2. Asseguro que não é possível dar um caráter pragmático
à teoria. Afinal, discorrendo-se em educação, alguém
pode conhecer intimamente uma série de teorias
pedagógicas, e no entanto não ser um bom professor.
Do mesmo modo todos nós conhecemos professores
que não conhecem teorias, que atuam muito mais por
instinto e são extraordinários na sala de aula.
3. O problema é que intuição não abona
profissionalismo. Uma coisa é saber
empregar metodologias didáticas
adequadamente, outra é ter discernimentos
claros e precisos que nos ajudem a avaliar e a
eleger os procedimentos a serem
empregados e igualmente a fazer escolhas
referentes a sua adaptação.
4. Mas a constituição desses critérios não é
algo que ocorre da noite para o dia, nem
provoca transformações imediatas na nossa
prática.
5. É neste sentido que a teoria não tem um emprego
pragmático. Ou seja, não tem como instruir alguém
a ser construtivista em um curso de 08 horas, do
modo que ele saia dali como um professor
radicalmente diferente, extrapolando todas suas
carências de formação e todos seus vícios neuróticos
que assinalam seu jeito de se relacionar na sala de
aula.
6. As duas teorias, que são foco deste curso, têm
ainda uma característica peculiar: não são
teorias pedagógicas. Embora exerçam enorme
influência na prática pedagógica no mundo
inteiro, sua aplicação está longe de ser imediata.
7. Vygotski tem uma certa vantagem em relação a
Piaget, pelo fato de ter delineado uma teoria
psicológica, e há muito tempo a psicologia tem
sido um dos temas de apoio da pedagogia. Às
vezes até mesmo tornando-se quase que o
núcleo do pensamento pedagógico.
8. Já a teoria de Piaget não pode ser vista como
uma teoria psicológica, pelo menos não no
sentido usual que damos à Psicologia. A
ansiedade de Piaget era epistemológica, ou seja,
esclarecer como pode se produzir o
conhecimento científico e as ciências.
9. Para chegar a isso Piaget teve de fazer um
caminho pela Psicologia, já que a sugestão dele
era de uma Epistemologia científica,
fundamentada em pesquisas experimentais e
não em reflexões filosóficas. Por isso a escolha
por fazer uma Epistemologia Genética.
10. Por outro lado Piaget leva uma vantagem sobre
Vygotski por ter estabelecido uma teoria muito
concreta, baseada em estudos realizados
durante, aproximadamente, 50 anos. Tendo tido
o período que Vygotski não teve, e sem a
repreensão que este teve, para fazer as correções
de rumo e construir um "edifício teórico"
admirável.
11. Se essas teorias não são pedagógicas. Se as
teorias, principalmente aquelas que se
relacionam indiretamente com nossa
prática, não têm proveito, então para que
conhecê-las?
12. Costumo expor que uma teoria é como um
par de óculos. Por se tratar de uma tentativa
de esclarecimento da realidade nos faz
enxergar de modo diferente essa realidade.
13. O diferencial dessas duas teorias em relação a outras
tantas que foram consagradas nos meios
pedagógicos é que se versam de compreensões
dialéticas. Ou seja, as duas buscam extrapolar a
visão linear que destaca o processo de
desenvolvimento, ou mesmo de aprendizagem do
sujeito, de fora para dentro ou de dentro para fora.
15. Alguém poderá estar se indagando se não estou
distorcendo, afinal é costume falar-se que Vygotski é
interacionista, enquanto que Piaget é construtivista.
Trata-se neste caso de uma facilitação feita pelos
marcadores de plantão que necessitam estar o
tempo todo rotulando as teorias, as propostas, as
políticas, e que às vezes nem sequer conhecem
direito o que estão a marcar.
16. Verdadeiramente Piaget deu destaque em
seus estudos ao caráter construtivo, ou seja,
das constituições efetivadas pelo sujeito. Já
Vygotski deu destaque aos processos de
trocas, ou seja, de intercâmbio do sujeito
com seu meio, especialmente seu meio
social e cultural.
17. A apreensão da realidade de forma dialética
(interacionista) nos demanda compreender que
não se pode ficar buscando o vencedor na
batalha entre o que é de dentro e o que é de fora.
É por isso que Piaget indica outro
questionamento que é como o de dentro e o de
fora se relacionam.
18. Por isso que não apresenta nada de
construtivista (muito menos de interacionista)
a prática pedagógica que se funda em "permitir
que o aluno construa sozinho, sem intermédio
do professor". Deste modo como não tem nada
de construtivista aquele que quer fazer com que
os alunos se tornem alfabéticos até o final do
bimestre, como se ficasse possível dominar-se a
aprendizagem desses alunos.
19. Acredito que as contribuições dessas teorias
para a prática pedagógica passam
fundamentalmente pela possibilidade de se
abranger melhor a dinâmica dos processos
que incidem no ato de ensinar/aprender.
