1. Sinopse Crítica
Por Walner MAMEDE
Autor(es) do texto original Ano Titulo
LOIOLA, Elizabeth; 2006 Aprendizagem em organizações: mecanismos
NÉRIS, Jorge S.; que articulam processos individuais e coletivos
BASTOS, Antônio Virgílio B.
Fonte (Livro, revista, jornal) Editor(a) Local Páginas
TDE &E em organizações e trabalho Artmed POA 114-136
Objetivos
1- Discutir o tema ‘aprendizagem’ no interior das organizações sob a perspectiva
individual e organizacional e sua interconversão entre esses dois níveis
2- Relacionar ‘aprendizagem organizacional’ com ‘gestão do conhecimento’.
Idéias Principais Considerações
Existe um cenário econômico atual que demanda uma revisão das Tal relação assemelha-
formas de se entender e promover a aprendizagem no interior das se à relação entre
organizações e tal demanda tem sido atendida em duas dimensões: Ciência e Tecnologia,
sendo esta, muitas
acadêmica (por pesquisadores) e empresarial (por consultores). Os
vezes independente e
primeiros se orientam por uma abordagem científica e reflexiva dos
‘a priori’ daquela,
fatos e fenômenos, os segundos por uma visão pragmática imediatista,
convocando-a e
prescritiva e aplicada que em alguns aspectos se complementam, mas retroalimentando-a, a
em outros conflitam. Tanto a visão acadêmica quanto a empresarial partir das
estabelecem suas conclusões a partir da realidade empírica, sendo concatenações, nem
que a primeira se vale de uma rígida metodologia que considera o sempre inválidas, do
maior número possível de aspectos envolvidos na questão, em suas senso comum. Temos
múltiplas determinações, enquanto a segunda, a partir de aportes também que, muitas
teóricos assim obtidos, produz suas análises sobre o contexto- vezes, a Ciência
convoca a realidade ‘a
problema tendo por referência e estabelecendo, muitas vezes,
posteriori’ para
generalizações prematuras derivadas de casos-sucesso, sem o rigor
legitimar suas
necessário.
verdades negociadas
(LATOUR, 2000) 1
Duas grandes vertentes têm orientado os debates no campo da A discussão sobre a
produção do conhecimento organizacional: uma que considera o natureza do
conhecimento como mercadoria e propriedade privativa (ativo conhecimento é velha
conhecida na
econômico), se ocupando de seu gerenciamento comercial, e outra que
Sociologia da Ciência.
não nega a primeira e se preocupa em compreender os processos
Merton (1968)2 já
individuais e sociais de sua construção no interior da organização, se
alertava, em meados do
ocupando de sua gestão estratégica. O presente texto está séc. XX, sobre o
comprometido com esta segunda perspectiva, apontando a direção necessário caráter
privatista para a qual se encaminha a solução da controvérsia sobre a comunitário do
natureza do conhecimento: pública ou privada? conhecimento
científico e denunciava
1
LATOUR, Bruno. Ciência em ação. São Paulo: Unesp, 2000.
2
MERTON, Robert. K. Sociologia: Ideologia e Estrutura. São Paulo: Mestre Jou, 1968.
2. a postura privatista
dos cientistas em sua
busca pela prioridade
na atribuição do mérito
pela criação, algo
bastante visível hoje
na produção acadêmica
(MIRANDA et al,
2008)3
Existe uma polissemia de difícil governança dos conceitos de A percepção do líder
aprendizagem e conhecimento, fomentada pela falta de rigor que determina os
metodológico e aprofundamento teórico das consultorias empresariais rumos da produção do
conhecimento
na área, bem como pela falta de consenso acadêmico. Além disso, as
assemelha-se à visão,
transferências mecânicas e indevidas de tais conceitos entre os
já criticada por Latour
níveis de análise (individual, grupal, organizacional) têm sido fonte
(2000) na Ciência, do
geradora de constantes confusões, produzindo duas perspectivas de cientista-gênio que
abordagem: ‘aprendizagem organizacional’ e ‘organizações de surge como único
aprendizagem’. A primeira, não se limitando a uma prescrição de expoente de uma ideia,
normas e condutas universais a serem seguidas para que a quando, na verdade,
aprendizagem seja otimizada, aceita a existência do indivíduo como esta ideia foi
unidade de análise a partir da qual o conhecimento se propagaria para decorrente da atuação
o coletivo, existindo uma produção compartilhada e condicionada por de um grande número
de pessoas em
valores comuns ao contexto e relações de poder. Alguns
diferentes instâncias e
conhecimentos não pertenceriam a um único indivíduo, mas sim ao
de um sem-número de
grupo ou à organização como síntese das relações ali estabelecidas,
negociações que
enquanto outros lhes seriam privativos e em nada contribuiriam com a redundaram na ideia
organização. Dentro dessa perspectiva, alguns autores atribuem maior final, já bastante
carga a um nível que aos outros dois, por vezes, mesmo, centralizando modificada em relação
a responsabilidade na figura do líder que determinaria a produção à original, em uma
válida e condicionaria as formas de aprender, mas reconhecem, em síntese entre o que seu
algum grau, uma interação tridimensional, cujo produto pode ser maior propositor desejava e
que a soma de suas partes, demandando uma interpretação mais aquilo que seus aliados,
recrutados no caminho,
fenomenológica dos sucessos e dos fracassos. A segunda perspectiva,
necessitavam para
muito adotada por consultorias empresariais, entende que a
serem interessados na
aprendizagem se dá no nível da organização, devendo ser esta a
ideia, compondo uma
unidade de análise, a qual condicionaria e determinaria todo restante, rede de relações e
bastando que reunisse as condições objetivas necessárias à ação jogos de poder que não
individual. Assim, um possível fracasso seria resultado da inaptidão pode ser reduzida a um
individual e da incompatibilidade do indivíduo com as necessidades da único expoente.
