subgrupo de pessoas com características similares,
formando um objeto de pesquisa restrito às situações e peculiaridades que são destacadas pelo
pesquisador. Nesse caso, o levantamento de dados é realizado por meio de tópicos de
interesse referentes à proposta e objetivo da pesquisa.
       Com essa técnica, definimos alguns critérios que sejam comuns e outros híbridos,
colocando como eixo principal o gênero feminino e a atuação social, mas buscando
diversidades como cor, idade, esfera de atuação, escolaridade etc. A partir deste levantamento,
listamos seis mulheres, procurando contemplar características diferentes entre as
personalidades de cada mulher, analisando aspectos como a dimensão de suas atuações e os
tipos de trabalho que desenvolvem.
       No segundo momento, entramos em contato com as mulheres pré-selecionadas. Foram
elas, Gilca da Silva Carneiro Morais, Daniele Lopes Ferreira, Clélia Maria Silva Gonçalves,
Maria Eugênia Carvalho de Lima Carneiro, Juçara Oliveira Silveira e Arcanja. No entanto, ao
procurar Arcanja (Babalorixá e dona do terreiro de candomblé mais importante do município),
ela não se dispôs a participar do trabalho. Com isso incluímos Vilmara Maria Silva, outra
personalidade do município.
       Considerando a história de vida dessas mulheres, escolhemos Gilca por estar engajada
no Sindicato dos Trabalhadores Rurais e da Agricultura Familiar (SINTRAF) e ocupar a
presidência do Conselho de Desenvolvimento do Território do Sisal (CODES-Sisal), além de
atuar na militância de movimentos feministas como o Coletivo de Mulheres do Sindicato.
       Daniele foi escolhida por ser uma jovem militante de movimentos sociais que luta, em
várias vertentes, pela transformação social, como a busca pelo empoderamento do sujeito
feminino e no combate à violência contra a mulher, através do Núcleo de Mulheres do grupo
Revolution Reggae, que atua contra o preconceito racial, a discriminação e pela diminuição
das desigualdades sociais.
       Juçara foi uma das escolhidas por sua atuação individual, pois, para além de estar
envolvida com um grupo religioso (Pastoral da AIDS) e ser filiada ao Partido dos
42



Trabalhadores, desenvolve trabalhos voluntários que ajudam e apoiam pessoas carentes.
Outro trabalho importante que ela desenvolve é a intermediação entre as partes envolvidas na
adoção de crianças.
        Maria Eugênia (Geninha) foi selecionada pela sua atuação no contexto político de
Conceição do Coité, tendo exercido dois mandatos como vereadora e, atualmente, exerce a
função de coordenadora da Secretaria Especial de Política para as Mulheres, a qual dá
assistência às mulheres do município, principalmente no que se refere às questões de
violência.
        Clélia, a empresária de maior destaque na economia do município, foi selecionada por
ter o potencial de incentivar, através dos empregos gerados (cerca de 80 empregos diretos e
indiretos) em suas empresas, a transformação social na vida de seus funcionários e de seus
familiares.
        Vilmara foi escolhida por ser a mulher pioneira na área da comunicação do município,
tendo 19 anos como radialista, fazendo locução e apresentação. Atua em emissoras comercias,
apresentando principalmente programas jornalísticos e voltados para o público feminino,
sendo a radialista com maior audiência no seu horário de programação.
        Numa terceira etapa, realizamos entrevistas orais semiestruturadas4, procurando
compreender melhor cada uma das personagens e obter informações para estruturar e embasar
melhor nossa pesquisa. Através de seus discursos, essas mulheres revelaram aspectos
importantes para compreendermos suas personalidades e sua visão de mundo, além de nos dar
dados imprescindíveis para a construção dos perfis fotográficos a serem realizados
posteriormente.
        As entrevistas foram realizadas no dia 08 de junho de 2011 com Gilca, na sede do
Sindicato dos Trabalhadores Rurais e da Agricultura Familiar de Conceição do Coité, por
volta das 14 horas e, na mesma tarde, com Juçara em sua residência às 16hs. No dia 09 de
junho de 2011, pela manhã, entrevistamos Clélia na sua loja (Silva&Rios), e, pela tarde,
Daniele na sede do Centro Popular de Educação, Cultura e Cidadania e Vilmara na residência
de seus pais. No dia 15 de junho, finalizamos essa atividade com a entrevista de Geninha no
Centro Cultural Ana Rios de Araújo.




4
 Técnica de levantamento de dados que utiliza perguntas abertas e fechadas. O entrevistador dispõe de
questionário previamente definido, mas no momento em que achar oportuno pode fazer interferências com
perguntas adicionais.
43



       3.1.1 Proposta do Ensaio


       Na realização das fotografias procuraremos registrar aspectos peculiares das
personagens escolhidas, criando representações de suas múltiplas identidades, com objetivo
de mostrar a sociedade, principalmente a coiteense, contexto onde estamos inseridas, algumas
mulheres símbolo de transformação social, que, com suas ações cotidianas, transformaram sua
realidade e reconfiguraram o cenário público da cidade, pois essas mulheres tem sido
reconhecidas pelos trabalhos que desenvolvem, seja no campo religioso, político, social ou
profissional.
       Para obter essas fotografias faremos um trabalho itinerante, acompanhando cada
mulher em momentos e ambientes diferentes, buscando mostrar através das fotos as diversas
atividades que desenvolvem, explorando na composição das imagens a naturalidade de cada
uma nos respectivos ambientes e espaços de atuação. Traçaremos assim o perfil de cada
mulher, por isso a necessidade de realizar várias sessões.
       Por essa intenção de mostrar as mulheres em seus cotidianos e ambientes usaremos
nas fotografias: planos gerais para contextualizar o ambiente; planos médios para mostrar a
interação do sujeito com o ambiente e alguns planos detalhes para evidenciar algumas
características marcantes.




       3.1.2 Equipe




       O trabalho foi desenvolvido por Michele Oliveira Nascimento e Jacimar Oliveira
Almeida. Tendo o envolvimento das duas em todas as etapas do processo, o qual envolve a
pré-produção, produção e pós-produção.


       3.1.3 Perfis


       Com os discursos relatados em entrevistas orais, utilizamos a fala das próprias
mulheres para descrever suas personalidades, na perspectiva de construir uma narrativa em
que elas falam delas para nós, por isso as informações contidas em cada perfil fazem parte de
sua fala e nas citações usamos trechos transcritos de sua entrevista.
44




        GILCA DA SILVA CARNEIRO MORAIS5


                           Ser mulher é ser uma Maria-sem-vergonha, mas uma Maria-sem-vergonha de dizer
                           o que eu quero o que é bom para a minha vida, o que é que a gente pretende
                           construir nesse mundo e nessa sociedade nossa.


        É assim que Gilca da Silva Carneiro Morais, 39anos, que se considera negra, mesmo
tendo a pele branca, casada, mãe de três filhos e prestes a se tornar avó, define o que é ser
mulher na sociedade contemporânea.
        Vinda da roça, e tendo como campo profissional a agricultura familiar, Gilca está
cursando de Serviço Social pelo Centro Universitário Leonardo da Vinci (UNIASSELVI). Ela
se destaca na sociedade coiteense por sua atuação no Sindicato dos Trabalhadores e
Trabalhadoras Rurais e Agricultura Familiar de Conceição do Coité (SINTRAF), estando à
frente da secretaria geral do sindicato e também na coordenação da Secretaria de Políticas
para Mulheres da Fundação da Agricultura Familiar do Território do Sisal (FATRES), este
composto de 16 sindicatos do Território.
        Na Secretaria de Políticas para mulheres da FATRES, Gilca, juntamente com outras
mulheres, desenvolve um trabalho de fazer despertar através de reuniões, palestras e oficinas
o espírito de empoderamento nas mulheres do Território do Sisal. O objetivo é que estas
mulheres, através do que ouviram nas oficinas ou palestras, possam criar uma consciência
crítica de seu papel na sociedade e possam, a partir daí, se organizar em torno de associações
ou coletivos para conseguirem trazer melhorias para as suas vidas e para a vida de sua
comunidade. Segundo Gilca,


                           A gente sabe que a gente não conscientiza ninguém, agente tá apto a sensibilizar
                           alguém a formar uma consciência diferente do seu cotidiano, né, e que muitos
                           traçam uma consciência que aqui pra gente ta errada, mas têm outros que traçam
                           uma consciência de progresso, uma consciência de desenvolvimento, de contribuir
                           com o desenvolvimento social.




        Além destes dois importantes movimentos, Gilca está ainda na coordenação do
Conselho Regional de Desenvolvimento Rural Sustentável do Território do Sisal (CODES-
Sisal), que, para ela, é o território de identidade mais importante da Bahia, senão do Brasil. É,


5
 Em entrevista oral, concedida a Jacimar Oliveira Almeida e Michele Oliveira Nascimento, no dia 08 de junho
de 2011.
45



nas reuniões do CODES, que são discutidas as prioridades e necessidades para o
desenvolvimento rural sustentável de todas as cidades do Território do Sisal.
        Segundo Gilca, a situação da mulher na sociedade tem melhorado bastante, porém
ainda existe muito machismo mascarado, até mesmo dentro dos movimentos sociais onde se
luta pela igualdade. Para ela, a mudança que está acontecendo hoje não se dá pela
conscientização de que todos são iguais, e sim “porque tá na moda, tá na moda dizer que a
mulher é capaz, então as mulheres estão se aproveitando disso para realmente comprovar na
íntegra que nós realmente somos capazes”.
        Gilca considera que ser mulher é assumir diversos papéis e funções a depender da
necessidade:


                           Então é ela ser mãe, é ela ser tia, é ela ser avó, é ela ser amiga, é ser psicóloga, é ser
                           assistente social, é ser ativista, é ser agricultora. É ser tudo e esse tudo que a mulher
                           tem que ser é para todos nunca é para ela. A mulher sempre pensa no outro, no outro
                           e no outro para depois pensar nela. Então é uma roda que ta sempre sendo
                           lubrificada e sempre sendo encorajada para enfrentar os desafios e os obstáculos
                           diversos.




        JUÇARA SILVEIRA OLIVEIRA6


                           Pode ser que tenha sofrido algum tipo de preconceito, mas eu talvez, sempre tentei
                           camuflar esta situação e transformar ela a meu favor. Uma dificuldade que eu tenha
                           tido pelo tamanho, pela fraqueza, pela própria sexologia, eu transformo isso numa
                           maneira de conquistar que a outra pessoa faça sem estar qualificando de por ser
                           mulher, mas por ser pessoa, para as carências serem atendidas.


        É o que afirma Juçara Silveira Oliveira, 52 anos, amarela, viúva, seis filhos, sendo
dois adotados. Juçara é formada em Letras pela Universidade do Estado da Bahia e, hoje,
cursa o último semestre de Comunicação Social, também pela UNEB. Bancária aposentada,
hoje ela divide seu tempo entre a família, a Universidade e os trabalhos sociais que já
desenvolve há muitos anos. Viúva a dois anos, Juçara visita o túmulo do seu esposo todos os
dias, mantendo uma relação de dedicação e respeito a sua memória.
        É filiada do Partido dos Trabalhadores (PT) e participa das pastorais da Igreja
Católica, Pastoral da Família e Pastoral da AIDS, além de ser também associada ao Centro de
Promoção da Educação Cultura e Cidadania (CPECC), “tenho uma pontinha em cada lugar”,


6
 Em entrevista oral, concedida a Jacimar Oliveira Almeida e Michele Oliveira Nascimento, no dia 08 de junho
de 2011.
46



diz ela. Para Juçara, seus trabalhos nesses grupos ficam mais na parte de conscientizar as
pessoas a colocarem em prática aquilo que dizem


                           Para não ficar uma coisa demagógica, principalmente na parte da fé, na parte da
                           religião ou então na parte política, na parte da ética. Para nestes casos a gente não ter
                           um discurso demagogo, então sempre estar coerente a prática com o discurso.




          Apesar de sua atuação nos diversos grupos em que participa, Juçara se destaca mesmo
é no desempenho de suas ações individuais, ações que ela desenvolve sem o auxílio de
nenhuma instituição, como por exemplo, o acompanhamento de pessoas doentes,
viabilizando, quando possível, tratamento, e a intermediação entre as partes envolvidas nas
adoções de crianças.
          Para Juçara, hoje a mulher já é tratada com muito mais dignidade e respeito


                           Nós mulheres estamos com uma vantagem muito grande. Primeiro por que nós
                           temos uma representante federal, que é uma mulher, nós temos em vários segmentos
                           empresariais, na educação, na saúde, em todos os campos nós temos mulher em
                           cargos e funções de direção... Então eu acho que hoje não é tão difícil se colocar
                           como mulher em nenhum espaço e a gente tá ganhando autonomia, estamos
                           conquistando autonomia.




          MARIA EUGÊNIA CARVALHO DE LIMA CARNEIRO7


                           Eu acredito que meu trabalho provoca modificações na sociedade, pois é o primeiro
                           passo para que as outras mulheres percebam através do exemplo que é possível
                           entrar na luta, e que, é como se fosse um trabalho de formiguinha, então o nosso
                           trabalho tem um peso de formiguinha: alcança alguém hoje, alcança outro amanhã e
                           vai alcançando até dar continuidade ao processo histórico que as mulheres já vêm,
                           há muitos anos lutando por igualdade de direitos.


