1) O documento analisa como as convenções da OMS e OIT sobre o trabalho infantil afetaram as famílias agricultoras que cultivam tabaco no Sul do Brasil, a partir da perspectiva de jovens rurais.
2) Foi realizado um estudo de caso com 15 jovens de Arroio do Tigre, RS, onde as convenções proibiram o trabalho de menores de 18 anos no cultivo de tabaco.
3) Os jovens foram entrevistados sobre como as leis impactaram as formas de socialização e organização do trabalho em suas
1. Revista Latino-americana de Estudos do Trabalho, Ano 19, nº 31, 2014, 159-194
Juventude rural e trabalho
no cultivo do tabaco
Joel Orlando Bevilaqua Marin,
Ezequiel Redin e Felipe Ferrari da Costa
Introdução
Na região Sul do Brasil, o cultivo do tabaco é desenvolvido, pre-dominantemente,
por agricultores familiares. Por ser uma cultura inten-siva
em mão de obra, todos os integrantes da família, sejam homens
ou mulheres, adultos, velhos, jovens ou crianças, ficam ocupados nas
atividades de plantio, tratos culturais, colheita, secagem e classificação
das folhas do tabaco. No entanto, a família rural tem sido foco de meca-nismos
de intervenção externos para a supressão do trabalho de crianças
e jovens na cultura do tabaco, a fim de evitar os riscos à saúde dos tra-balhadores
infanto-juvenis. O trabalho de crianças e jovens no cultivo
de tabaco é considerado perigoso pelos riscos à saúde, devido ao contato
direto com os agrotóxicos e à sua intensidade e penosidade, que afetam
o desenvolvimento físico e psicossocial de seres humanos em processos
de formação.
Em nível internacional, surgiram instrumentos de intervenção que
visam normatizar e controlar a produção, a circulação e o consumo de
produtos derivados do tabaco, canalizando esforços no sentido de evitar
um risco potencial para a saúde das pessoas, com ênfase na proteção
das novas gerações. De um lado, a Convenção-Quadro para o Contro-le
do Tabaco (Convenção-Quadro), da Organização Mundial da Saúde
(OMS), tem como propósito proteger todas as pessoas dos impactos
sanitários, sociais, ambientais e econômicos causados pelo consumo, a
2. 160 Revista Latino-americana de Estudos do Trabalho
exposição à fumaça, a propaganda e o comércio de produtos do tabaco.
Ademais, propõe a necessidade de construir alternativas para reduzir a
produção do tabaco. Por outro lado, a Convenção 182 da Organização
Internacional do Trabalho (OIT) procura proibir as piores formas de tra-balho
infantil, especificando, na alínea “d”, os trabalhos prejudiciais à
saúde das crianças.1 O Brasil ratificou a Convenção 182 da OIT com a
promulgação do Decreto n. 6.481, de 12 de julho de 2008, que apresenta
a lista das piores formas de trabalho infantil, dentre as quais figura o
trabalho no tabaco, por seus riscos sobre a saúde de crianças e jovens.
As relações entre Convenção-Quadro da OMS, Convenção
182/1999 da OIT e proibição do trabalho de crianças e jovens rurais
(com menos de 18 anos) no cultivo do tabaco criaram um problema so-cial
na região Sul do Brasil, o qual se constituiu o objeto deste estudo.
Vale ressaltar que, a partir da ratificação pelo governo brasileiro de tais
documentos internacionais, as crianças e os jovens com menos de 18
anos de idade foram proibidos de trabalhar na cultura do tabaco. Esse
problema social tornou-se mais evidente diante da intervenção do Esta-do
sobre as formas de gestão das famílias agricultoras, a partir de insti-tucionalização
de políticas para reduzir as áreas de cultivo de tabaco e
controlar o trabalho infantil nas unidades produtivas.
O objetivo da pesquisa é analisar, a partir do ponto de vista de jo-vens
rurais, as mudanças desencadeadas pelas Convenções da OMS e da
OIT nas formas de socialização e organização do trabalho das famílias
dos agricultores que cultivam tabaco.2 Para compreender esses fenôme-nos
sociais, procuramos combinar levantamento documental e estudo de
caso. Inicialmente, realizamos uma pesquisa documental sobre a Con-venção-
Quadro e a legislação brasileira sobre o trabalho infantil, com-binada
com uma interlocução entre pesquisa bibliográfica e pesquisa de
campo sobre o trabalho rural.
O estudo de caso foi realizado no município de Arroio do Tigre,
no estado do Rio Grande do Sul. A técnica utilizada no levantamento
de dados de campo foi a entrevista semiestruturada, dirigida a quinze
jovens rurais, filhos de agricultores familiares que cultivam tabaco no
sistema de integração agroindustrial.3 Os critérios de escolha do muni-cípio
de estudo e dos jovens entrevistados foram pautados na relação
3. Juventude rural e trabalho no cultivo do tabaco 161
construída por um dos autores da pesquisa, que nasceu, viveu e ainda
participa da vida familiar e social de Arroio do Tigre. Tal inserção social
facilitou grandemente os contatos com os jovens rurais e suas famílias,
bem como a realização das entrevistas. Na composição da amostragem
de jovens rurais entrevistados, observamos ainda o conhecimento prévio
dos jovens rurais, a timidez de expressarem-se oralmente e certa distri-buição
equitativa entre os sexos, sendo oito rapazes e sete moç as.
Quanto à faixa etária, seis jovens tinham entre 13 e 14 anos, seis
entre 15 e 17 anos e três acima de 18 anos. Pode-se dizer que as famílias
dos jovens entrevistados eram pequenas: três eram filhos únicos, seis
tinham apenas um irmão e seis tinham dois irmãos. No que tange à re-ligião,
doze jovens afirmam que são católicos e apenas três evangélicos
luteranos. Os jovens são descendentes de famílias de colonos de origem
alemã (80%) e de colonos italianos e alemães (20%). Em janeiro de
2011, quando foi realizada a pesquisa de campo, todos os jovens entre-vistados
estavam estudando, sendo que seis ainda não tinham concluído
o ensino fundamental, quatro estavam no ensino médio, um concluiu o
ensino médio e encerrara temporariamente os estudos, outros três in-gressaram
no curso técnico em agropecuária e um ingressou no ensino
superior. As famílias dos jovens entrevistados dispunham de pequenas
propriedades de terra: cinco possuíam menos de 10 hectares, cinco entre
11 e 20 hectares, três entre 21 e 30 hectares, uma entre 31 e 40 hectares
e uma acima de 41 hectares. Nessas propriedades, a maioria das famílias
destinava entre 2 e 3 hectares de terra para a produção de tabaco. Como
destacou Paulilo (1990: 168), “o fumo é compatível com qualquer tama-nho
de propriedade, exigindo apenas 2 ha de terra (...)”.
Num primeiro momento, explanamos o cenário internacional e
brasileiro sobre a construção social do problema da produção e do tra-balho
infantil no cultivo do tabaco, com base no estudo da Convenção-
Quadro e da legislação brasileira de proteção à infância e adolescência.
Na sequência, analisamos o trabalho e as suas concepções, a partir da
visão dos jovens rurais de Arroio do Tigre. Por fim, enfocamos as inter-pretações
dos jovens sobre as leis que interditam o trabalho no cultivo
de tabaco aos menores de 18 anos, determinadas por normativas de or-ganismos
internacionais que são referendadas pelos dispositivos legais
do Brasil.
4. 162 Revista Latino-americana de Estudos do Trabalho
Internacionalização da luta contra o trabalho
infantil no tabaco
Dados fornecidos pela Organização das Nações Unidas para Ali-mentação
e Agricultura (FAO) indicam que, em 2011, o Brasil era o
segundo maior produtor mundial de tabaco, computando uma produ-ção
de 951.933 toneladas, e líder na exportação, com 533.579 toneladas
(FAO, 2011), sendo que essa cadeia produtiva registrou uma expansão
nas últimas décadas. Segundo o Censo Agropecuário de 2006, o Brasil
possui 156.935 estabelecimentos rurais que produzem fumo em folha,
atingindo 567.974 hectares colhidos e gerando 1.109.036 toneladas de
tabaco. A região Sul do país, constituída pelos estados do Rio Grande
do Sul, Santa Catarina e Paraná, é a principal produtora brasileira de ta-baco.
Nessa região, somam-se 134.257 estabelecimentos produtores de
tabaco, 516.727 hectares colhidos, com uma produção de 1.049.724 to-neladas.
Em 2010, conforme dados do Instituto Brasileiro de Geografia
e Estatística (IBGE, 2010), a produção de tabaco na região Sul do Brasil
responde por 98% do total nacional e abrange aproximadamente 700
municípios. A área colhida atingiu a escala de 449.629 hectares, com
uma produção de 787.617 toneladas de fumo em folha, com um valor da
produção estimado em R$ 4.508.061,00 no país.
A Convenção-Quadro foi elaborada pela Organização Mundial
da Saúde (OMS), entre 1999 e 2003, após audiências públicas e seis
reuniões de negociações, que envolveram seus 192 países membros.
Esse documento configura-se como um acordo internacional de saúde
pública que problematiza os danos causados pelo consumo de tabaco
sobre a saúde e apresenta proposições para a redução do consumo, con-trole
da comercialização e regulamentação da fabricação de cigarro e
outros produtos derivados do tabaco. A Convenção-Quadro foi aprova-da
por unanimidade na 56ª Assembleia Mundial da Saúde, no mês de
maio de 2003, e cada país-membro assinou compromissos de ratificar
sua adesão. Segundo dados da Aliança de Controle do Tabagismo, atu-almente,
a Convenção-Quadro tem 168 assinaturas e 173 ratificações
em nível internacional. Organizada em 38 artigos, a Convenção-Quadro
faz menção a sete grandes temas: comércio ilícito, organização regional
de integração econômica, publicidade e promoção do tabaco, contro-le
do tabaco, indústria do tabaco, produtos de tabaco e patrocínio do
tabaco.