organização, uma vez que esta apresentaria um ambiente ideal para
que ele ‘florescesse’ e a alavancasse. Via de regra, os aspectos
positivos, idealmente, tipificados por consultores nessa abordagem
são coletados de casos bem-sucedidos e prescritos, indiscriminada e
universalmente, para contextos diversos sem o rigor acadêmico
necessário à sua contextualização e ajustamento a partir de uma
análise contingencial e teórica mais ampla. Haveria, aqui, um
3
MIRANDA, A.; SIMEÃO E.; MUELLER, SPM. Autoria coletiva, autoria ontológica e intertextualidade na
Ciência: aspectos interdisciplinares e tecnológicos. Contextos, studios de humanidades e ciências sociales, n. 20, p.
123-136, 2008.
3. esquecimento dos aspectos mais subjetivos ou sociais da
aprendizagem e uma negligência aos fracassos como objeto de estudo,
inclusive, no interior dos casos bem-sucedidos. Visar-se-iam, muitas
vezes, necessidades de mercado do próprio consultor, que almejaria
resultados imediatistas de autopromoção, mas de pequena amplitude e
durabilidade, focando apenas uma parcela da organização, a fim de
remodelar, com aparente sucesso, o perfil organizacional segundo um
padrão ideal. Para alguns autores, a dicotomia é um equívoco e as duas
perspectivas deveriam ser integradas, para outros, isso parece
problemático, já que seus referenciais epistemológicos podem ser,
muitas vezes, conflitantes.
Há uma dicotomização que permeia a perspectiva da ‘aprendizagem Alcunhar de
organizacional’, originando duas visões sobre a natureza do processo: ‘positivista’ uma área
técnica e social. A primeira entende que os jogos políticos não qualquer pode
representar uma
determinam a aprendizagem e que esta se dá pelo processamento
acusação leviana,
eficaz da informação, dando a impressão de que ela possuiria uma
conforme vemos em
inércia que lhe permitiria um trânsito autônomo e sua difusão passiva
Silvino (2007)4,
entre os níveis. Para seus opositores, isso redundaria em posturas principalmente, neste
prescritivas decorrentes de uma teoria objetiva de verdade, uma caso, se lembrarmos
ontologia realista e uma epistemologia positivista. A segunda visão que o Positivismo de
aceita que aprender, conhecer e mudar são dimensões de um mesmo Comte reconhecia a
fenômeno, socialmente construído, materialmente condicionado, uma presença da
implicando na outra, ontológica e inexoravelmente. Sua complexidade subjetividade na
pode se apresentar em maior ou menor grau, conforme se observe produção científica.
Além disso, a
mera modificação do comportamento (adaptação) ou ruptura de um
proposição de que
paradigma (transformação)
haveria propagação dos
efeitos da
aprendizagem em uma
difusão passiva
(simétrica?) de idéias
entre o indivíduo e o
coletivo, parece
problemática quando
consideramos a visão
latourniana de
translação (difusão
ativa mediada por
negociações).
4
SILVINO, Alexandre Magno Dias. Epistemologia Positivista: Qual a Sua Influência Hoje?. Rev. Psicologia Ciência
e Profissão, v. 27, n. 2, p. 276-289, 2007.