          Maria Eugênia Carvalho de Lima Carneiro, negra, 46 anos, é casada, mãe de três
filhos, e professora formada no curso de Letras da UNEB. É especialista em gestões
pedagógicas e literatura portuguesa e infantojuvenil e também aluna do Curso de Serviço
Social.
          Geninha, como é chamada Mª Eugênia, é membro da Igreja Assembléia de Deus e faz
parte de diversos movimentos sociais. Exerceu a função de vereadora por dois mandatos,
desenvolvendo projetos importantes para a população coiteense.

7
 Em entrevista oral, concedida a Jacimar Oliveira Almeida e Michele Oliveira Nascimento, no dia 15 de junho
de 2011.
47



         Hoje, Geninha se encontra na coordenação da Secretaria de Políticas Públicas para
Mulheres de Conceição do Coité, onde desenvolve um trabalho de acompanhamento de
mulheres em situação de risco, dando-lhes apoio psicológico e médico, além de desenvolver
oficinas e eventos que promovam a valorização e a conscientização da mulher sobre seu papel
na sociedade.


                           Recentemente eu li algo que me chamou bastante atenção, que diz assim: que eu não
                           resolvo problemas, então nem sempre a gente não vai resolver, a gente vai oferecer
                           possibilidades para que as mulheres, elas mesmas se encontrem e reconheçam
                           enquanto mulheres, o papel importante que elas têm na sociedade para que a partir
                           daí, juntas, venhamos construir uma sociedade igual.




        Geninha já foi alvo de muitos preconceitos (políticos, religiosos e raciais), não apenas
por ser mulher, mas hoje acredita que o preconceito contra a mulher já diminuiu muito,
embora haja muito o que melhorar. Para ela, o preconceito é uma coisa que está infiltrada na
sociedade, que não ocorre somente da parte dos homens para as mulheres.


                           Mulheres e homens foram afetados pelo machismo, e muitas vezes tem mulheres
                           que não acreditam nelas mesmas. Claro que isso não faz com que eu desista isso me
                           dá é uma motivação de compreender que estas mulheres foram contaminadas como
                           eu fui como outras mulheres foram. Mas a gente vem num processo de
                           desconstrução é a chamada pedagogia do desmonte, é desmontar para depois
                           montar, e ai agora agente conseguir mudar uma parte dessa geração atual para
                           prevenir a geração futura.




        CLÉLIA MARIA SILVA GONÇALVES8


                           A mulher ocupa muito mais espaços que o homem [...] é gratificante ser mulher, e
                           mulher corajosa.


        Clélia Maria Silva Gonçalves é uma empresária de grande porte no contexto de
Conceição do Coité, pois emprega (direta e indiretamente) aproximadamente oitenta pessoas
em suas lojas. Aos 51 anos, casada e com dois filhos, atua não só como empresária, mas
também como evangelizadora no grupo do Gideões Internacionais, no qual faz trabalhos
voluntários.



8
 Em entrevista oral, concedida a Jacimar Oliveira Almeida e Michele Oliveira Nascimento, no dia 09 de junho
de 2011.
48



        Atualmente, como vice-presidente desse grupo, ela realiza semanalmente em sua casa
reuniões para evangelizar e ajudar, através de orações, pessoas com depressão e outras
enfermidades. Ela também recebe na loja essas pessoas que estão precisando de ajuda.

                           Pouca gente tem tempo pra ouvir, acha que porque é empresário, empresária, pouco
                           ouve alguém, [...] mas quando chega uma pessoa precisando de uma ajuda eu paro
                           tudo que estou fazendo e vou dar atenção àquela pessoa, e quem entra chorando sai
                           sorrindo de minha sala.




        Em seu discurso, durante a entrevista, Clélia afirma que é possível conciliar tarefas
distintas, e coloca isso como uma capacidade atribuída às mulheres, as quais hoje, segundo
ela, ocupam vários espaços, pois “a mulher tem que ser mãe, tem que ser esposa, tem que ser
dona de casa, tem que ser empresária, ou professora; seja a profissão que for, ela tem que
assumir todas as funções”.
        No entanto, ela coloca que nem sempre foi assim, que antes as pessoas viam a mulher
como sem prestígio e que pelo simples fato de ser mulher já era desacreditada pela sociedade,
mas afirma que “a mulher hoje tem seu espaço, eu acho que a mulher hoje pode fazer tudo
que os homens fazem, depende só de coragem, de ser dinâmica”.




        VILMARA MARIA SILVA9


                           Hoje a mulher pode ser aquilo que ela deseja. A gente tem muito mais potencial que
                           muitos homens juntos.


        Vilmara Maria Silva é uma radialista pioneira em Conceição do Coité. Com DRT em
locução e apresentação, atua na área da comunicação há 19 anos. Por gostar do que faz, ela
estende sua profissão para outras atividades voluntárias que desenvolve como sua participação
na Pastoral da AIDS, na qual faz suporte e assessoria de comunicação.
        Usando o vínculo com a emissora, Vilmara faz a divulgação das atividades e das
campanhas realizadas pela Pastoral para adquirir recursos e parcerias para acompanhamento
de pessoas com vírus HIV. “O bom do rádio é que você não ajuda sozinho não, tem sempre
uma segunda pessoa que sempre ajuda; então eu acho ótimo, gosto muito de fazer esse tipo de
trabalho”.

9
 Em entrevista oral, concedida a Jacimar Oliveira Almeida e Michele Oliveira Nascimento, no dia 15 de junho
de 2011.
49



        Atualmente com 39 anos, separada e com uma filha de 11 anos, Vilmara diz ter
enfrentado muitas dificuldades e preconceitos, principalmente na sua profissão, por causa de
“alguns colegas que se incomodam um pouco pelo fato de ser mulher”, mas que, hoje, não
enfrenta muitas dificuldades por conta do reconhecimento e credibilidade que conquistou.
        No entanto ela coloca que as mulheres tem uma luta constante contra os preconceitos,
mas que agora temos mais potencial para contornar essas situações. Ela afirma que a mulher
sofria porque não sabia se defender, porém hoje até as próprias leis facilitam a defesa dessas
mulheres.
        Nessa perspectiva, Vilmara enxerga esse fato como um potencial de oportunidades que
as mulheres devem aproveitar, pois “a mulher conseguiu conquistar muitos espaços na
sociedade, assim como também conseguiu conquistar reconhecimento pelas atividades que
desenvolve”.




DANIELA LOPES FERREIRA10


                           eu sou ousada mesmo, porque se não companheiro não tem espaço pra gente, tem
                           que ser ousada mesmo, se você pode, eu também posso, meu negócio é igualdade, se
                           você quer, eu também quero.



        Daniela Lopes Ferreira é uma ativista social de 27 anos que se destaca na militância de
vários movimentos sociais, não exerce nenhuma profissão definida. E cursará História pela
Universidade do Estado da Bahia no Campus XIV. Atualmente é sócia do Centro de
Promoção a Educação, Cultura e Cidadania (CPECC) e coordena o ponto de cultura
Conhecendo a Cultura Popular da Região Sisaleira: encontros, encantos e diversidades, por
meio do qual desenvolve vários projetos com objetivo de mapear e registrar todas as
manifestações culturais existentes no município.
        Como ativista social destaca-se sua atuação no grupo Revolution Reggae, uma
associação de bairro localizada na comunidade periférica do município, o qual luta contra as
desigualdades sociais e a discriminação racial, espaço em que Daniela começou seu
engajamento nas questões sociais.
        Dentro desse grupo Daniela coordenou o Núcleo de Mulheres do Revolution Reggae
que fomentava a discussão e o debate sobre o empoderamento do sujeito feminino,

10
  Em entrevista oral concedida a Jacimar Oliveira Almeida e Michele Oliveira Nascimento, no dia 15 de junho
de 2011.
50



incentivando as mulheres a defender seus direitos. Durante sua coordenação o núcleo realizou
várias campanhas de combate à violência contra a mulher.
       O CPECC trabalha com questões ambientais (reciclagem), culturais, educacionais e de
cidadania, assim Daniela desenvolve atividades nessas áreas.


                       A gente faz exibições de filmes, depois agente tem a roda de prosa pra discutir o
                       filme, traz várias temáticas: violência contra a mulher, raça e etnia. [...] Agente já
                       fez várias oficinas, a nossa primeira oficina foi sobre cultura e cidadania, onde
                       agente trouxe pra sala de aula o debate importante sobre homofobia, racismo,
                       cidadania, gênero.



       Nesse sentido a atuação de Daniela está basicamente relacionada a transformação
social, principalmente das comunidades periféricas onde procura diminuir as desigualdades,
os estigmas e os preconceitos por meio da conscientização política e cidadã dos indivíduos.
       Consciente de seu papel e de sua responsabilidade, Daniela se qualifica como
mobilizadora social, assumindo o perfil de mulher politizadora nos espaços de contestação
com a sociedade, pois segundo ela só a própria pessoa é capaz de emancipar sua mente, mas
que ela pode contribuir para que as mulheres se livrem das mazelas e das amarras que o
machismo nos coloca. “Por isso que eu acredito que os movimentos sociais e minha atuação
de certo modo têm contribuído bastante para o empoderamento das mulheres”.
       No entanto, apesar de toda resistência, enquanto mulher Daniela enfrenta preconceitos
e discriminações em vários espaços sociais, inclusive dentro dos próprios movimentos, nos
quais segundo ela o embate e os conflitos para haver igualdade entre os gêneros são
constantes, sendo que esses conflitos são ainda maiores na sociedade em geral.
       Contudo, ela frisa que a historiografia das mulheres vem mudando e com a atuação
política dos movimentos feministas “as mulheres agora se sentem empoderadas para ocupar
as presidências, se sentem empoderadas para ocupar os movimentos sociais, as câmaras,
enfim, as mulheres hoje podem perceber que ela é capaz”.




       Os discursos apresentados nos perfis mostram mulheres com histórico de
envolvimento social, de enfrentamento ao modelo patriarcalista da sociedade, de luta (coletiva
ou individual) pelo empoderamento do sujeito feminino. Mulheres que buscaram, através do
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Identidades femininas em Conceição do Coité

