1. VI Seminário de Iniciação Científica – SóLetras - 2009 ISSN 1808-9216
FÁBULA: UMA PROPOSTA DE LEITURA DO GÊNERO
Silcinei de Oliveira Benetti (G – UENP/ Campus Jac.)
Sillcinney2005@hotmail.com
Marilúcia dos Santos Domingos Striquer
(Orientadora UENP/Campus Jac.)
INTRODUÇÃO
O presente trabalho tem por objetivo propor uma sequência
didática para o trabalho com alunos da 5ª série do Ensino
Fundamental, especificamente no que se refere à etapa da leitura
do gênero. De acordo com Dolz e Schneuwly (2004) o trabalho
com a sequência didática, ou seja, a transposição da teoria sobre
gêneros textuais para a prática da sala de aula, é importante, e até
mesmo fundamental, porque permite, de modo efetivo, o ensino da
oralidade e da escrita, baseados em projetos de classe. Contudo,
essa proposta se concentra apenas sobre o trabalho com gêneros
escritos, como é o caso do gênero fábula.
FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA
A sequência didática, de acordo com Dolz & Schneuwly
(2004 p. 95-128) divide-se da seguinte forma:
ESQUEMA DA SEQUÊNCIA DIDÁTICA
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Na primeira etapa, então chamada de “Apresentação”, é
constituída de uma situação que visa expor aos alunos um projeto de
comunicação que será realizado na produção final. Tem por finalidade
prepará-los para a produção inicial, que pode ser considerada uma
primeira tentativa de realização do gênero que será trabalhado nos
módulos. A apresentação da situação é, portanto, o momento em que a
turma constrói uma representação da situação de comunicação e da
atividade de linguagem a ser executada. Está é uma etapa fundamental e
ao mesmo tempo difícil, pois envolve duas dimensões que podem ser
distinguidas:
a) Apresentar um problema de comunicação bem definido;
• Qual é o gênero que será abordado?
• A quem se dirige a produção?
• Que forma assumirá a produção?
• Quem participará da produção?
b) Preparar os conteúdos dos textos que serão produzidos.
• Quais conteúdos serão trabalhados?
• Qual a importância deste conteúdo?
“Produção Inicial”, essa segunda etapa possibilita que o
professor tenha condições de avaliar os conhecimentos adquiridos pelo
aluno para a realização da tarefa, ou seja, para a produção do gênero em
enfoque. Através das dificuldades, observados diretamente na produção
do aluno, o professor pode planejar atividades que encaminhem o domínio
do gênero em questão. Tais atividades é que constituem a etapa dos
“Módulos”, uma vez que eles têm a finalidade de auxiliar os alunos em
Módul
o 1
Módul
o 2
PRODUÇÃO
INICIAL
PRODUÇÃO
FINAL
2
Apresentação
da situação
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suas dificuldades. Isto é, para cada item a ser trabalhado, por exemplo,
coesão verbal, coesão nominal, entre outros, um módulo de trabalho, ou
mais, conforme a necessidade da classe, é elaborado e desenvolvido junto
aos alunos.
A última etapa é a “Produção Final”, a qual ocorre após
sanadas as dificuldades diagnosticadas na produção inicial e trabalhada
nos módulos. É o momento em que os alunos produzem o texto final
(DOLZ & SCHNEUWLY, 2004).
UMA PROPOSTA
A sequência aqui proposta, ou seja, o conjunto sistemático de
atividades aqui apresentadas foi elaborado tendo como norte uma 5ª série
do Ensino Fundamental. É importante esclarecer que foi delimitado para
este momento, em apresentar apenas a sequência didática elaborada, no
entanto, antes dela, evidentemente, é preciso, de acordo com a teoria de
Dolz e Schnewly (2004), o planejamento e a elaboração de modelos
didáticos que contemplem o projeto de classe, ou seja, uma motivação,
ou justificativa prática/social para o trabalho com o gênero em questão e
a análise sistemática dos textos que serão instrumentos de trabalho no
processo de ensino e aprendizagem do gênero. Atividades,
evidentemente, desenvolvidas, mas para ser coerente ao objetivo
proposto para este artigo, elas não serão abordadas.
No primeiro momento, isto é, na “Apresentação da situação”, o
professor propõe aos alunos a elaboração de uma coletânea de fábulas.