4. Modelos mentais são visões de mundo, teorias prévias sobre a Talvez, o conceito de
realidade e valores que condicionam o ‘o quê’ e o ‘como’ observar e ‘campus’, de Pierre
compreender informações sensoriais, estabelecendo o contexto em Bourdieu (2004)5,
possa lançar luz sobre
que serão interpretadas para a geração de resposta. O
a produção do
compartilhamento intersubjetivo de tais modelos (socialização) cria a
conhecimento na
possibilidade de existência de uma ‘aprendizagem’ e de uma ‘memória’
organização. Aqui,
organizacionais e de conversão mútua entre conhecimento tácito e aparecem lampejos da
explícito (natural ou induzido), bem como de sua articulação. A TD&E discussão presente em
pode ser entendida como um mecanismo formal, metódico e epistemologia sobre a
sistemático de disseminação do conhecimento e promoção da anterioridade da teoria
aprendizagem dentro da organização, buscando suas múltiplas à experiência
determinações, induzindo o processo de institucionalização (HESSEM, 2003;
(codificação e socialização) do conhecimento individual (interno e CHALMERS, 1993)6
externo), de forma reflexiva, mas não possui respostas para todos os
problemas de desempenho e aprendizagem.
Destacam-se dois modelos de aprendizagem: informativo e interativo. Contudo, a
O primeiro busca uma representação acurada do mundo, a fim de transferência
apreender um conhecimento já estabelecido e relevante à execução horizontal anódina do
conhecimento pode se
de tarefas, no seio de esquemas pré-determinados. O segundo se
dar se este foi já, no
ocupa de buscar uma transformação dos esquemas existentes, por
interior da
meio do debate de ideias e da interação social. Ambos se
organização, aceito por
complementam, não podendo a aprendizagem ser considerada mera todos como uma caixa-
transferência horizontal de informações e nem estas estarem preta latourniana
restritas aos limites internos da organização, ainda que seu contexto (LATOUR, 2000) posta
seja essencial ao bom fluxo de informações e conhecimentos. em marcha.
O paradigma taylorista-fordista sustenta uma concepção positivista A perspectiva de
de treinamento: ordem para o progresso, padronização centralizada, padronização coletiva
precisão e regularidade, iatrogenias burocráticas pela rigidez do conhecimento e do
trabalho tangencia
metodológica, ‘supressão’ do fator humano e político em nome da
propostas pedagógicas
técnica. Com a instabilidade e complexidade crescentes do contexto
participativas, como a
organizacional e das relações econômicas ocorre uma redescoberta do
freireana (FREIRE,
humano e com ela surgem estratégias de otimização do funcionamento 1987)7, e a hipótese da
conjunto dos sistemas técnico e social, que ficou conhecido como translação, de Latour
‘concepção sociotécnica de organização’, na tentativa de se reduzirem (2000), em sua
as distâncias entre o prescrito e o realizado e entre as instâncias de formação das redes
concepção e de execução, valorizando-se o compartilhamento do sociotécnicas na teoria
conhecimento tácito. “Os processos de codificação também ator-rede. Essas duas
representam processos de socialização...a codificação ausente ou abordagens ajudam a
compreender a
intermitente e o modo com que a padronização do conhecimento é
importância da
realizada podem limitar ou expandir as possibilidades de
participação coletiva
aprendizagem organizacional” (p. 132). Ou seja, uma padronização
na legitimação e
autocrática possui poucas perspectivas de acolhimento pela reconhecimento dos
organização como um todo, sendo mais adequada uma padronização resultados. Latour,
5
BOURDIEU, Pierre. Os usos sociais da ciência: por uma sociologia clínica do campo científico. São Paulo:
UNESP, 2004.
6
CHALMERS, Alan F. O que é ciência afinal?. São Paulo: Brasiliense, 1993.
HESSEM, Johannes. Teoria do Conhecimento. 2ed. São Paulo: Martins Fontes, 2003.
7
FREIRE, Paulo. Pedagogia do Oprimido. 17ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1987.
5. participativa para se fugir à antropomorfização organizacional ainda, permite
taylorista e sua conseqüente autonomização de ideias e negação do perceber que as
fator humano em sua produção e disseminação. relações sociais não
devem ser percebidas
como mero conduíte de
ideias produzidas a seu
revel, apenas
facilitando ou
dificultando sua
difusão, mas como um
ator que participa
ativamente de sua
criação, de forma
simétrica aos aspectos
técnicos
(epistemológicos).
6. participativa para se fugir à antropomorfização organizacional ainda, permite
taylorista e sua conseqüente autonomização de ideias e negação do perceber que as
fator humano em sua produção e disseminação. relações sociais não
devem ser percebidas
como mero conduíte de
ideias produzidas a seu
revel, apenas
facilitando ou
dificultando sua
difusão, mas como um
ator que participa
ativamente de sua
criação, de forma
simétrica aos aspectos
técnicos
(epistemológicos).