  • 1. 9 UNIVERSIDADE DO ESTADO DA BAHIA JACIMAR OLIVEIRA ALMEIDA RAMOS MICHELE OLIVEIRA NASCIMENTO ENSAIOS DO REAL: Identidades femininas e suas representações no contexto de Conceição do Coité Conceição do Coité 2011
  • 2. 10 JACIMAR OLIVEIRA ALMEIDA RAMOS MICHELE OLIVEIRA NASCIMENTO ENSAIOS DO REAL: Identidades femininas e suas representações no contexto de Conceição do Coité Trabalho de conclusão apresentado ao curso de Comunicação Social - Habilitação em Radialismo, da Universidade do Estado da Bahia, como requisito parcial de obtenção do grau de bacharel em Comunicação, sob a orientação da Professora Mestre Carolina Ruiz de Macedo. Conceição do Coité 2011
  • 3. 11 JACIMAR OLIVEIRA ALMEIDA RAMOS MICHELE OLIVEIRA NASCIMENTO ENSAIOS DO REAL: Identidades femininas e suas representações no contexto de Conceição do Coité Trabalho de conclusão apresentado ao curso de Comunicação Social - Radialismo, da Universidade do Estado da Bahia, realizado sob a orientação da Professora Mestre Carolina Ruiz de Macedo. Data: ____________________________ Resultado: ________________________ BANCA EXAMINADORA Profª. Msc. Carolina Ruiz de Macedo (orientadora) Assinatura________________________ Profª. Dra.. Rosane Meire Vieira de Jesus Assinatura_______________________ Profª. Msc. Vilbégina Monteiro dos Santos Assinatura___________________________
  • 4. 12 AGRADECIMENTOS À Deus por ter nos dado saúde, coragem e sabedoria durante essa caminhada. Às nossas famílias pelo apoio incondicional em todos os momentos. À nossa orientadora Prof.ª Msc. Carolina Ruiz de Macedo pelo incentivo, presteza e contribuições para construção desse trabalho de conclusão de curso. Em especial à Prof.ªMsc. Vilbégina Monteiro dos Santos que além das discussões em sala de aula nos proporcionou com sua amizade grandes experiências de vida, as quais impulsionaram nosso crescimento acadêmico. À Clélia, Geninha, Gilca, Juçara e Vilmara pela gentileza e disponibilidade em participar desse trabalho, permitindo a construção de uma relação de amizade. Aos nossos colegas e demais professores por fazerem parte de nossa vida durante esses quatro anos. Em especial à Bruna, Juçara, Mevolandia e Raiane com quem compartilhamos momentos positivos e negativos, os quais nos marcaram significativamente.
  • 5. 13 “Seguimos buscando compreender a natureza complexa da imagem fotográfica documento fechado, definido, delimitado pelas margens da superfície fotográfica, portador de um inventário de informações que é, ao mesmo tempo, uma representação aberta, indefinida, real porém imaginária, plena de segredos extra-imagem que segue sua trajetória mostrando/encobrindo sua razão de ser no mundo; uma aparência construída em eterna tensão com seu verdadeiro mistério, subcutâneo à superfície fotográfica: sua trama, sua história, sua realidade interior. Um signo a espera de sua desmontagem..” Boris Kossoy (2000, p.143-144)
  • 6. 14 RESUMO ENSAIOS DO REAL: Identidades femininas e suas representações no contexto de Conceição do Coité Considerando o desenvolvimento da atuação das mulheres, numa perspectiva histórica, observa-se que os papéis sociais assumidos por elas foram se transformando e consequentemente foram resignificando suas identidades. Nesse sentido, nas sociedades pós- modernas, os sujeitos femininos assumem múltiplas identidades que fomentam a reestruturação de suas representações nos espaços sociais. Propõe-se através de um ensaio fotográfico construir representações das várias identidades de algumas mulheres que têm participação ativa no contexto social de Conceição do Coité, Assim, o objetivo com esse trabalho não é retratar a mulher pelo filtro de uma perspectiva feminista, mas através dos fragmentos temporais e espaciais materializados nas fotografias, dar visibilidade à mulher como sujeito social, que pode ser mãe, empresária, líder sindical, professora etc., mas antes de tudo mulher. Com esse objetivo foram selecionadas mulheres símbolo de transformação social, pela cidadania, e de luta por melhores condições de vida. Palavras-chave: Identidades. Mulheres. Conceição do Coité. Representação. Ensaio Fotográfico.
  • 7. 15 ABSTRACT THE REAL ESSAY: Women's identities and their representations in the context of the Conceição do Coité Considering the development of the actuation of women in historical perspective, we see that the social roles assumed by them were turning and therefore their identities were resignifying. Accordingly, in postmodern societies, the female subjects assume multiple identities that foster the restructuring of its representations in social spaces. We propose using a photo essay to build representations of the multiple identities of some women who are active in the social context of Conceição do Coité. So our goal with this work is not portray the woman through the filter of a feminist perspective, but through fragments of time space materialized in the photographs, to give visibility to women as a social subject, which can be a mother, businesswoman, union leader, teacher etc.. But above all women. With this aim we selected a symbol of women for citizenship and social transformation of the struggle for better living conditions. Keywords: Identity. Women. Conceição do Coité. Representation. Photo Essay.
  • 8. 16 Sumário Introdução 09 Público-alvo 17 1 Mulher: Identidades e Representações 13 1.1 O empoderamento das mulheres em Conceição do Coité 15 1.2 Uma Questão de Identidade 17 1.3 Identidade Feminina e Representação na Mídia 19 1.4 Mulher e Propaganda 20 2 Imagem e Sociedade 22 2.1 Implicações sociais da Imagem fotográfica 26 2.2 Representação fotográfica: formas de percepção, criação e interpretação da 29 realidade 3 Registros Fotográficos 33 3.1 Pré-produção 33 3.1.1Proposta do Ensaio 35 3.1.2 Equipe 35 3.1.3 Perfis 35 3.1.4 Pré-produção dos ensaios 43 3.2 Produção 43 3.2.1Relatório dos ensaios 44 3.2.2 Descrição das fotografias selecionadas para a exposição 60 3.3 Pós-produção 64 4 Cronograma 65 5 Orçamento 65 6 Considerações Finais 67 Referências 69 Apêndice 72
  • 9. 17 Introdução A relação histórica entre o homem e os mecanismos de captação de imagens é marcada pela lógica da experimentação, numa perspectiva de desenvolvimento impulsionado pelo aprimoramento técnico e busca da qualidade estética. Nesse processo de desenvolvimento, o homem, através da fotografia, reconfigura o modo como se relaciona com o mundo, criando com as representações fotográficas novas formas de percepção e recepção de sua realidade histórica. Nesse sentido, as representações criadas através da fotografia envolvem não só aparatos técnicos ou concepções estéticas, mas também elementos que ideológica e culturalmente surgem da relação entre – utilizando a terminologia de Roland Barthes (2009) – o operator (fotógrafo) e o espectrum (objeto fotografado). Ou seja, o resultado do ato fotográfico está intrinsecamente ligado à forma de relação que o fotógrafo estabelece com seu objeto. Assim a imagem fotográfica é classificada como um produto cultural que apresenta imbricado em sua concretude material e simbólica o fazer de um ser social (fotógrafo) num dado contexto histórico indissociável de seus conflitos, negociações e de suas formas de desenvolvimento social. O desenvolvimento social no contexto de Conceição do Coité, durante, os anos 1970 e 1980 esteve pautado numa estrutura de sociedade patriarcalista, na qual a mulher desenvolve papéis secundários e ocupa lugares hegemonicamente definidos pelos homens. Dentro desse contexto os meios de comunicação reafirmam e alimentam tal estrutura através da construção e disseminação de modelos estereotipados da identidade feminina que reforçam a lógica patriarcalista; e alguns desses modelos ainda fazem parte de sistemas de identificação na sociedade contemporânea. A proposta deste projeto surgiu do desejo de construir um produto visual que possa contribuir, como alternativa, para a percepção de novas possibilidades de representação da mulher. Criando imagens fotográficas que represente a mulher com seus múltiplos papéis, mostrando a complexidade da sua identidade na sociedade contemporânea, a fim de evidenciar, além dos papéis sociais tradicionalmente exercidos, suas realizações sociais, apresentando-a como construtora de uma nova realidade.
  • 10. 18 No que se refere ao processo de construção da interpretação de imagens fotográficas, que é uma proposta de Kossoy (2000), esse trabalho pretende propor uma outra concepção visual do sujeito feminino na cidade de Conceição do Coité. A cidade de Conceição do Coité foi delimitada como locus deste ensaio fotográfico por ter sua dinâmica social, política e econômica influenciada pela atuação dessas mulheres, que transformam sua realidade social criando uma nova perspectiva para o desenvolvimento tanto de suas famílias quando da sociedade. O nosso objetivo geral com esse trabalho é construir um ensaio fotográfico de cunho documental que materialize, através da imagem, a representatividade da mulher em Conceição do Coité, destacando as múltiplas identidades apropriadas pela mulher pós-moderna. A partir deste objetivo geral surgem outros de natureza mais específica, quais sejam:  dar visibilidade a mulher enquanto construtora e transformadora de sua realidade em Conceição do Coité.  mostrar a mulher enquanto sujeito transformador e protagonista de sua própria história;  representar as várias identidades assumidas por algumas mulheres coiteenses no desempenho de seus papéis sociais;  montar uma exposição a fim de mostrar algumas mulheres coiteenses símbolo de luta por melhores condições de vida. Desse modo propomos um ensaio que contribua politicamente para uma releitura da imagem dos sujeitos femininos em Conceição do Coité. Assim o propósito não é construir fotografias artísticas para contemplação como obra de arte, mas colocá-las como propulsoras de reflexões. Sendo que para selecionar essas mulheres, fizemos algumas pesquisas exploratórias, nas quais observamos, por meio de amostragem tipificada, algumas características que nortearam nossas escolhas. Com base no levantamento de dados, selecionamos seis mulheres, com quem fizemos entrevista oral semiestruturada a fim de obter informações necessárias para conhecer melhor cada uma das personagens e também para construir seus perfis. Visto que os meios de comunicação comerciais, por obedecer a lógica capitalista de produção, em grande parte, não trazem representações da mulher enquanto sujeito transformador e construtor de uma nova realidade, tanto social quanto familiar, decidimos realizar um ensaio fotográfico com intenção de representar mulheres que compõem o cenário público e social de Conceição do Coité como sujeitos transformadores.
  • 11. 19 Temos conhecimento que a temática das mulheres já foi explorada em trabalhos acadêmicos através de várias perspectivas e usando diversos suportes, no entanto, o uso da fotografia como método de construção do saber, promoção do conhecimento, da informação e da reflexão, ainda não foi explorado pela comunidade acadêmica de Conceição do Coité. Dessa forma, o tema proposto apresenta grande relevância social, pois tem uma capacidade maior de acessibilidade, além da facilidade de divulgação e propagação, pois a atração que a imagem fotográfica exerce sobre as pessoas é mais direta do que um texto escrito. Nesse sentido, ao aumentar a sociabilização do conhecimento, estamos ajudando a Universidade a cumprir seu papel junto à sociedade, pois com a inserção de novos debates e novas discussões no contexto social, estamos provocando mudanças que impulsionam seu desenvolvimento. Além disso, acreditamos que assim como o mapa é capaz de construir sentido e transmitir conhecimento, a imagem também o faz, visto que, a partir de uma concepção esteticamente trabalhada, as fotografias aqui propostas, podem adquirir funções informativas e de valorização da imagem simbólica das mulheres retratadas. Mostrar essas mulheres, através de um ensaio fotográfico, surgiu como uma alternativa de criar uma forma da sociedade ver/perceber as mulheres, contrapondo as imagens estereotipadas, em formatos mercadológicos, veiculadas pelas mídias convencionais. No capitulo 1 deste memorial, foi abordado, numa perspectiva histórica, as relações de gênero e a trajetória feminina na sociedade, fazendo um apanhado geral a respeito do modelo patriarcalista, o qual estruturou por muito tempo as relações sociais, inclusive no contexto de Conceição do Coité. Para melhor abordagem dos assuntos, o capítulo foi dividido em quatro subtemas: O empoderamento das mulheres em Conceição do Coité; Uma questão de identidade ; Identidade feminina e representação na mídia e Mulher e Propaganda. No primeiro tópico, discutimos questões a cerca do empoderamento dos sujeitos femininos na perspectiva de Almeida (2010) e Silva, Z. P. (2007), com recorte espacial da cidade de Conceição do Coité, traçando uma trajetória do envolvimento da mulher coiteense na transformação da sociedade. No segundo, trazemos, através dos conceitos de identidade e representação de autores como Hall (2006), Silva, T. T. (2007) e Kellner(2001), argumentaçõs sobre os processos de construção, desconstrução e reconstrução das identidades femininas, considerando os múltiplos papéis sociais que as mulheres desenvolvem. No terceiro tópico, foram abordados, baseado em Cruz (2009), o papel dos meios de comunicação no processo de representação e consolidação dos estereótipos criados em torno dos sujeitos femininos no contexto contemporâneo. Por fim, debatemos no quarto tópico a
