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UNIVERSIDADE TECNOLÓGICA FEDERAL DO PARANÁ
DEPARTAMENTO ACADÊMICO DE QUÍMICA E BIOLOGIA
      TECNOLOGIA EM QUÍMICA AMBIENTAL




        VINICIUS ANDRE MASSUCHETTO




  OS CATADORES DE MATERIAIS RECICLÁVEIS E A
     ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA DE CURITIBA




      TRABALHO DE CONCLUSÃO DE CURSO




                  CURITIBA
                    2010
VINICIUS ANDRE MASSUCHETTO




OS CATADORES DE MATERIAIS RECICLÁVEIS E A
   ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA DE CURITIBA




                         Trabalho apresentado à disciplina de
                         Trabalho de Conclusão de Curso II do Curso
                         de Tecnologia em Química Ambiental como
                         requisito parcial à obtenção do título de
                         Tecnólogo em Química Ambiental.

                         Orientador:   Julio   César   Rodrigues   de
                         Azevedo




                CURITIBA
                  2010
TERMO DE APROVAÇÃO



                       VINICIUS ANDRE MASSUCHETTO


                                TÍTULO DO TRABALHO



             OS CATADORES DE MATERIAIS RECICLÁVEIS E A
                  ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA DE CURITIBA


Trabalho de Diplomação aprovado como requisito parcial à obtenção do grau de
TECNÓLOGO EM QUÍMICA AMBIENTAL pelo Departamento Acadêmico de Química e
Biologia (DAQBi) do Campus Curitiba da Universidade Tecnológica Federal do Paraná –
UTFPR, pela seguinte banca examinadora:


      Membro 1 – PROFª. Drª. TAMARA SIMONE VAN KAICK
                   Departamento Acadêmico de Química e Biologia (UTFPR)


      Membro 2 – PROFª. Drª. VALMA MARTINS BARBOSA
                     Departamento Acadêmico de Química e Biologia, (UTFPR)


      Orientador: PROF. DR. JÚLIO CÉSAR RODRIGUES DE AZEVEDO

                     Departamento Acadêmico de Química e Biologia, (UTFPR)




Curitiba, 24 de maio de 2010.
RESUMO
MASSUCHETTO, Vinicius. Os Catadores de Materiais Recicláveis e a
Administração Pública de Curitiba. 2010. 99 f. Trabalho de Conclusão de Curso
(Tecnologia em Química Ambiental) – Departamento Acadêmico de Química e
Biologia, Universidade Tecnológica Federal do Paraná. Curitiba, 2010.


Este trabalho apresenta um estudo sobre as políticas públicas destinadas aos
catadores de Curitiba, no Paraná. Discute o modelo de gestão do lixo e a eficiência
destas politicas. Para isso, faz-se um levantamento histórico das gestões
municipais, assim como o levantamento de dados em entrevista com catadores
organizados. Estas informações são cruzadas com um embasamento teórico e
discutidas sob uma visão social e humanista. Coloca em questão a concepção de
desenvolvimento sustentável aplicada ao modelo de regulação econômica em
curso, assim como critica a postura da gestão pública para com as políticas sociais
destinadas aos catadores. Considera pontos falhos dos projetos sociais na área
ambiental para Curitiba e região metropolitana, assim como sugere caminhos e
medidas a serem tomados para determinar uma utilidade prioritariamente social na
gestão pública de resíduos.


Palavras-chave: Catadores. Curitiba. Reciclagem. Governo. Políticas sociais.
Pobreza.




                                        iv
ABSTRACT
MASSUCHETTO, Vinicius. Waste catchers and government in Curitiba. 2010. 99
pages. Graduation conclusion (Environmental chemistry technology) – Chemistry
and Biology Department, Federal Technology University of Paraná. Curitiba, 2010.


This paper presents a study about the public policies aimed at the waste collectors
of Curitiba, in Paraná, Brazil. Discusses the model of waste management and
efficiency of these policies along with a historical survey of the city administration. A
database obtained from interviews with organized collectors was crossed with
theoric content and discussed in a social and humanistic way. This calls into
question the conception of sustainable development applied to the model of
economic regulation under way, and criticizes the stance of public management for
social policies aimed at these collectors. Suggest ways and measures to be taken to
determine what are the priorities while managing public waste. Considers defective
points of social projects in the environmental area to Curitiba and metropolitan
region, as well as suggest ways and measures to be taken to determine a priority
social usefulness in public management of waste.


Keywords: Waste catchers. Curitiba. Recycling. Government. Social politics.
Poverty.




                                           v
SUMÁRIO
1 Introdução...............................................................................................................11
2 Objetivos.................................................................................................................14
3 Metodologia............................................................................................................15
4 Levantamento Bibliográfico: Histórico................................................................17
4.1 Década de 70: Crescimento da informalidade urbana.........................................17
4.2 Década de 80: Surgimento de novas profissões..................................................19
4.3 Década de 90: Princípios de organização............................................................25
4.4 Primeira década do século XXI: Consolidação do movimento social..................28
5 Resultados..............................................................................................................34
5.1 Perfil......................................................................................................................34
5.2 Associação............................................................................................................35
5.3 Educação e profissionalização.............................................................................37
5.4 Raízes étnicas e sociais.......................................................................................40
5.5 Moradia..................................................................................................................41
5.6 Renda....................................................................................................................47
6 Discussão................................................................................................................49
6.1 Análise e interpretação.........................................................................................49
6.1.1 A falsa autonomia do catador............................................................................49
6.1.2 Organização do movimento social.....................................................................51
6.1.3 Precariedade de moradia, local de trabalho e renda........................................55
6.2 Considerações sobre a história dos catadores em Curitiba................................58
6.2.1 Os conflitos do “Lixo que não é lixo”.................................................................59
6.2.2 A postura assistencialista do “Carrinheiro Cidadão”.........................................62
6.2.3 O cerceamento do associativismo do “EcoCidadão”........................................64
6.3 O cenário curitibano..............................................................................................67
6.3.1 Desenvolvimento urbano...................................................................................67
6.3.2 O modelo de gestão do lixo...............................................................................73
7 Considerações Finais............................................................................................78
8 Referências Bibliográficas...................................................................................80
9 Anexos.....................................................................................................................88
9.1 Ficha de caracterização dos catadores................................................................88
9.2 Material de Apoio..................................................................................................98




                                                               vi
7


                                        LISTA DE FIGURAS
Figura 1: Fotos da matéria "Papel dos Catadores de Papel".
(Fonte: LOPES, 1983).................................................................................................20
Figura 2: Fruet em lançamento de associação de catadores na Vila Pinto (hoje Vila
Parolin)
(Fonte: JORNAL DO ESTADO, 1985)........................................................................21
Figura 3: Protesto na Praça Osório que reuniu cerca de cem catadores
(Fonte: CATADORES NÃO QUEREM ..., 1989)........................................................24
Figura 4: Catadores reunidos com o Secretário de Meio Ambiente Hitoshi
Nakamura.
(Fonte: CATADORES DE PAPEL VÃO ..., 1989).......................................................24
Figura 5: Comemoração do Dia Nacional de Mobilização
dos Catadores em 2005, na Praça Tiradentes.
(Fonte: CATADORES DE PAPEL RECLAMAM ..., 2005)..........................................26
Figura 6: Rafael Greca em solenidade de entrega de carrinhos e coletes para
catadores.
(Fonte: ENTREGA DE CARRINHOS A CATADORES DE PAPEL, 1994).................27
Figura 7: Slide da reunião realizada pela COMEC para discutir novas
tecnologias para o lixo de Curitiba.
(Fonte :MODELO DE GESTÃO É DISCUTIDO, 2006)..............................................30
Figura 8: Pirâmide etária da população de catadores entrevistados
(Fonte: ILCPR, 2006)..................................................................................................35
Figura 9: Percepção da situação após filiação à cooperativa
(Fonte: ILCPR, 2006)..................................................................................................36
Figura 10: Motivo da melhora de situação
(Fonte: ILCPR, 2006)..................................................................................................37
Figura 11: Grau de escolaridade
(Fonte: ILCPR, 2006)..................................................................................................37
Figura 12: Intenções e desejos de profissionalização
(Fonte: ILCPR, 2006)..................................................................................................38
Figura 13: Entidades conhecidas pelos catadores
(Fonte: ILCPR, 2006)..................................................................................................39
8

Figura 14: Áreas de eventos com a participação dos catadores
(Fonte: ILCPR, 2006)..................................................................................................40
Figura 15: Catadores advindos do meio urbano ou rural
(Fonte: ILCPR, 2006)..................................................................................................40
Figura 16: Época de migração para Curitiba
(Fonte: ILCPR, 2006)..................................................................................................41
Figura 17: Distribuição étnica e racial
(Fonte: ILCPR, 2006)..................................................................................................41
Figura 18: Locais em que os catadores acompanhados pelo Instituto Lixo e
Cidadania residem na grande Curitiba
(Fonte: ILCPR, 2006 e software elaborado pelo autor)..............................................43
Figura 19: Tipo de construção da casa
(Fonte: ILCPR, 2006)..................................................................................................44
Figura 20: Destino dos efluentes residenciais
(Fonte: ILCPR, 2006)..................................................................................................44
Figura 21: Situação quanto ao sistema de abastecimento de água
(Fonte: ILCPR, 2006)..................................................................................................45
Figura 22: Situação quanto ao fornecimento de energia elétrica
(Fonte: ILCPR, 2006)..................................................................................................45
Figura 23: Distância da residência do catador até sua base de trabalho
(Fonte: ILCPR, 2006)..................................................................................................46
Figura 24: Modo de locomoção até a base de trabalho
(Fonte: ILCPR, 2006)..................................................................................................47
Figura 25: Renda familiar média
(Fonte: ILCPR, 2006)..................................................................................................47
Figura 26: Renda das famílias per capta
(Fonte: ILCPR, 2006)..................................................................................................48
Figura 27: Distribuição dos grupos étnicos em Curitiba
(Fonte: IBGE, 2008)....................................................................................................57
Figura 28: Mapa de Curitiba e dos municípios que enquadram a Região
Metropolitana.
(Fonte: COMEC, 2009)...............................................................................................69
Figura 29: Taxa de pobreza de Curitiba
9

(Fonte: IBGE, 2005)....................................................................................................72
10


                                        LISTA DE TABELAS
Tabela 1: Índice de Desenvolvimento Humano - Municipal, 1991 e 2000.
(Fonte: PNUD, 2000)...................................................................................................68
11



1 Introdução
         No final da década de 70, enquanto o país atravessava uma crise
econômica geradora de alto índice de desemprego, a atenção nos bolsões de
pobreza das grandes cidades brasileiras começava a voltar-se para o emergente
mercado de recicláveis. Foi então que uma prática até então feita por uma pequena
parcela da população pobre começou a tornar-se mais comum, em boa parte
executada por pessoas vindas do processo de êxodo rural e que não mais
encontravam subsistência em suas cidades no interior (ABRAMOVAY, 1999).

         Já no início da década de 80 começavam as primeiras expressões de
organização por parte destes trabalhadores, que até então sequer eram
considerados como tal. Hoje, no mundo todo – em países desenvolvidos ou não -
podemos encontrar tal atividade como fruto do mercado de meio ambiente entre as
pessoas de baixa renda (SILVA, 2006).

         Esta organização mostrou-se como pioneira no sul do Brasil, e apesar de
acumular uma série de fatores e características que se apresentam bastante
desfavoráveis para estes trabalhadores, ainda assim possui um balanço positivo se
comparado aos índices de outras capitais e grandes cidades Brasileiras (SILVA,
2006).

         Essa venda sempre foi baseada na continuidade da linhagem política sob a
qual a cidade esteve administrada nas últimas quatro décadas, às quais tornaram
possíveis a elaboração de grandes planos urbanísticos em complexidade
normalmente não alcançada por outras metrópoles brasileiras. É observado,
entretanto, que em meio a títulos como “Capital Ecológica” - frutos da divulgação de
tanto trabalho na área de gestão pública e prevalecimento como ícone ambiental -
Curitiba possui uma configuração excludente no seu processo de desenvolvimento
urbanístico. Com centros que representam poderio econômico e industrial e que se
formaram às custas do afastamento da camada mais fragilizada da população que,
a princípio, deveria ser o principal foco dos investimentos públicos (OLIVEIRA,
2000).

         Os trabalhadores que impedem o colapso de Curitiba, por serem
12

responsáveis pela coleta da maior parte do lixo reciclável, (OLIVEIRA, 2007) são
alvos esporádicos de projetos de inclusão social que, por mais transformadores que
se revelem, ainda esbarram em problemas de total falta de reconhecimento,
programas de qualificação profissional e políticas específicas para a categoria
(MIKALOVICZ, 2007). O panorama municipal hoje encontrado é muito distante
daquilo que se espera como aceitável de uma vida digna para estes profissionais.

         Como integrantes da classe trabalhadora, os catadores de materiais
recicláveis enfrentam uma rotina difícil e discriminada, sem expectativas,
aposentadoria e demais direitos trabalhistas. Executam seu trabalho em condições
extremamente precárias e insalubres, sem treinamento ou apoio para o mínimo
preparo operacional para lidar com os perigos que envolvem o manejo de resíduos
(MEDEIROS, 2006).

         Ao realizar a atividade de catação de resíduos recicláveis para uma
subsistência mínima toma-se o epicentro da exploração do trabalho do mercado de
resíduos. Isto deve-se basicamente por consistir em uma forte externalização de
responsabilidades do poder público e da iniciativa privada. Retirando o lixo das ruas
os catadores executam o que é de responsabilidade do município sem estarem
sendo remunerados coerentemente para tal, envolvendo aí desde benefícios
mínimos    como    assistência   médica   ocupacional    por   lidar   com   material
potencialmente perigoso até a aposentadoria por serviços prestados durante anos a
fio (MEDEIROS, 2006).

         Como se não bastasse o poder público, a iniciativa privada também
beneficia-se da emergência dos catadores – já que esta, no Brasil, ainda não é
responsável pelos resíduos que gera.      O mercado de resíduos é extremamente
dependente das coletas pontuais, que apesar dos inúmeros intermédios de
produção e acréscimos ao preço (à medida que o material sofre sua triagem) acaba
compensando devido ao módico preço pago ao catador (SETOR RECICLAGEM,
2007).

         Estes trabalhadores acabam sendo o final de uma cadeia que contribui
largamente com a externalização de custos e responsabilidades do poder público e
da iniciativa privada, aumentando a exclusão social à mesma medida do
13

desenvolvimento deste modelo (SETOR RECICLAGEM, 2007).

          Além de uma exclusão sistemática da sociedade, os catadores também são
colocados em um processo de culpabilização, obedecendo à esta exclusão invisível,
disfarçada, que responsabiliza o próprio sujeito, vítima da exclusão, pela sua
própria incapacidade de prover condições sociais mínimas para si mesmo através
de sua própria força de trabalho (GESSER, 2004).

          Assim como o motivo pelo qual estes profissionais submetem-se à rotinas
desumanas para obtenção de recursos - que muitas vezes não chegam a R$10,00
diários, e que servirão para a subsistência imediata - devem ser imediatos também
os esforços dos órgãoes públicos para o combate às mazelas sociais que atingem a
categoria (OLIVEIRA, 2007). O potencial da universidade neste sentido é enorme e
deve ser recuperado a partir da geração de conhecimento como combate à perda
de direitos e cidadania (ALMEIDA, 2001), e afirmando seu papel de transformação
social.

          Embora as grandes questões econômicas também afetem a vida dos
catadores (CRISE MUNDIAL ..., 2009), os termos que devem ser enfatizados ao
estudar os problemas sociais de populações que necessitam de subsistência
imediata são os de ordem microeconômica, pois se mostram mais convincentes e
mensuráveis nas comunidades que a universidade tem acesso direto e poder de
influência muito mais evidente (BOLDRIN, 1996).

                      […] “A produção simples de mercadoria é efetivamente um
                      modo de produção inserido na economia capitalista: é uma
                      parte importantíssima da agricultura; é uma parte muito
                      importante do pequeno comércio; no setor de serviços, ela tem
                      uma expressão muito grande; tem uma expressão menor na
                      indústria, mas mesmo aí ela existe. É toda uma economia” […]
                      (SINGER, 2000)


          Curitiba vem apresentando crescentes números de trabalhadores que
sobrevivem da coleta urbana de resíduos (CEMPRE, 2009), e não possui políticas
públicas abrangentes o suficiente para incluí-los socialmente (MNCR REALIZA ...,
2006).
14

2 Objetivos
       Através deste estudo, procurou-se traçar uma linha de interpretação teórica
a respeito dos catadores, assim como discutir temas e concepções consideradas
relevantes às questões sociais em que eles estão inseridos. Para isto foram
considerados os seguintes objetivos específicos, dos questionários:

         1) Explorar dados obtidos via questionário referentes aos catadores
             residentes em Curitiba e região metropolitana, e com isso identificar
             através de contrastes e comparativos quais as principais deficiências
             da categoria para com o poder público municipal;

         2) Refletir sobre a autonomia obtida pelos catadores através da formação
             de associações e cooperativas, assim como os moldes de trabalho
             seguidos pela categoria;

         3) Estudar a imagem obtida pela capital paranaense ao longo da história
             quanto ao desenvolvimento urbanístico, políticas sociais e ambientais;

         4) Avaliar o modelo tradicional de gestão do lixo adotado por Curitiba nos
             últimos anos, e propor direcionamentos que venham de encontro a
             uma postura social por parte da administração pública.
15



3 Metodologia
       Este estudo consiste basicamente na busca de pelo menos um aspecto de
um grande conjunto de soluções para um problema social bem notável em Curitiba:
a existência de trabalhadores que sobrevivem da coleta de materiais recicláveis no
ambiente urbano.

       As respostas para questionamentos deste patamar são bastante extensas,
e deve-se então analisar estritamente os vícios do modelo econômico que seguimos
para elucidar os motivos pelos quais o problema existe, e por isso toma-se como
proposta inicial o estudo de como este sistema infere na estrutura de vida e nas
interações diárias dos catadores.

       Porém, não só para o catador as observações a seguir são feitas, pois a
busca por soluções que superem os vícios gerais do sistema capitalista requer uma
profunda análise das instituições que dele fazem parte.

       A organização dos trabalhadores é um dos aspectos mais importantes na
proteção social do catador, pois assim como com outros trabalhadores, foi mediante
a ela que ocorreu grande parte da emancipação social de sua categoria. Frente a
este fato e ao objetivo de fundamentar teoricamente os dados obtidos, faz-se
necessário um estudo do espaço físico e político de Curitiba, para uma melhor
compreensão destas vias de organização, e em que momento elas foram
impulsionadas ou prejudicadas.

       Há uma escassez na literatura acadêmica sobre o tema que começou a ser
estudado de modo específico em meados dos anos 80. Visando preencher esta
lacuna optou-se, através da pesquisa, pela interpretação do acervo de publicações
de jornais e revistas da Biblioteca Pública do Paraná, onde há um organizado
acervo de notícias sobre lixo, catadores e administração pública.

       Estas informações foram compiladas em um estudo histórico sobre políticas
públicas para os catadores na capital paranaense subdivido por décadas, a partir da
década de 70 – visto que sequer discussões sobre meio ambiente haviam
anteriormente a este período.
16

          Para uma avaliação prática da situação em Curitiba, Martins (2007) levantou
diversos indicadores entre a população de catadores assistidos pelo Instituto Lixo e
Cidadania no estado do Paraná, órgão responsável pela organização de diversas
forças políticas na formação dos catadores.

          Esta pesquisa feita através do anexo 9.1: Ficha de caracterização dos
catadores, consiste no cadastro de aproximadamente quinhentos catadores (dos
quais, aproximadamente trezentos residem na Região Metropolitana de Curitiba) e
discute também aspectos fundamentais da organização e carência da categoria,
com o principal objetivo de auxiliar o trabalho do Instituto Lixo e Cidadania no seu
dia a dia.