5. Juventude rural e trabalho no cultivo do tabaco 163
A Convenção-Quadro tornou-se um marco geral norteador para
que os Estados signatários assumam compromissos para a institucionali-zação
de leis e de políticas públicas orientadas no sentido de empreender
esforços para enfrentar a “epidemia” do tabagismo, reconhecida como
um problema global, com consequências graves para a saúde pública e
o meio ambiente (Brasil, 2004). No Brasil, foi criada a Comissão Na-cional
para Implementação da Convenção-Quadro para o Controle do
Tabaco (Conicq), com atribuições de assessorar o governo brasileiro na
formulação de políticas nacionais que coadunam com os propósitos de
enfrentamentos dos problemas causados pelo tabaco. Contudo, o docu-mento
da ONU não objetiva o fim da produção do tabaco, uma vez que
não existem cláusulas com referências específicas à erradicação do cul-tivo
(Bonato, 2007).
No entanto, nos últimos anos, uma série de ações estatais procu-rou
efetivar o artigo 17 da Convenção-Quadro, no sentido de “apoiar
as atividades alternativas economicamente viáveis” à cultura do tabaco,
bem como para o artigo 18 que se refere à “proteção do meio ambiente e
saúde das pessoas”. Isso culminou com a estruturação da rede temática
de diversificação em áreas cultivadas com tabaco, a qual está vinculada
ao Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA), que organiza e co-manda
o Programa Nacional de Diversificação em Áreas Cultivadas com
Tabaco. A partir desse Programa, diversos agentes sociais vinculados
às instituições públicas e às organizações não governamentais desen-cadearam
uma série de ações calcadas na diversificação da renda e das
atividades produtivas das famílias agricultoras, por meio de projetos de
desenvolvimento rural direcionados aos agricultores fumicultores, com
o propósito de diversificar seus sistemas produtivos.
O Brasil, apesar de ser considerado um dos primeiros a apoiar as
diretrizes da Convenção-Quadro, na prática, ainda apresenta ações que
esbarram em campos de interesses, conflitantes e contraditórios. No caso
de Arroio do Tigre, segundo Redin (2011), de um lado, o poder público
municipal, os representantes parlamentares, os meios de comunicação, a
agroindústria fumageira e, em certa medida, os fumicultores defendiam
a manutenção da atividade produtiva do tabaco, ressaltavam a importân-cia
para o desenvolvimento econômico regional e, por vezes, valiam-se
de estratégias discursivas de vitimização. Do outro lado, as lideranças
do Programa de Diversificação construíram discursos que apontavam
para a “erradicação” da cultura do fumo, o que acabou gerando certa
6. 164 Revista Latino-americana de Estudos do Trabalho
repulsa até mesmo pelos agricultores familiares. Com isso, esses agen-tes
adotaram uma postura mais branda, com a elaboração de discursos e
encaminhamentos de ações que ressaltavam as virtudes da diversificação
das atividades produtivas e da diminuição da dependência dos agriculto-res
ao sistema de integração do fumo.
Os embates contra o cultivo do tabaco aumentaram após a pro-mulgação
de dispositivos legais que tipificam como “trabalho infantil”
todo o trabalho realizado por crianças e jovens (com menos de 18 anos)
no tabaco, mesmo no âmbito da família dos agricultores fumicultores
(Marin e Vendruscolo, 2010). Os investimentos no combate ao uso da
força de trabalho de crianças e adolescentes se intensificaram depois que
o Brasil ratificou a Convenção 182, promulgada pela OIT em 1999. Essa
convenção trata de abolir as piores formas de trabalho infantil, especial-mente:
1) as formas de escravidão ou suas formas análogas; 2) a utili-zação
de crianças para a prostituição ou pornografia; 3) a incorporação
de crianças para atividades ilícitas, particularmente o tráfico de drogas
e; 4) os trabalhos que prejudiquem a saúde, a segurança e a moral das
crianças.
A legislação brasileira defende que o trabalho no cultivo do fum o
deve ser realizado apenas por pessoas adultas, maiores de dezoito anos.
Essa noção visa, sobretudo, garantir os direitos à saúde, qualidade de
vida, desenvolvimento psíquico e intelectual da criança, bem como
os direitos à aprendizagem escolar e às brincadeiras. Por tais razões,
as crianças devem ser poupadas de todos os trabalhos demandados na
cultura do tabaco. Segundo informações da OIT no Brasil, o trabalho
infantil é considerado um risco para os países que compõem o Mer-cosul.
Por esse motivo, os agentes vinculados à OIT defendem a ins-titucionalização
de ações normativas e políticas públicas orientadas
ao enfrentamento do problema do trabalho infantil, que atinge níveis
elevados em diversos países da América Latina. Esses agentes sociais
reconhecem as dificuldades desse trabalho, mas alertam insistentemen-te
para a necessidade de se garantir a presença das crianças na esco-la
como meio capaz de afastar o risco eminente do trabalho infantil.
Para tanto, diversas reuniões foram realizadas com a finalidade de
discutir e debater sobre as estratégias de combate ao trabalho infantil,
com vistas ao estabelecimento de metas globais para eliminar as piores
suas formas até 2016, no âmbito dos países que integram o Mercosul
(OIT, 2012). Assim, os documentos institucionais publicados pela OIT
7. Juventude rural e trabalho no cultivo do tabaco 165
ressaltam os termos “combate” e “risco” para evitar as consequências
negativas do problema social do trabalho infantil, dando alusão a uma
guerra que precisa ser vencida, cujo principal instrumento de enfrenta-mento
é a escola.
O Decreto nº 6.481, de 12 de julho de 2008 – que regulamenta a
Convenção 182 da OIT – inseriu o trabalho com o fumo na Lista das Pio-res
Formas de Trabalho Infantil, por suas possíveis repercussões sobre
a saúde. Segundo o Decreto, as tarefas no cultivo e no beneficiamento
do tabaco representam riscos para as crianças e os adolescentes decor-rentes
de esforço físico e posturas viciosas, exposição às poeiras orgâ-nicas
e seus contaminantes, como fungos e agrotóxicos, contato com
substâncias tóxicas da própria planta, acidentes com animais peçonhen-tos,
exposição sem proteção adequada à radiação solar, umidade, chu-va,
frio e acidentes com instrumentos perfuro-cortantes (Brasil, 2008).
Pelo Decreto 6.481/2008, os trabalhos com o tabaco, tanto na produção
quanto no processamento de suas folhas, representam riscos à saúde, que
comprometem o pleno desenvolvimento das crianças. Nesse sentido, os
agricultores produtores de tabaco ficaram sob a mira de diferentes do-cumentos
internacionais, ratificados pelo governo brasileiro, no sentido
de reduzir o cultivo, garantir a saúde dos trabalhadores e interditar o
trabalho das crianças. Por consequência, houve maior fiscalização de
pais e mães no sentido de não empregar os filhos no cultivo e beneficia-mento
do tabaco e de encaminhá-los para a escola, além de uma pressão
nas agroindústrias fumageiras por intermédio de contratos de compra e
venda do tabaco em folha (Marin et al., 2012).
No contrato firmado entre agricultor e agroindústria fumageira
consta uma cláusula apontando que o “produtor” tem conhecimento,
compromisso e comprometimento com o acordo firmado pelas compra-doras
com o Ministério Público do Trabalho do Rio Grande do Sul, com
vistas a cumprir o Artigo XXXIII da Constituição Federal, e também da
Lei n.º 8.069/90 (Estatuto da Criança e do Adolescente) de privar-se de
utilizar, em todas as fases do cultivo do tabaco, mão de obra de menores
de dezoito anos de idade, ainda que em regime de economia familiar.
Para garantir tais preceitos legais, os agricultores assinam um termo de
identificação e declaração das crianças e adolescentes que vivem na pro-priedade
onde será cultivado o tabaco. Anexo a ele, fixa-se um atestado
de matrícula escolar (maiores de seis e menores de dezoito anos), exi-gindo
frequência escolar. O contrato ainda prevê uma série de restrições
8. 166 Revista Latino-americana de Estudos do Trabalho
às crianças e adolescentes em relação ao contato com os agrotóxicos.
Em linhas gerais, o termo atribui à família rural fumicultora toda uma
responsabilização quanto à observância do não uso de força de trabalho
infantil e da garantia da frequência escolar dos filhos. Em caso de des-cumprimento,
a família pode sofrer penas de rescisão contratual, não
aquisição de produção e encaminhamento para entidades de proteção da
criança e do adolescente.
Algumas agroindústrias fumageiras passaram a desenvolver ações
orientadas à prevenção do problema do trabalho infantil. Por exemplo,
a Souza Cruz criou o Centro de Desenvolvimento do Jovem Rural (Ce-dejor),
localizado no Território do Vale do Rio Pardo (RS), que traba-lha
com a metodologia de alternância para contribuir na formação pro-fissional
da juventude rural. Em 2012, a Winrock Internacional (WI),
em parceria com a Organização Internacional do Trabalho (OIT), ins-tituiu
o Programa Arise (Alcançando a Redução do Trabalho Infantil
pelo Suporte à Educação). Esse programa confluiu na criação de um
centro de formação de jovens rurais no município de Arroio do Tigre/
RS, com o objetivo de ministrar cursos no horário inverso à escola
para jovens com idade entre 14 e 17 anos que estejam cursando a oi-tava
série ou ensino médio. Em 2013, formou-se a primeira turma do
projeto.
