[1] Carlos Drummond de Andrade foi um dos maiores poetas brasileiros do século XX, reconhecido por sua poesia modernista. [2] Sua obra pode ser dividida em quatro fases que acompanham a evolução do Modernismo no Brasil. [3] Drummond manteve uma carreira discreta como funcionário público, mas também escreveu poemas eróticos de forma privada.
2. BIOGRAFIA
Drummond é consagrado pela tradição
como o maior poeta brasileiro. Obteve um
reconhecimento único em vida:
foi capa de revistas,
enredo de escola de samba,
assunto de programas de televisão.
Sua morte provocou comoção nacional,
merecidamente.
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6. Mangueira: O Reino das Palavras – 1987 – Rody, Verinha e Bira do Ponto
Mangueira Olha as carrancas
de mãos dadas com a poesia do rio São Francisco
traz para os braços do povo rema rema remador
este poeta genial primavera vem chegando
Carlos Drumond de Andrade inspirando amor
suas obras são palavras o rio toma forma de sambista
de um reino de verdade como o artista imaginou
Itabira Na ilusão de um sonho
em seus versos ele tanto exaltou achei bis
com amor o elefante que eu imaginei
eis aí a verde e rosa bis
cantando em verso e prosa
o que ao poeta inspirou
É Dom Quixote ô
é Zé Pereira
é Charlie Chaplin bis
no embalo da Mangueira
7. BIOGRAFIA
Carlos Drummond de
Andrade nasceu em Itabira do
Mato Dentro - MG, em 31 de
outubro de 1902. De uma
família de fazendeiros em
decadência, estudou na cidade
de Belo Horizonte e com os
jesuítas no Colégio Anchieta
de Nova Friburgo RJ, de onde
foi expulso por "insubordinação
mental".
De novo em Belo Horizonte,
começou a carreira de escritor
como colaborador do Diário de
Minas, que aglutinava os
adeptos locais do incipiente
movimento modernista mineiro.
8. BIOGRAFIA
Ante a insistência familiar para que obtivesse um
diploma, formou-se em farmácia na cidade de Ouro
Preto em 1925.
Fundou com outros escritores ”A Revista”, que,
apesar da vida breve, foi importante veículo de
afirmação do modernismo em Minas.
Ingressou no serviço público e, em 1934, transferiu-se
para o Rio de Janeiro, onde foi chefe de gabinete de
Gustavo Capanema, ministro da Educação, até 1945.
Passou depois a trabalhar no Serviço do Patrimônio
Histórico e Artístico Nacional e se aposentou em
1962. Desde 1954 colaborou como cronista
no Correio da Manhã e, a partir do início de 1969, no
Jornal do Brasil. Morreu no Rio, em 1987.
9. Confidência do Itabirano
Alguns anos vivi em Itabira.
Principalmente nasci em Itabira.
Por isso sou triste, orgulhoso: de ferro.
Noventa por cento de ferro nas calçadas.
Oitenta por cento de ferro nas almas.
E esse alheamento do que na vida é porosidade e comunicação.
A vontade de amar, que me paralisa o trabalho,
vem de Itabira, de suas noites brancas, sem mulheres e sem horizontes.
E o hábito de sofrer, que tanto me diverte,
é doce herança itabirana.
De Itabira trouxe prendas diversas que ora te ofereço:
esta pedra de ferro, futuro aço do Brasil,
este São Benedito do velho santeiro Alfredo Duval;
este couro de anta, estendido no sofá da sala de visitas;
este orgulho, esta cabeça baixa...
Tive ouro, tive gado, tive fazendas.
Hoje sou funcionário público.
Itabira é apenas uma fotografia na parede.
Mas como dói!
10. Confidência do Itabirano
O poema começa com a saudade profunda de seu
lugar de nascimento, traçado em quatro belas, mas
sofredoras estrofes. Confessa (estrofe 3) que
aprendeu a sofrer por causa de Itabira; mas,
paradoxalmente: "A vontade de amor (...) vem de
Itabira"; vale dizer que o amor nasce e é servido no
sofrimento. De Itabira vem a explicação de
Drummond viver de "cabeça baixa" (estrofe 3,
verso 6). Afinal, apesar das negatividades, o poeta
sente uma incomensurável saudade de sua cidade
natal.