          O subsídio estatístico deste trabalho dá-se na reorganização deste cadastro
e na elaboração de um software para inserção dos dados via internet por diversos
voluntários que puseram-se a digitalizar os dados. Assim, alguns indicadores
poderão ser facilmente calculados, diretamente da base de dados sem necessitar
compilação e esforço específicos.

          O objetivo deste cadastro é reunir informações relacionais de todos os
catadores de alguma forma ligados aos Instituo Lixo e Cidadania, e este trabalho
toma como base todos os catadores que foram cadastrados, e que residem em
Curitiba ou região metropolitana, resultando em cerca de 300 trabalhadores. São
tratados com mais detalhamento, portanto, os dados não explorados por Martins
(2007).

          Há uma divergência significativa entre diferentes fontes interessadas em
quantificar os catadores em Curitiba. A prefeitura dimensiona seus projetos para
atender a três mil trabalhadores, mas, as organizações civis estimam que haja mais
de quarenta mil. (MILENA A, 2010). É certo somente que, apesar da população
pesquisada representa uma parcela muito pequena do total de catadores, acaba
sendo considerável se comparada a outras pesquisas entre os catadores no Paraná
– pois não encontrou-se outros estudos com dados de mesmo escopo e magnitude.
17



4 Levantamento Bibliográfico: Histórico

4.1 Década de 70: Crescimento da informalidade urbana
         Não há um marco industrial exato na história no qual se possa estabelecer o
surgimento da profissão de catador, sabe-se no entanto que tal atividade não foi
recente e tem ultrapassado diversas décadas até o presente momento (BOSI,
2008).

         Foram os grandes literários que parecem ter sido os primeiros observadores
de que haviam pessoas dependentes dos resíduos provenientes das classes mais
privilegiadas, tal como Manuel Bandeira quando escreveu em 1947 o famoso poema
“O Bicho” (BANDEIRA, 1966), cujo objeto da arte apesar de não ser o catador de
recicláveis já retratava as opções que os marginalizados pela sociedade recorriam
para satisfazer suas necessidades de sobrevivência imediatas. Este breve poema
presente como Já se conhecia então, neste aspecto socioeconômico, alguns dos
limites humanos em relação à manutenção da sobrevivência própria.

         A venda de resíduos de maneira informal aumenta à medida que a
sociedade sofre uma série de profundas transformações principalmente a partir da
década de 70, quando uma forte característica do nosso modelo econômico, que
ainda predomina na atualidade, começa a consolidar-se: a super acumulação de
capital, incentivada naquele momento pela industrialização que começava a contrair
os princípios da globalização como esta está configurada hoje. Para obedecer à
esta super acumulação o sistema capitalista não precisou somente alterar sua base
tecnológica para geração de conhecimento, mas também a gestão da força de
trabalho disponível, o que consistiu basicamente na redução dos custos de uma
organização na relação empresa-trabalhador com o corte deste vínculo e
consequente isenção de todas as responsabilidades cabíveis designadas pelo
estado por parte da empresa (LEIBANTE, 2006).

         A informalidade torna-se então bastante interessante – para não dizer
imprescindível – às metas de superar acumulação, sobretudo da iniciativa privada
multinacional. Estas mudanças tornam os processos de produção muito mais
18

flexíveis e acessíveis do ponto de vista econômico para as empresas responsáveis.
O modo de produção em plantas centralizadas foi substituído por diversas células
de produção espalhadas nos cinco continentes do mundo (LEIBANTE, 2006),
horizontalizando o processo produtivo.

       Tais processos foram fragmentados para o nível de suas operações mais
mínimas, e foi aumentado o controle cronometrado sobre o trabalhador. Controle
esse que, inclusive, tornou-se mais fácil quando o personagem controlado faz parte
da seção oprimida de uma sociedade que não provê condições de reivindicação e
fornece ameaça de desemprego e falta de perspectivas e crescimento profissional
de sobra (MEDEIROS, 2007).

       Indenizações trabalhistas e salários custam muito menos na Índia do que no
Reino Unido (BASU, 2005), e ao contrário dos Estados Unidos, no Brasil existe uma
massa populacional disposta a trabalhar informalmente pelos centros urbanos sem
clamar seus direitos trabalhistas. Estes exemplos podem ser colocados como a
racionalização que a indústria vem buscando e evidenciando desde este período
até hoje, tendo na exploração do trabalho o seu principal meio de sustento
descontrolado (SCHVER, 2008).

       A década de 70 fica marcada, então, pelo inchaço do setor informal que,
inclusive, teve nome criado pela Organização Internacional do Trabalho (OIT)
segundo seu notável crescimento. Embora o termo fosse novo, em nenhuma
novidade consistiam as atividades empregatícias que desrespeitassem a legislação
e possuíssem baixo rendimento para o trabalhador (MILHOMEM, 2003). Só não se
tinha experienciado anteriormente em outros momentos da história uma demanda
tão grande deste setor na sociedade.

       Nesta época os estudos acadêmicos não estavam focados no surgimento de
profissionais com apresentação de condições precárias de trabalho no setor
informal principalmente por este não ser tão numeroso e notável como hoje (BOSI,
2008), motivo pelo qual não se encontra literatura abrangente a respeito do
surgimento dos catadores de modo específico.

       A intensidade com que esses processos de abertura econômica e inovação
19

tecnológica ocorreram foi o que mais modificou as relações de trabalho desde
então, demonstrando a incapacidade do estado frente às políticas neoliberais
adotadas em fornecer subsídios que viessem a evitar uma crise do desemprego e
um acentuado processo de exclusão social (CARVALHO, 2005).



4.2 Década de 80: Surgimento de novas profissões
       Os anos seguintes aos primeiros traços da informalidade caracterizam-se
pelo surgimento de não só catadores, mas de uma grande leva de novas profissões
que teriam como base a informalidade. Somam-se à horizontalização da indústria, o
crescimento populacional e o êxodo rural que fizeram com que as grandes cidades
brasileiras começassem a caminhar às grandes proporções que hoje possuem
(CAVALCANTE, 2007), e começassem a apresentar, então, uma caracterizações da
ocupação daquelas pessoas que antes eram definidas como desocupadas ao
contrário de informais. Isso deveu-se substancialmente à força de trabalho
numericamente expressiva e da popularização dessas atividades.

       Fazem parte de todo este conjunto as empregadas domésticas, camelôs,
vendedores ambulantes, catadores e uma série de outras ocupações que
caracterizam-se principalmente pela dedicação total do trabalhador para a obtenção
do subsídio mínimo diário sem contribuições à serviços de previdência social e
obtenção de direitos trabalhistas (GONÇALVES, 2002), em outras palavras:
baixíssima mobilidade social.

       No início desta década foi elaborada a Lei Federal nº 6.938/81, mais
conhecida como Política Nacional do Meio Ambiente. Não tanto em termos práticos,
esta iniciativa demonstra um certo reconhecimento da importância do meio
ambiente por parte do poder público. Embora não cite catadores nem estimule
políticas associativistas na reciclagem, traça formulações para a regulação de
resíduos sólidos urbanos.

       A Figura 1 traz fotos da reportagem “Papel dos Catadores de Papel”,
publicada na Tribuna do Paraná no dia 05/06/83, que constitui em um antigo
registro da mídia curitibana encontrado no acervo documental da Biblioteca Pública
do Paraná, dentre as matérias de jornais publicados em Curitiba e no Paraná a
20

respeito dos catadores.




                 Figura 1: Fotos da matéria "Papel dos Catadores de Papel".
                                    (Fonte: LOPES, 1983)


       Na presente pesquisa não foi encontrado registro mais antigo que aborde o
tema com destaque suficiente para gerar uma reportagem, muito menos como
objeto de estudo acadêmico. O texto enfoca um estudo iniciado em Janeiro de 1982,
mas idealizado e com evidências observadas desde 1980 pelas professoras do
Departamento de Psicologia e Antropologia da Universidade Federal do Paraná
Marília de Carvalho Kraemer e Veraluz Zacarelli Cravo, que elas acompanhavam
uma família de catadores a fim de caracterizar seu modo de vida. Esta natureza de
pesquisa ainda era considerada inédita do meio acadêmico brasileiro (LOPES,
1983), porém, o que mais chama a atenção foi a proximidade do modelo e
condições de trabalho com o que observamos até os dias de hoje.

       Os catadores coletavam a maioria do papelão de Curitiba e possuíam
21

material de trabalho subsidiado pelos donos dos galpões, que vendiam a
mercadoria a preços muito melhores. A família acompanhada também fazia uso de
trabalho infantil na busca de resíduos pela cidade, era composta de ex-lavradores, e
sofria forte estigmatização por parte da sociedade, sendo comumente chamados de
“vira-latas” ao executarem o seu trabalho (LOPES, 1983).

        Tantas semelhanças com as adversidades atuais após mais de 30 anos de
atividade acusam que a precariedade tornou-se algo tradicional para a categoria, e
que as movimentações e recursos empreendidos são bastante deficitários para a
melhoria da proteção social destes trabalhadores. A reportagem já trazia, também, a
ideia de forte exploração do trabalho e injustiça social, reconhecendo que a
atividade possuía um capital industrial de baixo custo, livre de encargos sociais
(LOPES, 1983).

        Em 1983 houve uma proposta por parte da prefeitura para contratação de
300 catadores para atuação no inadequado aterro da Lamenha Pequena, o que foi
recusado devido à baixa remuneração oferecida e superada pelo próprio trabalho
autônomo destes catadores (NASCIMENTO, 2005).




    Figura 2: Fruet em lançamento de associação de catadores na Vila Pinto (hoje Vila Parolin)
                             (Fonte: JORNAL DO ESTADO, 1985)
22

       Em 1987 foram documentados conflitos entre catadores e a prefeitura
devido ao fechamento do acesso de catadores ao aterro da Lamenha Pequena, fato
que levou a imprensa a iconizar e acusar a prefeitura de não possuir um plano para
gerenciamento dos resíduos sólidos urbanos. A primeira usina de processamento
da Região Metropolitana de Curitiba foi instalada em Araucária em 1988
(NASCIMENTO, 2005).

       Em 13 de Outubro de 1989 surgiu em Curitiba o polêmico programa “Lixo
que não é lixo” que causou bastante preocupação e revolta entre os catadores, que
temiam por perder seu principal recurso de trabalho, que era na época o papelão
das lojas, bancos e escritórios do centro da cidade. O programa previa a princípio o
cadastramento destes estabelecimentos pela prefeitura para uma coleta seletiva de
resíduos em caminhões diferenciados, mas os planos da prefeitura tiveram de ser
revistos à medida que os catadores não só passaram a discordar do programa,
como também começaram a organizar-se no centro da cidade para realizar
protestos cada vez maiores por um período de cerca de um mês e meio
(CATADORES NÃO QUEREM ..., 1989).

       Na época de seu lançamento, a prefeitura justificou a necessidade de
implantação de uma coleta diferenciada administrada por si mesma para o
revertimento dos recursos para obras assistenciais, principalmente àquelas
destinadas ao resgate de crianças carentes (VALÉRIO, 1989), sendo que para isso
os recursos da venda dos recicláveis seriam destinados à PROVOPAR para serem
empregados em projetos sociais.

       O Clube dos Diretores Lojistas – órgão associativo das lojas do centro na
época, defendia o programa ao dizer que os catadores seriam menos explorados na
cadeia de reciclagem por assim estarem livres dos intermediadores. O prefeito
Jaime Lerner também atribuía ao programa uma oportunidade de melhoria das
condições de vida dos catadores, alegando que eles teriam acesso aos resíduos já
separados fornecidos pelas lojas, dignificando ainda mais sua ocupação. E que
também colaborariam para que o centro da cidade permanecesse mais limpo, uma
vez que não precisariam remexer nas pilhas de lixo em busca do melhor resíduo, já
que era impossível que os catadores dessem conta de todo o volume de papelão
23

gerado no centro (VALÉRIO, 1989).

        De fato algumas das menores lojas já possuíam catadores tradicionais
(VALÉRIO, 1989), mas isto acabou não ocorrendo, pois os caminhões do “Lixo que
não é lixo” recebiam prioridade por possuírem estrutura de coleta e mais
confiabilidade devido à forte propaganda da prefeitura quanto ao destino dos
recursos acumulados pela venda destes resíduos (CATADORES PODERÃO ...,
1989). A Secretaria de Desenvolvimento Social declarou que somente 5 a 10% dos
resíduos recicláveis destas lojas eram coletados pelos catadores (CATADORES
TERÃO ..., 1989).

        Até hoje há casos atuais registrados a respeito de associações de
moradores e lojistas de regiões privilegiadas de Curitiba que protocolam
reclamações na prefeitura, requerendo que somente os caminhões do programa
“Lixo que não é lixo” efetuem a coleta de resíduos recicláveis em sua região
(KLOSTERMANN, 2007).

        A prefeitura e a CDL esperavam que os catadores fossem procurar papelão
nos bairros circunferentes ao centro após o início do programa (VALÉRIO, 1989),
mas o efeito foi contrário e logo houve organização e diversos protestos foram feitos
no centro da cidade, revindicando a exclusividade da tarefa de coletar o papelão
das lojas, e pela abolição do programa “Lixo que não é lixo”.

        Após um destes protestos (Figura 3) que reuniu cerca de cem catadores na
Praça Osório, a prefeitura decidiu, em caráter emergencial, que o serviço seria
suspenso temporariamente (CATADORES NÃO QUEREM ..., 1989).

        Foi instituído um horário para que os catadores pudessem trabalhar nos
principais pontos de coleta da cidade, cerceando a autonomia de trabalho da
categoria. A Secretaria Municipal de Meio Ambiente estabeleceu que não seriam
apreendidos os carrinhos que circulassem na região central a partir das 19 horas
em dias de semana, e às 14 horas dos finais de semana e feriados. Era também
proibidos os acessos a viadutos, canaletas e ao centro histórico da cidade
(CATADORES NÃO QUEREM ..., 1989).
24




            Figura 3: Protesto na Praça Osório que reuniu cerca de cem catadores
                        (Fonte: CATADORES NÃO QUEREM ..., 1989)


       Para amenizar os conflitos a Secretaria de Desenvolvimento social convoca
os catadores para diversas reuniões e lança uma série de medidas de apoio ( Figura
4), tais como: cadastro, emplacamento dos carrinhos e fornecimento de vassouras,
pás e coletes fosforescentes. Os catadores que circulassem sem colete e
identificação estariam sujeitos à multa e apreensão dos equipamentos de trabalho
fornecidos (COLETE FOSFORESCENTE ..., 1989).




           Figura 4: Catadores reunidos com o Secretário de Meio Ambiente Hitoshi
                                         Nakamura.
                       (Fonte: CATADORES DE PAPEL VÃO ..., 1989)


       Algum tempo após os ocorridos até o início de 1990, ainda era possível
25

evidenciar a propaganda na mídia sobre os benefícios que o programa “Lixo que
não é lixo” proporcionou para os catadores. Em 1990, a prefeitura alegava que o
programa aumentou o rendimento médio dos catadores de 60 para 80kg diários de
resíduos recicláveis, e passava a imagem de satisfação dos catadores com o
programa. Juntamente com a Fundação Rural de Educação e Integração
classificavam o desempenho do projeto como um sucesso (LIXO QUE NÃO É LIXO
BENEFICIOU ..., 1990).

       Por outro lado, por toda a década de 90 podemos encontrar notícias que
denunciam exatamente o contrário, que foi a total insatisfação dos catadores para
com o programa, que existem alegações de que o caminhão da prefeitura priva os
trabalhadores da coleta de bons resíduos pelo centro da cidade. Após quase exatos
17 anos da instituição do programa, em Junho de 2006, os catadores comemoraram
o Dia Nacional de Mobilização da categoria na Praça Tiradentes, em Curitiba
(Figura 5). Possuíam como principal revindicação a interrupção do programa recém
reativado pela gestão municipal, e neste ponto tinham também o apoio da Delegacia
Regional do Trabalho (CATADORES DE PAPEL RECLAMAM ..., 2005).

       Embora aqui       seja alegada   uma aproximação     no   diálogo   com a
administração pública, os catadores também apresentam diversas ressalvas que
dizem respeito ao preconceito e ao apoio social prestado pelo estado, tal como
creches para seus filhos e precariedade das condições de vida e trabalho
(CATADORES DE PAPEL RECLAMAM ..., 2005).



4.3 Década de 90: Princípios de organização
       Esta década foi marcada no meio industrial pelos grandes programas de
racionalização das indústrias, que envolvem a especialização em modos de
produção mais enxutos, com menos trabalhadores e menor tempo de produção, e
também pela ampliação da terceirização de seus setores sem diminuir o ritmo de
produção dos bens e serviços. Estas medidas instauram novas relações de trabalho
e reforçam outras já implementadas em períodos anteriores, forçando o crescimento
do setor informal e aumentando a sua subordinação para com o setor formal
(DEDECCA, 1997).
26

                    […] “O segmento organizado vem reorganizando toda a cadeia
                    produtiva a montante, sem que se altere sua presença nos
                    mercados a jusante. Novas relações são estabelecidas,
                    permitindo ao segmento organizado aproveitar a debilidade
                    comercial dos elos mais fracos das cadeias de produção
                    reestruturadas, que agora incorporam parte do segmento não
                    organizado.” [...] (DEDECCA, 1997).




                  Figura 5: Comemoração do Dia Nacional de Mobilização
                       dos Catadores em 2005, na Praça Tiradentes.
                  (Fonte: CATADORES DE PAPEL RECLAMAM ..., 2005)


       Após a consolidação do mercado e de intensificação da obtenção de
subsistência pelos resíduos, começaram a surgir manifestações de organização
mais fortes, e esses catadores têm se organizado em cooperativas/associações
como forma de fugirem dessa impiedosa exploração e de terem capacidade
organizativa e administrativa, qualificando-se como interlocutores e parceiros dos
poderes públicos na discussão e na adoção de políticas de gestão dos resíduos
sólidos (CARVALHO, 2005).

       A gestão de Rafael Greca foi marcada pela criação de parques, bibliotecas
27

e pela venda da imagem curitibana como cidade ecológica e turística (SAKAMOTO,
2007).

         O principal programa direcionado aos catadores foi o “Carrinheiro Cidadão”,
com este projeto, cada catador podia pagar um preço simbólico pelo seu carrinho
em até dez vezes, e isso era feito para manter o vínculo do catador com o
programa. Os carrinhos eram projetados pelo IPPUC, feitos de ferro e entregados
em solenidades públicas nas praças de Curitiba, oportunidades para discursos de
Rafael Greca e Margarita Sansone, presidente da FAS (Figura 6). O programa tinha
como objetivo estruturar os catadores para que eles pudessem então se organizar,
formando cooperativas e buscando melhores preços para a venda de resíduos
(CATADORES DE PAPEL GANHAM CARRINHOS NOVOS, 1994).




           Figura 6: Rafael Greca em solenidade de entrega de carrinhos e coletes para
                                           catadores.
             (Fonte: ENTREGA DE CARRINHOS A CATADORES DE PAPEL, 1994)


         O projeto admitia menores de 14 anos desde que apresentado o boletim
com as frequências escolares, e que os pais levassem os filhos junto para trabalhar
desde que fornecidos os mesmos documentos como forma de comprovante de que
eles estariam ao menos durante meio período na escola. Em discurso, Margarita
afirmou que os carrinhos são “instrumentos de trabalho que libertam os catadores
de exploradores” - referindo-se aos atravessadores e donos de depósitos que
alugam os carrinhos sob pagamento em forma de resíduos para os catadores
(ENTREGA DE CARRINHOS A CATADORES DE PAPEL, 1994).
28

        Existia a preocupação de que os carrinhos não fossem vendidos para os
atravessadores – problema enfrentado frequentemente em situações que o carrinho
foi cedido ao catador – e ações como o pagamento deste carrinho e cadastro dos
catadores visavam manter um certo controle da categoria e evitar este problema.
Margarita também explica via entrevista que a FAS preocupa-se em primeiro
momento a estruturar e fornecer condições de organização aos catadores, e que
depois disso passa a ministrar cursos que objetivem a subsistência dos cidadãos
mediante atividades alternativas, tais como: alfabetização, jardinagem, artesanato
com papel reciclado e confecção de chinelos e sapatilhas (ENTREGA DE
CARRINHOS A CATADORES DE PAPEL, 1994).