Em suma, o trabalho de menores de 18 anos no cultivo do ta-baco
está interditado pelos dispositivos legais vigentes no Brasil, por
considerá-lo insalubre e prejudicial ao pleno desenvolvimento físico e
intelectual. Os trabalhos com o tabaco, especialmente pelo uso intensivo
de agrotóxicos nas plantações, a absorção de nicotina pela epiderme e
a inalação de poeiras, são considerados trabalhos que representam ris-cos
à saúde de crianças e jovens. Portanto, os agricultores produtores
de tabaco ficaram sob a mira de diferentes documentos internacionais,
ratificados pelo governo brasileiro, no sentido de reduzir o cultivo, ga-rantir
a saúde dos trabalhadores e interditar o trabalho das crianças. Por
consequência, os pais de família tornaram-se alvos de ações de agentes
oficiais de defesa dos direitos das crianças, a fim de evitar o uso do
trabalho dos filhos no cultivo e beneficiamento do tabaco e de encami-nhá-
los para a escola.
9. Juventude rural e trabalho no cultivo do tabaco 167
Jovens rurais: trabalho e percepções do traba-lho
no tabaco
Os estudos sociais sobre a juventude rural têm diagnosticado al-guns
problemas relacionados, principalmente, à migração dos jovens
rurais e às dificuldades dos processos de sucessão das propriedades.
Em âmbito internacional, Champagne (1986) analisou a ampliação do
espaço social dos jovens rurais e a redução de controle da família cam-ponesa;
Feixa (2004) abordou a juventude, nas sociedades camponesas,
como uma etapa da vida marcada pela precoce inserção nas atividades
produtivas e na convivência com os adultos, mas ocupando posições de
subordinação e de dependência, tanto na família quanto na socie dade.
No Brasil, algumas pesquisas têm analisado a juventude rural em
suas interfaces com as questões das migrações rural-urbanas, esvazia-mento
do campo, relações de gênero, invisibilidade social e masculi-nização
da população rural (Schneider, 1994; Camarano; Abramovay,
1999; Carneiro, 1998; Sacco dos Anjos e Caldas, 2003; Castro, 2005;
Stropasolas, 2006, Brumer e Anjos, 2008; Froehlich et al., 2011). A ju-ventude
rural também é analisada como ator político e de transformação
do campo (Castro, 2005), como categoria socialmente construída pelo
capitalismo industrial (Marin, 2009) ou como promotora de espaços so-ciais
ligados ao lazer, convívio social, entretenimento e troca de expe-riências
(Redin e Silveira, 2012).
A continuidade da agricultura familiar, como apontam Brumer et
al., (2008), está ligada à disposição dos jovens filhos dos agricultores em
sucederem seus pais. Portanto, além dos imperativos legais instituídos
na gestão dos filhos pela família rural, a não sucessão e o processo de
migração dos jovens para os centros urbanos são problemas sociais de-correntes
da situação de desapego pelo trabalho rural e, assim, torna-se
uma inquietude emergente para o desenvolvimento rural. Marin et al.
(2012), no estudo sobre o trabalho de crianças e jovens na produção de
tabaco na região central do estado do Rio Grande do Sul, salientam que a
intervenção legal para proibir o trabalho infantil reduz o papel histórico
da família na socialização das crianças, enquanto que a instituição es-colar
adquire maior importância na educação dos filhos. Tais processos
repercutem na reprodução social e econômica dos agricultores familia-res
fumicultores.
10. 168 Revista Latino-americana de Estudos do Trabalho
Em Arroio do Tigre, é notório que o trabalho na produção de ta-baco
requer condição física do indivíduo para o somatório da força de
trabalho familiar, o domínio de conhecimentos e habilidades altamente
especializados, bem como a combinação de recursos naturais, máquinas
e equipamentos e instalações. O processo produtivo do tabaco é intenso
em mão de obra, portanto, ocupa a família a maior parte do ano, desde o
plantio, passando pela colheita até a seleção das folhas e preparação dos
fardos de tabaco para o comércio4.
As tarefas começam entre os meses de maio e junho, com a prepa-ração
das bandejas de isopor com substrato e distribuição das sementes
em cada cavidade. Após a semeadura, as bandejas são alocadas em tan-ques
dispostos com água fertilizada (sistema floating), a fim de facilitar
a germinação das sementes e o crescimento das mudas. Esses tanques
são, geralmente, construídos próximos das residências ou das lavouras
para facilitar o manejo e a observância de aspectos fitossanitários. Com
a emergência das plântulas, acontecem os processos de repicagem, tra-tamento
de fungicidas e inseticidas, poda para rustificação das mudas5,
em concomitância com o manejo e limpeza do floating (lâmina de água,
ventilação, abertura e fechamento diário da película plástica, limpeza
etc). Quando a planta atingir porte ideal, entre 5 e 6 folhas, são trans-plantadas
nas lavouras, nos meses de agosto e setembro. Para tanto, os
agricultores preparam o solo com aração e gradagem, confeccionam o
camalhão, valendo-se da tração animal ou do trator, bem como aplicam
os fertilizantes recomendados pelas agroindústrias fumageiras.
Para formar as lavouras, as plantas são distribuídas com espaça-mento
de aproximadamente 120 cm entre as linhas e a uma distância
de 45 e 50 cm entre elas. Com estes cuidados, um hectare de terra pode
comportar entre 16 e 18 mil mudas de tabaco. Ao longo dos meses de
setembro a novembro, as plantas de tabaco recebem os tratos culturais
para fertilização foliar e para controle das ervas daninhas, insetos, fun-gos
e outras pragas que acometem as plantações, com uso intensivo
de agrotóxicos. Eles são aplicados regularmente, com uso de bombas
costais, conforme orientações de técnicos vinculados às agroindústrias
fumageiras.
Antes mesmo do início da colheita, as famílias precisam limpar
as estufas e os galpões para receber a safra do tabaco, que ocorre entre
os meses de dezembro e fevereiro. No caso do fumo do tipo Virgínia, os
agricultores retiram folha por folha do pé de tabaco, na medida do ama-
11. Juventude rural e trabalho no cultivo do tabaco 169
durecimento. Na sequência, com carroça tracionada por junta de bois
ou trator, fazem o transporte do tabaco até a estufa. Nessa instalação,
organizam o fumo nas varas, carregam a estufa, preparam a lenha no
forno e vigiam à noite até que as folhas atinjam o ponto de secagem
recomendado6. Depois, devem descarregar a estufa e depositar as folhas
dessecadas num galpão, para posterior classificação, prensagem, enfar-damento
e etiquetagem do fumo. Essas atividades são realizadas logo ao
término da colheita e podem estender-se entre os meses de maio e junho.
Após a identificação com etiqueta, o tabaco está pronto para o comércio,
seja para as agroindústrias, seja para os comerciantes intermediários. No
caso do tabaco tipo Burley (fumos escuros), a colheita é diferenciada,
pois que os agricultores cortam os pés ao rés do chão em uma única
etapa, recolhem-nos e depois os penduram em galpões específicos para
secagem natural das folhas. Após 30 dias, quando secas, as folhas do
tabaco são retiradas do tronco e classificadas, obedecendo a critérios de
tipificação determinados pela agroindústria fumageira.
Ao término dos lentos processos de classificação das folhas de
tabaco, os agricultores precisam recomeçar os preparativos do novo ci-clo
produtivo, com preparação do sistema floating para a semeadura das
sementes em bandejas e a formação de novas mudas. Assim, a continui-dade
do ciclo impõe um ritmo de trabalho familiar intenso e a necessida-de
de incorporação de todos os integrantes da família. O baixo número
de integrantes das famílias dos jovens rurais entrevistados em Arroio
do Tigre implica na intensificação do trabalho do casal (pai e mãe) e
na necessidade da participação dos filhos para a realização de tarefas,
seja no espaço doméstico, no cultivo do tabaco ou em outras atividades
produtivas.
Sob tais condições de produção, a ajuda dos filhos menores de 18
anos torna-se uma necessidade não somente porque a família é pequena,
mas também porque o tabaco requer muita mão de obra em todas as suas
etapas produtivas. Os jovens entrevistados não negam que executam de-terminadas
tarefas na produção do tabaco, no âmbito da família, como
parte integrante da força de trabalho familiar. Em estudo realizado no
município de Santa Cruz do Sul/RS, Fialho (2006: 178) notou que, para
os agricultores familiares fumicultores, o trabalho é pensado “no sentido
da sobrevivência, de obrigação e de manutenção da família. Referem um
trabalho que fica no nível da necessidade, da manutenção das condições
básicas de vida e para a subsistência da família”.
12. 170 Revista Latino-americana de Estudos do Trabalho
Em Arroio do Tigre, desde muito cedo as crianças são estimuladas
a ajudar a executar alguma tarefa, seja na casa ou nas lavouras. Particu-larmente,
nas etapas do desenvolvimento técnico-produtivo do tabaco,
as tarefas infantis estão ligadas ao trabalho leve durante cada fase do
cultivo, variando conforme a idade, força física e gênero. As crianças
não têm locais ou atividades tão específicas de trabalho nas unidades
de produção familiares. Assim, eles realizam diversas funções e tarefas
durante o dia, no turno contrário ao horário escolar, embora na distri-buição
dos trabalhos familiares sejam observadas certas diferenciações
de gênero.
Os trabalhos envolvem aquelas tarefas leves que são realizadas
pelas crianças, de oito a doze anos aproximadamente, como cuidar dos
animais domésticos, recolher ovos, coletar gravetos e lenha para o fogo,
varrer pátio, cortar grama, limpar os estábulos, conduzir vacas leiteiras
ao pasto, segurar sacas da trilhadeira, seja na quebra do milho ou feijão.