20. É neste significado que podemos imaginar a
ajuda da teoria piagetiana, em primeiro
lugar (em ordem temporal de ocorrência na
educação e não em ordem de importância) a
apreensão dos estágios do desenvolvimento
cognitivo.
21. Piaget faz um esclarecimento subentendido de que a
criança raciocina de modo desigual do adulto,
explicando, de modo inclusivo, as estruturas de
conjunto que diferenciam cada estágio,
possibilitando que se possa apreender melhor como
a criança pensa, sem fazer dela um adulto em
miniatura, nem reduzi-la à categoria de um bichinho
que necessita ser adestrado para se transformar (de
fora para dentro) em um adulto.
22. Claro que uma leitura linear dessa
teorização a respeito dos estágios fez com
que se cometesse declarações incoerentes
com a concepção piagetiana, como por
exemplo, o que se pregou por muito tempo,
de que não se pode educar a criança nem
além nem abaixo do estágio em que ela está.
23. Transformava-se, deste modo, os estágios em uma
camisa de força. Este tipo de declaração não
considera a concepção dialética que tem como
embasamento a dinamicidade dos procedimentos e
que a criança, ou o aprendiz vai movimentar-se com
as estruturas antecipadamente construídas por ele
para compreender o novo, até mesmo, resgatando
processos mais primitivos, se for o caso, mas por
outro lado, se esse conhecimento ensinado não for
de certo jeito além das competências do aluno, ele
não ficará provocado a construir novas estruturas.
24. Quanto mais estudo Piaget, Vygotski, Paulo Freire e
outros, e quanto mais discuto e converso com
professores que estão no dia-a-dia da escola, lutando
para que seus alunos não se tornem simplesmente
repetidores de matéria, mas que aprendam a lidar
melhor com o mundo (e não serem lidados pelo
mundo) empregando os conteúdos ensinados na
escola, mais me convenço de que o núcleo do
trabalho educativo devem ser as relações e não os
conteúdos.
25. Não estou expondo que os conteúdos não sejam
importantes, mas a possibilidade da construção de
conhecimentos novos está no estabelecimento de
relações sobre relações ou coordenações sobre
coordenações, o nosso aluno só poderá compreender
o que lhe ensinamos se oferecermos oportunidade
para que ele estabeleça relações diferentes (muito
mais do que aquelas poucas que nós como
professores podemos preparar para que ele faça) dos
diversos aspectos que compõe o conteúdo e do
conteúdo com outros conteúdos e circunstâncias.
26. Afinal, como Piaget confirma bem, por meio de
conceitos como o da implicação significante,
que são as relações que nos possibilitam dar
significação. E essa significação esta sujeito,
portanto, das atuações que o sujeito executa,
que são na verdade interações e não somente da
significação assinalada pelos outros que o
rodeiam.
27. Para terminar quero reforçar a ideia de que
as teorias de Piaget e de Vygotski vão ser
extraordinárias para a educação à medida
em que nos auxiliarem a ver de modo
diferente os fenômenos que envolvem a
mesma.
28. Elas não são de forma alguma a panacéia dos problemas
da educação. No entanto não creio em nenhum caminho
que se possa trilhar na educação, desde a Psicopedagogia,
até a gestão escolar que não parta de princípios dialéticos,
que apreenda que a realidade não é explicável a partir de
um traçado simples de causa/efeito ou antes/depois, mas
sim de uma apreensão de que essa realidade se forma
como rede de relações, e que, portanto, toda ação
necessita ter presente que não terá condições de mudar
tudo, mas que não deixará de dar sua marca.
29. É neste significado que faz-se necessário
procurar um complemento para as apoios
desses dois mestres do século XX, em outros
não menos brilhantes como Freud e Paulo
Freire, bem como em tantos outros que nos
acendem a esperança de uma apreensão
dialética dos fatos educacionais.
30. No processo ensino-aprendizagem compete ao
professor como mediador interagir com seu aluno:
explorando a sua Zona Desenvolvimento Proximal,
as funções mentais superiores e a linguagem. A
educação se concretizará quando professor e aluno
compartilharem significados, isto é, o
desenvolvimento aguardado do pensamento
elaborado.
31. Nossa procura, que a meu ver deveria se
tornar missão, é a de beneficiar, sempre, a
conservação da paz, compreendendo que o
uso de valores éticos, da criatividade, das
vivências e da reflexão constante de nossas
atitudes pode levar cada um de nós a
compreender os questionamentos de cada
um como indivíduo.
32. Criando harmonia e significado para
construção de um novo tempo é uma
luta que devemos divulgar em nosso
atuar, em nosso fazer, em nosso ser,
estar num mundo em complexa
interdependência.
33. Criar harmonia e sentido para
construção de um novo tempo só será
possível quando re-significarmos
nossas vivências e compreendermos
que é possível encarar as
heterogeneidades com atitudes menos
egoístas e mais altruístas.
34. É preciso procurar o encontro
com o outro numa perspectiva
de alegria, fé, esperança,
renovação da própria vida.