        Já era uma revindicação das associações de catadores da época que a
prefeitura fornecesse um terreno próximo às imediações do centro para prover
suporte à coleta nesta região da cidade, recurso que a prefeitura comprometeu-se a
encontrar (CATADOR DE PAPEL BUSCA ..., 1994), embora não se tenha notícia do
sucesso desta ação.

        Embora a FAS tenha declarado o monitoramento individual dos catadores
(CATADORES DE PAPEL GANHAM CARRINHOS NOVOS, 1994), o processo de
conscientização e formação política dos trabalhadores deve ser encarado mais
como uma política pública do que como um projeto assistencialista.



4.4 Primeira década do século XXI: Consolidação do movimento social
        A constituição brasileira de 1988 deixa de definir somente como projeto
social todas as ações do governo voltadas ao desenvolvimento social, e passa a
incluir as atividades de mesma natureza quando também executadas por
organizações de modo geral, não só as estatais. Esta seção da constituição foi
concedida através de um amplo processo de mobilização social, aumentando os
direitos de cidadania política ao descentralizar a   promoção das políticas públicas,
e sendo por isso um avanço indiscutível da Nova Constituição sobre as políticas
sociais (DELGADO, 2004).

        A mudança de concepção da sociedade para com as vias de diminuição da
pobreza mostrou-se fundamental para o reconhecimento das organizações como
29

atrizes de projetos sociais. O modelo de tratamento dos problemas sociais
transformava-se à medida que um senso de responsabilidade pública era
propagado. A década de 90 foi, então, um período de amadurecimento e
multiplicação de organizações não governamentais, e a inferência disto na década
de 2000 para os catadores foi marcada pelo aumento do número e crescimento de
entidades do terceiro setor que promovem e modificam as políticas públicas de seu
interesse (FERREIRA, 2008).

       Em 1999 surge oficialmente o Movimento Nacional dos Catadores de
Materiais Recicláveis, com o 1º Encontro Nacional dos Catadores. O 1º Congresso
Nacional veio a acontecer em 2001, e o 1º Congresso Latino-Americano em 2003.
Em meados da década já haviam na capital paranaense cerca de 10 grupos
formados - porém não formalizados, e nenhuma usina de triagem implantada
(MNCR QUER CATADORES..., 2006).

       Em 2006 o programa “Lixo que não é Lixo” foi fortemente retomado, e para a
ocasião o governo do estado realizou através da COMEC (Figura 7) uma reunião
fechada para discussão de novas tecnologias a serem empregadas no projeto. Os
potenciais econômicos da geração do lixo de Curitiba e região metropolitana foram
apresentados nesta ocasião, em inglês, e com a presença de técnicos de diferentes
partes do Brasil e do mundo (MODELO DE GESTÃO É DISCUTIDO, 2006).

       Em contrapartida, o Fórum Lixo e Cidadania promove uma conferência
aberta e questiona diversas orientações da administração pública de Curitiba, tais
como a contratação tradicional de uma única empresas para a realização de
serviços convencionais, e da falta de políticas públicas inclusivas no gerenciamento
do lixo (MODELO DE GESTÃO É DISCUTIDO, 2006).

       As conclusões da conferência aberta do Fórum, citam:

                     A conferência apresentou soluções interessantes e que
                     podem contribuir para a solução dos problemas de resíduos
                     na Região metropolitana. Durante a conferência pode se
                     evidenciar que não tem havido desenvolvimento das políticas
                     públicas de resíduos e que não há um diálogo adequado entre
                     os municípios, o estado e a sociedade. O Fórum Lixo e
                     Cidadania do Paraná não esta sendo utilizado pelas partes
                     como uma instância para aprofundar estes debates. Não foi
30

                       discutido nenhum encaminhamento ao final da conferência.
                       (MODELO DE GESTÃO É DISCUTIDO, 2006)




              Figura 7: Slide da reunião realizada pela COMEC para discutir novas
                                tecnologias para o lixo de Curitiba.
                     (Fonte :MODELO DE GESTÃO É DISCUTIDO, 2006)


        O “Lixo que não é lixo” novamente levanta diversas críticas entre os
catadores, e uma anteposição formal do Movimento Nacional dos Catadores de
Materiais Recicláveis foi formulada, novamente com os argumentos de falta de
políticas   públicas   abrangentes      para    os    catadores     (CURITIBA       SE-PA-RA
CATADORES..., 2006).

        O presidente da república Luis Inácio Lula da Silva assinou em atendimento
a 1 milhão de catadores no Brasil, também em 2006, um decreto que institui a coleta
seletiva nos órgãos públicos e estabelece que os resíduos recicláveis advindos
destas entidades devam ser obrigatoriamente destinados a associações e
cooperativas de catadores (PRESIDENTE ASSINA DECRETO..., 2006).

        No cenário político curitibano, um fato que um pouco mais tarde trouxe
31

alguma visibilidade para os catadores foram as eleições de 2008. Tirando-se os
motivos mais gerais citados anteriormente, a eleição ocorreu em um período
bastante conturbado para a licitação da coleta pública de resíduos sólidos de
Curitiba (PARANÁ ONLINE, 2008).

       Foi neste mesmo período que o Fórum Lixo e Cidadania aproveitou-se da
importância política dos catadores e reforçou a sugestão da criação de um fundo
municipal de incentivo ao trabalho dos catadores. O compromisso foi assinado
somente por dois dos oito candidatos à prefeitura de Curitiba (SOBRE LIXO
RECICLÁVEL..., 2008).

       O prefeito Beto Richa do PSDB foi então eleito neste ano com 77,27% dos
votos seguido por Gleisi Hoffman do PT, com 18,17%. Os outros 7 candidatos
somam juntos o restante dos votos. Essa situação coloca Beto Richa como um dos
prefeitos mais bem votados do país (RESULTADO DAS ELEIÇÕES, 2008).

       Logo no primeiro ano de gestão do prefeito Beto Richa, em 2008, foi
iniciado o projeto EcoCidadão. Esta iniciativa prevê até 2011 a instalação de 25
parques de reciclagem pela capital paranaense, além de um programa de
acompanhamento, treinamento e apoio aos catadores que conta com a organização
da Secretaria Municipal de Meio Ambiente, a Fundação de Ação Social e com a
parceria conveniada das ONGs Aliança Empreendedora e Fundação Avina
(PREFEITURA ENTREGA..., 2008).

       O programa surge com grandes expectativas e boa divulgação, diversas
notícias foram veiculadas repetidamente em diversos canais de comunicação,
notadamente advindas das principais assessorias de imprensa. A presença do
prefeito Beto Richa nas inaugurações dos primeiros parques foi ponto marcante das
reportagens, e entrevistas individuais também citam com frequência o programa. A
entrega do primeiro parque acontece na metade de maio de 2008, no bairro
Boqueirão, e durante o período de um ano foram inaugurados mais quatro parques
em Curitiba (RENDA MÉDIA..., 2009).

       Pouco mais de três meses após a implantação deste primeiro parque –
quanto também já havia sido implantada a unidade do Cajuru – a prefeitura divulga
32

nota afirmando um aumento de 65% na renda média dos 61 catadores participantes
do projeto – número bem abaixo da meta dos 100 catadores por parque. Esta foi
uma informação recebida com bastante desconfiança pela comunidade dos
catadores já organizados em outras cooperativas (BOREKI, 2008). Por outro lado,
uma porcentagem maior não deixa de ser razoável uma vez que um consórcio de
organizações coordenadas pela prefeitura de uma metrópole possui melhores
condições de receber e repassar os resíduos no mercado do que uma cooperativa
de catadores.

       Já um ano depois, a Agência de Notícias da prefeitura divulga juntamente
com diversas outras vias de comunicação que em julho de 2009 que a renda dos
catadores   envolvidos no programa aumentou cerca de 43%, juntamente com
diversos depoimentos de catadores que enfatizam a melhoria de sua condição de
vida e satisfação com o regime associativista empregado no trabalho do dia-a-dia
(RENDA MÉDIA..., 2009). Com esta nova média, o aumento de renda entre os
catadores envolvidos com o EcoCidadão aproxima-se com a dos catadores
associados em cooperativas.

       Embora seja um valor bastante questionado, na proposição do projeto, com
a entrega dos 25 parques de reciclagem, a Secretaria Municipal do Meio Ambiente
esperava envolver cerca de 3.500 catadores nos processos de coleta e triagem dos
resíduos (PROJETO ECO CIDADÃO, 2008), porém, segundo levantamentos de
organizações civis, estima-se que existem em Curitiba cerca de 40 mil
trabalhadores vivendo da coleta informal de resíduos pelas ruas (MILENA A, 2010),
o que na melhor das hipóteses, representaria um atendimento de menos de 10%
desta população pelo projeto.

       O gerenciamento destes parques está sob responsabilidade da ONG
Aliança Empreendedora, e este modelo acaba por abandonar características
cooperativistas e emancipatórias que são chave da proteção social de um catador,
ficando muito mais próximas de um modelo gestionário e empreendedor (BOREKI,
2008), e uma vez que há uma disputa sem acordo pelo controle dos resíduos entre
o poder público e o movimentos social dos catadores, fica evidente que todo o
potencial social da geração de resíduos não está sendo muito bem aproveitada na
33

capital paranaense (MILENA A, 2010).

       Por defender tais pontos de vista e sofrer o desgaste de tentar mudar o
programa sem grandes resultados, a coordenação do Fórum Lixo e Cidadania
decidiu, em Fevereiro de 2009, que iria deixar de participar do projeto EcoCidadão,
ato que se deu em uma reunião ordinária, com argumentação, leitura de uma carta,
discussão e pedido de investigação das denúncias documentadas entregadas pelo
órgão a respeito do projeto (RIBEIRO, 2008).

       Em 2008 a estimativa era de que os catadores coletavam 92,5% do lixo de
Curitiba, o que resulta em cerca de 550 toneladas diárias. Com base neste papel
social importantíssimo e na situação de que os catadores não possuem nenhum
reconhecimento formal da sociedade por desempenhá-lo, o Fórum Lixo e Cidadania
propôs, em 2001, que os catadores recebessem parte do dinheiro licitado destinado
à Cavo. Isso oficializaria o trabalho de catação de uma maneira legítima e digna.
Esta medida foi discutida e justificada com alguma frequência pelo Fórum Lixo e
Cidadania (RIBEIRO, 2008), mas a resposta oficial do poder público até então foi
evasiva, e justificada pelo argumento de que a organização carrinheira é ainda
muito incipiente para pensar em um repasse desta natureza (FERNANDES, 2008).

       Para 2010 espera-se que a Política Nacional de Resíduos Sólidos (PL
203/91) seja aprovado e contemple uma diretriz deste molde, que o poder público
receberá incentivos para contratar associações e cooperativas em licitações para
execução da limpeza pública. O documento deveria ter sido aprovado em 2009, mas
algumas questões relacionadas ao Pré-Sal e o Plano Nacional de Direitos Humanos
interferiu no calendário de votação (MILENA B, 2010).
34



5 Resultados
          Como o banco de informações não foi exato em todos os seus pontos
devido à falta de alguns dados pontuais, e como também notou-se a diferença de
interpretação das questões por parte de entrevistadores, entrevistados e voluntários
digitalizadores, optou-se por apresentar os dados sempre quantificados em forma
de porcentagem de acordo com a população de interesse e as perguntas
respondidas. Desta maneira pôde-se obter indicadores bastante satisfatórios, se
comparados com aqueles que encontramos no IBGE e outras entidades que
ocupam-se de pesquisas sociais.

          Outros dados também ficaram um pouco esparsos devido à elaboração de
perguntas abertas e não muito direcionadas no questionário. Neste caso tentou-se
aninhar      as   respostas   semelhantes   e   agrupá-las   entre   grupos   distintos
quantificáveis, embora a percepção da pergunta e da resposta possa ser diferente
na visão do trabalhador. Tais itens foram especificados na discussão.

          Esta metodologia é considerada razoável por apenas utilizar os dados de
interesse e apresentar distorções mínimas para diferentes testes de valores das
variáveis duvidosas que foram excluídas, não permitindo que estas exclusões
pontuais tenham interferência significativa no valor final e ainda facilitando o
entendimento do contexto de dados apresentados.



5.1 Perfil
          O perfil dos entrevistados está ilustrado na pirâmide etária da Figura 8.
Nota-se que 62% são mulheres, dentre elas a maioria encontra-se na faixa de idade
de 31 a 50 anos. À medida que a idade avança a quantidade de catadores do sexo
feminino diminui drasticamente, dando vez à uma maioria de homens quando trata-
se de uma população com mais de 60 anos de idade.
35




              Figura 8: Pirâmide etária da população de catadores entrevistados
                                    (Fonte: ILCPR, 2006)




5.2 Associação
       O item 40 do questionário procura saber sobre a percepção da condição de
trabalho após a associação, a Figura 9 ilustra o resultado da pergunta: “O que você
pensa sobre suas condições de trabalho na associação, grupo ou cooperativa, em
relação ao trabalho antes da formação do grupo, associação ou cooperativa?”.

       Uma minoria de 5% considera que a situação está pior, 21% não consegue
notar mudanças significativas, enquanto a maioria, cerca de 73%, considera que
houveram vantagens na decisão de associar-se a um grupo ou cooperativa.
36


     Pioraram            0,06




 Não Mudaram                              0,21




   Melhoraram                                                                              0,73




                0          0,1      0,2          0,3     0,4       0,5       0,6     0,7          0,8


                       Figura 9: Percepção da situação após filiação à cooperativa
                                         (Fonte: ILCPR, 2006)


        Ao detalhar estas estatísticas da pergunta 40, encontram-se três principais
grupos de motivos colocados espontaneamente pelos catadores:

           1) a formação, aprendizado e enriquecimento da vivência profissional;

           2) a organização, trabalho em grupo e companheirismo presente na
                    cooperativa;

           3) a melhoria das condições financeiras e de trabalho, tais como a
                    remuneração, o aumento da renda, o recebimento de doações e
                    melhores equipamentos de trabalho.

          A quantificação destas opiniões está relacionada na Figura 10. Uma
pequena parcela, de 4%, vê vantagem em atividades formativas, porém, a maioria
das respostas circulam entre a oportunidade de se trabalhar em grupo (47%) ou por
aspectos que refletem na própria melhoria da condição (49%) de vida ou trabalho.

        Como resultado das práticas gestionárias herda-se um conjunto de lógicas
com discursos adaptados para que as mazelas sociais viessem a se tornar
toleráveis na sociedade. A Figura 9: Percepção da situação após filiação à
cooperativa (Fonte: ILCPR, 2006), demonstra como o catador entrevistado sente-se
em relação à diversos aspectos de sua vida e de sua família após ter-se filiado a um
cooperativa. A maioria deles – 73% dos entrevistados – vê sua vida tomando rumos
melhores e mais dignos.
37



            Formação       0,04




 Trabalho em grupo                                                                                     0,47




            Condição                                                                                          0,49




                       0             0,1            0,2          0,3                    0,4               0,5                0,6


                                   Figura 10: Motivo da melhora de situação
                                             (Fonte: ILCPR, 2006)




5.3 Educação e profissionalização
            A pergunta número 16 procura traçar um perfil educacional da população
entrevistada, tendo os dados apresentados na Figura 11. Através dela percebe-se
que 61% destes catadores não ultrapassou a 4ª série do sistema educacional
brasileiro, e menos do que 11% sequer concluiu o primeiro grau.


 8ª série                                                 0,11



 7ª série                  0,04



 6ª série                         0,05



 5ª série                                                                                 0,18



 4ª série                                                                                                            0,22



 3ª série                                                                        0,16



 2ª série                                                                 0,15



 1ª série                                    0,08



            0              0,05                     0,1                0,15                      0,2                        0,25


                                           Figura 11: Grau de escolaridade
                                                (Fonte: ILCPR, 2006)


            O segundo item, da mesma pergunta 16, procura saber: “Gostaria de
participar de algum curso?”, a maioria dos entrevistados expressa desejo de
38

continuar os estudos ou de profissionalizar-se em alguma outra área, e as respostas
mais comuns constam na Figura 12.

         A resposta mais dada foi a de concluir os estudos no sistema educacional
formal, através de um supletivo, que 28% dos entrevistados possui este desejo,
seguidos por 22% de informática, 16% de corte e costura e 15% de culinária.



    Reciclagem                   0,06




     Artesanato                                    0,13




       Culinária                                             0,15




 Corte e Costura                                                 0,16




     Informática                                                              0,22




       Supletivo                                                                            0,28



                   0      0,05          0,1               0,15          0,2          0,25          0,3


                       Figura 12: Intenções e desejos de profissionalização
                                       (Fonte: ILCPR, 2006)


         A pergunta 38 coloca: “Você conhece alguma instituição?”. São fornecidas
as opções a) Movimento Nacional de Catadores de Material Reciclável (MNCR); b)
Instituto Lixo e Cidadania; c) Outras Associações de Catadores; d) Outras.

         As opções “c” e “d” acabaram por confundir-se dentre as respostas, motivo
pelo qual elas foram rearranjadas em uma única opção “Outras cooperativas”.
Percebe-se também em outros trabalhos acadêmicos que a percepção de
capacitação em “reciclagem” dos catadores pode estar um pouco confundida com
“artesanato”. Isto explicaria uma parcela do baixo interesse na atividade, uma vez
que os números possam ter-se divididos entre ambas as estatísticas.

         As respostas presentes na Figura 13 retrata que a maioria dos catadores –
70% deles – conhece o Instituto Lixo e Cidadania. Próximo da meta deles, 55%,
conhecem o Movimento Nacional de Catadores de Materiais Recicláveis, e uma
39

pequena parcela, comparada às demais, de 13%, conhece outras cooperativas.



      Outras cooperativas                      0,13




                    MNCR                                                                  0,55




 Instituto Lixo e Cidadania                                                                              0,7




                              0          0,1          0,2         0,3     0,4      0,5       0,6       0,7        0,8


                                  Figura 13: Entidades conhecidas pelos catadores
                                                (Fonte: ILCPR, 2006)


          A Figura 14 contém as respostas para a pergunta 39: “Você já participou de
algum encontro/curso de catadores?”. As respostas foram das mais variadas, e
pode-se organizá-las em três principais grupos:

             1) eventos             de     cunho            político-partidário,   tais   como       comícios      de
                  candidatos, entrega de carrinhos e outras doações, demais eventos
                  que tenham como objetivo a promoção de um candidato ou seja
                  marcada pela aparição política;

             2) cursos e seminários de capacitação promovidos principalmente pelas
                  suas cooperativas e por outras entidades tais como o Instituto Lixo e
                  Cidadania;

             3) congressos,               encontros,            fóruns    e     seminários         direcionados         e
                  organizados pela categoria, geralmente ocorridos fora da cidade onde
                  reside e que possuem como objetivo a discussão, formação e
                  promoção do catador de materiais recicláveis.
40



      Político       0,05




  Capacitação                0,09




    Formação                        0,14




 Não participa                                                                                     0,73




                 0          0,1            0,2   0,3      0,4          0,5         0,6    0,7             0,8


                     Figura 14: Áreas de eventos com a participação dos catadores
                                         (Fonte: ILCPR, 2006)




5.4 Raízes étnicas e sociais
           A pergunta 3: “Onde você nasceu?”, divide os catadores em dois grandes
grupos, dentre aqueles que nasceram na cidade ou no campo, independente de ter
sido em uma cidade grande ou não. 62% deles responderam que são advindos de
meios urbanos, tal como colocado na Figura 15.