Na atividade fumicultora, as crianças, por vezes, são encarregadas pelo
recolhimento das folhas de tabaco que se desprendem durante o pendure
pelos adultos no galpão (tipo Burley ou Comum) ou aquelas que caíram
da carroça durante o processo de costura (tipo Virginia), no carregamen-to
na lavoura, ou no processo de atar fumo (manocas).
No conjunto dos trabalhos das crianças, são observados os cri-térios
de gênero para sua divisão. Os trabalhos do lar são mais dire-cionados
às meninas, a exemplo da limpeza da casa e do pátio (varrer,
lavar as louças e roupas, passar pano e lustrar o chão) ou do auxílio na
elaboração das refeições familiares. Já os meninos são orientados para o
aprendizado e execução de tarefas relacionadas às lavouras e cuidados
dos animais. Na medida do crescimento das crianças, as divisões do
trabalho familiar tendem a se aprofundar, embora a redução do núme-ro
de filhos tenda a relativizar uma rígida divisão sexual do trabalho
familiar.
Já os afazeres juvenis abrangem tarefas mais difíceis e pesadas,
que exigem maior esforço físico, tais como arrancar feijão, capinar na
horta, cortar pasto, tirar leite, quebrar milho, arrancar mandioca, entre
outras. Na atividade fumageira, os trabalhos dos jovens são colher e
carregar as folhas de tabaco. Geralmente, esse trabalho é destinado aos
filhos após os dezesseis anos ou ainda aos jovens com porte físico. São
atividades predominantemente dos rapazes, mas as moças podem, even-tualmente,
realizá-las, dependendo da condição e estrutura familiar.
13. Juventude rural e trabalho no cultivo do tabaco 171
Os jovens garantem que os pais nunca lhes impuseram trabalhos
intensos ou pesados antes dos 13 anos. Até essa idade, as crianças de-dicam-
se a funções consideradas simples e de baixa intensidade, mas a
partir dos 13 ou 14 anos, os jovens iniciam a realização de atividades
similares às de um adulto. Na semeadura, considerando o sistema floa-ting
de produção, as crianças e jovens auxiliam na inserção do substrato
nas bandejas e também na distribuição das sementes nas suas células ─
espaço compartimentado que faz divisória nas bandejas de isopor. Após
a emergência das mudas, auxiliam na repicagem, processo pelo qual se
seleciona a planta mais vigorosa, a fim de permitir somente uma unidade
em cada célula.
Durante o preparo da lavoura no manejo convencional, os jovens
de 14 anos de idade dedicam-se à distribuição do adubo com auxílio de
pequenos baldes; as crianças dificilmente participam desta etapa7. No
transplante, as atividades dos jovens se resumem a fazer a distribuição
das mudas nas covas ou na plantadeira manual, esta última conduzi-da
por um adulto. Nos tratos culturais, não há participação de jovens e
crianças, pois as famílias entendem ser uma atividade de periculosidade
e força física, sendo de responsabilidade dos adultos, geralmente, o ho-mem
chefe da família.
Na colheita, considerando o tabaco tipo Burley, os jovens com
maior tamanho e força física participam do carregamento do tabaco nas
carroças ou carretões, sendo que os menores podem, às vezes, recolher
as folhas que despencaram no chão. No pendure da planta, os jovens
ajudam alcançando o pé de tabaco para os adultos no galpão, enquanto
os menores recolhem as folhas despencadas que, posteriormente, serão
enlaçadas manualmente ou costuradas com máquina. No tabaco tipo Vir-ginia,
os jovens dedicam-se à costura, sendo as crianças liberadas desta
etapa pelo perigo embutido na máquina de costura. Nos fornos de fumo
de estufa modernos, a etapa da costura foi eliminada, o que possibilita
ganho de tempo e redução de trabalho no processo de colheita e seca-gem.
A classificação das folhas do fumo é realizada por adultos, pois
exige um conhecimento técnico quanto à qualidade e posição do caule,
mas os jovens podem participar da construção das “manocas”, denomi-nação
dada aos maços de folhas do tabaco. O processo de empacotamen-to,
isto é, o enfardamento das manocas, constitui a última etapa realiza-da
pela família rural fumicultora. Nessa fase, os jovens podem auxiliar
14. 172 Revista Latino-americana de Estudos do Trabalho
no alcance das “manocas” para os adultos as prensarem, constituindo o
fardo. O carregamento, geralmente, é realizado pelos transportadores
vinculados à empresa fumageira.
Pelo exposto, os jovens entrevistados em Arroio do Tigre ajudam
os pais em quase todas as atividades produtivas do tabaco, num processo
contínuo e gradual, que varia conforme o tamanho, vigor físico e sexo.
Ao mesmo tempo, refletem sobre o valor do trabalho que eles e seus
familiares realizam em suas unidades produtivas. As representações de
trabalho são consideradas o conjunto de valores e significados social-mente
construídos e reproduzidos pelos jovens, pelas famílias e pela so-ciedade,
que serve para ordenar e aceitar o trabalho na agricultura como
necessidade, valor e modo de vida dos agricultores familiares. Os jovens
não apenas trabalham com seus familiares, como também compartilham
certas ideias e valores da sociedade em que vivem, bem como elaboram
discursos para interpretar e assimilar o próprio trabalho e o trabalho fa-miliar
na produção de tabaco.
Em Arroio do Tigre são comuns os argumentos de que crianças
e jovens realizam os “trabalhos leves” do cultivo de tabaco. Existe um
consenso na família rural sobre a definição de trabalho leve ─ geralmen-te
associado com condições de serem realizados pelas crianças, jovens e
mulheres ─, e trabalho pesado ou de risco ─ atividades realizadas pelos
adultos do sexo masculino. Mas, segundo Paulilo (1987), as percepções
de trabalho “leve” e “pesado” são variáveis nos diferentes espaços geo-gráficos
e entre os grupos sociais. Na análise da autora, é percebido
como trabalho leve aquele executado por mulheres e crianças e tal ca-tegorização
serve para desvalorizar e rebaixar os preços da mão de obra
de quem o executa. Marin et al., (2012), ao estudar os agricultores de
fumo de Agudo/RS, identificaram que trabalhos leves são considerados
as tarefas em volta da casa ou arredores, trato de pequenos animais,
capina da horta, busca de lenha para a cozinha, trabalho nas roças de
autoconsumo, entre outros. Em Arroio do Tigre, de maneira semelhante
à situação de Agudo, os significados atribuídos para trabalhos leves são
“ajuda” e “auxílio”, tendo um leque razoavelmente amplo de atividades
que as crianças e os jovens costumam executar dentro da propriedade
rural. Assim, configura-se como uma atividade não remunerada, sendo
as crianças e os jovens percebidos como trabalhadores em processo de
formação pela família. Isso implica na incorporação de um saber fazer
no cotidiano do trabalho familiar, socialmente percebido como uma for-
15. Juventude rural e trabalho no cultivo do tabaco 173
ma de auxílio à família de pertença e estratégia de formação dos futuros
trabalhadores ou herdeiros.
A percepção sobre o trabalho leve ou pesado, sob o ponto de vista
de jovens entrevistados, é relativo ao sexo, à idade e ao porte físico.
Cristiano (jovem rural, 18 anos), expõe sua opinião sobre trabalho leve
ou pesado: “No próprio sentido da palavra, mas toda atividade sendo
bem manejada, bem controlada se torna leve, então não existe muito
trabalho pesado”. A explicação reporta a forma de gestão do trabalho
no meio rural e, implicitamente, está relacionado à expansão do uso de
tecnologias que aumentam a produtividade do trabalho e facilitam a rea-lização
de atividades agrícolas modernas, como o trator, implementos
agrícolas e outras técnicas.
Outra percepção de jovens entrevistados é que o trabalho não in-terfere
negativamente nos processos de escolarização. Nessa perspecti-va,
Milena (13 anos) acredita que o trabalho que realiza pode ser consi-derado
leve, pois: “acho fácil, é uma coisa que eu gosto muito de fazer,
porque os meus pais não obrigam, eu faço por minha vontade [...] e
não prejudica de forma alguma na escola”. Os jovens rurais mostram-se
solidários e “ajudam” os pais nos trabalhos com o tabaco, mas valori-zam
os estudos escolares para se qualificar para os trabalhos urbanos. O
trabalho realizado desde criança, na concepção dos jovens, incentiva-os
a permanecer na propriedade, além de aprender desde cedo as técnicas
agrícolas e incorporar os saberes da vida na agricultura.
Por tais razões, o trabalho é considerado positivo, educativo e dis-ciplinador,
na medida em que evita que os jovens fiquem ociosos. O
ócio é mal visto pelas famílias e sociedade local em geral, porque faci-lita
a incorporação de vícios e a iniciação sexual prematura. Portanto, o
trabalho e o estudo são dois elementos visualizados pela família rural
como primordiais para aprendizagem, disciplina, crescimento e desen-volvimento
individual dos filhos. Essas estratégias e conteúdos de socia-lização
das gerações juvenis, de alguma forma, instituem regras morais
na sociedade local. O argumento de uma jovem é enfático:
Esse trabalho me ensinou a ser uma pessoa melhor, porque aqui um de-pende
do outro pra fazer as coisas. Então eu acho que ensina as pessoas
a serem mais humildes, porque eu preciso de alguém pra me ajudar, so-zinha
eu não vou conseguir. Então me ensina a ser mais humilde, pedir
pros outros ajuda e ajudar os outros também (Carla, 16 anos).