  • 12. 20 problemática do uso da imagem feminina nas propagandas, discutindo a associação que se faz dela com os interesses mercadológicos e como mudar essa realidade, colocando o ensaio fotográfico no âmbito acadêmico como uma alternativa de representar a mulher dissociada de um produto. No capítulo 2, trabalhamos uma retrospectiva histórica da relação do homem com a imagem, desde as primeiras pinturas no interior das cavernas até a fotografia digital. Abordamos, a partir das reflexões de Bazin (1991), Barthes (2009), Debrey (1994) e Sontag (2004), como o significado da imagem para o homem se modificou com o passar do tempo e com o avanço da técnica. Dividimos este capítulo em dois tópicos: Implicações sociais da imagem fotográfica e Representação fotográfica: formas de percepção, criação e interpretação da realidade. No primeiro tópico, trabalhamos, ancoradas nas discussões trazidas por Fabris (2007) e Sontag (2004), quais as implicações das fotografias nos processos de comunicação imagética e também os novos usos e funções atribuídos à fotografia, considerando, nesse contexto, as modificações que estas imagens provocam tanto nos espaços concretos quanto nos simbólicos. O segundo tópico, dialogando com Barthes (2009) e Kossoy (2000), discute como as representações fotográficas são usadas na percepção, criação e interpretação da realidade já que a materialização do real, através da fotografia, é um processo cultural que envolve múltiplas interpretações, tanto na sua produção quanto na sua percepção/recepção. No terceiro capítulo, fazemos a descrição técnica e metodológica da pré-produção, produção e pós-produção do ensaio fotográfico. Público-alvo: Toda sociedade de Conceição do Coité, assim como a comunidade acadêmica que engloba através da diversidade e heterogeneidade de seus estudantes outros contextos sociais.
  • 13. 21 1. Mulher: Identidades e Representações Para que se desenvolvam, as sociedades adotam sistemas e modelos de organização social em que são definidos padrões, papéis, condutas e comportamentos para seus atores sociais que obedecem à lógica de funcionamento do modelo ou sistema adotado, o qual é firmado e legitimado por instituições sociais que desempenham funções importantes na sociedade, como as escolas, igrejas e a família. Assim como também pelos meios de comunicação, que interferem nesse processo de organização, reforçando ou não determinadas concepções e estereótipos. A partir deste pressuposto, consegue-se, através de uma análise histórica, identificar que a sociedade brasileira adotou o sistema patriarcalista como estrutura social e como forma de organizar as relações de poder. O modelo tem suas bases definidas desde o Brasil Imperial (BAUER, 2001) em que as famílias eram estruturadas através do domínio do pai, o qual assumia a responsabilidade de conduzir a família, atuando de forma autoritária e impositiva. Se o ser homem é patriarcalmente identificado nos músculos fortes e à mostra, no ser agressivo e autoritário, a mulher é definida a partir de uma relação de oposição, frágil, emotiva, passiva, ingênua e dominável. (ALMEIDA, 2010, p. 102) Nesse sentido foram sendo estabelecidas, a partir dos padrões patriarcalistas, as diferenciações dos papéis do pai/homem/esposo e da mãe/mulher/esposa no espaço privado de suas casas, mas também na sociedade, caracterizada como espaço público, passando a envolver as relações sociais existentes dentro desses espaços. No patriarcado, o homem (patriarca) é colocado como um ser superior em relação a mulher (matriarca), sendo considerado o responsável pelo sustento da família e pelo desenvolvimento da sociedade, enquanto o papel atribuído às mulheres fica restrito ao lar, cabendo-lhes apenas a educação dos filhos e os cuidados com a casa. A partir dessa hierarquização, as relações de gênero são caracterizadas pela dominação-exploração, nas quais o homem assume o papel de dominador e a mulher de submissa, construindo um sistema de poder que predominantemente apresenta-se desfavorável a mulher. Esse poder, segundo Foucault (1988), se exerce também através de uma rede de discursos e práticas sociais, pois as relações sociais e o comportamento dos
  • 14. 22 atores sociais são elementares para o processo de manutenção e/ou reestruturação desses sistemas. É por meio da proliferação e reafirmação desses discursos que muitas mulheres foram convencidas de que não possuíam o perfil para a competitividade e para o exercício do poder, reforçando o sistema patriarcalista. No entanto Almeida coloca que: Historicamente a mulher nunca esteve dissociada do trabalho como atividade econômica, especialmente naquelas vinculadas a sobrevivência familiar, seja no espaço rural, ocupando-se da terra, trabalhando na plantação e na colheita, seja nos centros urbanos, comerciais e industriais. (ALMEIDA, 2010, p.24) Nessa perspectiva a mulher desempenha funções que extrapolam os limites do espaço privado de seus lares e contribui com sua atuação nos espaços públicos, para o desenvolvimento de sua família e da sociedade como um todo. Mas ainda assim as mulheres não adquirem a mesma valorização atribuída aos homens. Contudo algumas mulheres, ao longo da história, criaram formas silenciosas e particulares, de subverter e burlar a autoridade do patriarca (pai e/ou esposo), utilizando-se de táticas sutis para participar das tomadas de decisões referentes tanto às relações familiares quanto aos negócios e aos setores econômicos e políticos da sociedade, sendo possível “identificar estratégias de lutas e resistências que permitiram algumas mulheres driblar o poder do macho, transitar entre o público e o privado e, em alguns casos, exercer o papel de chefe de família, tomando nas suas próprias mãos as rédeas de sua existência” (BRANDÃO, 2008, p. 154). Com essa nova postura, as mulheres passam a demandar a abertura e o alargamento de espaços para sua atuação. Nesse momento que corresponde às primeiras décadas o século XX, surgem, na sociedade brasileira, as primeiras manifestações e mobilizações de mulheres de forma organizada. É nesse cenário que emergem fortes grupos feministas que atuam em áreas específicas da sociedade. As mulheres começaram a se organizar em clubes de mães. Com a militância, o movimento feminista ganhou novos rumos, conquistando novos espaços. Em sua primeira fase no Brasil, o feminismo teve como objetivo a conquista dos direitos políticos das mulheres, mediante participação eleitoral, assim como também o alcance da sua cidadania através da educação, com a finalidade de obter maiores oportunidades de participação na vida social e pública.
  • 15. 23 Esta luta durou muitos anos e, para conseguirem êxito nesse propósito, foi fundado, em 1910, o Partido Republicano Feminino. É interessante ressaltar que a atuação do partido ocorria fora da ordem estabelecida, já que era composto por pessoas que não possuíam direitos políticos. Este partido não defendia apenas o direito ao voto, ele também buscava a conscientização das mulheres sobre a emancipação e a independência feminina, além de propugnar pelo fim da exploração sexual. Muitos anos passados desde o início da luta das mulheres pela conquista dos direitos políticos femininos, as mulheres conseguiram não apenas direito ao voto. Em 2010 foi eleita a primeira mulher presidente do Brasil, fato que confirma a importância da luta no processo de emancipação, desafiando o conservadorismo e os resquícios patriarcalistas existentes na sociedade brasileira, tentando equilibrar o jogo de poder. A conquista da presidência da República, assim como tantas outras, é fruto de processos históricos em que a mulher constrói/desconstrói, significa e ressignificam-se num movimento dialético que envolve tanto os espaços concretos quanto os espaços simbólicos. No entanto essas conquistas não são características específicas de um contexto, mas o resultado de uma mobilização pulverizada em várias áreas, como a da educação. Através do maior acesso à educação na sociedade atual, a mulher consegue transpor o espaço privado, circulando entre estas duas instâncias da sociedade. Neste sentido, o empoderamento das mulheres na contemporaneidade está estritamente associado ao seu nível educacional, o qual lhe permite ocupar espaços que anteriormente estavam restritos aos homens. Isto pode ser visualizado no mercado de trabalho, onde as mulheres com qualificação têm mais oportunidades de emprego que os homens. 1.1 O empoderamento das mulheres em Conceição do Coité O semiárido baiano é uma das regiões que registram um dos piores índices de desenvolvimento social do Brasil e é, nessa região, mais especificamente no Território do Sisal, que está localizada a cidade de Conceição do Coité. De acordo com o levantamento do censo 2010, a cidade tem 62.042 habitantes, sendo deste total 31.338 mulheres e 30.704 homens1. 1 Fonte: IBGE, Disponível em: www.ibge.gov.br/home/.../populacao/censo2010/.../total_populacao_bahia.pdf
  • 16. 24 Seguindo a dinâmica do desenvolvimento nas outras regiões do país e do mundo as mulheres de Conceição do Coité, mesmo enfrentando preconceitos da sociedade, também buscaram se tornar independentes de seus pais e maridos, tomaram as rédeas de suas vidas, assumindo responsabilidades e a liderança do desenvolvimento de suas famílias. Muitas mulheres da cidade saíram dos bastidores para serem protagonistas das transformações sociais na comunidade. Segundo Silva, Z. P. (2007), o envolvimento direto de mulheres no processo de mobilização social em Coité se inicia a partir de 1994, ano em que foi criada a Comissão de Mulheres do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Conceição do Coité/BA, renomeada em 1997, como Movimento de Mulheres do Sindicato de Trabalhadores Rurais de Conceição do Coité/BA, que lutava pela emancipação da mulher trabalhadora rural. Este movimento ampliava sua atuação em reuniões e encontros realizados em várias cidades do território, a fim de discutir questões como valorização do trabalho feminino e respeito à mulher, bem como incentivar as trabalhadoras a se organizarem na luta por seus direitos. Em 2000, o Movimento de Mulheres do Sindicato de Trabalhadores Rurais de Conceição do Coité/BA mudou novamente de nome e tornou-se Coletivo de Mulheres do Sindicato de Trabalhadores Rurais de Conceição do Coité/BA. Não foi apenas o nome que mudou, a principal inovação deste coletivo nesse momento foi a abertura de espaço para a participação da trabalhadora urbana. O Coletivo conseguiu efetivar muitos de seus projetos sociais, que, hoje, englobam não só a mulher, mas a melhoria das condições de vida do povo do semiárido. Desde 1998, a principal bandeira de luta do Coletivo de Mulheres tem sido a implantação de uma Delegacia de Atendimento Especial à Mulher em Conceição do Coité, entretanto esta tem se mostrado uma luta perene, pois esta solicitação tem passado como algo desnecessário aos olhos do poder público. O Coletivo de Mulheres do Sindicato de Trabalhadores Rurais de Conceição do Coité/BA é um movimento de grande visibilidade que demonstra a capacidade de organização e mobilização da mulher coiteense em busca da sua emancipação e na luta pela melhoria da qualidade de vida no semiárido. É o diálogo com o sindicato que tem fornecido bases para a Acessado em 06/04/2011
  • 17. 25 reflexão crítica e para a conscientização destas mulheres, oferecendo elementos para que possam interpretar a sociedade e conhecer seus direitos sociais. É através destas reflexões que acontece o processo de empoderamento das mulheres de Conceição do Coité e o reconhecimento de sua capacidade política. No corpo constitutivo deste Coletivo há mulheres que são mães, esposas, filhas, trabalhadoras, e que em suas casas e nas ruas travam batalhas diárias em busca de sua autonomia. Para além do Coletivo de Mulheres, há em Conceição do Coité, inúmeras mulheres, cada uma desempenhando seu papel ou seus múltiplos papéis na sociedade. São donas-de- casa, mobilizadoras sociais, líderes religiosas, empresárias, professoras, operárias, estudantes, comerciantes, agricultoras. Mulheres que atualmente participam da vida econômica e social da cidade e impulsionam o seu desenvolvimento, mas que, antes, ficavam nos bastidores da sociedade, permitindo que apenas os homens recebessem o mérito por esse desenvolvimento. Hoje há uma flexibilidade maior nas relações de poder, mas algumas mulheres ainda precisam desenvolver estratégias para burlar o poder patriarcal, atuando de forma velada sem que as figuras masculinas percebam. Nessa conjuntura, as mulheres lutam para serem reconhecidas por suas ações de transformações sociais, não mais necessitando ficar na plateia e sim estar no palco da sociedade recebendo o reconhecimento por suas realizações. Assim como em qualquer outra sociedade, em Conceição do Coité, a mulher desempenha inúmeros e cumulativos papéis indispensáveis ao desenvolvimento social, econômico e cultural da cidade, entretanto ainda hoje não lhe é conferido o devido reconhecimento por sua importância, sendo muitas vezes depreciada e/ou desvalorizada com bases na hierarquização estabelecida entre os gêneros. 1.2 Uma Questão de Identidade Em Conceição do Coité, assim como em outros contextos, as relações de identificação e construção do sujeito se dão através de processos históricos que envolvem os espaços socioculturais numa dinâmica dialética em que tanto as mulheres quanto a sociedade, entre conflitos e resistências, transformaram-se. Nessa perspectiva, as noções de sujeito feminino e de identidade feminina acompanharam os deslocamentos e as ressignificações provocadas pelas mudanças sociais
  • 18. 26 que perpassaram as sociedades, as quais nos Estudos Culturais, segundo Kellner (2001), são perceptíveis em três fases definidas pela sociedade tradicional, a moderna e a pós-moderna. Em cada um desses momentos, as concepções de identidade têm características próprias, delimitadas pelo pensamento e comportamento das pessoas nos espaços sociais. Nas sociedades tradicionais, o conservadorismo e as tradições delimitavam os papéis sociais, os quais predeterminavam e fixavam a identidade de cada indivíduo, definindo seu lugar no mundo. Desse modo “o individuo nascia e morria como membro do mesmo clã, de um sistema fixo de parentesco, de uma mesma tribo ou grupo, com trajetórias de vida fixada de antemão” (KELLNER, 2001, p. 295). Nas sociedades modernas há uma ruptura com esse modelo de identidade sólida e estável, tornando-se “mais móvel, múltipla, pessoal, reflexiva e sujeita a mudanças e inovações” (ibidem p. 295), de forma que os indivíduos têm uma flexibilidade maior para definir sua identidade, ou melhor, suas identidades, já que, na modernidade, o descentramento dos papéis sociais permite aos indivíduos ocupar várias identidades. No entanto Kellner coloca que ainda, na modernidade, a identidade permanece com certa fixidez e tem sua origem ligada a papéis sociais e normas. “As identidades ainda são relativamente fixas e limitadas, embora os limites para identidades possíveis e novas estejam em contínua expansão” (idem, p. 296). Já na teoria pós-moderna, a questão da identidade é problematizada a partir das mudanças estruturais que se instauram pelo desenvolvimento das sociedades, transformando as noções de classe, gênero, raça etc., que, segundo Hall, também estão “mudando nossas identidades pessoais, abalando a idéia que temos de nós próprios como sujeitos integrados” (HALL, 2006, p.09). Considerando essa abordagem panorâmica dos Estudos Culturais sobre identidade, realizamos este ensaio sob a perspectiva de sujeito pós-moderno, considerando as identidades como “definidas historicamente, e não biologicamente. [e que] O sujeito assume identidades diferentes em diferentes momentos, identidades que não são unificadas ao redor de um „eu‟ coerente” (HALL, 2006, p.13). A pós-modernidade possibilitou à mulher a construção de múltiplas e ambíguas identidades, superando os limites que demarcam simbolicamente os territórios das diferentes identidades, num sentido que “o „cruzamento de fronteiras‟ e o cultivo propositado de identidades ambíguas é, entretanto, ao mesmo tempo uma poderosa estratégia política de questionamento das operações de fixação da identidade” (SILVA, T. T. 2007, p.89).