11. Drummond e seus poemas eróticos
Drummond sempre se comportou de
modo discreto, avesso à publicidade,
notabilizando-se como tradicional pai de
família. Todavia, após a morte, veio a
público sua faceta íntima de amante
dedicado, pois manteve um longo e
intenso amor paralelo à vida familiar, que
lhe inspirou diversos poemas eróticos,
bem mais explícitos do que os que
normalmente publicava em seus livros.
12. O amor natural: poemas
pornográficos
A língua lambe
A língua lambe as pétalas vermelhas
da rosa pluriaberta; a língua lavra
certo oculto botão, e vai tecendo
lépidas variações de leves ritmos.
E lambe, lambilonga, lambilenta,
a licorina gruta cabeluda,
e, quanto mais lambente, mais ativa,
atinge o céu do céu, entre gemidos,
entre gritos, balidos e rugidos
de leões na floresta, enfurecidos.
13. As 4 fases de Drummond
A poesia drummondiana apresenta quatro
fases marcantes, que representam a
própria evolução do Modernismo no
Brasil.
Inicialmente seus versos foram muito
influenciados pelos ideais da Semana de
arte moderna de 1922.
14. 1ª FASE
Alguma poesia (1930)
Brejo das Almas (1934)
Nesta fase percebe-se a recorrência do
verso livre, do poema-piada, da concisão
poética, do prosaísmo e do coloquialismo.
Muitos poemas dessa época funcionaram
quase como provocação aos admiradores
da poesia do século XIX. É o caso de “No
meio do caminho”.
15. No meio do caminho
No meio do caminho tinha uma pedra
tinha uma pedra no meio do caminho
tinha uma pedra
no meio do caminho tinha uma pedra.
Nunca me esquecerei desse acontecimento
na vida de minhas retinas tão fatigadas.
Nunca me esquecerei que no meio do caminho
tinha uma pedra
tinha uma pedra no meio do caminho
no meio do caminho tinha uma pedra
Revista de Antropofagia, 1928
Incluído em Alguma poesia (1930)
16. Individualismo
Pessimismo
eu “gauche”
Poema de sete faces
Quando nasci, um anjo torto
desses que vivem na sombra
disse: Vai, Carlos! ser gauche na vida.
(...)
17. 2ª FASE
Sentimento do mundo (1940),
José (1942)
A rosa do povo (1945)
Com o golpe do Estado Novo e a Segunda Guerra
Mundial, Drummond, cuja poesia sempre deixou
transparecer a valorização dos regimes de
esquerda, passou a discutir questões
sociopolíticas mais amplas.
As questões existenciais não são deixadas de
lado a esta altura, mas os três livros dessa fase
misturam-nas à preocupação social.
O Coloquialismo se mistura com sombra de
Classicismo.
18. solidariedade e luta Mãos dadas
Não serei o poeta de um mundo caduco.
Também não cantarei o mundo futuro.
Estou preso à vida e olho meus companheiros.
Estão taciturnos mas nutrem grandes esperanças.
Entre eles, considero a enorme realidade.
O presente é tão grande, não nos afastemos.
Não nos afastemos muito, vamos de mãos dadas.
Não serei o cantor de uma mulher, de uma história,
não direi os suspiros ao anoitecer, a paisagem
vista da janela,
não distribuirei entorpecentes ou cartas de suicida,
não fugirei para as ilhas nem serei raptado por
serafins.
O tempo é a minha matéria, o tempo presente, os
homens presentes,
a vida presente.
19. Relação Eu-mundo Questionamento da existência:
o impasse
José
E agora, José? Com a chave na mão
A festa acabou, quer abrir a porta,
a luz apagou, não existe porta;
o povo sumiu, quer morrer no mar,
a noite esfriou, mas o mar secou:
e agora, José? quer ir para Minas,
e agora, você? Minas não há mais.