  Cidade                                                                                        0,62




  Campo                                                         0,38




           0           0,1                 0,2     0,3          0,4          0,5         0,6              0,7

                            Figura 15: Catadores advindos do meio urbano ou rural
                                            (Fonte: ILCPR, 2006)


           “Há quanto tempo mora nesta cidade?” foi a pergunta feita pelo item 4 do
questionário, o que reflete-se na Figura 16. O modo de apresentação deste item foi
modificado para uma aglutinação dentre a década de migração para Curitiba, válido
somente para as pessoas que possuíam resposta diferente da idade, o que
interpreta-se como não nativo da cidade. Optou-se por este modelo para melhor
relacionar a população com o fenômeno social do êxodo rural.
41

            Verifica-se um inchaço de migração nos anos 90, em que                                                   35% dos
catadores advindos de outras cidades vieram para Curitiba. De todos estes
catadores, 60% migraram para a capital paranaense entre as décadas de 80 e 90.



  Anos 00                                    0,12



  Anos 90                                                                                                     0,35



  Anos 80                                                                          0,25



  Anos 70                                                      0,17



  Anos 60                                  0,12



            0          0,05         0,1             0,15              0,2     0,25               0,3         0,35       0,4

                                Figura 16: Época de migração para Curitiba
                                           (Fonte: ILCPR, 2006)


            Em resposta à pergunta 1: “Qual a sua raça?”, os entrevistados declararam-
se majoritariamente como brancos (43%), seguidos de pardos (34%) e negros
(0,16%), como mostra a Figura 17.


 Amarela        0,02



 Indígena         0,03



   Negra                                          0,16



   Parda                                                                                  0,34



  Branca                                                                                                      0,43



            0      0,05       0,1         0,15           0,2          0,25   0,3          0,35         0,4      0,45     0,5


                                     Figura 17: Distribuição étnica e racial
                                             (Fonte: ILCPR, 2006)




5.5 Moradia
            Dentre as primeiras informações cadastrais do questionário estão os
42

endereços dos entrevistados. Uma aproximação média foi feita de acordo com os
valores de latitude e longitude com consulta automática no serviço de mapeamento
Google MapsTM, o que resultou no mapa de densidade geográfica da Figura 18,
onde os pinos nas localidades do mapa representam as aglomerações de onde as
famílias residem.

       Algumas vezes a rua fornecida não ainda possui cadastro formal na
prefeitura, e portanto, não foi detectada pelo serviço de busca a partir das
informações fornecidas. Por tal motivo optou-se por marcar somente as
aglomerações, a fim de visualizar aonde estas famílias estão concentradas pela
grande Curitiba.

       De acordo com a pergunta 9: “O local que você mora é:”, quase 90% dos
catadores entrevistados residem em casas, e o restante divide-se em barracões e
albergues. O item 11, “A construção é:”, detalha este dado de acordo com o tipo de
construção das residências, o que está exposto na Figura 19.

       Vê-se que a maioria das casas eram feitas de madeira, constituindo em 69%
do total de moradias. O restante divide-se entre 27% de alvenaria e 4% de
construção mista.
43




Figura 18: Locais em que os catadores acompanhados pelo Instituto Lixo e
                   Cidadania residem na grande Curitiba
           (Fonte: ILCPR, 2006 e software elaborado pelo autor)
44



    Mista            0,04




 Alvenaria                                     0,27




  Madeira                                                                                          0,69




             0              0,1       0,2          0,3         0,4     0,5            0,6         0,7          0,8


                                      Figura 19: Tipo de construção da casa
                                              (Fonte: ILCPR, 2006)


             Através da seção de perguntas 15: quanto a que se o entrevistado possui
água encanada, energia elétrica, ligação com a rede de esgoto e instalação
sanitária, foram obtidas as informações a seguir:

             De todas as casas, 20% não possuem banheiro instalado, possuindo
“casinhas” ou outras estruturas improvisadas para escoamento dos dejetos – tal
como perguntado no item 15.4: “Você possui banheiro?”.

             A Figura 20 retrata que 56% dos catadores entrevistados não possuem em
suas casas ligação homologada pela SANEPAR com a rede pública de esgoto, e
que dentre eles 23% possui esgoto a céu aberto.



 Rede Pública                                                                                           0,44




   Céu Aberto                                                  0,23




        Fossa                                                                 0,33




                 0          0,05    0,1     0,15         0,2    0,25   0,3     0,35         0,4     0,45       0,5


                                   Figura 20: Destino dos efluentes residenciais
                                               (Fonte: ILCPR, 2006)


             De acordo com as informações da Figura 21, uma parcela de 70% das
45

casas possui fornecimento de água regularizado pela SANEPAR, 20% possuem
esta mesma alimentação de maneira irregular, e 10% não possuem água encanada.



  Nenhum                          0,1




  Informal                                      0,2




 SANEPAR                                                                                                  0,7




                0             0,1             0,2           0,3         0,4         0,5         0,6     0,7     0,8


                           Figura 21: Situação quanto ao sistema de abastecimento de água
                                                 (Fonte: ILCPR, 2006)


            Quanto ao fornecimento de energia elétrica, quase 80% dos catadores são
atendidos formalmente pela COPEL. Conforme o mostra a Figura 22, somente 3%
dos trabalhadores não possuem energia elétrica em casa.




 Nenhum             0,03




 Informal                                0,2




  COPEL                                                                                                 0,78




            0               0,1         0,2           0,3         0,4         0,5         0,6     0,7    0,8    0,9


                            Figura 22: Situação quanto ao fornecimento de energia elétrica
                                                (Fonte: ILCPR, 2006)


            O tempo de locomoção é um fator crucial na saúde ocupacional de um
trabalhador, pois podem aí estar adicionadas até três horas juntamente à jornada de
trabalho cumprida.
46

         A pergunta 35: “O grupo, associação ou cooperativa fica a que distância da
sua casa?”, procura saber a distância da cooperativa, associação ou centro de
triagem da casa do catador, e tem seus resultados representados na Figura 23.

         Boa parte dos catadores reside próximo de seu local de trabalho, a maioria
– 56% dos entrevistados – tem residência fixada em uma distância de até 500m da
associação ou cooperativa, enquanto 20% está a mais de 1km.



 5km ou mais                      0,04




      1 a 5km                                                                              0,21




 501 a 1000m                                                                         0,2




  101 a 500m                                                                                      0,24




    Até 100m                                                                         0,2




 Mora no local                                               0,12




                 0                0,05             0,1              0,15            0,2             0,25


                     Figura 23: Distância da residência do catador até sua base de trabalho
                                              (Fonte: ILCPR, 2006)


         Coloca-se também em questão como esse trajeto é realizado através da
pergunta 36: “grupo, associação ou cooperativa fica a que distância da sua casa?”,
e as respostas mais comuns estão na Figura 24.

         Quase 70% dos catadores locomove-se a pé, 21% aproveitam o trajeto para
levar o carrinho, e 7% utilizam bicicleta. Somente uma fração muito pequena usufrui
do sistema de transporte coletivo, 3%.
47


             Ônibus         0,03




            Bicicleta              0,07




  Puxando o carrinho                               0,21




                A pé                                                                                  0,68



                        0          0,1       0,2            0,3          0,4          0,5   0,6      0,7            0,8


                            Figura 24: Modo de locomoção até a base de trabalho
                                           (Fonte: ILCPR, 2006)




5.6 Renda
         Ao informar sua renda familiar mensal segundo a questão 13: “Qual é sua
renda familiar?”, obteve-se o gráfico da Figura 25 dentro os valores respondidos.

         Resulta deste levantamento que cerca de 40% das famílias de catadores
sobrevive com menos de R$300 mensais., e 70% com menos do que R$450. Uma
pequena parcela de 16% compõe a população que consegue retirar mais do que
R$600 deste meio de sustento.



        Acima de R$601,00                                                      0,16




 Entre R$451,00 e R$600,00                                        0,13




 Entre R$301,00 e R$450,00                                                                         0,28




 Entre R$151,00 e R$300,00                                                                                   0,31




      Menos que R$ 150,00.                                        0,13




                               0          0,05            0,1       0,15              0,2   0,25      0,3           0,35


                                          Figura 25: Renda familiar média
                                               (Fonte: ILCPR, 2006)
48

        Ao dividir este rendimento pelo número de pessoas que compõem cada
família combinando as perguntas 13 e 8, obtém-se faixas de distribuição de renda
per capta como mostrado na Figura 26.

        A maioria destas famílias distribui seu rendimento mensal por cada
integrante em até R$100. São raras as famílias que possuem renda superior a
R$200 mensais per capta.



   Mais que R$351       0,01



 De R$301 a R$350              0,03



 De R$251 a R$300          0,02



 De R$201 a R$250              0,03



 De R$151 a R$200                                0,1



 De R$101 a R$150                                                0,16



  De R$51 a R$100                                                                            0,32



         Até R$50                                                                               0,33



                    0             0,05         0,1        0,15          0,2     0,25   0,3          0,35


                                      Figura 26: Renda das famílias per capta
                                               (Fonte: ILCPR, 2006)
49



6 Discussão

6.1 Análise e interpretação


6.1.1 A falsa autonomia do catador
       Segundo a Figura 10: Motivo da melhora de situação (Fonte: ILCPR, 2006),
o quesito 2 – da organização e do trabalho em grupo – foi significativamente citado
por quase metade dos entrevistados. Percebemos o quão benéfico foi para o bem-
estar ocupacional do trabalhador desta área a promoção da organização e de um
bom ambiente cooperativo de trabalho, libertando-o de “inconvenientes” como
chefes e atravessadores. Situações como esta satisfazem e motivam o profissional
no seu dia-a-dia, fortalecem a cooperativa e ajudam a disseminar a ideia do
associativismo. Sentir-se “dono do negócio” é para muitos catadores até mais
importante do que a melhoria de renda.

       É comum um catador alegar que prefere esta profissão à outras disponíveis
devido à autonomia que ele possui no serviço, como colocado em entrevista da
Gazeta do Povo com Daniel Tiê, um catador de Curitiba.

                    “[...] Vocês são empregado, me descurpa dizê, se arguém tá
                    mandando voceis aqui, voceis tão ganhando dinhero pros otro.
                    Eu sei que voceis tem o salarinho de voceis, meu negócio não
                    é salarinho, se dependê de mim pra ganhá dinhero vocês vão
                    morrê de fome. [...]

                    Daniel Tiê, o homem da ilha” (KÖNIG, 2007).


       Depoimentos como estes tem se tornado comuns, realizando uma contínua
referência da tão confortante autonomia advinda do trabalho autônomo explorado e
não especializado. Esta situação como um todo carece de uma profunda análise
frente ao processo de precarização do trabalho que a sociedade sofreu para dar
vez às vias capitalistas (LEIBANTE, 2006).

       O que é pouco observado, porém, é que o serviço de catação – assim como
tantos outros que podem ser considerados autônomos no mercado de trabalho que
conhecemos hoje – encaixa-se perfeitamente no sistema de serventia com pouco
50

retorno que o sistema capitalista exige de seus trabalhadores. Esta exploração tem
poucas mudanças quando observadas as jornadas, remuneração, saúde social e
cultural do trabalhador tanto autônomo quanto empregado. O trabalho parece deixar
de ser subordinado quando o trabalhador não tem horários definidos ou está sob
vigilância constante, dando esta falsa ideia de autonomia, uma vez que há uma
necessidade de resultados da mesma forma e às vezes até sob maior exploração.
Trata-se, portanto, de uma impressão marcada por baixíssima remuneração e pela
precariedade, na qual o tempo de trabalho continua a ser uma categoria dominante
(SOUZA, 2008).

       Obviamente que a organização de qualquer categoria de trabalhadores será
benéfica quando feita para reivindicação de seus direitos e melhoria das condições
de trabalho, em qualquer circunstância. E de fato conforme pesquisa realizada,
grande parte dos catadores enxergam diversas melhorias em suas condições a
partir do momento que adentram em uma cooperativa que trabalha coerentemente
com a vontade de seus integrantes. Esta concepção de autonomia é ainda menos
subsidiada em catadores não cooperados ou associados, onde não existe uma
tarefa de formação e situação do ser no espaço social a que ele pertence
(GONÇALVES, 2004).

                    […] Os “catadores do lixo” buscam outras formas de
                    sobrevivência diferente daquelas que estão postas pelo
                    sistema técnico produtivo, o que não significa que estão sendo
                    autônomos no seu processo de sobrevivência. Só buscaram
                    tal alternativa porque não conseguiram se incluir nos padrões
                    estabelecidos pelo sistema. E, quando saem às ruas para
                    “catar” lixo, não saem por uma nova consciência, com o desejo
                    de mudança. Pelo o que foi constatado nesta pesquisa, eles
                    saem às ruas, trabalhando nesta atividade, para, de certa
                    forma, se manterem incluídos no sistema, para adquirirem os
                    bens de consumo postos por este. […] (GONÇALVES, 2004)


       O interesse aqui em questionar a autonomia de uma organização de
catadores é que, embora hajam várias vantagens imbuídas para seus membros, a
entidade não pode ser considerada definitivamente emancipadora por si só, e deve
ser encarada como um caminho à conquista de uma séria de direitos e
posicionamentos sociais, trabalhistas e educacionais os quais todo membro da
sociedade é digno de possuir.
51

6.1.2 Organização do movimento social
       Os movimentos sociais são a base da transformação de uma sociedade
democrática. É através deles que a população tem a possibilidade de intervir e
reivindicar seus interesses e de propor planos de desenvolvimento para o país.
Mostrar insatisfação e pressionar os governantes é ainda a principal forma de
melhorar situações consideradas popularmente ruins (SILVA, 2007).

                    […] “A ampliação dos espaços da cidadania ocorre através de
                    uma nova cultura política que faz a interlocução entre carência
                    e reivindicação. Para Warren essa cidadania caracteriza-se
                    por sua constituição coletiva, através de ações que enfrentam
                    modelos políticos existentes e apontam novas direções para
                    as relações sociais. A sociedade civil e o Estado se
                    interpenetrariam em campos de ações diferentes.” […] (SILVA,
                    2007)


       Porém, há um controverso repúdio popular pelas questões deste mundo
conturbado de luta e interesses políticos, pois pouco percebe-se que é através dele
que as mudanças definitivamente ocorrem, por mais lentamente pareçam ser. O
Brasil particularmente entre os países da América do Sul possui uma população
com elevada desconfiança política e insatisfação com o sistema democrático de
governo, possuindo forte influência pela percepção de insuficiência de renda
exigida para uma condição de vida satisfatória, e também pelo sentimento negativo
quanto às leis trabalhistas (MOISÉS, 2008).

       A classe trabalhadora de modo geral já possui uma deficiência grave
advinda da falta de formação política. Isto é um reflexo combinacional de vários
outros elementos que procuram manter a hegemonia de um grupo limitado de
interesses, tais como a privação de direitos cidadãos como acesso à educação e da
manipulação midiática (FERREIRA, 2006).

                    […] “Acredita-se que, em primeiro lugar, a falta de interesse da
                    sociedade civil em participar e interferir politicamente na vida
                    pública deve-se ao fato da população se encontrar em
                    permanente estado de apatia; e isto acontece, principalmente,
                    pela forma como temos sido mantidos imobilizados pelas
                    informações e mensagens transmitidas pela grande mídia, que
                    constituí-se em poderoso instrumento de dominação das elites
                    detentoras do capital econômico, impondo, assim, sua visão
                    distorcida e parcial dos fatos .” […] (FERREIRA, 2006)
52

        A interpretação libertadora das informações – principalmente aquelas com
veiculação manipulada – que recebemos no dia-a-dia torna-se difícil, sendo que a
percepção da condição de explorado por um trabalhador resulta da quebra de uma
série de condicionamentos impostos implicitamente por estas deficiências.

        Uma das respostas para o caminho da quebra destes condicionamentos é a
formação crítica e política. O sistema educacional Brasileiro por si só raramente
consegue fornecer estes recursos, e nem todos os trabalhadores tem vivências que
a eles possibilite receber tal formação.

         Interpreta-se a partir daí a importância que esta educação possui para o
movimento dos catadores, e como o caminho a ser percorrido para sanar todas as
deficiências e dificuldades é longo. Este quesito torna-se então uma atribuição
também esperada dos movimentos de trabalhadores, cuja força não por acaso
depende diretamente do nível de formação política de seus integrantes.

        Pelo menos 15% dos catadores são envolvidos com a diretoria de sua
cooperativa de alguma forma, desde os cargos de presidente até conselheiros
fiscais. Esta é uma porcentagem mais relativa ao tamanho do grupo e seus
princípios organizacionais do que de interesse de envolvimento do cooperado
propriamente dito.

        Procurou-se, portanto, medir o interesse político do catador a partir de sua
participação em outros eventos e averiguando o quanto ele conhece sua profissão,
e não só de ouvir falar dos nomes das entidades que representam ele.

        É natural que uma grande parcela dos catadores entrevistados conheça o
Instituto Lixo e Cidadania, pois é esta entidade que procura organizar e orientar as
cooperativas formadas pelos catadores, e para isso ela precisa estar próxima do
grupo e ser de conhecimento dos integrantes para então ter sua confiança e poder
recomendar ações que serão de fato seguidas.

        Conhecer o Movimento Nacional dos Catadores de Recicláveis é mais um
indicador da força de atuação desta entidade do que de interesse político do
catador. O conhecimento da entidade representativa por uma parte dos
trabalhadores de baixa renda de uma determinada categoria normalmente é muito
53

baixo, e o fato de que pelo menos metade dos entrevistados conhece a sua
representação nacional já é positivo, embora isto não signifique diretamente que
existe o interesse de forte atuação no movimento.

        A participação em movimentos nacionais requer um passo a mais no
envolvimento com a profissão e com as causas da categoria, uma iniciação que
consiste principalmente em uma atuação, aproximação e liderança muito mais forte
no grupo local.

        Visto que menos do que 15% dos entrevistados já participou de uma
atividade – encontros, congressos, vivências – que relacione-se com a formação
política na vida profissional (Figura 14: Áreas de eventos com a participação dos
catadores (Fonte: ILCPR, 2006)), este número parece transparecer um certo
desinteresse pela política do movimento nacional de modo geral, o que indica que o
dado em questão da Figura 13: Entidades conhecidas pelos catadores (Fonte:
ILCPR, 2006), possui uma boa subjetividade por parte do catador entrevistado.

        Outro dado alarmante que demonstra o desconhecimento da amplitude de
sua profissão são as respostas da pergunta 43:”Você sabe o preço de venda dos
materiais que você coleta e são vendidos pela associação?”, resultando que 57%
dos catadores entrevistados não sabem o preço a que os resíduos por ele coletados
são vendidos, e esta porcentagem é ainda maior se forem consideradas as demais
cooperativas pelo Paraná. Diversas interpretações podem ser retiradas somente
deste dado.

        Além de estes trabalhadores terem uma relação de confiança – ou alheia –
em relação à administração da cooperativa ao designar à ela a responsabilidade de
venda da sua força de trabalho empregada no dia-a-dia, este dado mostra talvez a
falta de entendimento em relação ao motivo da venda dos resíduos e também ao
que leva à diferença de preços entre os materiais que ele coleta, ou seja: ao
entendimento da cadeia produtiva à qual ele faz parte.