Cada aluno escreverá uma fábula para compor a coletânea da sala e ao
final de todo o trabalho essa coletânea fará parte do acervo da biblioteca
da escola.
São, então, oferecidos aos alunos textos da esfera literária, como,
por exemplo, o conto e a fábula. Como sugestão: o conto - Chapeuzinho
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Vermelho, dos Irmãos Grimm; a fábula - A cigarra e as formigas, de
Esopo. Primeiramente, a leitura dos dois textos é realizada de forma
conjunta com os alunos. Depois, os alunos são encaminhados, através de
perguntas elaboradas pelo professor, a perceberem que existem
diferenças entre um texto e outro, principalmente, neste caso, na intenção
de um desses textos no que se refere à interação entre o autor e o leitor.
Isto é, a fábula, assim como o conto, é uma narrativa curta, constituída
de uma célula dramática, trabalhada sobre espaço restrito, com duração,
por vezes, de um curto espaço de tempo, trabalha com o imaginário das
pessoas. Contudo, a fábula, além de se constituir, quase sempre, de
animais ou seres inanimados como personagens, os quais representam,
na verdade, seres humanos, ela, sobretudo, pretende transmitir alguma
lição de fundo moral. Ou seja, o autor de uma fábula busca sempre levar
o leitor a pensar, ou repensar, sobre valores morais presente na
sociedade.
Dessa forma, pela especificidade da constituição de cada texto, além
dos fatores sociais e históricos, é que este se concebe em um gênero
textual. Sendo assim, a próxima etapa de trabalho pode ser apresentar
um conjunto de fábulas para o trabalho com a leitura.
A cigarra e as formigas
Durante o inverno, as formigas trabalhavam para secar o grão
úmido, quando uma cigarra, faminta lhe pediu algo para comer. As
formigas lhe perguntaram: “Por que, no verão, não reservaste também o
teu alimento?”. E a cigarra respondeu: “Não tinha tempo, pois cantava,
alegrando o mundo com a minha melodia” E as formigas, rindo, disseram:
“Pois bem, se cantavas no verão, dance agora no inverno”.
Moral: Descuidar de certos trabalhos pode trazer tristezas e falta.
Esopo: fábulas. Tradução de Pietro Nassetti. SP: Martin Claret, 2009.
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O sapo e o boi
Existiu, há muitos anos, um boi de grande beleza e altivez. Certo
dia, enquanto o magnífico animal dava o seu costumeiro passeio à tarde,
passou por ali um sapo esfanapado maltrapilho. Ao ver o boi, ficou
extasiado e cheio de inveja, e disse aos amigos: “Repare na pose do
grandão! Bem, não posso dizer que ele seja elegante... mas e daí, se eu
quisesse, também eu seria elegante!”.
Dizendo isso o sapo estufou a barriga e em pouco tempo já estava
com o dobro de seu tamanho normal.
- Já estou grande que nem ele? – perguntou.
Não, ainda falta muito! – responderam os amigos. O sapo se estufou
mais ainda e perguntou novamente.
- não – falaram os outros sapos – e é melhor você parar com isso
porque senão vai acabar se machucando. Mas tamanha era a vontade do
sapo de imitar o boi que ele continuou se estufando, estufando, estufando
– até estourar.
Moral: Seja sempre você mesmo.
Esopo: fábulas. Tradução de Pietro Nassetti. SP: Martin Claret, 2009.
O leão e o rato reconhecido
Um rato passeava sobre o corpo de um leão adormecido. Este
acordou, e tendo apanhado o rato, ia comê-lo. Mas o rato suplicou-lhe que
o largasse, dizendo que, se o poupasse, lhe pagaria o favor; e o leão
sorriu e deixou-o partir. Pouco depois, aconteceu que o leão foi salvo pelo
reconhecimento do rato. De fato, aquele fora apanhado por caçadores e
amarrado a uma árvore com uma corda. Assim que ouviu seus gemidos,
o rato veio até ele, roeu a corda, e o libertou, dizendo: “Ainda há pouco
riste de mim, não acreditando que eu cumprisse minha palavra, mas
agora vês que também entre os ratos existe reconhecimento”.
Moral: A fábula mostra que, nos revezes, os muito poderosos têm
necessidade dos mais fracos.