  • 19. 27 A mulher pós-moderna, através de seus pensamentos e ações, num jogo de apropriação e desapropriação de identidades, outrora impossíveis de serem aceitas como identificações femininas, desafia e questiona o sistema de fixação de identidades. Nesse sentido, o papel de mãe biologicamente atribuído à mulher passou a ser contestado pelo pensamento pós-moderno, o qual o define como uma identidade facultativa e não obrigatória. A assimilação de tal identidade, assim como as outras, perpassa pelo campo da liberdade de escolha e da autonomia dos sujeitos. Com isso, ao assimilar ou ao negar identidades, as pessoas estão em constante processo de negociação dentro de espaços e sistemas de representações, os quais envolvem tanto o simbólico quanto sua concretude, pois as negociações materializam-se também em espaços sociais. A representação, compreendida como um processo cultural, estabelece identidades individuais e coletivas e os sistemas simbólicos nos quais ela se baseia fornecem possíveis respostas às questões: Quem eu sou? O que eu poderia ser? Quem eu quero ser? Os discursos e os sistemas de representação constroem lugares a partir dos quais os indivíduos podem se posicionar e a partir dos quais podem falar. (WOODWARD, apud SILVA, T.T. 2007, p. 17) Todavia esses sistemas de representações não são autorregulavéis, eles são construídos socialmente e legitimados pelas relações pessoais e inter-pessoais dos indivíduos. Esses sistemas utilizam várias ferramentas para construir modelos de identificações socialmente aceitáveis, porque “é por meio dos significados produzidos pelas representações que damos sentido à nossa experiência e àquilo que somos” (ibidem p. 17). 1.3 Identidade Feminina e Representação na Mídia Segundo a Teoria dos Estudos Culturais, a existência da identidade está estritamente ligada a sistemas de representação, pois é por meio da representação que a identidade adquire sentido. Segundo Silva, T. T. (2007), também é por meio da representação que a definição de identidade se liga aos sistemas de poder As representações são socialmente produzidas e partilhadas dentro de um contexto histórico específico. São constituídas a partir de experiências, das informações, dos saberes e dos modelos de pensamentos recebidos, transmitidos e construídos
  • 20. 28 através da tradição, da educação e da mídia, enfim da cultura. Quando os sujeitos encontram-se para falar, argumentar, discutir o cotidiano as representações sociais estão sendo formadas. (CRUZ, 2009, p. 03) Vivendo em uma sociedade de imagens, controlada pela cultura das mídias, é válido afirmar que, nessa argumentação, conversa e discussão do cotidiano em que, segundo Cruz, são formadas as identidades, as informações transmitidas pelos meios de comunicação são pautas recorrentes. As pessoas se reúnem para discutir sobre o que foi exibido no jornal, o que aconteceu no capítulo da novela, ou as cenas “interessantes” de comerciais publicitários. Dessa maneira, a afirmação e legitimação de estereótipos criados pelo modelo patriarcal em torno da mulher, ainda hoje, são, em grande parte, de responsabilidade dos meios de comunicação, que, através de seus mecanismos, conseguem disseminar as mensagens e ideias de seus realizadores a um grande número de pessoas, pessoas estas que, muitas vezes, reproduzem estes conteúdos. 1.4 Mulher e Propaganda Desde as primeiras exibições televisivas até os dias atuais a imagem feminina é cada vez mais utilizada como forma eficaz para fazer anúncios, seja na imagem de dona-de-casa, em comercias de sabão em pó, detergente, móveis; como símbolo de beleza em propagandas de cosméticos e roupas; ou como símbolo sexual, aparecendo sempre de forma sensual em propagandas de produtos destinados para o público masculino, como em comerciais de cerveja, cigarro, produtos automotivos etc. Hoje a imagem de mulher difundida pelos comerciais publicitários gira muito em torno da mulher esbelta, bonita, que se preocupa com o corpo e, consequentemente, está sempre preocupada com a perfeição. Dessa maneira, os meios de comunicação criam padrões idealizados de beleza que concomitantemente constroem e projetam identificações que servem de elementos para constituir identidades. Entretanto a construção das imagens midiáticas não se dá de maneira aleatória, mas é feita a partir de interesses que se estruturam na lógica capitalista, em que os seus produtores selecionam e elegem características que tornam tais identidades desejáveis, induzindo ao consumo.
  • 21. 29 Considerando essa realidade, observa-se predominantemente em Conceição de Coité as imagens da mulher que circulam nos espaços públicos e no imaginário social seguem essa lógica da produção/consumo, o que pode ser observado nos cartazes publicitários, em outdoors propagandas televisivas etc. No entanto, apesar dos meios de comunicação reforçarem estereótipos mercadológicos, suas potencialidades podem ser utilizadas de formas diferentes, no sentido de desconstruir e reconstruir tais modelos de representação e identificação. Poderiam dar, assim, visibilidade a outras imagens/ identidades femininas dissociadas de interesses capitalistas, procurando evidenciar a imagem da mulher e não de algum produto. Por isso faz-se necessário investir em alternativas de construir novas representações para as identidades femininas, colocando em circulação imagens do sujeito feminino que possibilitem múltiplas codificações e decodificações a fim de confrontar as ideologias do mercado. Visto que, para os meios de comunicação convencionais, este objetivo torna-se inviável por não ser uma demanda mercadológica, as possibilidades de criar estas outras representações são maiores no ambiente acadêmico, artístico, cultural ou nos meios de comunicação educativos, pois, potencialmente, têm maior liberdade de atuação nos contextos sociais. Na construção dessas representações, as mensagens imagéticas da fotografia são elementos importantes de uma narrativa visual que compõe e significa as identificações, pois, através das técnicas de produção fotográfica, são criadas reproduções iconográficas de identidades que servem de subsídio para apropriações e assimilação de identidades nos espaços simbólicos e concretos.
  • 22. 30 2 Imagem e Sociedade Desde os primeiros tempos (período paleolítico) o homem demonstra sua necessidade de deixar vestígios através de imagens. Muito pouco se conhece sobre estes homens que viveram há aproximadamente 30.000 anos atrás, mas sabe-se de sua existência através de pinturas encontradas em cavernas, manifestações essas que reproduzem a vida diária daqueles que as deixaram. Essas pinturas representam o relato mais antigo que se preservou no mundo. As pinturas feitas pelo homem no período paleolítico são caracterizadas como a primeira forma de comunicação do homem com o mundo exterior de que se tem notícia. Através destes desenhos o homem paleolítico criava representações imagéticas de seu cotidiano na intenção de transmitir mensagens. Nas sociedades antigas a relação do homem com a imagem se dava muito em torno da morte. Segundo Debray, “a arte nasce funerária, e renasce apenas sob o aguilhão da morte” (1994, p.22). É na intenção de honrar o morto que o homem aguça sua “imaginação plástica”e esta arte é feita para ser vista pelo morto e não pelos vivos. Um exemplo disto são os verdadeiros tesouros em obras de arte depositadas nas pirâmides que serviam não para apenas ornar, mas tinham a principal função de ajudar o morto a prosseguir suas atividades normais. Logo após o funeral, a entrada da pirâmide era interditada, não permitindo a entrada dos vivos nestes verdadeiros museus. Assim como a música e a dança, a arte/imagem era componente da religião e, para uma religião que se fundava sobre o culto dos antepassados era necessário que o morto sobrevivesse pela imagem. Para os gregos antigos, morrer não era deixar de respirar e sim deixar de ser visto, por isso a importância da recriação da imagem do defunto, pois era através dessa representação2 que ele continuaria vivo. Segundo Bazin (1991), a estátua seria criada na intenção de “salvar o ser pela aparência”. Esta prática de criar um “segundo corpo”, uma representação para o morto, foi muito recorrente na Europa da Idade Média, onde os ritos dedicados aos reis duravam quarenta dias, tempo em que o corpo do soberano deveria permanecer exposto. Visto que a putrefação da carne avançava mais depressa do que a duração materialmente exigida para a exposição, era criada, então, uma efígie do soberano morto, ornada com seus adornos e dotada com as 2 Em linguagem litúrgica “representação” designa “um caixão vazio” sobre o qual se estende uma mortalha para uma cerimônia fúnebre. Já na Idade Média, era a figura moldada e pintada que, nas obséquias representava o defunto.
  • 23. 31 insígnias do poder. Esse ato, segundo Debray (1991), ilustra tanto as virtudes simbólicas quanto as vantagens práticas da imagem primitiva como substituto vivo do morto. A imagem pode ser vista, então, como instrumento de poder, pois através dela um indivíduo se eterniza, já que a imagem resiste, por um longo tempo. A representação torna-se então um privilégio social. Não se pode distribuir levianamente honras visuais porque o retrato individual implica em sérias conseqüências. Em Roma até o baixo império, a exibição em público de retratos é limitada e controlada. Colocava gravemente o jogo de poder. No início, só tiveram direito a efígie os mortos ilustres porque são, por natureza, influentes e poderosos; em seguida, os poderosos ainda vivos e sempre do sexo masculino. Retratos e bustos de mulheres apareceram, em Roma, tardiamente, após os dos homens; assim como o direito a imagem, apanágio dos nobres falecidos, só tardiamente – no fim da era republicana – é que foi reconhecido ao cidadão comum. (DEBRAY, 1991, p. 26) Mesmo no Cristianismo onde, segundo as doutrinas bíblicas, o culto a imagem é considerado pecado a compulsão pela representação do irrepresentável, imagens que até então estavam presentes apenas no imaginário dos fiéis, ganharam representações físicas e surgiu então a arte cristã: os relicários, o oratório, o ex-voto de ouro, o retábulo, o díptico, o afresco e, enfim, o quadro. Passando do amor aos ossos ao amor a arte. Isto acontece pela necessidade de registrar a passagem de santos e mártires pela vida terrestre. Segundo Debrey a imagem surge num momento em que o homem passa por uma fase de encontro do pânico da morte, buscando explicação para os fenômenos da natureza, com o início da técnica de criação da imagem para torná-los imortais (- 30.000 anos). Enquanto o pânico se sobrepõe ao domínio da técnica, o homem deposita suas crenças na magia e a projeta visivelmente sobre os ídolos. No momento em que a técnica começa a levar vantagem sobre o pânico e o homem passa a exercer domínio sobre a natureza e a moldar os materiais do mundo, dominando os procedimentos de figuração, transcende-se a fase do ídolo religioso à imagem de arte. Com isso a arte deixa de ter significação de “culto a morte” e passa a ter valor estético. Foi na Grécia que surgiu o conceito moderno de arte, que com o culto à beleza ideal e à perfeição tentava explicar o mundo através de uma visão racional e não mais através dos sentidos. A arte grega tinha como principal objetivo a representação do corpo humano, exaltando a força física e mostrando uma anatomia bastante desenvolvida. Na Grécia, a arte, por não ter uma função religiosa, pôde evoluir livremente.
  • 24. 32 No Renascimento, os artistas seguem uma linha grega de representação da realidade, submetida a uma beleza irrealista, mas neste momento a pintura se sobressai sobre as outras artes, e juntando-se à arte Gótica, passa a decorar o teto das Igrejas. A partir daí a pintura invade também os palácios e as casas dos nobres através de telas, que inicialmente traziam imagens da natureza. Com o passar do tempo e o aperfeiçoamento da técnica, os pintores passaram a fazer retratos do reis, rainhas e nobres, retratos estes que realçavam a condição de poder do retratado e que ocupava espaços privilegiados nos salões nobres das casas e palácios. “O retrato, pintado, desenhado ou miniaturizado foi, até a difusão da fotografia, um bem restrito, destinado, aliás, a marcar um estatuto social e financeiro” (BARTHES, 2009a, p. 20). Os artistas, na sua maioria, financiados por nobres interessados em arte, perseguiam cada vez mais o domínio da técnica de fazer retratos perfeitos e foi assim que a câmara obscura, desenvolvida pelos astrônomos e físicos para a observação de eclipses solares, tornou-se acessório básico de pintores e desenhistas. Leonardo da Vinci foi um dos gênios da pintura que deixou registrada a utilização da câmara obscura. Entretanto, os artistas não se satisfaziam em pintar a imagem captada através da câmara obscura, eles queriam registrá-la tal qual era refletida, o mais próximo possível do real. Na virada do século XVII para o século XVIII, vários pesquisadores já conseguiam registrar estas imagens, mas todos eles encontravam dificuldades em fixá-las, pois elas não resistiam à luz e ao tempo, desaparecendo logo após a revelação. Várias foram as iniciativas de cientistas em desenvolver um método de fixar as imagens obtidas através da câmara obscura. Porém, segundo Oliveira (2006), a primeira iniciativa bem sucedida de que se tem registro é a do francês Joseph Nicéphore Niépce que, em 1826, teria conseguido gravar imagens em um material recoberto com betume da judeia e em uma segunda etapa com sais de prata. Esta técnica foi batizada por Niépce de heliografia. Foi a pesquisa de seu sócio, Louis Jacqes Mande Daguerre, entretanto, que obteve reconhecimento da academia de Ciências de Paris, em 1839. A técnica desenvolvida por Daguerre consistia em expor na câmara obscura, placas de cobre recobertas com prata polida e sensibilizada com vapor de iodo, que formava uma capa de iodeto sensível à luz. O inglês Willian Fox Talbot reivindicou para si a descoberta, pois ele também gravava imagens através da câmara escura, num método semelhante ao utilizado por Daguerre; a sua técnica foi chamada de talbotipia ou calótipo. Outro a reivindicar o invento foi Hippolyte Bayrde, responsável pela primeira montagem fotográfica da história, em 1840.