        Se sequer ficou claro para um trabalhador o modo como funciona a sua
cadeia produtiva, qual será então a dificuldade em entender as dinâmicas de custo
e trabalho que levam à exploração do seu trabalho?
54

         As limitações educacionais e o condicionamento à exploração antepõem-se
às de formação política necessárias ao desejo de emancipação, e tornam-se um
muro para a formação de cooperativas e questionamento do poder público sobre a
promoção e manutenção da dignidade de sua categoria.

         Somente 11% destes trabalhadores completaram a 8ª série, e quando
perguntados se possuíam interesse em continuar os estudos as respostas foram
bastante variadas apontando diversas possibilidades de estudo, desde cursos
superiores a profissões mais simples. No entanto nota-se uma percepção sobre a
valorização da informática e ao desejo de recuperar os anos de estudo perdido,
conforme a Figura 12: Intenções e desejos de profissionalização (Fonte: ILCPR,
2006).

         Em múltipla escolha, 28% dos catadores gostariam de fazer um supletivo e
completar os níveis fundamental e médio de escolaridade. Após isso, 22%
gostariam de fazer um curso profissionalizante em informática.

         A partir destas duas principais manifestações que refletem as tendências
globais de profissionalização, seguem profissões mais próximas ao dia-a-dia, tais
como artesanato cooperativista; confeitaria, cozinha e culinária em geral; estética,
beleza, cabelo e manicure; obras e carpintaria.

         O dado em destaque na Figura 12 é justamente o primeiro item: somente
6% dos entrevistados manifestaram interesse em aprender mais sobre o seu ofício e
aprofundar conhecimentos sobre processos de reciclagem de modo geral.

         São algumas principais interpretações:

           1) que não há interesse em continuar no ramo da reciclagem, e portanto
              há um outro leque de áreas do conhecimento para priorizar;

           2) que o catador não conhece a amplitude do campo de reciclagem e
              também não entende como funcionaria a expansão do seu trabalho
              para usinas de triagem, reciclagem, valorização e reincorporação de
              resíduos ao mercado;

         Estes dados podem contrastar como uma controvérsia, pois embora pouco
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Os Catadores de Materiais Recicláveis e a Administração Pública de Curitiba