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Esopo: fábulas. Tradução de Pietro Nassetti. SP: Martin Claret, 2009.
O galo e a jóia
Certa vez, um galo jovem e energético ciscava a poeira do chão
quando encontrou uma jóia. Certo de que tinha encontrado uma coisa
preciosa, mas sem saber muito bem o que fazer daquilo, o galo ficou com
ar importante e disse a jóia:
- olhe, sei que você é uma coisa muito fina. Mas não é do meu
gosto. Para falar a verdade, eu preferia de longe um grão de uma
deliciosa cevada.
Moral: Às vezes o que é precioso para um, não tem valor nenhum para
outro.
Esopo: fábulas. Tradução de Pietro Nassetti. SP: Martin Claret, 2009.
A raposa e a cegonha
Certa vez uma raposa convidou a cegonha para jantar. Querendo
pregar uma peça na outra, serviu sopa em um prato raso. Logicamente a
raposa tomou toda a sua sopa sem o menor problema, mas a pobre
cegonha com seu bico comprido mal pode tomar uma gota. O resultado foi
que a cegonha voltou para a casa morrendo de fome. A raposa fingiu
preocupação, perguntou se a sopa não estava do seu gosto, mas a
cegonha não disse nada. Quando foi embora, agradeceu muito a raposa e
disse que gostaria de retribuir o jantar no dia seguinte.
Assim que chegou, a raposa se sentou lambendo os beiços de fome,
curiosa para ver as delícias que a outra ia servir. O jantar veio para a
mesa em uma jarra alta, de gargalo estreito, onde a cegonha podia beber
sem o menor problema. A raposa, amoladíssima, só teve uma saída;
lamber as gotinhas de sopa que escorriam pelo lado de fora da jarra. Ela
aprendeu bem a lição. Enquanto ia andando para a casa, faminta,
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pensava: “Não posso reclamar da cegonha. Ela me tratou mal, mas fui
grosseira com ela antes”.
Moral: Trate os outros tal como deseja ser tratado.
Esopo: fábulas. Tradução de Pietro Nassetti. SP: Martin Claret, 2009.
Explanado as diferenças entre os gêneros (conto e fábula), tendo
em vista que o projeto de comunicação a ser desenvolvido também já foi
exposto, abre-se aqui um momento oportuno onde os alunos podem
escolher qual dos gêneros será abordado para o aprofundamento do
trabalho. Nesta proposta ficou estabelecido pela turma que será
trabalhado o gênero fábula, especificamente com a fábula “A cigarra e as
formigas” de Esopo.
Passamos então para o módulo de leitura que segundo Lopes-Rossi
(2003a), deve levar o aluno a conhecer as condições de produção, bem
como a circulação do gênero escolhido para o projeto. É importante que o
aluno tenha contato com o suporte do gênero em questão e que para
entender melhor suas condições de produção e circulação é mister
elucidar as indagações do tipo:
Quem escreve em geral esse gênero discursivo? Quem conta ou escreve
uma fábula é alguém que é um observador dos fatos sociais e que tem a
intenção de ensinar algo moral, aconselhar, convencer, divertir ou
criticar atitudes sociais de uma comunidade.
Com que propósito? Transmitir o ensinamento de caráter moral.
Onde se escreve? Em casa, em um escritório, em um parque.
Quando se escreve? Desde o século VIII tem-se registro de Fábulas
Como se escreve? É uma pequena narrativa em prosa ou versos.
Com base em que informações? O conhecimento dos preceitos morais.
Atitudes de uma pessoa ou de uma comunidade.
Como o redator obtém as informações? Na observação de fatos e na
integração de elementos ficcionais.
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Quem escreveu este texto que estou lendo? Esopo, escritor que viveu por
volta do século VI a.C.
Quem lê esse gênero? Jovens e adultos.
Por que o faz? Pelo interesse em condutas morais e por histórias que
podem mesclar o real e o ficcional.
Onde o encontra? Normalmente em uma coletânea, mas não raro
encontra-se em livros didáticos voltados para o ensino fundamental.
Que tipo de resposta dar ao texto? Compreensão e aceitação dos preceitos
morais ou refutação dos mesmos.
Que influência pode sofrer devido a essa leitura? Consciência sobre os
próprios atos.