(...) José, e agora?
(...)
você marcha, José!
José, para onde?
20. A Poesia O Lutador
Lutar com palavras
é a luta mais vã.
Entanto lutamos
mal rompe a manhã.
São muitas, eu
pouco.
(...)
Palavra, palavra
(digo exasperado),
se me desafias,
aceito o combate.
(...)
O ciclo do dia
ora se consuma
e o inútil duelo
jamais se resolve.
21. 3ª FASE
Novos poemas (1948)
Claro enigma (1951)
Fazendeiro do ar (1954)
A vida passada a limpo (1959)
A terceira fase de sua poesia é altamente reflexiva:
as questões sociais dão espaço às indagações
filosóficas, de ordem metafísica.
Muitos poemas passam a empregar formas poéticas
mais tradicionais, problematizam a própria criação
poética, num exercício de metalinguagem.
Surgem algumas poesias eróticas.
22. Oficina irritada
Eu quero compor um soneto duro
Como poeta algum ousara escrever.
Eu quero pintar um soneto escuro,
Seco, abafado, difícil de ler.
Quero que meu soneto, no futuro,
Não desperte em ninguém nenhum prazer.
E que, no seu maligno ar imaturo,
Ao mesmo tempo saiba ser, não ser.
Esse meu verbo antipático e impuro
Há de pungir, há de fazer sofrer,
Tendão de vênus sob o pedicuro.
Ninguém o lembrará: tiro no muro,
Cão mijando no caos, enquanto arcturo,
Claro enigma, se deixa surpreender.
Claro enigma (1951)
Arcturo: estrela que serve de norte
23. Procura da poesia
Não faças versos sobre acontecimentos. (...)
Não faças poesia com o corpo, (...)
Nem me reveles teus sentimentos, (...)
O que pensas e sentes, isso ainda não é poesia.
Não cantes tua cidade, deixa-a em paz.(...)
O canto não é a natureza
nem os homens em sociedade.
(...)
Penetra surdamente no reino das palavras.
Lá estão os poemas que esperam ser escritos.
Estão paralisados, mas não há desespero,
há calma e frescura na superfície intata.
Ei-los sós e mudos, em estado de dicionário. (...)
Chega mais perto e contempla as palavras.
Cada uma
tem mil faces secretas sob a face neutra
e te pergunta, sem interesse pela resposta,
pobre ou terrível, que lhe deres:
Trouxeste a chave?
24. 4ª FASE
Lição de coisas (1962)
Por fim, Drummond retomou um pouco do espírito
revolucionário do Modernismo de 1922, fundindo-o com o
experimentalismo que caracterizava a poesia brasileira na
virada da década de 1950 para a de 1960.
Retorno aos poemas curtos e humorísticos de Alguma
poesia. Memorialismo e reflexão.
Experimentalismo sensível e inteligente.
Adoção de elementos do Concretismo:
Abandono da sintaxe;
Atomização dos vocábulos;
Espacialização gráfica do texto
25. Amar-amaro
se era para
porque amou por que amou ou era por
se sabia como se entretanto todavia
proibidopassearsentimentos toda via mas toda vida
ternos ou desesperados é indignação do achado e aguda espotejação
nesse museu do pardo indiferente da carne do conhecimento, ora veja
me diga: mas por que
amar sofrer talvez como se morre permita cavalheir(o,a)
de varíola voluntária vágula evidente? amig(o,a) me releve
ah PORQUE AMOU este malestar
e se queimou cantarino escarninho piedoso
este querer consolar sem muita convicção
todo por dentro por fora nos cantos ecos o que é inconsolável de ofício
lúgubres de você mesm(o,a) a morte é esconsolável consolatrix
irm(ã,o) retrato espetáculo por que amou? consoadíssima
a vida também
tudo também
mas o amor car(o,a) colega este não consola
nunca de nuncarás.