  • 1. UNIVERSIDADE TECNOLÓGICA FEDERAL DO PARANÁ DEPARTAMENTO ACADÊMICO DE QUÍMICA E BIOLOGIA TECNOLOGIA EM QUÍMICA AMBIENTAL VINICIUS ANDRE MASSUCHETTO OS CATADORES DE MATERIAIS RECICLÁVEIS E A ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA DE CURITIBA TRABALHO DE CONCLUSÃO DE CURSO CURITIBA 2010
  • 2. VINICIUS ANDRE MASSUCHETTO OS CATADORES DE MATERIAIS RECICLÁVEIS E A ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA DE CURITIBA Trabalho apresentado à disciplina de Trabalho de Conclusão de Curso II do Curso de Tecnologia em Química Ambiental como requisito parcial à obtenção do título de Tecnólogo em Química Ambiental. Orientador: Julio César Rodrigues de Azevedo CURITIBA 2010
  • 3. TERMO DE APROVAÇÃO VINICIUS ANDRE MASSUCHETTO TÍTULO DO TRABALHO OS CATADORES DE MATERIAIS RECICLÁVEIS E A ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA DE CURITIBA Trabalho de Diplomação aprovado como requisito parcial à obtenção do grau de TECNÓLOGO EM QUÍMICA AMBIENTAL pelo Departamento Acadêmico de Química e Biologia (DAQBi) do Campus Curitiba da Universidade Tecnológica Federal do Paraná – UTFPR, pela seguinte banca examinadora: Membro 1 – PROFª. Drª. TAMARA SIMONE VAN KAICK Departamento Acadêmico de Química e Biologia (UTFPR) Membro 2 – PROFª. Drª. VALMA MARTINS BARBOSA Departamento Acadêmico de Química e Biologia, (UTFPR) Orientador: PROF. DR. JÚLIO CÉSAR RODRIGUES DE AZEVEDO Departamento Acadêmico de Química e Biologia, (UTFPR) Curitiba, 24 de maio de 2010.
  • 4. RESUMO MASSUCHETTO, Vinicius. Os Catadores de Materiais Recicláveis e a Administração Pública de Curitiba. 2010. 99 f. Trabalho de Conclusão de Curso (Tecnologia em Química Ambiental) – Departamento Acadêmico de Química e Biologia, Universidade Tecnológica Federal do Paraná. Curitiba, 2010. Este trabalho apresenta um estudo sobre as políticas públicas destinadas aos catadores de Curitiba, no Paraná. Discute o modelo de gestão do lixo e a eficiência destas politicas. Para isso, faz-se um levantamento histórico das gestões municipais, assim como o levantamento de dados em entrevista com catadores organizados. Estas informações são cruzadas com um embasamento teórico e discutidas sob uma visão social e humanista. Coloca em questão a concepção de desenvolvimento sustentável aplicada ao modelo de regulação econômica em curso, assim como critica a postura da gestão pública para com as políticas sociais destinadas aos catadores. Considera pontos falhos dos projetos sociais na área ambiental para Curitiba e região metropolitana, assim como sugere caminhos e medidas a serem tomados para determinar uma utilidade prioritariamente social na gestão pública de resíduos. Palavras-chave: Catadores. Curitiba. Reciclagem. Governo. Políticas sociais. Pobreza. iv
  • 5. ABSTRACT MASSUCHETTO, Vinicius. Waste catchers and government in Curitiba. 2010. 99 pages. Graduation conclusion (Environmental chemistry technology) – Chemistry and Biology Department, Federal Technology University of Paraná. Curitiba, 2010. This paper presents a study about the public policies aimed at the waste collectors of Curitiba, in Paraná, Brazil. Discusses the model of waste management and efficiency of these policies along with a historical survey of the city administration. A database obtained from interviews with organized collectors was crossed with theoric content and discussed in a social and humanistic way. This calls into question the conception of sustainable development applied to the model of economic regulation under way, and criticizes the stance of public management for social policies aimed at these collectors. Suggest ways and measures to be taken to determine what are the priorities while managing public waste. Considers defective points of social projects in the environmental area to Curitiba and metropolitan region, as well as suggest ways and measures to be taken to determine a priority social usefulness in public management of waste. Keywords: Waste catchers. Curitiba. Recycling. Government. Social politics. Poverty. v
  • 6. SUMÁRIO 1 Introdução...............................................................................................................11 2 Objetivos.................................................................................................................14 3 Metodologia............................................................................................................15 4 Levantamento Bibliográfico: Histórico................................................................17 4.1 Década de 70: Crescimento da informalidade urbana.........................................17 4.2 Década de 80: Surgimento de novas profissões..................................................19 4.3 Década de 90: Princípios de organização............................................................25 4.4 Primeira década do século XXI: Consolidação do movimento social..................28 5 Resultados..............................................................................................................34 5.1 Perfil......................................................................................................................34 5.2 Associação............................................................................................................35 5.3 Educação e profissionalização.............................................................................37 5.4 Raízes étnicas e sociais.......................................................................................40 5.5 Moradia..................................................................................................................41 5.6 Renda....................................................................................................................47 6 Discussão................................................................................................................49 6.1 Análise e interpretação.........................................................................................49 6.1.1 A falsa autonomia do catador............................................................................49 6.1.2 Organização do movimento social.....................................................................51 6.1.3 Precariedade de moradia, local de trabalho e renda........................................55 6.2 Considerações sobre a história dos catadores em Curitiba................................58 6.2.1 Os conflitos do “Lixo que não é lixo”.................................................................59 6.2.2 A postura assistencialista do “Carrinheiro Cidadão”.........................................62 6.2.3 O cerceamento do associativismo do “EcoCidadão”........................................64 6.3 O cenário curitibano..............................................................................................67 6.3.1 Desenvolvimento urbano...................................................................................67 6.3.2 O modelo de gestão do lixo...............................................................................73 7 Considerações Finais............................................................................................78 8 Referências Bibliográficas...................................................................................80 9 Anexos.....................................................................................................................88 9.1 Ficha de caracterização dos catadores................................................................88 9.2 Material de Apoio..................................................................................................98 vi
  • 7. 7 LISTA DE FIGURAS Figura 1: Fotos da matéria "Papel dos Catadores de Papel". (Fonte: LOPES, 1983).................................................................................................20 Figura 2: Fruet em lançamento de associação de catadores na Vila Pinto (hoje Vila Parolin) (Fonte: JORNAL DO ESTADO, 1985)........................................................................21 Figura 3: Protesto na Praça Osório que reuniu cerca de cem catadores (Fonte: CATADORES NÃO QUEREM ..., 1989)........................................................24 Figura 4: Catadores reunidos com o Secretário de Meio Ambiente Hitoshi Nakamura. (Fonte: CATADORES DE PAPEL VÃO ..., 1989).......................................................24 Figura 5: Comemoração do Dia Nacional de Mobilização dos Catadores em 2005, na Praça Tiradentes. (Fonte: CATADORES DE PAPEL RECLAMAM ..., 2005)..........................................26 Figura 6: Rafael Greca em solenidade de entrega de carrinhos e coletes para catadores. (Fonte: ENTREGA DE CARRINHOS A CATADORES DE PAPEL, 1994).................27 Figura 7: Slide da reunião realizada pela COMEC para discutir novas tecnologias para o lixo de Curitiba. (Fonte :MODELO DE GESTÃO É DISCUTIDO, 2006)..............................................30 Figura 8: Pirâmide etária da população de catadores entrevistados (Fonte: ILCPR, 2006)..................................................................................................35 Figura 9: Percepção da situação após filiação à cooperativa (Fonte: ILCPR, 2006)..................................................................................................36 Figura 10: Motivo da melhora de situação (Fonte: ILCPR, 2006)..................................................................................................37 Figura 11: Grau de escolaridade (Fonte: ILCPR, 2006)..................................................................................................37 Figura 12: Intenções e desejos de profissionalização (Fonte: ILCPR, 2006)..................................................................................................38 Figura 13: Entidades conhecidas pelos catadores (Fonte: ILCPR, 2006)..................................................................................................39
  • 8. 8 Figura 14: Áreas de eventos com a participação dos catadores (Fonte: ILCPR, 2006)..................................................................................................40 Figura 15: Catadores advindos do meio urbano ou rural (Fonte: ILCPR, 2006)..................................................................................................40 Figura 16: Época de migração para Curitiba (Fonte: ILCPR, 2006)..................................................................................................41 Figura 17: Distribuição étnica e racial (Fonte: ILCPR, 2006)..................................................................................................41 Figura 18: Locais em que os catadores acompanhados pelo Instituto Lixo e Cidadania residem na grande Curitiba (Fonte: ILCPR, 2006 e software elaborado pelo autor)..............................................43 Figura 19: Tipo de construção da casa (Fonte: ILCPR, 2006)..................................................................................................44 Figura 20: Destino dos efluentes residenciais (Fonte: ILCPR, 2006)..................................................................................................44 Figura 21: Situação quanto ao sistema de abastecimento de água (Fonte: ILCPR, 2006)..................................................................................................45 Figura 22: Situação quanto ao fornecimento de energia elétrica (Fonte: ILCPR, 2006)..................................................................................................45 Figura 23: Distância da residência do catador até sua base de trabalho (Fonte: ILCPR, 2006)..................................................................................................46 Figura 24: Modo de locomoção até a base de trabalho (Fonte: ILCPR, 2006)..................................................................................................47 Figura 25: Renda familiar média (Fonte: ILCPR, 2006)..................................................................................................47 Figura 26: Renda das famílias per capta (Fonte: ILCPR, 2006)..................................................................................................48 Figura 27: Distribuição dos grupos étnicos em Curitiba (Fonte: IBGE, 2008)....................................................................................................57 Figura 28: Mapa de Curitiba e dos municípios que enquadram a Região Metropolitana. (Fonte: COMEC, 2009)...............................................................................................69 Figura 29: Taxa de pobreza de Curitiba
  • 10. 10 LISTA DE TABELAS Tabela 1: Índice de Desenvolvimento Humano - Municipal, 1991 e 2000. (Fonte: PNUD, 2000)...................................................................................................68
  • 11. 11 1 Introdução No final da década de 70, enquanto o país atravessava uma crise econômica geradora de alto índice de desemprego, a atenção nos bolsões de pobreza das grandes cidades brasileiras começava a voltar-se para o emergente mercado de recicláveis. Foi então que uma prática até então feita por uma pequena parcela da população pobre começou a tornar-se mais comum, em boa parte executada por pessoas vindas do processo de êxodo rural e que não mais encontravam subsistência em suas cidades no interior (ABRAMOVAY, 1999). Já no início da década de 80 começavam as primeiras expressões de organização por parte destes trabalhadores, que até então sequer eram considerados como tal. Hoje, no mundo todo – em países desenvolvidos ou não - podemos encontrar tal atividade como fruto do mercado de meio ambiente entre as pessoas de baixa renda (SILVA, 2006). Esta organização mostrou-se como pioneira no sul do Brasil, e apesar de acumular uma série de fatores e características que se apresentam bastante desfavoráveis para estes trabalhadores, ainda assim possui um balanço positivo se comparado aos índices de outras capitais e grandes cidades Brasileiras (SILVA, 2006). Essa venda sempre foi baseada na continuidade da linhagem política sob a qual a cidade esteve administrada nas últimas quatro décadas, às quais tornaram possíveis a elaboração de grandes planos urbanísticos em complexidade normalmente não alcançada por outras metrópoles brasileiras. É observado, entretanto, que em meio a títulos como “Capital Ecológica” - frutos da divulgação de tanto trabalho na área de gestão pública e prevalecimento como ícone ambiental - Curitiba possui uma configuração excludente no seu processo de desenvolvimento urbanístico. Com centros que representam poderio econômico e industrial e que se formaram às custas do afastamento da camada mais fragilizada da população que, a princípio, deveria ser o principal foco dos investimentos públicos (OLIVEIRA, 2000). Os trabalhadores que impedem o colapso de Curitiba, por serem
  • 12. 12 responsáveis pela coleta da maior parte do lixo reciclável, (OLIVEIRA, 2007) são alvos esporádicos de projetos de inclusão social que, por mais transformadores que se revelem, ainda esbarram em problemas de total falta de reconhecimento, programas de qualificação profissional e políticas específicas para a categoria (MIKALOVICZ, 2007). O panorama municipal hoje encontrado é muito distante daquilo que se espera como aceitável de uma vida digna para estes profissionais. Como integrantes da classe trabalhadora, os catadores de materiais recicláveis enfrentam uma rotina difícil e discriminada, sem expectativas, aposentadoria e demais direitos trabalhistas. Executam seu trabalho em condições extremamente precárias e insalubres, sem treinamento ou apoio para o mínimo preparo operacional para lidar com os perigos que envolvem o manejo de resíduos (MEDEIROS, 2006). Ao realizar a atividade de catação de resíduos recicláveis para uma subsistência mínima toma-se o epicentro da exploração do trabalho do mercado de resíduos. Isto deve-se basicamente por consistir em uma forte externalização de responsabilidades do poder público e da iniciativa privada. Retirando o lixo das ruas os catadores executam o que é de responsabilidade do município sem estarem sendo remunerados coerentemente para tal, envolvendo aí desde benefícios mínimos como assistência médica ocupacional por lidar com material potencialmente perigoso até a aposentadoria por serviços prestados durante anos a fio (MEDEIROS, 2006). Como se não bastasse o poder público, a iniciativa privada também beneficia-se da emergência dos catadores – já que esta, no Brasil, ainda não é responsável pelos resíduos que gera. O mercado de resíduos é extremamente dependente das coletas pontuais, que apesar dos inúmeros intermédios de produção e acréscimos ao preço (à medida que o material sofre sua triagem) acaba compensando devido ao módico preço pago ao catador (SETOR RECICLAGEM, 2007). Estes trabalhadores acabam sendo o final de uma cadeia que contribui largamente com a externalização de custos e responsabilidades do poder público e da iniciativa privada, aumentando a exclusão social à mesma medida do
  • 13. 13 desenvolvimento deste modelo (SETOR RECICLAGEM, 2007). Além de uma exclusão sistemática da sociedade, os catadores também são colocados em um processo de culpabilização, obedecendo à esta exclusão invisível, disfarçada, que responsabiliza o próprio sujeito, vítima da exclusão, pela sua própria incapacidade de prover condições sociais mínimas para si mesmo através de sua própria força de trabalho (GESSER, 2004). Assim como o motivo pelo qual estes profissionais submetem-se à rotinas desumanas para obtenção de recursos - que muitas vezes não chegam a R$10,00 diários, e que servirão para a subsistência imediata - devem ser imediatos também os esforços dos órgãoes públicos para o combate às mazelas sociais que atingem a categoria (OLIVEIRA, 2007). O potencial da universidade neste sentido é enorme e deve ser recuperado a partir da geração de conhecimento como combate à perda de direitos e cidadania (ALMEIDA, 2001), e afirmando seu papel de transformação social. Embora as grandes questões econômicas também afetem a vida dos catadores (CRISE MUNDIAL ..., 2009), os termos que devem ser enfatizados ao estudar os problemas sociais de populações que necessitam de subsistência imediata são os de ordem microeconômica, pois se mostram mais convincentes e mensuráveis nas comunidades que a universidade tem acesso direto e poder de influência muito mais evidente (BOLDRIN, 1996). […] “A produção simples de mercadoria é efetivamente um modo de produção inserido na economia capitalista: é uma parte importantíssima da agricultura; é uma parte muito importante do pequeno comércio; no setor de serviços, ela tem uma expressão muito grande; tem uma expressão menor na indústria, mas mesmo aí ela existe. É toda uma economia” […] (SINGER, 2000) Curitiba vem apresentando crescentes números de trabalhadores que sobrevivem da coleta urbana de resíduos (CEMPRE, 2009), e não possui políticas públicas abrangentes o suficiente para incluí-los socialmente (MNCR REALIZA ..., 2006).
  • 14. 14 2 Objetivos Através deste estudo, procurou-se traçar uma linha de interpretação teórica a respeito dos catadores, assim como discutir temas e concepções consideradas relevantes às questões sociais em que eles estão inseridos. Para isto foram considerados os seguintes objetivos específicos, dos questionários: 1) Explorar dados obtidos via questionário referentes aos catadores residentes em Curitiba e região metropolitana, e com isso identificar através de contrastes e comparativos quais as principais deficiências da categoria para com o poder público municipal; 2) Refletir sobre a autonomia obtida pelos catadores através da formação de associações e cooperativas, assim como os moldes de trabalho seguidos pela categoria; 3) Estudar a imagem obtida pela capital paranaense ao longo da história quanto ao desenvolvimento urbanístico, políticas sociais e ambientais; 4) Avaliar o modelo tradicional de gestão do lixo adotado por Curitiba nos últimos anos, e propor direcionamentos que venham de encontro a uma postura social por parte da administração pública.
  • 15. 15 3 Metodologia Este estudo consiste basicamente na busca de pelo menos um aspecto de um grande conjunto de soluções para um problema social bem notável em Curitiba: a existência de trabalhadores que sobrevivem da coleta de materiais recicláveis no ambiente urbano. As respostas para questionamentos deste patamar são bastante extensas, e deve-se então analisar estritamente os vícios do modelo econômico que seguimos para elucidar os motivos pelos quais o problema existe, e por isso toma-se como proposta inicial o estudo de como este sistema infere na estrutura de vida e nas interações diárias dos catadores. Porém, não só para o catador as observações a seguir são feitas, pois a busca por soluções que superem os vícios gerais do sistema capitalista requer uma profunda análise das instituições que dele fazem parte. A organização dos trabalhadores é um dos aspectos mais importantes na proteção social do catador, pois assim como com outros trabalhadores, foi mediante a ela que ocorreu grande parte da emancipação social de sua categoria. Frente a este fato e ao objetivo de fundamentar teoricamente os dados obtidos, faz-se necessário um estudo do espaço físico e político de Curitiba, para uma melhor compreensão destas vias de organização, e em que momento elas foram impulsionadas ou prejudicadas. Há uma escassez na literatura acadêmica sobre o tema que começou a ser estudado de modo específico em meados dos anos 80. Visando preencher esta lacuna optou-se, através da pesquisa, pela interpretação do acervo de publicações de jornais e revistas da Biblioteca Pública do Paraná, onde há um organizado acervo de notícias sobre lixo, catadores e administração pública. Estas informações foram compiladas em um estudo histórico sobre políticas públicas para os catadores na capital paranaense subdivido por décadas, a partir da década de 70 – visto que sequer discussões sobre meio ambiente haviam anteriormente a este período.
  • 16. 16 Para uma avaliação prática da situação em Curitiba, Martins (2007) levantou diversos indicadores entre a população de catadores assistidos pelo Instituto Lixo e Cidadania no estado do Paraná, órgão responsável pela organização de diversas forças políticas na formação dos catadores. Esta pesquisa feita através do anexo 9.1: Ficha de caracterização dos catadores, consiste no cadastro de aproximadamente quinhentos catadores (dos quais, aproximadamente trezentos residem na Região Metropolitana de Curitiba) e discute também aspectos fundamentais da organização e carência da categoria, com o principal objetivo de auxiliar o trabalho do Instituto Lixo e Cidadania no seu dia a dia. O subsídio estatístico deste trabalho dá-se na reorganização deste cadastro e na elaboração de um software para inserção dos dados via internet por diversos voluntários que puseram-se a digitalizar os dados. Assim, alguns indicadores poderão ser facilmente calculados, diretamente da base de dados sem necessitar compilação e esforço específicos. O objetivo deste cadastro é reunir informações relacionais de todos os catadores de alguma forma ligados aos Instituo Lixo e Cidadania, e este trabalho toma como base todos os catadores que foram cadastrados, e que residem em Curitiba ou região metropolitana, resultando em cerca de 300 trabalhadores. São tratados com mais detalhamento, portanto, os dados não explorados por Martins (2007). Há uma divergência significativa entre diferentes fontes interessadas em quantificar os catadores em Curitiba. A prefeitura dimensiona seus projetos para atender a três mil trabalhadores, mas, as organizações civis estimam que haja mais de quarenta mil. (MILENA A, 2010). É certo somente que, apesar da população pesquisada representa uma parcela muito pequena do total de catadores, acaba sendo considerável se comparada a outras pesquisas entre os catadores no Paraná – pois não encontrou-se outros estudos com dados de mesmo escopo e magnitude.
  • 17. 17 4 Levantamento Bibliográfico: Histórico 4.1 Década de 70: Crescimento da informalidade urbana Não há um marco industrial exato na história no qual se possa estabelecer o surgimento da profissão de catador, sabe-se no entanto que tal atividade não foi recente e tem ultrapassado diversas décadas até o presente momento (BOSI, 2008). Foram os grandes literários que parecem ter sido os primeiros observadores de que haviam pessoas dependentes dos resíduos provenientes das classes mais privilegiadas, tal como Manuel Bandeira quando escreveu em 1947 o famoso poema “O Bicho” (BANDEIRA, 1966), cujo objeto da arte apesar de não ser o catador de recicláveis já retratava as opções que os marginalizados pela sociedade recorriam para satisfazer suas necessidades de sobrevivência imediatas. Este breve poema presente como Já se conhecia então, neste aspecto socioeconômico, alguns dos limites humanos em relação à manutenção da sobrevivência própria. A venda de resíduos de maneira informal aumenta à medida que a sociedade sofre uma série de profundas transformações principalmente a partir da década de 70, quando uma forte característica do nosso modelo econômico, que ainda predomina na atualidade, começa a consolidar-se: a super acumulação de capital, incentivada naquele momento pela industrialização que começava a contrair os princípios da globalização como esta está configurada hoje. Para obedecer à esta super acumulação o sistema capitalista não precisou somente alterar sua base tecnológica para geração de conhecimento, mas também a gestão da força de trabalho disponível, o que consistiu basicamente na redução dos custos de uma organização na relação empresa-trabalhador com o corte deste vínculo e consequente isenção de todas as responsabilidades cabíveis designadas pelo estado por parte da empresa (LEIBANTE, 2006). A informalidade torna-se então bastante interessante – para não dizer imprescindível – às metas de superar acumulação, sobretudo da iniciativa privada multinacional. Estas mudanças tornam os processos de produção muito mais