Em que condições esse gênero pode ser produzido e pode circular em
nossa sociedade? Em qualquer condição ele pode ser produzido e pode
circular em jornais, livros, coletâneas, livros didáticos, entre outros.
Após ter trabalhado o módulo de leitura, passaremos então, para os
exercícios tendo em vista a fixação dos conhecimentos adquiridos.
As vozes que falam nos enunciados
As vozes que "falam" nos enunciados do texto podem ser as do narrador
(se o discurso for da ordem do narrar), do expositor (se o discurso for
da ordem do expor), vozes das personagens, vozes sociais (como a voz
da publicidade, da lei, da instituição escolar etc.).
A raposa e a sarça
Uma raposa ia atravessando um tapume, quando escorregou e,
estando a ponto de cair, agarrou-se a uma sarça para se salvar.
Então, como a planta ensanguentasse e ferisse suas patas, disse-lhe a
raposa: "Ai de mim! Procurei a ti para salvar-me e tu me trataste de
forma pior". "Mas erraste, amiga", disse a sarça, "querendo agarrar-te
a mim, que tenho opor costume agarrar todo mundo".
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Moral: São tolos os que procuram a ajuda daqueles para os quais a
mais natural fazer o mal.
Esopo: fábulas completas. Tradução de Neide Smolka. Adaptado pela
autora.
a) O narrador participa da história ou simplesmente conta a história?
b) Qual "voz" aparece e diz: "a raposa disse a ela que precisava de
ajuda e não de ferimentos"?
c) Para que servem as aspas usadas no texto?
d) Quem diz: "São tolos os que procuram a ajuda daqueles para os
quais é mais natural fazer o mal"?
e) Como poderia ser a voz da raposa se ela falasse diretamente?
f) Pinte os trechos que contem a voz do narrador com uma cor e os
trechos das personagens com outra.
g) Leitura dramatizando a voz do narrador, as vozes das personagens.
Coesão verbal
Sublinhe nos textos a seguir as expressões que indicam tempo:
a) "Morreu ontem, aos 70 anos de idade, 'João Batista Sérgio Murad,
o empresário que ficou conhecido no país pelo pseudônimo de Beto
Carrero. Ele estava internado há dois dias no Hospital Sírio-Libanês, em
São Paulo". [...] (Folha de Londrina, 02/02/2008).
b) "Era um mês de outubro em São Paulo, a criançada só falava no
concurso das figurinhas de futebol". (João Carlos Marinho Silva. O gênio
do crime. São Paulo, Obelisco, 1977).
c) Um dia, as lebres, reunidas, se lamentavam entre si da vida miserável
e cheia de medo, pois não eram presas dos homens, dos cães, das
águias, e também de muitos animais?”(Esopo: Fábulas completas.
Tradução de Neide Smolka. São Paulo: Moderna, 1994)".
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d) “Uma raposa e um crocodilo discutiam sobre sua nobreza. Como o
crocodilo falasse sobre o valor de seus ancestrais, dizendo que eram
ginasiarcas (atletas), a raposa disse: [...]” (a raposa e o crocodilo.
Esopo: fábulas completas. Tradução de Neide Smolka. São Paulo:
Moderna, 1994).
Em que textos você:
a) Pode dizer quando aconteceu o fato contado?
b) Não pode dizer exatamente quando aconteceu o fato contado?
c) Agora discuta com o seu colega as razões pelas quais os textos das
fábulas são histórias que não apresentam indicação precisa de tempo.
REFERÊNCIAS:
DOLZ, J.;NOVERRAZ, M.;SCHNEUWLY,B. Seqüências didáticas para o oral
e a escrita: apresentação de um procedimento. In:
SCHENEUWLY,B.;DOLZ,J. (orgs.). Gêneros orais e escritos na escola.
Tradução Rosane Rojo e Gláis Sales Cordeiro. Campinas, SP: Mercado de
Letras,2004,p.95-126.
LOPES-ROSSI, Maria Aparecida Garcia. Gêneros discursivos no ensino da
leitura e produção de textos. Rn= Karwoski, Acir Mário, Gaydegzka,
Beatriz; Brito, karim Siebeneicher. (orgs.). Gêneros textuais: reflexões e
ensino. Palmas e União da Vitória, PR: Kaygangue, 2005, p. 84-86.
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