  • 25. 33 No Brasil, o francês radicado Antoine Hercule Romuald Florence, também pesquisou, entre 1832 e 1839, com a ajuda do botânico Côrrea de Melo, uma maneira de impressão, sensibilizada pela luz do sol e sais de prata, método parecido com o utilizado por Daguerre. Utilizando inclusive a palavra fotografia desde 1932, muito antes que na Europa, onde a expressão passou a ser utilizada a partir de 1840. No entanto Florence e Côrrea de Melo só tiveram suas pesquisas reconhecidas recentemente, através do trabalho de pesquisa de Kossoy. Após sua descoberta, a fotografia despertou o interesse das pessoas. Tornou-se uma atividade em franca expansão e rapidamente tomou conta do mundo. O fascínio das pessoas pela fotografia se deu pelo fato de que ela dava ao homem uma visão “real” do mundo. “A fotografia proporciona uma representação precisa e fiel da realidade, retirando da imagem a hipoteca da subjetividade; a imagem, além de ser nítida e detalhada, forma-se rapidamente; o procedimento é simples causando ampla difusão” (FABRIS, 2008, p.13). Para Barthes (2009b) este é o noema3 da fotografia, provar a existência de algo que no momento não existe mais, mas que foi, mas que existiu; é o registro do momento que não acontecerá mais. A fotografia ganha espaço por representar o real, e não resultar da subjetividade de um criador. Segundo Fabris (2008) foram três os momentos fundamentais para o aperfeiçoamento dos processos fotográficos. O primeiro momento estende-se de 1839 aos anos 50, quando o interesse pela fotografia era restrito a um pequeno número de amadores que podiam pagar os altos preços exigidos pelos artistas fotógrafos. O segundo momento corresponde à invenção do “cartão de visita fotográfico” por Disdéri em 1854, que barateia o produto e coloca ao alcance de muitos, o que até aquele momento fora privilégio de poucos. Por volta de 1889, tem início a terceira etapa, quando a fotografia torna-se prevalentemente comercial, sem deixar de lado sua pretensão artística. São esses três momentos que levam à invenção da primeira câmera portátil, em 1888, por George Eastman. Com a Kodak de Eastman, que era uma câmera bem mais leve, de baixo custo e simples de operar, a fotografia tornou-se bem mais popular. Com a popularização da fotografia e seu distanciamento da esfera do unicum, ela deixa de ser vista como demonstração de poder e se abre a novas possibilidades, como a ilustração de jornais e revistas. Transformada em instrumento de propaganda, a fotografia passa a ser 3 O noema da fotografia é descrito por Barthes como isto foi provando a existência de algo que aconteceu. Assim ele coloca que o noema é a essência da fotografia. (BARTHES, 2009b, p.87)
  • 26. 34 usada nas reportagens militares, ilustrando as reportagens de guerras e sendo utilizadas como forma de registro policial. No fim do século XX, a fotografia se aproxima da vida pública e comum. Com a criação das câmeras digitais, as imagens fotográficas passam a ser cada vez mais comuns na sociedade, pois esta possibilitou que os processos de aquisição das fotografias se tornassem cada vez mais baratos, facilitando e acelerando o processo de produção, armazenamento e transmissão dessas imagens pelo mundo. A fotografia digital é responsável por essa chamada Civilização de Imagens (AUMONT, 1993), onde tudo é registrado e disponibilizado praticamente em tempo real através da internet, ou mesmo dos telefones celulares. Se desde as civilizações mais remotas a imagem já mostrava sua importância, nos dias atuais ela é indispensável para as novas culturas, já que é cada vez mais utilizada na transmissão de ideias através da publicidade e da propaganda, chegando aos lugares mais distantes e remotos, exercendo grande influência sobre as sociedades locais, chegando a influenciar mudanças de hábitos, costumes e comportamentos. Nesse sentido, correlacionamos esse contexto à ideia de transfiguração utilizada por Santaella, em que a imagem fotográfica transforma o objeto fotografado, tornado-o singular ao revelar aspectos de sua realidade que não estão visíveis a não ser pela fotografia, ou seja, a foto torna-se complemento inseparável da realidade que modifica, num processo dialético, a sua apreensão. Pois “do mesmo modo que as fotografias alteram nossa apreensão da realidade, essa apreensão alterada cria novos modos de produzir e interpretar as próprias fotos” (SANTAELLA, 2008. p. 127). 2.1 Implicações sociais da Imagem fotográfica A representação da realidade pela imagem fotográfica, compreendida como construção social, cria, na sociedade, diferentes formas de percepção e de relação com a realidade histórica, visto que cada cultura desenvolve mecanismos próprios de apropriação tanto da fotografia quanto dos seus processos de produção.
  • 27. 35 O modo como são construídas essas representações e o uso que se faz das imagens fotográficas alimentam o imaginário social, definem os mecanismos de interpretação e de produção de sentido. Nesse contexto, as imagens criadas pela fotografia são utilizadas como mensagem em diversos processos comunicacionais, que englobam tanto práticas familiares de guardar fotos como recordações; quanto às práticas mercadológicas de propaganda política e publicidade. Essas práticas permeiam a vida cotidiana dos indivíduos, alterando suas experiências socioculturais. Os fluxos de informação visual sustentados pelas imagens fotográficas modificam não só os espaços simbólicos, mas também os espaços físicos, pois estamos rodeados de fotografias, sejam em outdoors, cartazes, revistas, jornais, embalagens etc., e essas fotos, apesar de suas multiplicidades de informação, são pensadas e idealizadas por seus criadores seguindo objetivos distintos. Num sentido em que a A fotografia não apenas reproduz o real, recicla-o ― um procedimento fundamental numa sociedade moderna. Na forma de imagens fotográficas, coisas e fatos recebem novos significados, que ultrapassam as distinções entre o belo e o feio, o verdadeiro e o falso, o útil e o inútil, bom gosto e mau gosto (SONTAG, 2004, p. 191). Assim, na sociedade contemporânea é atribuída à fotografia várias possibilidades de usos e funções, sendo apropriadas por várias áreas do conhecimento que a utiliza como fonte de informação ou de disseminação de conteúdo, ampliando e criando novas experiências visuais que induzem o ser humano a aumentar sua capacidade cognitiva que, por sua vez, está mais associada ao visual. O mundo hoje está condicionado, irresistivelmente, a visualizar. A imagem quase substituiu a palavra como meio de comunicação. Tablóides, filmes educativos e documentais, películas de massa, revistas e televisão rodeiam-nos. Parece até que a existência da palavra está ameaçada. A imagem é um dos principais meios de interpretação, e sua importância está se tornando cada vez maior (ABBOTT, 1980. apud FABRIS, 2007, p. 01, grifo do autor). A fotografia dentro desse contexto tem a capacidade de criar simulacros nos quais os objetos, as pessoas e os acontecimentos são revestidos de um realismo com poder testemunhal de representação do real, sendo que a concretude material e simbólica da foto perpassa por
  • 28. 36 toda problemática do ato fotográfico, a qual envolve o processo de construção da imagem, a subjetividade do fotógrafo e a objetividade técnica da câmera fotográfica. A imagem resultante desse processo é a fixação de um modo de ver que ganha status de testemunho, sendo a materialização de algo que aconteceu. Nesse sentido, a sociedade ao longo do tempo atribuiu a esse registro imagético um poder peculiar de (re) apresentação do real em que A fotografia parece estar imune a todo tipo de desconfiança quando transita pelo imaginário social, tanto que há imagens que se tornaram símbolos de um determinado momento, enfeixando em si um conjunto de valores não apenas visuais, mas também éticos e estéticos. (FABRIS, 2007. p.4) Contudo, o fotógrafo dispõe de várias técnicas para capturar essas imagens, construindo representações a partir de regras de composição e de enquadramentos a fim de atender a determinados objetivos que podem ser profissionais e/ou pessoais. As imagens são assim estruturadas por uma idealização pré-concebida. No contexto da propaganda política, as fotografias ajudam os meios de comunicação a criar ideologicamente a imagem de uma figura pública, apresentando fotografias de fatos selecionados de sua vida e de seu cotidiano em diferentes espaços (públicos e privados), ou seja, constrói a imagem social de determinado indivíduo usando elementos escolhidos de acordo com os objetivos pretendidos Na publicidade, as imagens fotográficas são usadas em campanhas com a finalidade de disseminar conceitos e ideias; procurando a partir de uma concepção estética transmitir valores morais e éticos, como acontece nas campanhas contra a fome que mostram imagens com alto poder de sensibilização capaz de desestabilizar e mobilizar a consciência humana. As experiências fotográficas, no contexto bélico, são referências importantes para pensar e problematizar esse poder de desestabilização e mobilização atribuído a essas imagens, pois o impacto social provocado por determinadas fotografias devem ser considerado, porque muitas delas chegam a ser compreendidas como marco histórico que representam tais acontecimentos. As possibilidades e potencialidade de representação da fotografia são exploradas pela sociedade moderna, a qual se pauta em uma cultura baseada em imagens numa lógica capitalista de produção e consumo que substitui a experiência direta dos indivíduos com mundo por uma relação mediada pelas imagens fotográficas. Nessa conjuntura,
  • 29. 37 As imagens (...) têm poderes excepcionais para determinar nossas necessidades em relação à realidade e são, elas mesmas, cobiçados substitutos da experiência em primeira mão se tornam indispensáveis para a saúde da economia, para a estabilização do corpo social e para a busca da felicidade privada. (SONTAG, 2004. p. 170) Assim, nossa relação com a realidade está cada vez mais associada a imagens, numa perspectiva em que o consumo imagético está reconfigurando não só nossa visão do mundo como também nossa própria existência nele, pois “ao saber muito do que se passa no mundo (arte, catástrofes, belezas da natureza) por meio de imagens fotográficas, as pessoas não raro se frustram, se surpreendem, se sentem indiferentes quando vêem a coisa real” (idem p.184). Essa relação conflituosa entre a realidade e sua representação pela fotografia colocada por Sontag serve para problematizar as informações visuais disponíveis nas imagens fotográficas e para refletir sobre como são construídas suas significações, pois com base na interpretação das imagens as pessoas são capazes de adquirir conhecimento e desenvolver uma reflexão crítica sobre determinado acontecimento ou assunto. Vista como uma mensagem visual, a fotografia compõe práticas comunicacionais que transfiguram o papel do sujeito em relação as suas formas de interação com as tecnologias fotográficas, que no seu aspecto mais amplo, compreende tanto os dispositivos de produção quanto os de divulgação e recepção das imagens fotográficas. 2.2 Representação fotográfica: formas de percepção, criação e interpretação da realidade. A fotografia é classificada como um produto cultural, resultado de um processo social indissociável de seu contexto histórico, bem como de seus conflitos e negociações, por isso, para compreender uma determinada fotografia é necessário compreender anteriormente os mecanismos de produção e de criação dessas imagens. Para que exista, a fotografia depende de alguns elementos constitutivos, que são, segundo Kossoy (2000), o assunto, objeto de registro, a tecnologia, que viabiliza tecnicamente o registro e o fotógrafo, que motivado por razões pessoais ou profissionais a idealiza e elabora através de um processo de concepções culturais/estéticas/técnicas, as quais configuram a expressão fotográfica.
  • 30. 38 Para Kossoy, além dos elementos constitutivos, há ainda as coordenadas de situação que são o espaço e o tempo implícito no documento, já que a fotografia é a representação de uma realidade em um determinado lugar, num determinado espaço de tempo. São estes componentes que tornam a fotografia materialmente existente no mundo. No entanto, essas fotografias delimitam a verdade histórica daquilo que (re) apresenta. Há implícito na sua materialização realidades que despertam múltiplas interpretações, que contém uma abrangência multidisciplinar fazendo com que estas imagens não se esgotem em si mesmas. Toda imagem fotográfica traz duas realidades nela implícitas. A primeira realidade é a do instante em que a imagem é gerada no material fotossensível. No momento em que a imagem é registrada ela já é parte de outra realidade, a realidade do assunto representado, é a realidade do documento, contida nos limites bidimensionais da imagem fotográfica e é sobre esta segunda realidade que o receptor da imagem irá fazer sua leitura. A realidade da fotografia não corresponde (necessariamente) a verdade histórica, apenas ao registro da aparência... A realidade da fotografia reside nas múltiplas interpretações, nas diferentes “leituras” que cada receptor dela faz num dado momento (KOSSOY, 2000, p. 38, grifo do autor). Nesse sentido, a complexidade das representações da realidade pela fotografia resulta da relação conflituosa entre os elementos históricos, sociais, econômicos, políticos e culturais que envolvem tanto os processos de construção/criação do fotógrafo, quanto os processos de preparação/interpretação de cada receptor. Segundo Kossoy, esses processos podem ser resumidos em duas vertentes: - processos de construção da representação, isto é, a produção da obra fotográfica propriamente dita, por parte do fotografo; - processo de construção da interpretação, isto é, a recepção da obra fotográfica por parte dos diferentes receptores, suas diferentes leituras em precisos momentos da história (KOSSOY, 2000, p.41). No entanto é importante ter em mente que o processo de construção da representação fotográfica passa inicialmente pelo filtro cultural do fotógrafo, que, de acordo com sua visão particular de mundo, seleciona o tema, os personagens, os ambientes e os enquadramentos, na intenção de imprimir na fotografia seus sentimentos e suas concepções sociais, culturais e artísticas. Neste processo, é válido dizer, que “a construção do signo da fotografia passa,