Lição de coisas (1962)
26. Outras obras
Após Lição de coisas, Drummond ainda publicou
muitos outros livros de poemas, que não costumam
ser agrupados nas quatro fases de sua poesia,
destaque para:
Boitempo(1968)
A paixão medida (1980)
Corpo (1984)
Amar se aprende amando (1985)
O amor natural (publicado postumamente em 1992)
27. REUNIÃO E NOVA REUNIÃO
Em 1969 os dez primeiros livros de
Drummond foram organizados e editados
pelo autor no volume REUNIÃO.
EM 1982 foram agrupados além dos dez
anteriores, mais nove livros no volume
NOVA REUNIÃO.
28. TEMAS DE REUNIÃO
Em 1962 ao completar 60 anos, o poeta organizou uma
seleção de seus poemas e e agrupou os poemas em torno
de 9 grupos temáticos, que receberam do autor títulos
específicos:
1- o indivíduo ( “um eu todo retorcido”)
2- a terra natal (“uma província: esta”)
3- a família (“a família que me dei”)
4- amigos (“cantar de amigos”)
5- A sociedade (“amar-amaro”)
6- o amor (“uma, duas argolinhas”)
7- a poesia (“Poesia contemplada”)
8- os exercícios lúdicos (“Na praça de convites”)
9- a existência (“ Tentativa de exploração e interpretação do
estar-no-mundo
30. Anoitecer
É a hora do descanso,
É a hora em que o sino toca, mas o descanso vem tarde,
mas aqui não há sinos; o corpo não pede sono,
há somente buzinas, sirenes roucas, depois de tanto rodar;
apitos pede paz – morte – mergulho
aflitos, pungentes, trágicos, no poço mais ermo e quedo;
uivando escuro segredo; desta hora tenho medo.
desta hora tenho medo.
Hora de delicadeza,
É a hora em que o pássaro volta, gasalho , sombra, silêncio.
mas de há muito não há pássaros; Haverá disso no mundo?
só multidões compactas É antes a hora dos corvos,
escorrendo exaustas bicando em mim, meu
como espesso óleo passado,
que impregna o lajedo; meu futuro, meu degredo;
desta hora tenho medo. dessa hora, sim, tenho medo.
31. Desfile
O rosto no travesseiro,
escuto o tempo fluindo
no mais completo silêncio.
(...)
Vinte anos ou pouco mais,
tudo estará terminado.
O tempo flui sem dor.
O rosto no travesseiro,
fecho os olhos, para ensaio.
32. Os últimos dias
Que a terra há de comer.
Mas não coma já.
(...)
E a matéria se veja acabar: adeus, composição
que um dia se chamou Carlos Drummond de Andrade.
Adeus, minha presença, meu olhar e minhas veias grossas, meus
sulcos no travesseiro, minha sombra no muro,
Sinal meu no rosto, olhos míopes, objetos de uso pessoal,
[idéia de justiça, revolta e sono, adeus,
vida aos outros legada.
33. Resíduo
De tudo ficou um pouco.
Do meu medo. Do teu asco.
Dos gritos gagos. Da rosa
ficou um pouco.
(...)
Se de tudo fica um pouco,
mas por que não ficaria
um pouco de mim? (...)
fica sempre um pouco de tudo.
Às vezes um botão. Às vezes um rato.
35. Tempos sombrios...
O medo
A Antonio Candido
"Porque há para todos nós um problema sério...
Este problema é o do medo."
(Antonio Candido, Plataforma de Uma
Geração)
Em verdade temos medo.
(...)
E fomos educados para o medo.
Cheiramos flores de medo.
Vestimos panos de medo.
De medo, vermelhos rios
vadeamos.
36. (...)
Faremos casas de medo,
duros tijolos de medo,
medrosos caules, repuxos,
ruas só de medo e calma.
(...)
Nossos filhos tão felizes...
Fiéis herdeiros do medo,
eles povoam a cidade.
Depois da cidade, o mundo.
Depois do mundo, as estrelas,
dançando o baile do medo.
37. “morreremos de medo
e sobre nossos túmulos nascerão flores amarelas
e medrosas.”
(Sentimento do Mundo)