16. 174 Revista Latino-americana de Estudos do Trabalho
O depoimento demonstra o caráter moralizador do trabalho para
jovens rurais e sua importância na transmissão e internalização de valo-res
que são caros aos jovens, a exemplo de “humildade”, “definição do
caráter”, “formação interior”, “ajuda” e “trabalho coletivo”, contribuin-do
com sociabilidade na família, na comunidade e na sociedade como
um todo. Esses valores e preceitos morais nitidamente pertencem e são
transmitidos pelas famílias e, por extensão, pela comunidade. Essas
concepções de mundo são referências do ethos das famílias de origem
europeia e da ética de valorização positiva do trabalho como elementos
centrais na formação da identidade e do caráter do indivíduo, bem como
na conquista da autonomia pessoal. A valorização do trabalho se repro-duz,
de geração em geração, como um traço constitutivo da cultura de
descendentes de colonos alemães e italianos. Somam-se ainda o respeito
e a consideração dos mais novos pelos mais velhos, daí que crianças e
jovens devem ser solidários diante das solicitações e sofrimentos dos
adultos e velhos nos trabalhos. Assim, crianças e jovens devem “ajudar”
no “trabalho coletivo” familiar.
Não obstante, alguns jovens entrevistados percebem o trabalho
na cultura do tabaco como algo difícil, árduo e penoso. Em seus depoi-mentos
destacam o trabalho intensivo requerido na cultura, que provoca
desgaste físico e diminui os tempos de descanso e lazer. Por vezes, o
trabalho no tabaco está associado aos riscos à saúde, em decorrência do
uso intensivo de agrotóxicos aplicados como tratamento do cultivo. Por
tais motivos, os jovens associam a atividade laboral no tabaco à perda ou
diminuição na qualidade de vida das famílias inseridas nesta cadeia pro-dutiva.
Diante de tais condições, os jovens acabam concordando que as
atividades no tabaco podem causar prejuízos ao pleno desenvolvimento
das crianças e jovens.
É ruim o trabalho muito pesado, tem uma carga horária maior do que
pode aguentar ou ter um trabalho mais pesado do que o corpo pode
aguentar. E eu acho que o veneno, essas coisas, os jovens não deveriam
ir, nem as outras pessoas não é aconselhado. Ainda mais os jovens que
estão num processo de formação do corpo e daí pegar todos esses agro-tóxicos.
O agrotóxico é um dos principais problemas. Ainda mais os
jovens, as crianças, porque elas estão em processo de formação, então
daqui uns 10, 15 ou 20 anos com certeza pode ter alguma doença refe-rente
a isso. (Carla, 16 anos).
A subordinação dos agricultores às agroindústrias fumageiras,
através da transferência massiva do pacote tecnológico, coloca-os numa
17. Juventude rural e trabalho no cultivo do tabaco 175
situação de obrigatoriedade de investir em insumos químicos e agrotó-xicos,
sob a pena de que o não uso inviabilize uma boa produtividade do
tabaco. Este fato obriga as famílias rurais a uma constante manipulação
de produtos químicos, de alta toxidade, que colocam em situação de
risco a saúde das pessoas e animais, sem desconsiderar os danos ambien-tais.
Mas, por meio dos contratos de produção de tabaco, as agroindús-trias
procuram explicitar que os agricultores estão cientes e apresentam
uma série de cuidados e deveres em relação ao uso controlado, desta-cando
o emprego responsável dos produtos químicos e a necessidade de
afastar as crianças e jovens do trabalho na cultura do tabaco. Sob a pers-pectiva
da agroindústria fumageira, o problema não se situa no próprio
agrotóxico e nos riscos que, intrinsicamente, representam. Para ela, o
problema reside no uso incorreto das prescrições do agrotóxico e na não
observância das orientações dos seus técnicos. As famílias, por sua vez,
nem sempre têm a dimensão de todos os riscos invisíveis contidos nos
agrotóxicos e nem sempre seguem todas as prescrições recomendadas
para usá-los.
Apesar de todas as dificuldades e riscos, os jovens acreditam que o
trabalho no tabaco, desenvolvido junto à família, desempenha papel im-portante
na formação de pessoas responsáveis. Na visão dos jovens, as
virtudes do trabalho situam-se na possibilidade de formação dos futuros
trabalhadores, no aprendizado concreto de um ofício e na necessidade de
ganhar dinheiro para si próprio e para a família, conforme depoimento:
Pra você aprender alguma coisa pra sua vida, tirar proveito disso...
Mesmo não gostando a gente ia, pra aprender, saber [...]. No futuro não
se sabe, você pode acabar precisando ir pra lavoura, sem ter escolha,
opção, e eu acho que é bom você aprender porque no caso, se no futuro
você precisar você sabe pelo menos, você não vai se apertar, você vai
saber o que você tem pra fazer. (Jéssica, 15 anos).
O trabalho no âmbito familiar é visto como elemento indispen-sável
no processo de formação dos adolescentes, mas não é reconheci-do,
nem legitimado, devido às pressões externas exercidas às famílias
agricultoras. Existe, portanto, uma desvalorização do trabalho do jovem
pelos condicionantes externos, tratando-os como tarefas que dificultam
o pleno desenvolvimento físico das crianças e jovens.
Em face das medidas restritivas ao trabalho infantil e ao cultivo do
tabaco, os estudos escolares são visualizados pelos jovens como camin-hos
para construir projetos de vida direcionados aos trabalhos urbanos.
18. 176 Revista Latino-americana de Estudos do Trabalho
Na concepção dos jovens, os estudos escolares são considerados um ca-pital
social que se adquire e não se perde, diferente dos bens econômi-cos,
que podem dissipar-se com o passar do tempo. Concomitantemente,
a continuidade dos estudos escolares é uma das estratégias que os jovens
rurais estabelecem para deixar o rural, na perspectiva de alcançar bons
ofícios nos centros urbanos. Assim, sob a perspectiva dos jovens en-trevistados,
a escola torna-se importante instituição de sociabilização
e preparação para outras ocupações laborais. Porém, diversos pesqui-sadores
que realizaram estudos sobre a escola rural em diferentes con-textos
históricos e socioculturais afirmam que as diretrizes curriculares
demonstram pouca conexão com a realidade local. Temas como o desen-volvimento
das unidades de produção familiar, as estratégias produtivas
e a própria reprodução econômica e social no meio rural estão, em geral,
distantes do foco central da educação desenvolvida nestas instituições
escolares, inclusive, as que estão inseridas no meio rural (Martins, 1975;
Antuniassi, 1983; Brandão, 1990, Whitaker, 1997; Leite, 1999; Feng e
Ferrante, 2006). O sistema de ensino ministrado no rural, conforme aná-lise
de Martins (2005), carece de um diálogo cultural com os alunos e
também com a comunidade a que pertencem, para o educador conhecer
os saberes daqueles que procura ensinar.
De fato, os jovens entrevistados reconhecem que há certa desco-nexão
entre o ensino escolar de nível fundamental e médio e suas ativi-dades
rurais. Eles percebem o ensino que lhes é transmitido pela escola
como algo dissociado das suas atividades cotidianas. Não obstante, sem-pre
ressaltam a importância do estudo para construir um futuro melhor,
não raramente associado com os trabalhos no meio urbano. Logo, os
jovens percebem que a escola não teria ligação com a realidade rural e
estaria os preparando para os desafios da vida profissional, num contexto
urbano. Neste sentido, a jovem Carla, de 16 anos, que mora a 2 km do
perímetro urbano do município, é enfática ao afirmar: “Eu acho que o
principal objetivo da escola é guiar o estudante para um curso profissio-nalizante,
para uma faculdade, pós-graduação. Eles nunca vão guiar a
pessoa a ficar na agricultura”.
Todavia, é importante destacar que existem outras organizações
locais que atuam de forma diferenciada, na busca de conexões entre a
vivência rural, a criação de espaços de valorização da identidade social
da juventude rural e de compreensão do rural como um modo de vida e
reprodução social. A Associação de Juventude Rural de Arroio do Tigre
19. Juventude rural e trabalho no cultivo do tabaco 177
(AJURATI) procura criar espaços de valorização, reconhecimento e au-mento
de visibilidade social da categoria jovem rural, através da atuação
esportiva, de cursos de capacitação e atividades culturais de integração
social. Anualmente, os jovens afiliados à AJURATI realizam encontros
dirigidos especificamente aos jovens rurais, com o objetivo de discutir
temas contemporâneos que emergem da realidade rural local.
As Igrejas Católicas e Luteranas, historicamente, também se con-figuram
em importantes instituições de socialização e agregação dos jo-vens
rurais de Arroio do Tigre, investindo na formação e reprodução de
valores e da moral e entre as famílias rurais. Contudo, conforme análise
de Bourdieu (2009: 33), a igreja “contribui para a imposição (dissimu-lada)
dos princípios de estruturação da percepção e do pensamento do
mundo, e em particular, do mundo social, na medida em que impõe um
sistema de práticas e representações (...)”.
Em Arroio do Tigre, outras organizações têm estabelecido arran-jos
de representação social para encaminhar questões relacionadas à
população rural, a exemplo da empresa oficial de extensão rural que
estabelece um trabalho conjunto e integrado com a juventude rural em
questão, incentivando-os a tornarem-se protagonistas e armando um ce-nário
que fortaleça, em parte, a reprodução social. Outras instituições,
como o Sindicato de Trabalhadores Rurais (STR), o Movimento dos Pe-quenos
Agricultores (MPA) e as cooperativas agrícolas, estão presentes,
no entanto, essas instituições pouco atuam na inserção dos jovens rurais
nos processos de discussão e elaboração de políticas públicas. Nestas úl-timas,
as demandas da juventude rural não estão inseridas entre as prio-ridades
da população rural do município, e não são construídos espaços
de aprendizagem, troca de experiências e formação de novas lideranças.