  • 31. 39 portanto, pelas escolhas valorativas do sujeito enunciador da imagem, o fotógrafo” (TACCA, 2005, p. 13). É por este motivo que a fotografia não deve ser tomada como espelho do real, pois ao mesmo tempo em que ela retrata uma coisa que realmente aconteceu, ela é um fragmento de um todo visto sob determinado ângulo e através de determinada concepção ideológica. Com isso a fotografia resulta em “um processo estético-documental que parte do real enquanto matéria prima visível, mas que é elaborada ao longo da produção fotográfica em conformidade com a visão de mundo de seu autor” (KOSSOY, 2000, p. 76). Portanto, as imagens fotográficas não podem ser compreendidas isoladamente de seus processos e contextos de produção, já que estes criam e sobrepõem significados não só no momento de sua criação, mas também nos diversos momentos de recepção/interpretação. Sendo que o processo de construção da interpretação também envolve conflitos e negociações, pois os contextos sociais, culturais, econômico e políticos em que estas imagens são recepcionadas são distintos a cada sociedade/indivíduo, os quais desenvolvem maneiras próprias de ler as imagens e de se apropriar de suas representações. A construção da interpretação Se funda na evidência fotográfica e que é elaborado no imaginário dos receptores, em conformidade com seus repertórios pessoais, culturais, seus conhecimentos, suas concepções ideológicas/estéticas, suas convicções morais, éticas, religiosas, seus interesses econômicos, profissionais, seus mitos (KOSSOY, 2000, p. 44). Compreende-se, a partir dessa colocação de Kossoy, que vários elementos interferem na decodificação da mensagem fotográfica, e que esta decodificação tem uma natureza polissêmica e imprevisível, pois os estímulos perceptivos e emocionais destas imagens são subjetivos, provocando comportamentos distintos. Essas imagens, entretanto, uma vez assimiladas em nossas mentes, deixam de ser estáticas; tornam-se dinâmicas e fluidas e mesclam-se ao que somos, pensamos e fazemos. Nosso imaginário reage diante das imagens visuais, de acordo com nossas concepções de vida, situação econômica, ideologia, conceitos e pré-conceitos (KOSSOY, 2000, p. 45). A ressignificação das imagens fotográficas em contextos especiais e temporais diferentes de sua criação alimenta a dinamicidade de sua representação e reconfigura suas
  • 32. 40 interpretações. Um exemplo disso é que as fotografias do período escravocrata no Brasil têm significações diferentes na sociedade contemporânea. No entanto, segundo Barthes (2009b), a fotografia tem duas possibilidades de interpretação. Seriam eles o studium e o puctum. O studium seria a imagem codificada pelo fotógrafo, a cena dada a ver no espaço bidimensional da fotografia. Já o puctum seria apenas uma parte do todo que modificaria o studium. O puctum não pode ser codificado na fotografia, pois é a exploração pessoal e subjetiva determinada pelos conhecimentos socioculturais de cada sujeito. Para Barthes, sem esta subjetividade, a fotografia não existiria. A significação da fotografia é indissociável de sua enunciação e recepção. São vários os fatores que compõem o processo de significação da fotografia, o fotógrafo, o dispositivo técnico, a cena e seus atores e, por fim, o espectador. Em cada situação ou em cada momento particular de uma leitura, um destes elementos poderá se sobrepor a outro modificando o significado da fotografia. Seria o puctum quebrando o studium. Nesse sentido, a obra fotográfica apesar de seu planejamento e estruturação é imprevisível em relação a como será interpretada e que aspecto despertará a atenção de cada indivíduo, pois muitas fotos “que em si mesmas” não se podem explicar, são convites investigáveis à dedução, à especulação e à fantasia. Assim, não podemos dizer com objetividade o que está representado nas imagens fotográficas das mulheres no ensaio fotográfico proposto, pois a subjetividade que permeia a existência concreta da fotografia convida cada olhar lançado sobre ela a revelar um puctun diferente. De modo que provoca, até mesmo no processo de produção dessas fotografias, uma constante ressignificação das representações identitárias criadas para as personagens escolhidas, pois, enquanto produtoras, temos que refletir continuadamente sobre o quê colocar no enquadramento e como será feita a composição da cena das fotografias. Nessa perspectiva, as imagens fotográficas criam possibilidades de trocas de percepções e recepções de mundos diferentes, visto que a fotografia impressa não se restringe a reprodução material daquilo que foi captado por uma câmera, mas permite confluência de significações e desdobramentos.
  • 33. 41 3 Registros Fotográficos 3.1 Pré-produção Com o objetivo de evidenciar mulheres coitenenses atuantes socialmente, inicialmente, para concretização desse trabalho, fizemos algumas pesquisas exploratórias e selecionamos as mulheres por meio de amostragem por tipificidade, a qual, segundo Marconi e Lakatos (1990), considera um grupo ou subgrupo de pessoas com características similares, formando um objeto de pesquisa restrito às situações e peculiaridades que são destacadas pelo pesquisador. Nesse caso, o levantamento de dados é realizado por meio de tópicos de interesse referentes à proposta e objetivo da pesquisa. Com essa técnica, definimos alguns critérios que sejam comuns e outros híbridos, colocando como eixo principal o gênero feminino e a atuação social, mas buscando diversidades como cor, idade, esfera de atuação, escolaridade etc. A partir deste levantamento, listamos seis mulheres, procurando contemplar características diferentes entre as personalidades de cada mulher, analisando aspectos como a dimensão de suas atuações e os tipos de trabalho que desenvolvem. No segundo momento, entramos em contato com as mulheres pré-selecionadas. Foram elas, Gilca da Silva Carneiro Morais, Daniele Lopes Ferreira, Clélia Maria Silva Gonçalves, Maria Eugênia Carvalho de Lima Carneiro, Juçara Oliveira Silveira e Arcanja. No entanto, ao procurar Arcanja (Babalorixá e dona do terreiro de candomblé mais importante do município), ela não se dispôs a participar do trabalho. Com isso incluímos Vilmara Maria Silva, outra personalidade do município. Considerando a história de vida dessas mulheres, escolhemos Gilca por estar engajada no Sindicato dos Trabalhadores Rurais e da Agricultura Familiar (SINTRAF) e ocupar a presidência do Conselho de Desenvolvimento do Território do Sisal (CODES-Sisal), além de atuar na militância de movimentos feministas como o Coletivo de Mulheres do Sindicato. Daniele foi escolhida por ser uma jovem militante de movimentos sociais que luta, em várias vertentes, pela transformação social, como a busca pelo empoderamento do sujeito feminino e no combate à violência contra a mulher, através do Núcleo de Mulheres do grupo Revolution Reggae, que atua contra o preconceito racial, a discriminação e pela diminuição das desigualdades sociais. Juçara foi uma das escolhidas por sua atuação individual, pois, para além de estar envolvida com um grupo religioso (Pastoral da AIDS) e ser filiada ao Partido dos
  • 34. 42 Trabalhadores, desenvolve trabalhos voluntários que ajudam e apoiam pessoas carentes. Outro trabalho importante que ela desenvolve é a intermediação entre as partes envolvidas na adoção de crianças. Maria Eugênia (Geninha) foi selecionada pela sua atuação no contexto político de Conceição do Coité, tendo exercido dois mandatos como vereadora e, atualmente, exerce a função de coordenadora da Secretaria Especial de Política para as Mulheres, a qual dá assistência às mulheres do município, principalmente no que se refere às questões de violência. Clélia, a empresária de maior destaque na economia do município, foi selecionada por ter o potencial de incentivar, através dos empregos gerados (cerca de 80 empregos diretos e indiretos) em suas empresas, a transformação social na vida de seus funcionários e de seus familiares. Vilmara foi escolhida por ser a mulher pioneira na área da comunicação do município, tendo 19 anos como radialista, fazendo locução e apresentação. Atua em emissoras comercias, apresentando principalmente programas jornalísticos e voltados para o público feminino, sendo a radialista com maior audiência no seu horário de programação. Numa terceira etapa, realizamos entrevistas orais semiestruturadas4, procurando compreender melhor cada uma das personagens e obter informações para estruturar e embasar melhor nossa pesquisa. Através de seus discursos, essas mulheres revelaram aspectos importantes para compreendermos suas personalidades e sua visão de mundo, além de nos dar dados imprescindíveis para a construção dos perfis fotográficos a serem realizados posteriormente. As entrevistas foram realizadas no dia 08 de junho de 2011 com Gilca, na sede do Sindicato dos Trabalhadores Rurais e da Agricultura Familiar de Conceição do Coité, por volta das 14 horas e, na mesma tarde, com Juçara em sua residência às 16hs. No dia 09 de junho de 2011, pela manhã, entrevistamos Clélia na sua loja (Silva&Rios), e, pela tarde, Daniele na sede do Centro Popular de Educação, Cultura e Cidadania e Vilmara na residência de seus pais. No dia 15 de junho, finalizamos essa atividade com a entrevista de Geninha no Centro Cultural Ana Rios de Araújo. 4 Técnica de levantamento de dados que utiliza perguntas abertas e fechadas. O entrevistador dispõe de questionário previamente definido, mas no momento em que achar oportuno pode fazer interferências com perguntas adicionais.
  • 35. 43 3.1.1 Proposta do Ensaio Na realização das fotografias procuraremos registrar aspectos peculiares das personagens escolhidas, criando representações de suas múltiplas identidades, com objetivo de mostrar a sociedade, principalmente a coiteense, contexto onde estamos inseridas, algumas mulheres símbolo de transformação social, que, com suas ações cotidianas, transformaram sua realidade e reconfiguraram o cenário público da cidade, pois essas mulheres tem sido reconhecidas pelos trabalhos que desenvolvem, seja no campo religioso, político, social ou profissional. Para obter essas fotografias faremos um trabalho itinerante, acompanhando cada mulher em momentos e ambientes diferentes, buscando mostrar através das fotos as diversas atividades que desenvolvem, explorando na composição das imagens a naturalidade de cada uma nos respectivos ambientes e espaços de atuação. Traçaremos assim o perfil de cada mulher, por isso a necessidade de realizar várias sessões. Por essa intenção de mostrar as mulheres em seus cotidianos e ambientes usaremos nas fotografias: planos gerais para contextualizar o ambiente; planos médios para mostrar a interação do sujeito com o ambiente e alguns planos detalhes para evidenciar algumas características marcantes. 3.1.2 Equipe O trabalho foi desenvolvido por Michele Oliveira Nascimento e Jacimar Oliveira Almeida. Tendo o envolvimento das duas em todas as etapas do processo, o qual envolve a pré-produção, produção e pós-produção. 3.1.3 Perfis Com os discursos relatados em entrevistas orais, utilizamos a fala das próprias mulheres para descrever suas personalidades, na perspectiva de construir uma narrativa em que elas falam delas para nós, por isso as informações contidas em cada perfil fazem parte de sua fala e nas citações usamos trechos transcritos de sua entrevista.
  • 36. 44 GILCA DA SILVA CARNEIRO MORAIS5 Ser mulher é ser uma Maria-sem-vergonha, mas uma Maria-sem-vergonha de dizer o que eu quero o que é bom para a minha vida, o que é que a gente pretende construir nesse mundo e nessa sociedade nossa. É assim que Gilca da Silva Carneiro Morais, 39anos, que se considera negra, mesmo tendo a pele branca, casada, mãe de três filhos e prestes a se tornar avó, define o que é ser mulher na sociedade contemporânea. Vinda da roça, e tendo como campo profissional a agricultura familiar, Gilca está cursando de Serviço Social pelo Centro Universitário Leonardo da Vinci (UNIASSELVI). Ela se destaca na sociedade coiteense por sua atuação no Sindicato dos Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais e Agricultura Familiar de Conceição do Coité (SINTRAF), estando à frente da secretaria geral do sindicato e também na coordenação da Secretaria de Políticas para Mulheres da Fundação da Agricultura Familiar do Território do Sisal (FATRES), este composto de 16 sindicatos do Território. Na Secretaria de Políticas para mulheres da FATRES, Gilca, juntamente com outras mulheres, desenvolve um trabalho de fazer despertar através de reuniões, palestras e oficinas o espírito de empoderamento nas mulheres do Território do Sisal. O objetivo é que estas mulheres, através do que ouviram nas oficinas ou palestras, possam criar uma consciência crítica de seu papel na sociedade e possam, a partir daí, se organizar em torno de associações ou coletivos para conseguirem trazer melhorias para as suas vidas e para a vida de sua comunidade. Segundo Gilca, A gente sabe que a gente não conscientiza ninguém, agente tá apto a sensibilizar alguém a formar uma consciência diferente do seu cotidiano, né, e que muitos traçam uma consciência que aqui pra gente ta errada, mas têm outros que traçam uma consciência de progresso, uma consciência de desenvolvimento, de contribuir com o desenvolvimento social. Além destes dois importantes movimentos, Gilca está ainda na coordenação do Conselho Regional de Desenvolvimento Rural Sustentável do Território do Sisal (CODES- Sisal), que, para ela, é o território de identidade mais importante da Bahia, senão do Brasil. É, 5 Em entrevista oral, concedida a Jacimar Oliveira Almeida e Michele Oliveira Nascimento, no dia 08 de junho de 2011.