  • 18. 18 flexíveis e acessíveis do ponto de vista econômico para as empresas responsáveis. O modo de produção em plantas centralizadas foi substituído por diversas células de produção espalhadas nos cinco continentes do mundo (LEIBANTE, 2006), horizontalizando o processo produtivo. Tais processos foram fragmentados para o nível de suas operações mais mínimas, e foi aumentado o controle cronometrado sobre o trabalhador. Controle esse que, inclusive, tornou-se mais fácil quando o personagem controlado faz parte da seção oprimida de uma sociedade que não provê condições de reivindicação e fornece ameaça de desemprego e falta de perspectivas e crescimento profissional de sobra (MEDEIROS, 2007). Indenizações trabalhistas e salários custam muito menos na Índia do que no Reino Unido (BASU, 2005), e ao contrário dos Estados Unidos, no Brasil existe uma massa populacional disposta a trabalhar informalmente pelos centros urbanos sem clamar seus direitos trabalhistas. Estes exemplos podem ser colocados como a racionalização que a indústria vem buscando e evidenciando desde este período até hoje, tendo na exploração do trabalho o seu principal meio de sustento descontrolado (SCHVER, 2008). A década de 70 fica marcada, então, pelo inchaço do setor informal que, inclusive, teve nome criado pela Organização Internacional do Trabalho (OIT) segundo seu notável crescimento. Embora o termo fosse novo, em nenhuma novidade consistiam as atividades empregatícias que desrespeitassem a legislação e possuíssem baixo rendimento para o trabalhador (MILHOMEM, 2003). Só não se tinha experienciado anteriormente em outros momentos da história uma demanda tão grande deste setor na sociedade. Nesta época os estudos acadêmicos não estavam focados no surgimento de profissionais com apresentação de condições precárias de trabalho no setor informal principalmente por este não ser tão numeroso e notável como hoje (BOSI, 2008), motivo pelo qual não se encontra literatura abrangente a respeito do surgimento dos catadores de modo específico. A intensidade com que esses processos de abertura econômica e inovação
  • 19. 19 tecnológica ocorreram foi o que mais modificou as relações de trabalho desde então, demonstrando a incapacidade do estado frente às políticas neoliberais adotadas em fornecer subsídios que viessem a evitar uma crise do desemprego e um acentuado processo de exclusão social (CARVALHO, 2005). 4.2 Década de 80: Surgimento de novas profissões Os anos seguintes aos primeiros traços da informalidade caracterizam-se pelo surgimento de não só catadores, mas de uma grande leva de novas profissões que teriam como base a informalidade. Somam-se à horizontalização da indústria, o crescimento populacional e o êxodo rural que fizeram com que as grandes cidades brasileiras começassem a caminhar às grandes proporções que hoje possuem (CAVALCANTE, 2007), e começassem a apresentar, então, uma caracterizações da ocupação daquelas pessoas que antes eram definidas como desocupadas ao contrário de informais. Isso deveu-se substancialmente à força de trabalho numericamente expressiva e da popularização dessas atividades. Fazem parte de todo este conjunto as empregadas domésticas, camelôs, vendedores ambulantes, catadores e uma série de outras ocupações que caracterizam-se principalmente pela dedicação total do trabalhador para a obtenção do subsídio mínimo diário sem contribuições à serviços de previdência social e obtenção de direitos trabalhistas (GONÇALVES, 2002), em outras palavras: baixíssima mobilidade social. No início desta década foi elaborada a Lei Federal nº 6.938/81, mais conhecida como Política Nacional do Meio Ambiente. Não tanto em termos práticos, esta iniciativa demonstra um certo reconhecimento da importância do meio ambiente por parte do poder público. Embora não cite catadores nem estimule políticas associativistas na reciclagem, traça formulações para a regulação de resíduos sólidos urbanos. A Figura 1 traz fotos da reportagem “Papel dos Catadores de Papel”, publicada na Tribuna do Paraná no dia 05/06/83, que constitui em um antigo registro da mídia curitibana encontrado no acervo documental da Biblioteca Pública do Paraná, dentre as matérias de jornais publicados em Curitiba e no Paraná a
  • 20. 20 respeito dos catadores. Figura 1: Fotos da matéria "Papel dos Catadores de Papel". (Fonte: LOPES, 1983) Na presente pesquisa não foi encontrado registro mais antigo que aborde o tema com destaque suficiente para gerar uma reportagem, muito menos como objeto de estudo acadêmico. O texto enfoca um estudo iniciado em Janeiro de 1982, mas idealizado e com evidências observadas desde 1980 pelas professoras do Departamento de Psicologia e Antropologia da Universidade Federal do Paraná Marília de Carvalho Kraemer e Veraluz Zacarelli Cravo, que elas acompanhavam uma família de catadores a fim de caracterizar seu modo de vida. Esta natureza de pesquisa ainda era considerada inédita do meio acadêmico brasileiro (LOPES, 1983), porém, o que mais chama a atenção foi a proximidade do modelo e condições de trabalho com o que observamos até os dias de hoje. Os catadores coletavam a maioria do papelão de Curitiba e possuíam
  • 21. 21 material de trabalho subsidiado pelos donos dos galpões, que vendiam a mercadoria a preços muito melhores. A família acompanhada também fazia uso de trabalho infantil na busca de resíduos pela cidade, era composta de ex-lavradores, e sofria forte estigmatização por parte da sociedade, sendo comumente chamados de “vira-latas” ao executarem o seu trabalho (LOPES, 1983). Tantas semelhanças com as adversidades atuais após mais de 30 anos de atividade acusam que a precariedade tornou-se algo tradicional para a categoria, e que as movimentações e recursos empreendidos são bastante deficitários para a melhoria da proteção social destes trabalhadores. A reportagem já trazia, também, a ideia de forte exploração do trabalho e injustiça social, reconhecendo que a atividade possuía um capital industrial de baixo custo, livre de encargos sociais (LOPES, 1983). Em 1983 houve uma proposta por parte da prefeitura para contratação de 300 catadores para atuação no inadequado aterro da Lamenha Pequena, o que foi recusado devido à baixa remuneração oferecida e superada pelo próprio trabalho autônomo destes catadores (NASCIMENTO, 2005). Figura 2: Fruet em lançamento de associação de catadores na Vila Pinto (hoje Vila Parolin) (Fonte: JORNAL DO ESTADO, 1985)
  • 22. 22 Em 1987 foram documentados conflitos entre catadores e a prefeitura devido ao fechamento do acesso de catadores ao aterro da Lamenha Pequena, fato que levou a imprensa a iconizar e acusar a prefeitura de não possuir um plano para gerenciamento dos resíduos sólidos urbanos. A primeira usina de processamento da Região Metropolitana de Curitiba foi instalada em Araucária em 1988 (NASCIMENTO, 2005). Em 13 de Outubro de 1989 surgiu em Curitiba o polêmico programa “Lixo que não é lixo” que causou bastante preocupação e revolta entre os catadores, que temiam por perder seu principal recurso de trabalho, que era na época o papelão das lojas, bancos e escritórios do centro da cidade. O programa previa a princípio o cadastramento destes estabelecimentos pela prefeitura para uma coleta seletiva de resíduos em caminhões diferenciados, mas os planos da prefeitura tiveram de ser revistos à medida que os catadores não só passaram a discordar do programa, como também começaram a organizar-se no centro da cidade para realizar protestos cada vez maiores por um período de cerca de um mês e meio (CATADORES NÃO QUEREM ..., 1989). Na época de seu lançamento, a prefeitura justificou a necessidade de implantação de uma coleta diferenciada administrada por si mesma para o revertimento dos recursos para obras assistenciais, principalmente àquelas destinadas ao resgate de crianças carentes (VALÉRIO, 1989), sendo que para isso os recursos da venda dos recicláveis seriam destinados à PROVOPAR para serem empregados em projetos sociais. O Clube dos Diretores Lojistas – órgão associativo das lojas do centro na época, defendia o programa ao dizer que os catadores seriam menos explorados na cadeia de reciclagem por assim estarem livres dos intermediadores. O prefeito Jaime Lerner também atribuía ao programa uma oportunidade de melhoria das condições de vida dos catadores, alegando que eles teriam acesso aos resíduos já separados fornecidos pelas lojas, dignificando ainda mais sua ocupação. E que também colaborariam para que o centro da cidade permanecesse mais limpo, uma vez que não precisariam remexer nas pilhas de lixo em busca do melhor resíduo, já que era impossível que os catadores dessem conta de todo o volume de papelão
  • 23. 23 gerado no centro (VALÉRIO, 1989). De fato algumas das menores lojas já possuíam catadores tradicionais (VALÉRIO, 1989), mas isto acabou não ocorrendo, pois os caminhões do “Lixo que não é lixo” recebiam prioridade por possuírem estrutura de coleta e mais confiabilidade devido à forte propaganda da prefeitura quanto ao destino dos recursos acumulados pela venda destes resíduos (CATADORES PODERÃO ..., 1989). A Secretaria de Desenvolvimento Social declarou que somente 5 a 10% dos resíduos recicláveis destas lojas eram coletados pelos catadores (CATADORES TERÃO ..., 1989). Até hoje há casos atuais registrados a respeito de associações de moradores e lojistas de regiões privilegiadas de Curitiba que protocolam reclamações na prefeitura, requerendo que somente os caminhões do programa “Lixo que não é lixo” efetuem a coleta de resíduos recicláveis em sua região (KLOSTERMANN, 2007). A prefeitura e a CDL esperavam que os catadores fossem procurar papelão nos bairros circunferentes ao centro após o início do programa (VALÉRIO, 1989), mas o efeito foi contrário e logo houve organização e diversos protestos foram feitos no centro da cidade, revindicando a exclusividade da tarefa de coletar o papelão das lojas, e pela abolição do programa “Lixo que não é lixo”. Após um destes protestos (Figura 3) que reuniu cerca de cem catadores na Praça Osório, a prefeitura decidiu, em caráter emergencial, que o serviço seria suspenso temporariamente (CATADORES NÃO QUEREM ..., 1989). Foi instituído um horário para que os catadores pudessem trabalhar nos principais pontos de coleta da cidade, cerceando a autonomia de trabalho da categoria. A Secretaria Municipal de Meio Ambiente estabeleceu que não seriam apreendidos os carrinhos que circulassem na região central a partir das 19 horas em dias de semana, e às 14 horas dos finais de semana e feriados. Era também proibidos os acessos a viadutos, canaletas e ao centro histórico da cidade (CATADORES NÃO QUEREM ..., 1989).
  • 24. 24 Figura 3: Protesto na Praça Osório que reuniu cerca de cem catadores (Fonte: CATADORES NÃO QUEREM ..., 1989) Para amenizar os conflitos a Secretaria de Desenvolvimento social convoca os catadores para diversas reuniões e lança uma série de medidas de apoio ( Figura 4), tais como: cadastro, emplacamento dos carrinhos e fornecimento de vassouras, pás e coletes fosforescentes. Os catadores que circulassem sem colete e identificação estariam sujeitos à multa e apreensão dos equipamentos de trabalho fornecidos (COLETE FOSFORESCENTE ..., 1989). Figura 4: Catadores reunidos com o Secretário de Meio Ambiente Hitoshi Nakamura. (Fonte: CATADORES DE PAPEL VÃO ..., 1989) Algum tempo após os ocorridos até o início de 1990, ainda era possível
  • 25. 25 evidenciar a propaganda na mídia sobre os benefícios que o programa “Lixo que não é lixo” proporcionou para os catadores. Em 1990, a prefeitura alegava que o programa aumentou o rendimento médio dos catadores de 60 para 80kg diários de resíduos recicláveis, e passava a imagem de satisfação dos catadores com o programa. Juntamente com a Fundação Rural de Educação e Integração classificavam o desempenho do projeto como um sucesso (LIXO QUE NÃO É LIXO BENEFICIOU ..., 1990). Por outro lado, por toda a década de 90 podemos encontrar notícias que denunciam exatamente o contrário, que foi a total insatisfação dos catadores para com o programa, que existem alegações de que o caminhão da prefeitura priva os trabalhadores da coleta de bons resíduos pelo centro da cidade. Após quase exatos 17 anos da instituição do programa, em Junho de 2006, os catadores comemoraram o Dia Nacional de Mobilização da categoria na Praça Tiradentes, em Curitiba (Figura 5). Possuíam como principal revindicação a interrupção do programa recém reativado pela gestão municipal, e neste ponto tinham também o apoio da Delegacia Regional do Trabalho (CATADORES DE PAPEL RECLAMAM ..., 2005). Embora aqui seja alegada uma aproximação no diálogo com a administração pública, os catadores também apresentam diversas ressalvas que dizem respeito ao preconceito e ao apoio social prestado pelo estado, tal como creches para seus filhos e precariedade das condições de vida e trabalho (CATADORES DE PAPEL RECLAMAM ..., 2005). 4.3 Década de 90: Princípios de organização Esta década foi marcada no meio industrial pelos grandes programas de racionalização das indústrias, que envolvem a especialização em modos de produção mais enxutos, com menos trabalhadores e menor tempo de produção, e também pela ampliação da terceirização de seus setores sem diminuir o ritmo de produção dos bens e serviços. Estas medidas instauram novas relações de trabalho e reforçam outras já implementadas em períodos anteriores, forçando o crescimento do setor informal e aumentando a sua subordinação para com o setor formal (DEDECCA, 1997).
  • 26. 26 […] “O segmento organizado vem reorganizando toda a cadeia produtiva a montante, sem que se altere sua presença nos mercados a jusante. Novas relações são estabelecidas, permitindo ao segmento organizado aproveitar a debilidade comercial dos elos mais fracos das cadeias de produção reestruturadas, que agora incorporam parte do segmento não organizado.” [...] (DEDECCA, 1997). Figura 5: Comemoração do Dia Nacional de Mobilização dos Catadores em 2005, na Praça Tiradentes. (Fonte: CATADORES DE PAPEL RECLAMAM ..., 2005) Após a consolidação do mercado e de intensificação da obtenção de subsistência pelos resíduos, começaram a surgir manifestações de organização mais fortes, e esses catadores têm se organizado em cooperativas/associações como forma de fugirem dessa impiedosa exploração e de terem capacidade organizativa e administrativa, qualificando-se como interlocutores e parceiros dos poderes públicos na discussão e na adoção de políticas de gestão dos resíduos sólidos (CARVALHO, 2005). A gestão de Rafael Greca foi marcada pela criação de parques, bibliotecas
  • 27. 27 e pela venda da imagem curitibana como cidade ecológica e turística (SAKAMOTO, 2007). O principal programa direcionado aos catadores foi o “Carrinheiro Cidadão”, com este projeto, cada catador podia pagar um preço simbólico pelo seu carrinho em até dez vezes, e isso era feito para manter o vínculo do catador com o programa. Os carrinhos eram projetados pelo IPPUC, feitos de ferro e entregados em solenidades públicas nas praças de Curitiba, oportunidades para discursos de Rafael Greca e Margarita Sansone, presidente da FAS (Figura 6). O programa tinha como objetivo estruturar os catadores para que eles pudessem então se organizar, formando cooperativas e buscando melhores preços para a venda de resíduos (CATADORES DE PAPEL GANHAM CARRINHOS NOVOS, 1994). Figura 6: Rafael Greca em solenidade de entrega de carrinhos e coletes para catadores. (Fonte: ENTREGA DE CARRINHOS A CATADORES DE PAPEL, 1994) O projeto admitia menores de 14 anos desde que apresentado o boletim com as frequências escolares, e que os pais levassem os filhos junto para trabalhar desde que fornecidos os mesmos documentos como forma de comprovante de que eles estariam ao menos durante meio período na escola. Em discurso, Margarita afirmou que os carrinhos são “instrumentos de trabalho que libertam os catadores de exploradores” - referindo-se aos atravessadores e donos de depósitos que alugam os carrinhos sob pagamento em forma de resíduos para os catadores (ENTREGA DE CARRINHOS A CATADORES DE PAPEL, 1994).
  • 28. 28 Existia a preocupação de que os carrinhos não fossem vendidos para os atravessadores – problema enfrentado frequentemente em situações que o carrinho foi cedido ao catador – e ações como o pagamento deste carrinho e cadastro dos catadores visavam manter um certo controle da categoria e evitar este problema. Margarita também explica via entrevista que a FAS preocupa-se em primeiro momento a estruturar e fornecer condições de organização aos catadores, e que depois disso passa a ministrar cursos que objetivem a subsistência dos cidadãos mediante atividades alternativas, tais como: alfabetização, jardinagem, artesanato com papel reciclado e confecção de chinelos e sapatilhas (ENTREGA DE CARRINHOS A CATADORES DE PAPEL, 1994). Já era uma revindicação das associações de catadores da época que a prefeitura fornecesse um terreno próximo às imediações do centro para prover suporte à coleta nesta região da cidade, recurso que a prefeitura comprometeu-se a encontrar (CATADOR DE PAPEL BUSCA ..., 1994), embora não se tenha notícia do sucesso desta ação. Embora a FAS tenha declarado o monitoramento individual dos catadores (CATADORES DE PAPEL GANHAM CARRINHOS NOVOS, 1994), o processo de conscientização e formação política dos trabalhadores deve ser encarado mais como uma política pública do que como um projeto assistencialista. 4.4 Primeira década do século XXI: Consolidação do movimento social A constituição brasileira de 1988 deixa de definir somente como projeto social todas as ações do governo voltadas ao desenvolvimento social, e passa a incluir as atividades de mesma natureza quando também executadas por organizações de modo geral, não só as estatais. Esta seção da constituição foi concedida através de um amplo processo de mobilização social, aumentando os direitos de cidadania política ao descentralizar a promoção das políticas públicas, e sendo por isso um avanço indiscutível da Nova Constituição sobre as políticas sociais (DELGADO, 2004). A mudança de concepção da sociedade para com as vias de diminuição da pobreza mostrou-se fundamental para o reconhecimento das organizações como
  • 29. 29 atrizes de projetos sociais. O modelo de tratamento dos problemas sociais transformava-se à medida que um senso de responsabilidade pública era propagado. A década de 90 foi, então, um período de amadurecimento e multiplicação de organizações não governamentais, e a inferência disto na década de 2000 para os catadores foi marcada pelo aumento do número e crescimento de entidades do terceiro setor que promovem e modificam as políticas públicas de seu interesse (FERREIRA, 2008). Em 1999 surge oficialmente o Movimento Nacional dos Catadores de Materiais Recicláveis, com o 1º Encontro Nacional dos Catadores. O 1º Congresso Nacional veio a acontecer em 2001, e o 1º Congresso Latino-Americano em 2003. Em meados da década já haviam na capital paranaense cerca de 10 grupos formados - porém não formalizados, e nenhuma usina de triagem implantada (MNCR QUER CATADORES..., 2006). Em 2006 o programa “Lixo que não é Lixo” foi fortemente retomado, e para a ocasião o governo do estado realizou através da COMEC (Figura 7) uma reunião fechada para discussão de novas tecnologias a serem empregadas no projeto. Os potenciais econômicos da geração do lixo de Curitiba e região metropolitana foram apresentados nesta ocasião, em inglês, e com a presença de técnicos de diferentes partes do Brasil e do mundo (MODELO DE GESTÃO É DISCUTIDO, 2006). Em contrapartida, o Fórum Lixo e Cidadania promove uma conferência aberta e questiona diversas orientações da administração pública de Curitiba, tais como a contratação tradicional de uma única empresas para a realização de serviços convencionais, e da falta de políticas públicas inclusivas no gerenciamento do lixo (MODELO DE GESTÃO É DISCUTIDO, 2006). As conclusões da conferência aberta do Fórum, citam: A conferência apresentou soluções interessantes e que podem contribuir para a solução dos problemas de resíduos na Região metropolitana. Durante a conferência pode se evidenciar que não tem havido desenvolvimento das políticas públicas de resíduos e que não há um diálogo adequado entre os municípios, o estado e a sociedade. O Fórum Lixo e Cidadania do Paraná não esta sendo utilizado pelas partes como uma instância para aprofundar estes debates. Não foi
  • 30. 30 discutido nenhum encaminhamento ao final da conferência. (MODELO DE GESTÃO É DISCUTIDO, 2006) Figura 7: Slide da reunião realizada pela COMEC para discutir novas tecnologias para o lixo de Curitiba. (Fonte :MODELO DE GESTÃO É DISCUTIDO, 2006) O “Lixo que não é lixo” novamente levanta diversas críticas entre os catadores, e uma anteposição formal do Movimento Nacional dos Catadores de Materiais Recicláveis foi formulada, novamente com os argumentos de falta de políticas públicas abrangentes para os catadores (CURITIBA SE-PA-RA CATADORES..., 2006). O presidente da república Luis Inácio Lula da Silva assinou em atendimento a 1 milhão de catadores no Brasil, também em 2006, um decreto que institui a coleta seletiva nos órgãos públicos e estabelece que os resíduos recicláveis advindos destas entidades devam ser obrigatoriamente destinados a associações e cooperativas de catadores (PRESIDENTE ASSINA DECRETO..., 2006). No cenário político curitibano, um fato que um pouco mais tarde trouxe
  • 31. 31 alguma visibilidade para os catadores foram as eleições de 2008. Tirando-se os motivos mais gerais citados anteriormente, a eleição ocorreu em um período bastante conturbado para a licitação da coleta pública de resíduos sólidos de Curitiba (PARANÁ ONLINE, 2008). Foi neste mesmo período que o Fórum Lixo e Cidadania aproveitou-se da importância política dos catadores e reforçou a sugestão da criação de um fundo municipal de incentivo ao trabalho dos catadores. O compromisso foi assinado somente por dois dos oito candidatos à prefeitura de Curitiba (SOBRE LIXO RECICLÁVEL..., 2008). O prefeito Beto Richa do PSDB foi então eleito neste ano com 77,27% dos votos seguido por Gleisi Hoffman do PT, com 18,17%. Os outros 7 candidatos somam juntos o restante dos votos. Essa situação coloca Beto Richa como um dos prefeitos mais bem votados do país (RESULTADO DAS ELEIÇÕES, 2008). Logo no primeiro ano de gestão do prefeito Beto Richa, em 2008, foi iniciado o projeto EcoCidadão. Esta iniciativa prevê até 2011 a instalação de 25 parques de reciclagem pela capital paranaense, além de um programa de acompanhamento, treinamento e apoio aos catadores que conta com a organização da Secretaria Municipal de Meio Ambiente, a Fundação de Ação Social e com a parceria conveniada das ONGs Aliança Empreendedora e Fundação Avina (PREFEITURA ENTREGA..., 2008). O programa surge com grandes expectativas e boa divulgação, diversas notícias foram veiculadas repetidamente em diversos canais de comunicação, notadamente advindas das principais assessorias de imprensa. A presença do prefeito Beto Richa nas inaugurações dos primeiros parques foi ponto marcante das reportagens, e entrevistas individuais também citam com frequência o programa. A entrega do primeiro parque acontece na metade de maio de 2008, no bairro Boqueirão, e durante o período de um ano foram inaugurados mais quatro parques em Curitiba (RENDA MÉDIA..., 2009). Pouco mais de três meses após a implantação deste primeiro parque – quanto também já havia sido implantada a unidade do Cajuru – a prefeitura divulga
  • 32. 32 nota afirmando um aumento de 65% na renda média dos 61 catadores participantes do projeto – número bem abaixo da meta dos 100 catadores por parque. Esta foi uma informação recebida com bastante desconfiança pela comunidade dos catadores já organizados em outras cooperativas (BOREKI, 2008). Por outro lado, uma porcentagem maior não deixa de ser razoável uma vez que um consórcio de organizações coordenadas pela prefeitura de uma metrópole possui melhores condições de receber e repassar os resíduos no mercado do que uma cooperativa de catadores. Já um ano depois, a Agência de Notícias da prefeitura divulga juntamente com diversas outras vias de comunicação que em julho de 2009 que a renda dos catadores envolvidos no programa aumentou cerca de 43%, juntamente com diversos depoimentos de catadores que enfatizam a melhoria de sua condição de vida e satisfação com o regime associativista empregado no trabalho do dia-a-dia (RENDA MÉDIA..., 2009). Com esta nova média, o aumento de renda entre os catadores envolvidos com o EcoCidadão aproxima-se com a dos catadores associados em cooperativas. Embora seja um valor bastante questionado, na proposição do projeto, com a entrega dos 25 parques de reciclagem, a Secretaria Municipal do Meio Ambiente esperava envolver cerca de 3.500 catadores nos processos de coleta e triagem dos resíduos (PROJETO ECO CIDADÃO, 2008), porém, segundo levantamentos de organizações civis, estima-se que existem em Curitiba cerca de 40 mil trabalhadores vivendo da coleta informal de resíduos pelas ruas (MILENA A, 2010), o que na melhor das hipóteses, representaria um atendimento de menos de 10% desta população pelo projeto. O gerenciamento destes parques está sob responsabilidade da ONG Aliança Empreendedora, e este modelo acaba por abandonar características cooperativistas e emancipatórias que são chave da proteção social de um catador, ficando muito mais próximas de um modelo gestionário e empreendedor (BOREKI, 2008), e uma vez que há uma disputa sem acordo pelo controle dos resíduos entre o poder público e o movimentos social dos catadores, fica evidente que todo o potencial social da geração de resíduos não está sendo muito bem aproveitada na
  • 33. 33 capital paranaense (MILENA A, 2010). Por defender tais pontos de vista e sofrer o desgaste de tentar mudar o programa sem grandes resultados, a coordenação do Fórum Lixo e Cidadania decidiu, em Fevereiro de 2009, que iria deixar de participar do projeto EcoCidadão, ato que se deu em uma reunião ordinária, com argumentação, leitura de uma carta, discussão e pedido de investigação das denúncias documentadas entregadas pelo órgão a respeito do projeto (RIBEIRO, 2008). Em 2008 a estimativa era de que os catadores coletavam 92,5% do lixo de Curitiba, o que resulta em cerca de 550 toneladas diárias. Com base neste papel social importantíssimo e na situação de que os catadores não possuem nenhum reconhecimento formal da sociedade por desempenhá-lo, o Fórum Lixo e Cidadania propôs, em 2001, que os catadores recebessem parte do dinheiro licitado destinado à Cavo. Isso oficializaria o trabalho de catação de uma maneira legítima e digna. Esta medida foi discutida e justificada com alguma frequência pelo Fórum Lixo e Cidadania (RIBEIRO, 2008), mas a resposta oficial do poder público até então foi evasiva, e justificada pelo argumento de que a organização carrinheira é ainda muito incipiente para pensar em um repasse desta natureza (FERNANDES, 2008). Para 2010 espera-se que a Política Nacional de Resíduos Sólidos (PL 203/91) seja aprovado e contemple uma diretriz deste molde, que o poder público receberá incentivos para contratar associações e cooperativas em licitações para execução da limpeza pública. O documento deveria ter sido aprovado em 2009, mas algumas questões relacionadas ao Pré-Sal e o Plano Nacional de Direitos Humanos interferiu no calendário de votação (MILENA B, 2010).