Diante da falta de oportunidades e espaços no meio rural, os jo-vens
projetam o futuro fora da agricultura, o que implica na redução da
população jovem rural e na alteração das dinâmicas da sucessão familiar.
Sobre a saída do jovem do rural para grandes centros, Redin e Silveira
(2012: 197) fazem breve consideração, usando o caso dos jovens rurais
de Arroio do Tigre: “Torna-se um problema social a saída do jovem na
busca de qualificação e oportunidades fora do rural, no entanto, poucas
ainda são as ações locais que possibilitam qualificação e oportunidades
na região”. Os depoimentos orais confirmam a necessidade que os jo-vens
rurais sentem de maiores oportunidades de ensino técnico e profis-sionalizante
nos locais onde vivem:
20. 178 Revista Latino-americana de Estudos do Trabalho
Deveria ter uns cursos profissionalizantes, eles ensinam as meninas a
bordar, os meninos a mexer as coisas... Ter curso de computação, cur-so
de maquiagem, vários cursos. Eu acho que, cada vez mais, trazer
isso para as comunidades, porque daí você está ensinando o jovem a
ter uma outra profissão, está ajudando a se virar sozinho. Porque, se o
jovem quiser sair pra fazer uma faculdade ele vai ter que pagar, se ele
não conseguir um vestibular ou alguma coisa. Então, ele tendo um cur-so,
eu acho que ajuda bastante, porque dão diploma também. Eu acho
que eles deveriam trazer cada vez mais esses cursos pras comunidades,
principalmente no interior, porque na cidade tem mais diversificação,
principalmente no interior, daí as crianças deixariam de ir na roça pra
aprender outra coisa. (Carla, 16 anos).
Vale notar que, de maneira geral, as moças demonstram maior in-teresse
pela continuidade dos estudos no ensino superior do que rapazes.
O fato pode ser explicado, em parte, pela penosidade do trabalho no
cultivo do fumo. As jovens demonstram maior rejeição ao trabalho pesa-do,
maçante, repetitivo, exposto às intempéries climáticas, que resultam
em desgaste físico e pouco retorno financeiro. Embora essas percepções
acerca do trabalho no fumo sejam similares em ambos os sexos, as moças
costumam dar maior ênfase e associar os estudos como possibilidade
de qualificarem-se para outros trabalhos mais limpos, leves e mais bem
remunerados. Já os rapazes demonstram maior apego à propriedade, ao
trabalho e modo de vida rural, daí que tendem tornar-se o sucessor da
unidade produtiva. Mas isso não significa, necessariamente, que serão
efetivamente os sucessores. Os estudos de Champagne (1986), no con-texto
da França, e de Silvestro et al., (2001), no contexto do estado de
Santa Catarina, indicam que existe uma indefinição da família quanto
ao sucessor da propriedade. Para Champagne (1986), a reprodução dos
agricultores depende de sua aspiração de reproduzir socialmente e do
anseio de seus filhos de se tornarem, por sua vez, agricultores. A renún-cia
dos filhos em suceder é, prioritariamente, a recusa do estilo de vida
dos pais, sendo a crise da reprodução uma crise de identidade social.
Naquele contexto, embora existam diferenças de gênero, a expectativa
de permanecer no rural não se manifesta de forma tão atrativa e empol-gante
aos jovens rurais.
É notável que os jovens entrevistados em Arroio do Tigre não gos-tem
de atividades pesadas, sujas, repetitivas e, em alguns casos, desgas-tantes.
Por outro lado, existe uma valorização do trabalho familiar pau-tada
pelas noções de construção da autonomia pessoal, de solidariedade
21. Juventude rural e trabalho no cultivo do tabaco 179
e de cooperação do grupo, aspectos estes que tendem a contribuir para a
reprodução social do grupo familiar.
Todavia, existem diferentes entendimentos em relação ao valor do
trabalho (representação de trabalho). No seio da família, os jovens rurais
valorizam o trabalho como elemento de formação pessoal e de prepa-ração
para a vida futura, seja na agricultura seja nas cidades. No entanto,
diante de agentes externos, as famílias tendem a desvalorizar o trabalho
agrícola (penosidade e privação de oportunidades), incentivando os jo-vens
a saírem do rural, em busca de outros meios de reprodução social.
Existe, portanto, um consenso de que o trabalho é importante, mas não
necessariamente o rural.
A intensidade do trabalho, gerido pela família rural, é constituin-te
das estratégias de reprodução dos agricultores familiares. Institui-se
um fator de diferenciação social, conduzindo à racionalidade, à lógica
das escolhas e às formas de organização da propriedade e das estraté-gias
produtivas (atividade agrícola, o ciclo de produção, tamanho da
área, produto, etc). Os imperativos legais influenciam ou, pelo menos,
inquietam a gestão da unidade de produção, porém os agricultores fami-liares
contam com a ajuda dos filhos nos momentos em que a ativida-de
é intensiva, penosa ou que exige força humana, mas não levam em
consideração o critério mão de obra dos filhos para o planejamento das
atividades. De outro modo, jovens em torno de dezesseis anos já pos-suem
uma estrutura corporal que, muitas vezes, é similar aos adultos.
Porém, sempre fazem a ressalva de que os jovens não devem manejar
agrotóxicos, pela periculosidade que representa para as pessoas em fase
de desenvolvimento:
Até certa idade, mais ou menos uns 11, 12 ou 13 anos eu acho que não
é aconselhado levar e fazer trabalhar. Mas depois eu acho que sim,
porque você tem que ensinar o seu filho, a sua filha a se virar sozinho.
Tem que ensinar a trabalhar porque se não vai ficar até os 18 anos, vai
ser o que da vida? Não vai aprender a se virar sozinho nunca. E outra
coisa, a gente com 16 ou 17 anos já é grande e o governo não paga um
salário pra gente ficar em casa. Então, a gente tem que trabalhar, não
tem escolha. (Carla, 16 anos)
Ressaltando as divergências entre a legislação e os adolescentes
rurais sobre a interdição do trabalho infantil, Cristiano (18 anos) traz um
relato que consolida o ponto força corporal, quando contra-argumenta
sua posição sobre o tema:
22. 180 Revista Latino-americana de Estudos do Trabalho
É óbvio que a questão de aplicação de agrotóxico eu sou totalmente a
favor que seja proibido. É uma questão de saúde, é mais do que óbvio
isso. Mas em questão das outras atividades de plantio, colheita eu não
vejo muito isso. Quinze, dezesseis ou dezessete anos já não faz muita
diferença para os de 18 anos, porque o que a gente tem, o porte físico,
estatura física de uma pessoa não muda muito de 16 aos 18 anos. Então,
é uma idade boa de se trabalhar, não é aquela coisa que eles estão vendo
da questão da proibição do trabalho do menor de 18 anos.
Esse depoimento expressa duas posições. A primeira concorda e
reafirma a necessidade de restringir compulsoriamente o envolvimento
de jovens em atividades de aplicação agrotóxicos na lavoura de tabaco,
mas a segunda diverge sobre a atuação deles em outras tarefas agrícolas,
usando como argumento a pouca diferenciação da condição corporal nas
idades entre 16 e 18 anos. Alguns deles afirmam que essa restrição afasta
o jovem do rural, sob a crença de que desde a infância que se aprende
a trabalhar e incorporar o amor aos modos de vida. Portanto, os jovens
acreditam que as leis que proíbem o trabalho aos menores de 18 anos no
cultivo do tabaco dificultam a formação e a permanência da juventude
no meio rural.
Os depoimentos dos jovens rurais entrevistados colocam em evi-dência
algumas questões que merecem ser pontuadas. Se, por um lado,
a lei institui que menores de idade não devem envolver-se em atividades
com o tabaco porque isso se configura como trabalho infantil, por outro,
os jovens ressaltam a necessidade de ajudar os pais a somar as forças
individuais no coletivo do trabalho familiar. Ademais, os jovens entre-vistados
reconhecem, como critério fundamental, a capacidade mental e
força corporal, independente da idade, para se incorporarem no trabalho
na condição de “gente grande”, a partir dos 14 anos. Ou seja, a lei per-cebe
o jovem, com menos 18 anos, como menor de idade que precisa ser
salvaguardado de trabalhos insalubres, tal como o do tabaco, mas os jo-vens
percebem-se como adultos, uma vez que possuem conhecimentos e
força física para atuarem nas atividades requeridas no cultivo do tabaco.
Trabalho infantil: confrontos de concepções
Os jovens rurais entrevistados em Arroio do Tigre estão cientes
das normativas que regem o seu trabalho no cultivo do tabaco, mas ex-pressam
discordâncias com relação a certas determinações legais. A fala
de Hernani (14 anos), que tem três irmãos, em uma propriedade familiar
23. Juventude rural e trabalho no cultivo do tabaco 181
com sete hectares, afirma: “No fumo é muito trabalho, mas é muito pou-co
que a gente ajuda, porque as leis já não permitem. Então, a gente, às
vezes, vai junto, dá uma olhada, vê como é que é, o que estão fazendo,
mas ajudar já é mais difícil”. Nota-se que os jovens já internalizaram
os discursos para agentes externos, devido ao receio de prejudicar a si
mesmos e ao seu grupo familiar. Assim, entre os jovens rurais entre-vistados,
são comuns afirmações de que não trabalham no cultivo do
tabaco. Porém, ressaltamos, negacear o fato de que executam algum tipo
trabalho constitui-se uma estratégia de defesa do próprio jovem e de sua
família, diante das possíveis denúncias e investidas de fiscalização pelas
instituições de defesa dos direitos das crianças e adolescentes. Os jovens
sabem que estão proibidos de trabalhar e, no plano do discurso, reafir-mam
que a família e eles próprios são cumpridores dos preceitos legais.