  • 37. 45 nas reuniões do CODES, que são discutidas as prioridades e necessidades para o desenvolvimento rural sustentável de todas as cidades do Território do Sisal. Segundo Gilca, a situação da mulher na sociedade tem melhorado bastante, porém ainda existe muito machismo mascarado, até mesmo dentro dos movimentos sociais onde se luta pela igualdade. Para ela, a mudança que está acontecendo hoje não se dá pela conscientização de que todos são iguais, e sim “porque tá na moda, tá na moda dizer que a mulher é capaz, então as mulheres estão se aproveitando disso para realmente comprovar na íntegra que nós realmente somos capazes”. Gilca considera que ser mulher é assumir diversos papéis e funções a depender da necessidade: Então é ela ser mãe, é ela ser tia, é ela ser avó, é ela ser amiga, é ser psicóloga, é ser assistente social, é ser ativista, é ser agricultora. É ser tudo e esse tudo que a mulher tem que ser é para todos nunca é para ela. A mulher sempre pensa no outro, no outro e no outro para depois pensar nela. Então é uma roda que ta sempre sendo lubrificada e sempre sendo encorajada para enfrentar os desafios e os obstáculos diversos. JUÇARA SILVEIRA OLIVEIRA6 Pode ser que tenha sofrido algum tipo de preconceito, mas eu talvez, sempre tentei camuflar esta situação e transformar ela a meu favor. Uma dificuldade que eu tenha tido pelo tamanho, pela fraqueza, pela própria sexologia, eu transformo isso numa maneira de conquistar que a outra pessoa faça sem estar qualificando de por ser mulher, mas por ser pessoa, para as carências serem atendidas. É o que afirma Juçara Silveira Oliveira, 52 anos, amarela, viúva, seis filhos, sendo dois adotados. Juçara é formada em Letras pela Universidade do Estado da Bahia e, hoje, cursa o último semestre de Comunicação Social, também pela UNEB. Bancária aposentada, hoje ela divide seu tempo entre a família, a Universidade e os trabalhos sociais que já desenvolve há muitos anos. Viúva a dois anos, Juçara visita o túmulo do seu esposo todos os dias, mantendo uma relação de dedicação e respeito a sua memória. É filiada do Partido dos Trabalhadores (PT) e participa das pastorais da Igreja Católica, Pastoral da Família e Pastoral da AIDS, além de ser também associada ao Centro de Promoção da Educação Cultura e Cidadania (CPECC), “tenho uma pontinha em cada lugar”, 6 Em entrevista oral, concedida a Jacimar Oliveira Almeida e Michele Oliveira Nascimento, no dia 08 de junho de 2011.
  • 38. 46 diz ela. Para Juçara, seus trabalhos nesses grupos ficam mais na parte de conscientizar as pessoas a colocarem em prática aquilo que dizem Para não ficar uma coisa demagógica, principalmente na parte da fé, na parte da religião ou então na parte política, na parte da ética. Para nestes casos a gente não ter um discurso demagogo, então sempre estar coerente a prática com o discurso. Apesar de sua atuação nos diversos grupos em que participa, Juçara se destaca mesmo é no desempenho de suas ações individuais, ações que ela desenvolve sem o auxílio de nenhuma instituição, como por exemplo, o acompanhamento de pessoas doentes, viabilizando, quando possível, tratamento, e a intermediação entre as partes envolvidas nas adoções de crianças. Para Juçara, hoje a mulher já é tratada com muito mais dignidade e respeito Nós mulheres estamos com uma vantagem muito grande. Primeiro por que nós temos uma representante federal, que é uma mulher, nós temos em vários segmentos empresariais, na educação, na saúde, em todos os campos nós temos mulher em cargos e funções de direção... Então eu acho que hoje não é tão difícil se colocar como mulher em nenhum espaço e a gente tá ganhando autonomia, estamos conquistando autonomia. MARIA EUGÊNIA CARVALHO DE LIMA CARNEIRO7 Eu acredito que meu trabalho provoca modificações na sociedade, pois é o primeiro passo para que as outras mulheres percebam através do exemplo que é possível entrar na luta, e que, é como se fosse um trabalho de formiguinha, então o nosso trabalho tem um peso de formiguinha: alcança alguém hoje, alcança outro amanhã e vai alcançando até dar continuidade ao processo histórico que as mulheres já vêm, há muitos anos lutando por igualdade de direitos. Maria Eugênia Carvalho de Lima Carneiro, negra, 46 anos, é casada, mãe de três filhos, e professora formada no curso de Letras da UNEB. É especialista em gestões pedagógicas e literatura portuguesa e infantojuvenil e também aluna do Curso de Serviço Social. Geninha, como é chamada Mª Eugênia, é membro da Igreja Assembléia de Deus e faz parte de diversos movimentos sociais. Exerceu a função de vereadora por dois mandatos, desenvolvendo projetos importantes para a população coiteense. 7 Em entrevista oral, concedida a Jacimar Oliveira Almeida e Michele Oliveira Nascimento, no dia 15 de junho de 2011.
  • 39. 47 Hoje, Geninha se encontra na coordenação da Secretaria de Políticas Públicas para Mulheres de Conceição do Coité, onde desenvolve um trabalho de acompanhamento de mulheres em situação de risco, dando-lhes apoio psicológico e médico, além de desenvolver oficinas e eventos que promovam a valorização e a conscientização da mulher sobre seu papel na sociedade. Recentemente eu li algo que me chamou bastante atenção, que diz assim: que eu não resolvo problemas, então nem sempre a gente não vai resolver, a gente vai oferecer possibilidades para que as mulheres, elas mesmas se encontrem e reconheçam enquanto mulheres, o papel importante que elas têm na sociedade para que a partir daí, juntas, venhamos construir uma sociedade igual. Geninha já foi alvo de muitos preconceitos (políticos, religiosos e raciais), não apenas por ser mulher, mas hoje acredita que o preconceito contra a mulher já diminuiu muito, embora haja muito o que melhorar. Para ela, o preconceito é uma coisa que está infiltrada na sociedade, que não ocorre somente da parte dos homens para as mulheres. Mulheres e homens foram afetados pelo machismo, e muitas vezes tem mulheres que não acreditam nelas mesmas. Claro que isso não faz com que eu desista isso me dá é uma motivação de compreender que estas mulheres foram contaminadas como eu fui como outras mulheres foram. Mas a gente vem num processo de desconstrução é a chamada pedagogia do desmonte, é desmontar para depois montar, e ai agora agente conseguir mudar uma parte dessa geração atual para prevenir a geração futura. CLÉLIA MARIA SILVA GONÇALVES8 A mulher ocupa muito mais espaços que o homem [...] é gratificante ser mulher, e mulher corajosa. Clélia Maria Silva Gonçalves é uma empresária de grande porte no contexto de Conceição do Coité, pois emprega (direta e indiretamente) aproximadamente oitenta pessoas em suas lojas. Aos 51 anos, casada e com dois filhos, atua não só como empresária, mas também como evangelizadora no grupo do Gideões Internacionais, no qual faz trabalhos voluntários. 8 Em entrevista oral, concedida a Jacimar Oliveira Almeida e Michele Oliveira Nascimento, no dia 09 de junho de 2011.
  • 40. 48 Atualmente, como vice-presidente desse grupo, ela realiza semanalmente em sua casa reuniões para evangelizar e ajudar, através de orações, pessoas com depressão e outras enfermidades. Ela também recebe na loja essas pessoas que estão precisando de ajuda. Pouca gente tem tempo pra ouvir, acha que porque é empresário, empresária, pouco ouve alguém, [...] mas quando chega uma pessoa precisando de uma ajuda eu paro tudo que estou fazendo e vou dar atenção àquela pessoa, e quem entra chorando sai sorrindo de minha sala. Em seu discurso, durante a entrevista, Clélia afirma que é possível conciliar tarefas distintas, e coloca isso como uma capacidade atribuída às mulheres, as quais hoje, segundo ela, ocupam vários espaços, pois “a mulher tem que ser mãe, tem que ser esposa, tem que ser dona de casa, tem que ser empresária, ou professora; seja a profissão que for, ela tem que assumir todas as funções”. No entanto, ela coloca que nem sempre foi assim, que antes as pessoas viam a mulher como sem prestígio e que pelo simples fato de ser mulher já era desacreditada pela sociedade, mas afirma que “a mulher hoje tem seu espaço, eu acho que a mulher hoje pode fazer tudo que os homens fazem, depende só de coragem, de ser dinâmica”. VILMARA MARIA SILVA9 Hoje a mulher pode ser aquilo que ela deseja. A gente tem muito mais potencial que muitos homens juntos. Vilmara Maria Silva é uma radialista pioneira em Conceição do Coité. Com DRT em locução e apresentação, atua na área da comunicação há 19 anos. Por gostar do que faz, ela estende sua profissão para outras atividades voluntárias que desenvolve como sua participação na Pastoral da AIDS, na qual faz suporte e assessoria de comunicação. Usando o vínculo com a emissora, Vilmara faz a divulgação das atividades e das campanhas realizadas pela Pastoral para adquirir recursos e parcerias para acompanhamento de pessoas com vírus HIV. “O bom do rádio é que você não ajuda sozinho não, tem sempre uma segunda pessoa que sempre ajuda; então eu acho ótimo, gosto muito de fazer esse tipo de trabalho”. 9 Em entrevista oral, concedida a Jacimar Oliveira Almeida e Michele Oliveira Nascimento, no dia 15 de junho de 2011.
  • 41. 49 Atualmente com 39 anos, separada e com uma filha de 11 anos, Vilmara diz ter enfrentado muitas dificuldades e preconceitos, principalmente na sua profissão, por causa de “alguns colegas que se incomodam um pouco pelo fato de ser mulher”, mas que, hoje, não enfrenta muitas dificuldades por conta do reconhecimento e credibilidade que conquistou. No entanto ela coloca que as mulheres tem uma luta constante contra os preconceitos, mas que agora temos mais potencial para contornar essas situações. Ela afirma que a mulher sofria porque não sabia se defender, porém hoje até as próprias leis facilitam a defesa dessas mulheres. Nessa perspectiva, Vilmara enxerga esse fato como um potencial de oportunidades que as mulheres devem aproveitar, pois “a mulher conseguiu conquistar muitos espaços na sociedade, assim como também conseguiu conquistar reconhecimento pelas atividades que desenvolve”. DANIELA LOPES FERREIRA10 eu sou ousada mesmo, porque se não companheiro não tem espaço pra gente, tem que ser ousada mesmo, se você pode, eu também posso, meu negócio é igualdade, se você quer, eu também quero. Daniela Lopes Ferreira é uma ativista social de 27 anos que se destaca na militância de vários movimentos sociais, não exerce nenhuma profissão definida. E cursará História pela Universidade do Estado da Bahia no Campus XIV. Atualmente é sócia do Centro de Promoção a Educação, Cultura e Cidadania (CPECC) e coordena o ponto de cultura Conhecendo a Cultura Popular da Região Sisaleira: encontros, encantos e diversidades, por meio do qual desenvolve vários projetos com objetivo de mapear e registrar todas as manifestações culturais existentes no município. Como ativista social destaca-se sua atuação no grupo Revolution Reggae, uma associação de bairro localizada na comunidade periférica do município, o qual luta contra as desigualdades sociais e a discriminação racial, espaço em que Daniela começou seu engajamento nas questões sociais. Dentro desse grupo Daniela coordenou o Núcleo de Mulheres do Revolution Reggae que fomentava a discussão e o debate sobre o empoderamento do sujeito feminino, 10 Em entrevista oral concedida a Jacimar Oliveira Almeida e Michele Oliveira Nascimento, no dia 15 de junho de 2011.
  • 42. 50 incentivando as mulheres a defender seus direitos. Durante sua coordenação o núcleo realizou várias campanhas de combate à violência contra a mulher. O CPECC trabalha com questões ambientais (reciclagem), culturais, educacionais e de cidadania, assim Daniela desenvolve atividades nessas áreas. A gente faz exibições de filmes, depois agente tem a roda de prosa pra discutir o filme, traz várias temáticas: violência contra a mulher, raça e etnia. [...] Agente já fez várias oficinas, a nossa primeira oficina foi sobre cultura e cidadania, onde agente trouxe pra sala de aula o debate importante sobre homofobia, racismo, cidadania, gênero. Nesse sentido a atuação de Daniela está basicamente relacionada a transformação social, principalmente das comunidades periféricas onde procura diminuir as desigualdades, os estigmas e os preconceitos por meio da conscientização política e cidadã dos indivíduos. Consciente de seu papel e de sua responsabilidade, Daniela se qualifica como mobilizadora social, assumindo o perfil de mulher politizadora nos espaços de contestação com a sociedade, pois segundo ela só a própria pessoa é capaz de emancipar sua mente, mas que ela pode contribuir para que as mulheres se livrem das mazelas e das amarras que o machismo nos coloca. “Por isso que eu acredito que os movimentos sociais e minha atuação de certo modo têm contribuído bastante para o empoderamento das mulheres”. No entanto, apesar de toda resistência, enquanto mulher Daniela enfrenta preconceitos e discriminações em vários espaços sociais, inclusive dentro dos próprios movimentos, nos quais segundo ela o embate e os conflitos para haver igualdade entre os gêneros são constantes, sendo que esses conflitos são ainda maiores na sociedade em geral. Contudo, ela frisa que a historiografia das mulheres vem mudando e com a atuação política dos movimentos feministas “as mulheres agora se sentem empoderadas para ocupar as presidências, se sentem empoderadas para ocupar os movimentos sociais, as câmaras, enfim, as mulheres hoje podem perceber que ela é capaz”. Os discursos apresentados nos perfis mostram mulheres com histórico de envolvimento social, de enfrentamento ao modelo patriarcalista da sociedade, de luta (coletiva ou individual) pelo empoderamento do sujeito feminino. Mulheres que buscaram, através do