  • 34. 34 5 Resultados Como o banco de informações não foi exato em todos os seus pontos devido à falta de alguns dados pontuais, e como também notou-se a diferença de interpretação das questões por parte de entrevistadores, entrevistados e voluntários digitalizadores, optou-se por apresentar os dados sempre quantificados em forma de porcentagem de acordo com a população de interesse e as perguntas respondidas. Desta maneira pôde-se obter indicadores bastante satisfatórios, se comparados com aqueles que encontramos no IBGE e outras entidades que ocupam-se de pesquisas sociais. Outros dados também ficaram um pouco esparsos devido à elaboração de perguntas abertas e não muito direcionadas no questionário. Neste caso tentou-se aninhar as respostas semelhantes e agrupá-las entre grupos distintos quantificáveis, embora a percepção da pergunta e da resposta possa ser diferente na visão do trabalhador. Tais itens foram especificados na discussão. Esta metodologia é considerada razoável por apenas utilizar os dados de interesse e apresentar distorções mínimas para diferentes testes de valores das variáveis duvidosas que foram excluídas, não permitindo que estas exclusões pontuais tenham interferência significativa no valor final e ainda facilitando o entendimento do contexto de dados apresentados. 5.1 Perfil O perfil dos entrevistados está ilustrado na pirâmide etária da Figura 8. Nota-se que 62% são mulheres, dentre elas a maioria encontra-se na faixa de idade de 31 a 50 anos. À medida que a idade avança a quantidade de catadores do sexo feminino diminui drasticamente, dando vez à uma maioria de homens quando trata- se de uma população com mais de 60 anos de idade.
  • 35. 35 Figura 8: Pirâmide etária da população de catadores entrevistados (Fonte: ILCPR, 2006) 5.2 Associação O item 40 do questionário procura saber sobre a percepção da condição de trabalho após a associação, a Figura 9 ilustra o resultado da pergunta: “O que você pensa sobre suas condições de trabalho na associação, grupo ou cooperativa, em relação ao trabalho antes da formação do grupo, associação ou cooperativa?”. Uma minoria de 5% considera que a situação está pior, 21% não consegue notar mudanças significativas, enquanto a maioria, cerca de 73%, considera que houveram vantagens na decisão de associar-se a um grupo ou cooperativa.
  • 36. 36 Pioraram 0,06 Não Mudaram 0,21 Melhoraram 0,73 0 0,1 0,2 0,3 0,4 0,5 0,6 0,7 0,8 Figura 9: Percepção da situação após filiação à cooperativa (Fonte: ILCPR, 2006) Ao detalhar estas estatísticas da pergunta 40, encontram-se três principais grupos de motivos colocados espontaneamente pelos catadores: 1) a formação, aprendizado e enriquecimento da vivência profissional; 2) a organização, trabalho em grupo e companheirismo presente na cooperativa; 3) a melhoria das condições financeiras e de trabalho, tais como a remuneração, o aumento da renda, o recebimento de doações e melhores equipamentos de trabalho. A quantificação destas opiniões está relacionada na Figura 10. Uma pequena parcela, de 4%, vê vantagem em atividades formativas, porém, a maioria das respostas circulam entre a oportunidade de se trabalhar em grupo (47%) ou por aspectos que refletem na própria melhoria da condição (49%) de vida ou trabalho. Como resultado das práticas gestionárias herda-se um conjunto de lógicas com discursos adaptados para que as mazelas sociais viessem a se tornar toleráveis na sociedade. A Figura 9: Percepção da situação após filiação à cooperativa (Fonte: ILCPR, 2006), demonstra como o catador entrevistado sente-se em relação à diversos aspectos de sua vida e de sua família após ter-se filiado a um cooperativa. A maioria deles – 73% dos entrevistados – vê sua vida tomando rumos melhores e mais dignos.
  • 37. 37 Formação 0,04 Trabalho em grupo 0,47 Condição 0,49 0 0,1 0,2 0,3 0,4 0,5 0,6 Figura 10: Motivo da melhora de situação (Fonte: ILCPR, 2006) 5.3 Educação e profissionalização A pergunta número 16 procura traçar um perfil educacional da população entrevistada, tendo os dados apresentados na Figura 11. Através dela percebe-se que 61% destes catadores não ultrapassou a 4ª série do sistema educacional brasileiro, e menos do que 11% sequer concluiu o primeiro grau. 8ª série 0,11 7ª série 0,04 6ª série 0,05 5ª série 0,18 4ª série 0,22 3ª série 0,16 2ª série 0,15 1ª série 0,08 0 0,05 0,1 0,15 0,2 0,25 Figura 11: Grau de escolaridade (Fonte: ILCPR, 2006) O segundo item, da mesma pergunta 16, procura saber: “Gostaria de participar de algum curso?”, a maioria dos entrevistados expressa desejo de
  • 38. 38 continuar os estudos ou de profissionalizar-se em alguma outra área, e as respostas mais comuns constam na Figura 12. A resposta mais dada foi a de concluir os estudos no sistema educacional formal, através de um supletivo, que 28% dos entrevistados possui este desejo, seguidos por 22% de informática, 16% de corte e costura e 15% de culinária. Reciclagem 0,06 Artesanato 0,13 Culinária 0,15 Corte e Costura 0,16 Informática 0,22 Supletivo 0,28 0 0,05 0,1 0,15 0,2 0,25 0,3 Figura 12: Intenções e desejos de profissionalização (Fonte: ILCPR, 2006) A pergunta 38 coloca: “Você conhece alguma instituição?”. São fornecidas as opções a) Movimento Nacional de Catadores de Material Reciclável (MNCR); b) Instituto Lixo e Cidadania; c) Outras Associações de Catadores; d) Outras. As opções “c” e “d” acabaram por confundir-se dentre as respostas, motivo pelo qual elas foram rearranjadas em uma única opção “Outras cooperativas”. Percebe-se também em outros trabalhos acadêmicos que a percepção de capacitação em “reciclagem” dos catadores pode estar um pouco confundida com “artesanato”. Isto explicaria uma parcela do baixo interesse na atividade, uma vez que os números possam ter-se divididos entre ambas as estatísticas. As respostas presentes na Figura 13 retrata que a maioria dos catadores – 70% deles – conhece o Instituto Lixo e Cidadania. Próximo da meta deles, 55%, conhecem o Movimento Nacional de Catadores de Materiais Recicláveis, e uma
  • 39. 39 pequena parcela, comparada às demais, de 13%, conhece outras cooperativas. Outras cooperativas 0,13 MNCR 0,55 Instituto Lixo e Cidadania 0,7 0 0,1 0,2 0,3 0,4 0,5 0,6 0,7 0,8 Figura 13: Entidades conhecidas pelos catadores (Fonte: ILCPR, 2006) A Figura 14 contém as respostas para a pergunta 39: “Você já participou de algum encontro/curso de catadores?”. As respostas foram das mais variadas, e pode-se organizá-las em três principais grupos: 1) eventos de cunho político-partidário, tais como comícios de candidatos, entrega de carrinhos e outras doações, demais eventos que tenham como objetivo a promoção de um candidato ou seja marcada pela aparição política; 2) cursos e seminários de capacitação promovidos principalmente pelas suas cooperativas e por outras entidades tais como o Instituto Lixo e Cidadania; 3) congressos, encontros, fóruns e seminários direcionados e organizados pela categoria, geralmente ocorridos fora da cidade onde reside e que possuem como objetivo a discussão, formação e promoção do catador de materiais recicláveis.
  • 40. 40 Político 0,05 Capacitação 0,09 Formação 0,14 Não participa 0,73 0 0,1 0,2 0,3 0,4 0,5 0,6 0,7 0,8 Figura 14: Áreas de eventos com a participação dos catadores (Fonte: ILCPR, 2006) 5.4 Raízes étnicas e sociais A pergunta 3: “Onde você nasceu?”, divide os catadores em dois grandes grupos, dentre aqueles que nasceram na cidade ou no campo, independente de ter sido em uma cidade grande ou não. 62% deles responderam que são advindos de meios urbanos, tal como colocado na Figura 15. Cidade 0,62 Campo 0,38 0 0,1 0,2 0,3 0,4 0,5 0,6 0,7 Figura 15: Catadores advindos do meio urbano ou rural (Fonte: ILCPR, 2006) “Há quanto tempo mora nesta cidade?” foi a pergunta feita pelo item 4 do questionário, o que reflete-se na Figura 16. O modo de apresentação deste item foi modificado para uma aglutinação dentre a década de migração para Curitiba, válido somente para as pessoas que possuíam resposta diferente da idade, o que interpreta-se como não nativo da cidade. Optou-se por este modelo para melhor relacionar a população com o fenômeno social do êxodo rural.
  • 41. 41 Verifica-se um inchaço de migração nos anos 90, em que 35% dos catadores advindos de outras cidades vieram para Curitiba. De todos estes catadores, 60% migraram para a capital paranaense entre as décadas de 80 e 90. Anos 00 0,12 Anos 90 0,35 Anos 80 0,25 Anos 70 0,17 Anos 60 0,12 0 0,05 0,1 0,15 0,2 0,25 0,3 0,35 0,4 Figura 16: Época de migração para Curitiba (Fonte: ILCPR, 2006) Em resposta à pergunta 1: “Qual a sua raça?”, os entrevistados declararam- se majoritariamente como brancos (43%), seguidos de pardos (34%) e negros (0,16%), como mostra a Figura 17. Amarela 0,02 Indígena 0,03 Negra 0,16 Parda 0,34 Branca 0,43 0 0,05 0,1 0,15 0,2 0,25 0,3 0,35 0,4 0,45 0,5 Figura 17: Distribuição étnica e racial (Fonte: ILCPR, 2006) 5.5 Moradia Dentre as primeiras informações cadastrais do questionário estão os
  • 42. 42 endereços dos entrevistados. Uma aproximação média foi feita de acordo com os valores de latitude e longitude com consulta automática no serviço de mapeamento Google MapsTM, o que resultou no mapa de densidade geográfica da Figura 18, onde os pinos nas localidades do mapa representam as aglomerações de onde as famílias residem. Algumas vezes a rua fornecida não ainda possui cadastro formal na prefeitura, e portanto, não foi detectada pelo serviço de busca a partir das informações fornecidas. Por tal motivo optou-se por marcar somente as aglomerações, a fim de visualizar aonde estas famílias estão concentradas pela grande Curitiba. De acordo com a pergunta 9: “O local que você mora é:”, quase 90% dos catadores entrevistados residem em casas, e o restante divide-se em barracões e albergues. O item 11, “A construção é:”, detalha este dado de acordo com o tipo de construção das residências, o que está exposto na Figura 19. Vê-se que a maioria das casas eram feitas de madeira, constituindo em 69% do total de moradias. O restante divide-se entre 27% de alvenaria e 4% de construção mista.
  • 43. 43 Figura 18: Locais em que os catadores acompanhados pelo Instituto Lixo e Cidadania residem na grande Curitiba (Fonte: ILCPR, 2006 e software elaborado pelo autor)
  • 44. 44 Mista 0,04 Alvenaria 0,27 Madeira 0,69 0 0,1 0,2 0,3 0,4 0,5 0,6 0,7 0,8 Figura 19: Tipo de construção da casa (Fonte: ILCPR, 2006) Através da seção de perguntas 15: quanto a que se o entrevistado possui água encanada, energia elétrica, ligação com a rede de esgoto e instalação sanitária, foram obtidas as informações a seguir: De todas as casas, 20% não possuem banheiro instalado, possuindo “casinhas” ou outras estruturas improvisadas para escoamento dos dejetos – tal como perguntado no item 15.4: “Você possui banheiro?”. A Figura 20 retrata que 56% dos catadores entrevistados não possuem em suas casas ligação homologada pela SANEPAR com a rede pública de esgoto, e que dentre eles 23% possui esgoto a céu aberto. Rede Pública 0,44 Céu Aberto 0,23 Fossa 0,33 0 0,05 0,1 0,15 0,2 0,25 0,3 0,35 0,4 0,45 0,5 Figura 20: Destino dos efluentes residenciais (Fonte: ILCPR, 2006) De acordo com as informações da Figura 21, uma parcela de 70% das
  • 45. 45 casas possui fornecimento de água regularizado pela SANEPAR, 20% possuem esta mesma alimentação de maneira irregular, e 10% não possuem água encanada. Nenhum 0,1 Informal 0,2 SANEPAR 0,7 0 0,1 0,2 0,3 0,4 0,5 0,6 0,7 0,8 Figura 21: Situação quanto ao sistema de abastecimento de água (Fonte: ILCPR, 2006) Quanto ao fornecimento de energia elétrica, quase 80% dos catadores são atendidos formalmente pela COPEL. Conforme o mostra a Figura 22, somente 3% dos trabalhadores não possuem energia elétrica em casa. Nenhum 0,03 Informal 0,2 COPEL 0,78 0 0,1 0,2 0,3 0,4 0,5 0,6 0,7 0,8 0,9 Figura 22: Situação quanto ao fornecimento de energia elétrica (Fonte: ILCPR, 2006) O tempo de locomoção é um fator crucial na saúde ocupacional de um trabalhador, pois podem aí estar adicionadas até três horas juntamente à jornada de trabalho cumprida.
  • 46. 46 A pergunta 35: “O grupo, associação ou cooperativa fica a que distância da sua casa?”, procura saber a distância da cooperativa, associação ou centro de triagem da casa do catador, e tem seus resultados representados na Figura 23. Boa parte dos catadores reside próximo de seu local de trabalho, a maioria – 56% dos entrevistados – tem residência fixada em uma distância de até 500m da associação ou cooperativa, enquanto 20% está a mais de 1km. 5km ou mais 0,04 1 a 5km 0,21 501 a 1000m 0,2 101 a 500m 0,24 Até 100m 0,2 Mora no local 0,12 0 0,05 0,1 0,15 0,2 0,25 Figura 23: Distância da residência do catador até sua base de trabalho (Fonte: ILCPR, 2006) Coloca-se também em questão como esse trajeto é realizado através da pergunta 36: “grupo, associação ou cooperativa fica a que distância da sua casa?”, e as respostas mais comuns estão na Figura 24. Quase 70% dos catadores locomove-se a pé, 21% aproveitam o trajeto para levar o carrinho, e 7% utilizam bicicleta. Somente uma fração muito pequena usufrui do sistema de transporte coletivo, 3%.
  • 47. 47 Ônibus 0,03 Bicicleta 0,07 Puxando o carrinho 0,21 A pé 0,68 0 0,1 0,2 0,3 0,4 0,5 0,6 0,7 0,8 Figura 24: Modo de locomoção até a base de trabalho (Fonte: ILCPR, 2006) 5.6 Renda Ao informar sua renda familiar mensal segundo a questão 13: “Qual é sua renda familiar?”, obteve-se o gráfico da Figura 25 dentro os valores respondidos. Resulta deste levantamento que cerca de 40% das famílias de catadores sobrevive com menos de R$300 mensais., e 70% com menos do que R$450. Uma pequena parcela de 16% compõe a população que consegue retirar mais do que R$600 deste meio de sustento. Acima de R$601,00 0,16 Entre R$451,00 e R$600,00 0,13 Entre R$301,00 e R$450,00 0,28 Entre R$151,00 e R$300,00 0,31 Menos que R$ 150,00. 0,13 0 0,05 0,1 0,15 0,2 0,25 0,3 0,35 Figura 25: Renda familiar média (Fonte: ILCPR, 2006)
  • 48. 48 Ao dividir este rendimento pelo número de pessoas que compõem cada família combinando as perguntas 13 e 8, obtém-se faixas de distribuição de renda per capta como mostrado na Figura 26. A maioria destas famílias distribui seu rendimento mensal por cada integrante em até R$100. São raras as famílias que possuem renda superior a R$200 mensais per capta. Mais que R$351 0,01 De R$301 a R$350 0,03 De R$251 a R$300 0,02 De R$201 a R$250 0,03 De R$151 a R$200 0,1 De R$101 a R$150 0,16 De R$51 a R$100 0,32 Até R$50 0,33 0 0,05 0,1 0,15 0,2 0,25 0,3 0,35 Figura 26: Renda das famílias per capta (Fonte: ILCPR, 2006)
  • 49. 49 6 Discussão 6.1 Análise e interpretação 6.1.1 A falsa autonomia do catador Segundo a Figura 10: Motivo da melhora de situação (Fonte: ILCPR, 2006), o quesito 2 – da organização e do trabalho em grupo – foi significativamente citado por quase metade dos entrevistados. Percebemos o quão benéfico foi para o bem- estar ocupacional do trabalhador desta área a promoção da organização e de um bom ambiente cooperativo de trabalho, libertando-o de “inconvenientes” como chefes e atravessadores. Situações como esta satisfazem e motivam o profissional no seu dia-a-dia, fortalecem a cooperativa e ajudam a disseminar a ideia do associativismo. Sentir-se “dono do negócio” é para muitos catadores até mais importante do que a melhoria de renda. É comum um catador alegar que prefere esta profissão à outras disponíveis devido à autonomia que ele possui no serviço, como colocado em entrevista da Gazeta do Povo com Daniel Tiê, um catador de Curitiba. “[...] Vocês são empregado, me descurpa dizê, se arguém tá mandando voceis aqui, voceis tão ganhando dinhero pros otro. Eu sei que voceis tem o salarinho de voceis, meu negócio não é salarinho, se dependê de mim pra ganhá dinhero vocês vão morrê de fome. [...] Daniel Tiê, o homem da ilha” (KÖNIG, 2007). Depoimentos como estes tem se tornado comuns, realizando uma contínua referência da tão confortante autonomia advinda do trabalho autônomo explorado e não especializado. Esta situação como um todo carece de uma profunda análise frente ao processo de precarização do trabalho que a sociedade sofreu para dar vez às vias capitalistas (LEIBANTE, 2006). O que é pouco observado, porém, é que o serviço de catação – assim como tantos outros que podem ser considerados autônomos no mercado de trabalho que conhecemos hoje – encaixa-se perfeitamente no sistema de serventia com pouco
  • 50. 50 retorno que o sistema capitalista exige de seus trabalhadores. Esta exploração tem poucas mudanças quando observadas as jornadas, remuneração, saúde social e cultural do trabalhador tanto autônomo quanto empregado. O trabalho parece deixar de ser subordinado quando o trabalhador não tem horários definidos ou está sob vigilância constante, dando esta falsa ideia de autonomia, uma vez que há uma necessidade de resultados da mesma forma e às vezes até sob maior exploração. Trata-se, portanto, de uma impressão marcada por baixíssima remuneração e pela precariedade, na qual o tempo de trabalho continua a ser uma categoria dominante (SOUZA, 2008). Obviamente que a organização de qualquer categoria de trabalhadores será benéfica quando feita para reivindicação de seus direitos e melhoria das condições de trabalho, em qualquer circunstância. E de fato conforme pesquisa realizada, grande parte dos catadores enxergam diversas melhorias em suas condições a partir do momento que adentram em uma cooperativa que trabalha coerentemente com a vontade de seus integrantes. Esta concepção de autonomia é ainda menos subsidiada em catadores não cooperados ou associados, onde não existe uma tarefa de formação e situação do ser no espaço social a que ele pertence (GONÇALVES, 2004). […] Os “catadores do lixo” buscam outras formas de sobrevivência diferente daquelas que estão postas pelo sistema técnico produtivo, o que não significa que estão sendo autônomos no seu processo de sobrevivência. Só buscaram tal alternativa porque não conseguiram se incluir nos padrões estabelecidos pelo sistema. E, quando saem às ruas para “catar” lixo, não saem por uma nova consciência, com o desejo de mudança. Pelo o que foi constatado nesta pesquisa, eles saem às ruas, trabalhando nesta atividade, para, de certa forma, se manterem incluídos no sistema, para adquirirem os bens de consumo postos por este. […] (GONÇALVES, 2004) O interesse aqui em questionar a autonomia de uma organização de catadores é que, embora hajam várias vantagens imbuídas para seus membros, a entidade não pode ser considerada definitivamente emancipadora por si só, e deve ser encarada como um caminho à conquista de uma séria de direitos e posicionamentos sociais, trabalhistas e educacionais os quais todo membro da sociedade é digno de possuir.
  • 51. 51 6.1.2 Organização do movimento social Os movimentos sociais são a base da transformação de uma sociedade democrática. É através deles que a população tem a possibilidade de intervir e reivindicar seus interesses e de propor planos de desenvolvimento para o país. Mostrar insatisfação e pressionar os governantes é ainda a principal forma de melhorar situações consideradas popularmente ruins (SILVA, 2007). […] “A ampliação dos espaços da cidadania ocorre através de uma nova cultura política que faz a interlocução entre carência e reivindicação. Para Warren essa cidadania caracteriza-se por sua constituição coletiva, através de ações que enfrentam modelos políticos existentes e apontam novas direções para as relações sociais. A sociedade civil e o Estado se interpenetrariam em campos de ações diferentes.” […] (SILVA, 2007) Porém, há um controverso repúdio popular pelas questões deste mundo conturbado de luta e interesses políticos, pois pouco percebe-se que é através dele que as mudanças definitivamente ocorrem, por mais lentamente pareçam ser. O Brasil particularmente entre os países da América do Sul possui uma população com elevada desconfiança política e insatisfação com o sistema democrático de governo, possuindo forte influência pela percepção de insuficiência de renda exigida para uma condição de vida satisfatória, e também pelo sentimento negativo quanto às leis trabalhistas (MOISÉS, 2008). A classe trabalhadora de modo geral já possui uma deficiência grave advinda da falta de formação política. Isto é um reflexo combinacional de vários outros elementos que procuram manter a hegemonia de um grupo limitado de interesses, tais como a privação de direitos cidadãos como acesso à educação e da manipulação midiática (FERREIRA, 2006). […] “Acredita-se que, em primeiro lugar, a falta de interesse da sociedade civil em participar e interferir politicamente na vida pública deve-se ao fato da população se encontrar em permanente estado de apatia; e isto acontece, principalmente, pela forma como temos sido mantidos imobilizados pelas informações e mensagens transmitidas pela grande mídia, que constituí-se em poderoso instrumento de dominação das elites detentoras do capital econômico, impondo, assim, sua visão distorcida e parcial dos fatos .” […] (FERREIRA, 2006)
  • 52. 52 A interpretação libertadora das informações – principalmente aquelas com veiculação manipulada – que recebemos no dia-a-dia torna-se difícil, sendo que a percepção da condição de explorado por um trabalhador resulta da quebra de uma série de condicionamentos impostos implicitamente por estas deficiências. Uma das respostas para o caminho da quebra destes condicionamentos é a formação crítica e política. O sistema educacional Brasileiro por si só raramente consegue fornecer estes recursos, e nem todos os trabalhadores tem vivências que a eles possibilite receber tal formação. Interpreta-se a partir daí a importância que esta educação possui para o movimento dos catadores, e como o caminho a ser percorrido para sanar todas as deficiências e dificuldades é longo. Este quesito torna-se então uma atribuição também esperada dos movimentos de trabalhadores, cuja força não por acaso depende diretamente do nível de formação política de seus integrantes. Pelo menos 15% dos catadores são envolvidos com a diretoria de sua cooperativa de alguma forma, desde os cargos de presidente até conselheiros fiscais. Esta é uma porcentagem mais relativa ao tamanho do grupo e seus princípios organizacionais do que de interesse de envolvimento do cooperado propriamente dito. Procurou-se, portanto, medir o interesse político do catador a partir de sua participação em outros eventos e averiguando o quanto ele conhece sua profissão, e não só de ouvir falar dos nomes das entidades que representam ele. É natural que uma grande parcela dos catadores entrevistados conheça o Instituto Lixo e Cidadania, pois é esta entidade que procura organizar e orientar as cooperativas formadas pelos catadores, e para isso ela precisa estar próxima do grupo e ser de conhecimento dos integrantes para então ter sua confiança e poder recomendar ações que serão de fato seguidas. Conhecer o Movimento Nacional dos Catadores de Recicláveis é mais um indicador da força de atuação desta entidade do que de interesse político do catador. O conhecimento da entidade representativa por uma parte dos trabalhadores de baixa renda de uma determinada categoria normalmente é muito
  • 53. 53 baixo, e o fato de que pelo menos metade dos entrevistados conhece a sua representação nacional já é positivo, embora isto não signifique diretamente que existe o interesse de forte atuação no movimento. A participação em movimentos nacionais requer um passo a mais no envolvimento com a profissão e com as causas da categoria, uma iniciação que consiste principalmente em uma atuação, aproximação e liderança muito mais forte no grupo local. Visto que menos do que 15% dos entrevistados já participou de uma atividade – encontros, congressos, vivências – que relacione-se com a formação política na vida profissional (Figura 14: Áreas de eventos com a participação dos catadores (Fonte: ILCPR, 2006)), este número parece transparecer um certo desinteresse pela política do movimento nacional de modo geral, o que indica que o dado em questão da Figura 13: Entidades conhecidas pelos catadores (Fonte: ILCPR, 2006), possui uma boa subjetividade por parte do catador entrevistado. Outro dado alarmante que demonstra o desconhecimento da amplitude de sua profissão são as respostas da pergunta 43:”Você sabe o preço de venda dos materiais que você coleta e são vendidos pela associação?”, resultando que 57% dos catadores entrevistados não sabem o preço a que os resíduos por ele coletados são vendidos, e esta porcentagem é ainda maior se forem consideradas as demais cooperativas pelo Paraná. Diversas interpretações podem ser retiradas somente deste dado. Além de estes trabalhadores terem uma relação de confiança – ou alheia – em relação à administração da cooperativa ao designar à ela a responsabilidade de venda da sua força de trabalho empregada no dia-a-dia, este dado mostra talvez a falta de entendimento em relação ao motivo da venda dos resíduos e também ao que leva à diferença de preços entre os materiais que ele coleta, ou seja: ao entendimento da cadeia produtiva à qual ele faz parte. Se sequer ficou claro para um trabalhador o modo como funciona a sua cadeia produtiva, qual será então a dificuldade em entender as dinâmicas de custo e trabalho que levam à exploração do seu trabalho?
  • 54. 54 As limitações educacionais e o condicionamento à exploração antepõem-se às de formação política necessárias ao desejo de emancipação, e tornam-se um muro para a formação de cooperativas e questionamento do poder público sobre a promoção e manutenção da dignidade de sua categoria. Somente 11% destes trabalhadores completaram a 8ª série, e quando perguntados se possuíam interesse em continuar os estudos as respostas foram bastante variadas apontando diversas possibilidades de estudo, desde cursos superiores a profissões mais simples. No entanto nota-se uma percepção sobre a valorização da informática e ao desejo de recuperar os anos de estudo perdido, conforme a Figura 12: Intenções e desejos de profissionalização (Fonte: ILCPR, 2006). Em múltipla escolha, 28% dos catadores gostariam de fazer um supletivo e completar os níveis fundamental e médio de escolaridade. Após isso, 22% gostariam de fazer um curso profissionalizante em informática. A partir destas duas principais manifestações que refletem as tendências globais de profissionalização, seguem profissões mais próximas ao dia-a-dia, tais como artesanato cooperativista; confeitaria, cozinha e culinária em geral; estética, beleza, cabelo e manicure; obras e carpintaria. O dado em destaque na Figura 12 é justamente o primeiro item: somente 6% dos entrevistados manifestaram interesse em aprender mais sobre o seu ofício e aprofundar conhecimentos sobre processos de reciclagem de modo geral. São algumas principais interpretações: 1) que não há interesse em continuar no ramo da reciclagem, e portanto há um outro leque de áreas do conhecimento para priorizar; 2) que o catador não conhece a amplitude do campo de reciclagem e também não entende como funcionaria a expansão do seu trabalho para usinas de triagem, reciclagem, valorização e reincorporação de resíduos ao mercado; Estes dados podem contrastar como uma controvérsia, pois embora pouco