No entanto, outros jovens rurais destacam que não concordam
com as leis que proíbem o trabalho dos menores de 18 anos nas ativida-des
agrícolas, em especial do tabaco. Os jovens compartilham da visão
de que o trabalho desempenha um papel fundamental no processo de
socialização e preparação para enfrentar os desafios do mundo moderno.
Trabalhando, a gente aprende toda hora, cedo a gente define o nosso
caráter, o nosso ponto de vista, a gente tem a visão mais bem formada
do que é o trabalho, do que a gente quer e do que a gente vai querer, nós
não ficamos à toa, a gente está trabalhando, tem uma coisa pra fazer. No
caso da cidade, ou o cara joga bola ou o cara não faz nada, muitos dos
que estão na cidade não têm emprego, então é difícil isso. Eu acho que
o trabalho é a nossa formação no interior. (Cristiano, 18 anos)
Na visão dos jovens rurais, a proibição do trabalho facilitaria a
ociosidade e incorporação de vícios, como o consumo de álcool e drogas
ilícitas. Portanto, a interdição do trabalho para a juventude rural colo-caria
em risco a integridade futura dos indivíduos e a desvalorização do
trabalho, como princípio ordenador da moral das pessoas e meio para
ganhar a vida com honestidade:
Com essa proibição da lei, os jovens vão fazer o quê? Não podem aju-dar,
e daí vão ficar por aí na cidade vagando? E qual vai ser o futuro
deles? No mundo de hoje tem drogas, tem bebidas, e outras coisas. E se
não vão poder ajudar, não vão aprender o que é trabalhar mesmo, vão
chegar ali e vão achar que é fácil, vão acabar se envolvendo com isso.
Eu acho que vai acabar estragando bastante a vida dos jovens. (Jéssica,
15 anos)
24. 182 Revista Latino-americana de Estudos do Trabalho
Observa-se que o depoimento toca em pontos cruciais da probabi-lidade
da desorganização social, salientando o consumo de produtos ilí-citos
que, a priori, são compreendidos como desestruturadores da convi-vência
social e familiar. Vale ressaltar que o consumo de drogas ilícitas
e do álcool não são problemas sociais muito distantes dos jovens rurais
por nós entrevistados. A presença de drogas, como a maconha e crack8, e
o acesso a elas no meio rural estão relacionados às facilidades logísticas
e existência de intermediários que as distribuem no local estud ado.
Os jovens rurais também argumentam que a proibição do trabalho
na agricultura vai gerar desapego ao trabalho e à vida no meio rural. Por-tanto,
eles compartilham a visão de que o trabalho facilita as interações
e convivências familiares e comunitárias. Se afastados da produção e do
trabalho agrícola, não conseguiriam conviver tão próximos de seus pais
e familiares, apreender os saberes necessários à vida rural nem incor-porar
os modos de vida compartilhados na comunidade em que vivem.
Desse modo, os jovens acreditam que o distanciamento da vida fa miliar
e comunitária contribui para o êxodo rural das novas gerações.
Os jovens não concordam com a necessidade de interferências ju-rídicas
por parte do Estado sobre o trabalho no âmbito das famílias de
agricultores. Eles dizem que os trabalhos a eles destinados pelos pais são
cabíveis dentro das capacidades mentais e físicas de cada filho e não se
constituem um fardo difícil de ser suportado. Na opinião dos jovens, os
pais têm capacidade suficiente para conduzir o processo e a intensidade
do trabalho, de maneira a não prejudicar a escolarização ou explorar a
mão de obra dos filhos nem submetê-los a riscos de saúde.
Eu sou contra essa lei, porque os pais não vão colocar o adolescente tra-balhar
com o veneno. Vai trabalhar no fumo, mas não com o veneno. E
tem alguns que moram no interior, não trabalham, não sabem fazer nada
e só estão em casa. Nós ajudamos, nós sabemos fazer alguma coisa, nós
prestamos pra fazer alguma coisa, se não fica só em casa, não faz nada.
(Bianca, 15 anos)
Na visão destes jovens, os pais estariam habilitados para conduzir
um planejamento das estratégias familiares, de forma a coadunar o tra-balho
familiar e as atividades escolares dos filhos. Não se pode ignorar
que a ajuda das crianças e dos jovens constitui uma estratégia garan-tidora
dos processos de reprodução social das famílias, em curto, mé-dio
e longos prazos. O trabalho entra na ordem natural do aprendizado
das novas gerações e da compreensão da realidade onde estão inseridos,
25. Juventude rural e trabalho no cultivo do tabaco 183
conforme depoimento: “A gente aprende a trabalhar quando é novo, já
vem desde pequeno e quando nós não trabalhamos até os 18 anos vai fi-car
mais difícil pra muitas pessoas, isso acaba levando mais pra cidade.”
(Cristiano, 18 anos).
Assim, o trabalho desempenha papel fundamental neste processo
de socialização, auxiliando crianças e jovens a adentrarem nas outras
fases da vida com elementos de formação técnica, pessoal e moral, ne-cessários
para enfrentarem os desafios que estão colocados no mundo
moderno. Diante disso, a questão da proibição do trabalho com o fumo
às crianças e aos jovens com menos de 18 anos acaba sendo contes-tada
pelos jovens de Arroio do Tigre, pois acreditam que a proibição
possa causar prejuízos aos processos de socialização, de aprendizado
e de inserção na vida econômica que o trabalho familiar proporciona.
Na leitura desses agentes, a proibição jurídica desta modalidade de
trabalho infantil representa um afastamento considerável da realidade
em que as crianças e jovens vivem. Eles ressaltam que a legislação em
questão acaba por desconsiderar a realidade da agricultura familiar fu-mageira,
bem como o caráter pedagógico que o trabalho das novas ge-rações
representa no meio rural. O depoimento de uma jovem rural é
enfático:
Não acho certa essa lei, porque os jovens vão estar em casa fazendo o
quê se não puderem ajudar? E tem gente que gosta de ajudar, está certo
que tem gente que não gosta, mas é um meio deles aprender. Que tudo
não vem assim, que dinheiro não aparece do nada. Eu acho certo que os
jovens tenham que saber da onde vem o dinheiro, como vem. Eu acho
que essa lei não é muito certa. (Jéssica, 15 anos)
Ademais, a interdição do trabalho na cultura do fumo dificultaria a
compreensão da lógica de funcionamento das unidades produtivas fami-liares,
seja no âmbito técnico, econômico ou ambiental. Os jovens rurais
enfatizam a necessidade de auxiliar no coletivo do trabalho familiar, no
sentido de somar os esforços de cada integrante, seja homem ou mulher,
seja velho, adulto, jovem ou criança. A solidariedade entre os membros
da família integra as lógicas de reprodução social dos agricultores, em
que a contribuição individual no trabalho coletivo constitui o alicerce de
sua sustentação e reprodução socioeconômica. No impedimento jurídico
ao trabalho dos jovens, a família sofreria grande prejuízo, pois teria uma
importante estratégia de reprodução social comprometida. Assim, um
jovem rural destaca:
26. 184 Revista Latino-americana de Estudos do Trabalho
Eu sou contra, até uma idade não deve trabalhar, mas com 15 anos, por
exemplo, não poder trabalhar é um absurdo, um marmanjo de 16 ou 17
anos correndo rua, deixando o pai e a mãe no sol quente trabalhando, se
vendo às voltas e não podendo ajudar. (Sidnei, 18 anos)
Diante de tal panorama, os agricultores familiares produtores de
tabaco teriam que incorporar tecnologias que possibilitassem compen-sar
as perdas da ajuda das crianças e dos jovens na propriedade. Outra
possibilidade seria a intensificação do ritmo e do peso do trabalho entre
os membros adultos, com idade legal para o desempenho de atividades
no tabaco. Ou ainda a contratação de trabalhadores rurais assalariados, o
que implicaria na elevação dos custos de produção e até mesmo no com-prometimento
da sustentabilidade econômica das unidades produtivas
que cultivam tabaco em Arroio do Tigre.
De modo geral, os jovens entrevistados entendem que somente as
tarefas de manuseio de agrotóxicos deveriam ser proibidas aos meno-res
de dezoito anos, porque reconhecem os riscos à saúde. Outrossim,
revelam que a proibição do trabalho colocaria em risco não somente a
viabilidade econômica da propriedade familiar, como também os valo-res
sociais relativos ao trabalho e ao processo de socialização fundada
sobre a ética do trabalho. É importante ressaltar que o trabalho, em suas
diversas concepções – leve, pesado, ajuda – é um componente social
das regras de sociabilidade dos grupos familiares de pertença dos jovens
entrevistados, pois eles são descendentes de colonos alemães e italianos.
Dessa forma, as visões dos jovens rurais entrevistados confron-tam-
se com os dispositivos legais que interditam, aos menores de 18
anos, o trabalho no cultivo do tabaco. Enquanto, os jovens buscam, atra-vés
de uma concepção singular do ethos das famílias de colonos de ori-gem
alemã e italiana, compreender o trabalho rural como estratégia de
formação de valores morais e como cidadãos (educação como disciplina,
bom comportamento, regramento pelas normas sociais, morais e éticas)
e profissionais (aprendizagem, habilidades, competências, valorização
do modo de vida etc.); a legislação prevê, através de uma visão univer-salista,
formas punitivas para qualquer ato que envolva o trabalho de
crianças e jovens no fumo.
Os jovens rurais entrevistados compartilham a visão de que o tr a-balho
de crianças e jovens é uma ajuda à família, com fins de formação
para a vida e de transmissão intergeracional de saberes, de ensinamentos
e de elementos simbólicos que são caros e valorizados na vida rural.
27. Juventude rural e trabalho no cultivo do tabaco 185
Reafirmam que se trata de uma transmissão estimulada pela família agri-cultora,
mas não é impositiva, obrigatória nem desrespeita os direitos
da criança e dos jovens. Ao contrário, entendem que a ajuda à família é
solidária, negociada e consensual na relação entre pais e filhos. Portanto,
na visão dos jovens, não se configura um abuso da mão de obra infan-til,
pois acreditam que fazem por vontade própria ou como uma forma
de auxiliar os pais na lida diária ou nos momentos de intensificação do
trabalho familiar. Sob essa perspectiva, é preciso repensar a concepção
de trabalho infantil no rural brasileiro, portanto, uma reconceituação é
uma condição sine qua non para a interpretação e intervenção efetiva na
realidade rural.
Considerações finais
A partir de uma concepção universalista, as normativas atinentes
ao trabalho infantil no meio rural estabelecem associações diretas entre
trabalho infantil e risco social, privação dos direitos aos estudos escola-res,
às brincadeiras e ao desenvolvimento integral das crianças e jovens.
Partem, portanto, da premissa de que o trabalho infantil é desumano e
degradante ao físico, à moral e ao psicológico de um indivíduo em fase
de desenvolvimento, daí que representa sérios riscos sobre a vida do fu-turo
adulto. Sob a perspectiva dos jovens rurais entrevistados, o trabalho
não é tão prejudicial à saúde e tem significados importantes na sociali-zação
dos filhos dos agricultores e na preparação dos futuros herdeiros
da propriedade rural ou dos trabalhadores no meio urbano. A educação
das crianças e dos jovens se faz pelo trabalho familiar, no acompanha-mento
cotidiano dos pais, para adquirir, pouco a pouco, saberes e habi-lidades
mais complexas.
O trabalho é parte da ontologia do ser social, daí ser ensinado e
transmitido pelos pais, pela experiência cotidiana. Não se trata de ex-ploração
de mais valia, tal como ocorre no trabalho assalariado, alie-nado.
Esses jovens rurais pesquisados estão vinculados a uma tradição
secular própria à agricultura de base familiar, na qual a lógica da pro-dução
está submetida a um projeto que é da família. Dessa forma, todos
os indivíduos, independentemente de sexo e idade, são subordinados
a um projeto familiar. Os jovens rurais internalizam os valores fami-liares
e mostram-se solidários às necessidades e os compromissos dos
seus pais.
28. 186 Revista Latino-americana de Estudos do Trabalho
No entanto, os processos de urbanização, integração agroindus-trial
e mudanças nos dispositivos legais transformam profundamente a
lógica familiar, levando a algumas ambiguidades e tensões que se ex-pressam
no contexto do trabalho das crianças e dos jovens e das novas
alternativas que se abrem. Indubitavelmente, tais processos transformam
as tradicionais estratégias de reprodução social das unidades de agricul-tura
familiar de Arroio do Tigre.
As normativas legais também são importantes instrumentos para
regular as formas de inserção dos membros da família, sobretudo no
caso do tabaco, cuja produção traz riscos à saúde dos trabalhadores. As-sim
sendo, os riscos à saúde dos adultos e as imposições técnico-pro-dutivas
e contratuais das agroindústrias fumageiras também devem ser
problematizadas, pois significam a estruturação de relações de poder
assimétricas, que implicam em intensificação do ritmo de trabalho fami-liar,
danos à saúde do trabalhador e expropriação dos frutos do trabalho
familiar, com repercussões sobre a vida de todos os membros da família,
seja homem ou mulher, seja adulto, jovem ou criança.
Vivenciando relações de poder desiguais, os agricultores acionam
certos valores e toda a força de trabalho familiar para justificar determi-nadas
situações de trabalho e cumprir com as obrigações contratuais. Os
contratos firmados implicam em relações de subordinação dos agricul-tores
familiares às agroindústrias fumageiras, obrigando-os a uma sé-rie
de consequências decorrentes da manipulação intensiva do fumo. O
contrato configura-se, desse modo, como um instrumento de domínio e
interesse da agroindústria de tabaco e, concomitantemente, de minimi-zação
dos impactos sociais do trabalho infantil, num contexto de pressão
da sociedade e de organismos internacionais.
As agroindústrias incluíram, nas suas pautas de discussão e nos
contratos firmados com os agricultores familiares, a questão do trabalho
infantil como estratégia de se eximir desse problema social e transferir
responsabilidades para as famílias agricultoras de não utilizarem a mão
de obra dos filhos menores na atividade fumageira. Por meio dos assis-tentes
técnicos, alertam, insistentemente, sobre os problemas judiciais
que os pais podem enfrentar, caso sejam autuados pelos fiscais do tra-balho
e agentes de defesa dos direitos das crianças e adolescentes. Em
certa medida, as agroindústrias tentam preservar a sua imagem, tendo
em vista que isso pode acarretar prejuízos econômicos decorrentes da
ligação da marca de seus produtos com um problema social condenável,
29. Juventude rural e trabalho no cultivo do tabaco 187
como a exploração do trabalho infantil, além de a industrialização de
produtos derivados do tabaco já se constituir tema internacionalmente
polêmico, principalmente pela área da saúde.
(Recebido para publicação em outubro de 2013)
(Aprovado em maio de 2014)
(Versão final em junho de 2014)
30. 188 Revista Latino-americana de Estudos do Trabalho
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34. 192 Revista Latino-americana de Estudos do Trabalho
Notas
1 A Convenção n. 182 da OIT considera criança “toda pessoa menor de 18
anos de idade”.
2 Os autores agradecem ao CNPq pelo financiamento concedido a esta pesqui-sa.
3 Com a finalidade de preservar o anonimato, atribuímos nomes fictícios aos
jovens rurais entrevistados em Arroio do Tigre.
4 Para um estudo aprofundado dos processos produtivos empregados no culti-vo
de tabaco ver Lima (2006).
5 Rustificação é uma técnica recomendada para dar vigor às mudas antes do
transplante. Tem por objetivo preparar as mudas fisiologicamente, para su-portar
o choque do transplante e as adversidades ambientais nas lavouras.
6 O processo tecnológico da secagem do tabaco tem evoluído nos últimos
anos. Existem estufas para secagem e cura de folhas de fumo com sistema
de circulação de ar forçado por meio de energia elétrica que dispendem o
uso de varas e lenha. Este processo reduziu a carga de trabalho das famílias
rurais e minimizou, em parte, o impacto ambiental, no entanto, tem elevado
o gasto de luz nas unidades de produção de tabaco.
7 Atualmente, no preparo do sistema plantio direto ou semidireto, não existe a
necessidade de trabalho humano, pois, em muitos casos, ele é realizado por
máquinas (trator e adubadora). Geralmente, alguns agricultores contratam
esse serviço, devido à facilidade, rapidez e redução do esforço laboral. Em
outros casos, apenas usa-se máquina (trator e escarificador) para abrir o sul-co
no solo. Este último processo ainda necessita do trabalho manual para a
adubação de base.
8 A Operação Moinho, realizada em dezembro de 2012, mobilizou 96 po-liciais
de 13 cidades do Estado, incluindo Vale do Taquari e Região Me-tropolitana,
e 28 viaturas. Segundo informações da delegada local, foram
cumpridos oito mandados de prisão e 15 mandados de busca e apreensão em
estabelecimentos comerciais e residências de Arroio do Tigre e Sobradinho,
tanto na cidade quanto no interior. Encontraram catorze quilos e meio de
maconha e um quilo de crack. A droga estava enterrada num matagal numa
propriedade rural do interior do município de Arroio do Tigre.
35. Juventude rural e trabalho no cultivo do tabaco 193
Resumo
O artigo analisa percepções de jovens rurais sobre as restrições
legais ao trabalho infantil no cultivo do tabaco desencadeadas pelas
Convenções 182 da Organização Internacional do Trabalho e da Con-venção-
Quadro para o Controle do Tabaco. Para tanto, foi realizado um
estudo de caso no município de Arroio do Tigre, Rio Grande do Sul. Os
dados da pesquisa foram obtidos por meio de entrevistas semiestrutu-radas,
dirigidas para 15 jovens rurais, filhos de agricultores familiares
que cultivam o tabaco. Os jovens acreditam que o trabalho na agricul-tura
tem importância na socialização, preparação dos herdeiros, valo-rização
do trabalho da agricultura e reprodução de modos de vida dos
agricultores. Percebem, portanto, que os dispositivos legais que proíbem
o trabalho aos menores de 18 anos no cultivo do tabaco interferem na
organização do trabalho familiar e tendem a dificultar a permanência dos
jovens no meio rural.
Palavras-chave: Juventude rural, trabalho infantil, trabalho, agri-cultura
familiar, tabaco.
Abstract
The article analyzes the perception of rural youth about the legal
restrictions to child labor in tobacco crops. The restrictions were trig-gered
by the 182 Convention of the International Labor Organization
and the Framework Convention on Tobacco Control. To do so, a study
was performed in Arroio do Tigre County, Rio Grande do Sul, Brazil.
Data were collected by means of semi-structured interviews applied to
15 rural youth born in tobacco farmer families. The youngsters believe
that working in crops is important for socialization, for the preparation
of heirs, for the valorization of this culture and leads to the reproduction
of the life style of farmer families. Thus, they realize that restrictions
resulting from legislation forbid under 18 labor in tobacco crops and
that it impairs family work, tending to make it difficult to keep these
youngsters in the countryside.
Keywords: rural youth, child labor, work, family agriculture, to-bacco.