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Development in Practice. Volume 17, number 4-5, 2007.




                   Desenvolvimento como um modismo1
                                  Development as a buzzword2

                                Gilbert Rist3 - Institut universitaire d'études du développement (IUED), Genève, Switzerland



 Apesar de sua ampla utilização, o significado do termo "desenvolvimento" permanece
 vago, tendendo a referir-se a um conjunto de crenças e suposições sobre a natureza do
 progresso social, em vez de algo mais preciso. Após apresentar um breve histórico do
 termo, o autor argumenta que o desenvolvimento não conseguirá combater com a
 pobreza ou reduzir o fosso entre ricos e pobres, na verdade ela tanto alarga quanto
 aprofunda essa divisão e, finalmente, cria a pobreza como recursos naturais e os seres
 humanos estão igualmente cada vez mais atrelados ao exercício do consumo e do lucro.
 A sobrevivência do planeta dependerá do abandono da profunda crença de que o
 crescimento econômico pode fazer justiça social, uso racional do meio ambiente ou bem-
 estar humano, e abraçar a noção de que haveria uma vida melhor para todos se
 fôssemos movidos para além de "desenvolvimento".


 Palavras-chave: Assistência, Governo e Políticas Públicas, Direitos


        O(s) significado(s) de “desenvolvimento”

        Considerar "desenvolvimento" como um jargão me parece altamente pertinente,
pois, embora tenha estado em voga por quase 60 anos (um recorde na verdade!), seu
significado real ainda é ainda evasivo, pois depende de onde e por quem ele é usado.
Também faz parte da comum agitação ou tumulto o termo ser ouvido em inúmeras
reuniões dedicadas a questões que vão desde agricultura, planejamento urbano,
comércio internacional para a redução da pobreza até produção de bem-estar pessoal e
industrial. Qualquer um pode usá-la como preferir; para transmitir a ideia de que as
coisas amanhã serão melhores ou que mais é necessariamente melhor. Mas há mais do
que isso. "Começar uma agitação de alguma coisa" também significa "receber um

1 Ou jargão, chavão. (NT)
2 Disponível em <http://www2.dse.unibo.it/ardeni/papers_development/Rist_Development-as-a-
  buzzword.pdf >. Acesso em 30/03/2012.
3 O professor Gilbert Rist é um cientista político que ensina antropologia social e cultural, relações
  inter-culturais e história das teorias de desenvolvimento do Instituto de Pós-Graduação de Estudos
  de Desenvolvimento em Genebra-Suíça.
Development in Practice. Volume 17, number 4-5, 2007.


impulso" ou "recuperar-se". A este respeito, "desenvolvimento" tem sem dúvida sido
amplamente utilizado como uma droga pesada, o vício que, legalmente tolerado ou
incentivado, pode estimular os sentimentos felizes que tipificam paraísos artificiais. Por
isso, também pode ser legítimo considerar a palavra "desenvolvimento" como tóxica.
       Curiosamente, a carreira internacional do termo "desenvolvimento", juntamente
com a noção de "subdesenvolvimento", começou como um truque de relações públicas
lançado por um profissional de discursos, desde que o presidente Truman simplesmente
desejou incluir em seu Discurso Inaugural de 1949 um quarto ponto que soaria "um
pouco original". Assim, desde o início, quando a ideia foi exibida pela primeira vez nos
círculos internacionais, ninguém - nem mesmo o presidente dos EUA - sabia realmente o
que era o "desenvolvimento". Isto não impediu, porém, que a palavra ganhasse ampla
aceitação. No entanto, este golpe não intencional de gênio transformou os dois
adversários - colonizadores versus colonizados - em membros aparentemente iguais de
uma mesma família, a partir de agora considerados mais ou menos "desenvolvidos". A
visão dominante era a de que o tempo - mas também o dinheiro e a política - seriam
suficientes para preencher a lacuna entre os dois lados.
        Esta promessa global de felicidade generalizada teve apelo imediato, não só para
aqueles que esperavam uma melhora em suas condições de vida, mas também para
aqueles que estavam comprometidos com a justiça social internacional. Em outras
palavras, "desenvolvimento" - com todas as esperanças e expectativas que transmitia -
foi a princípio levada muito a sério, mesmo por aqueles que mais tarde viriam a contar
entre os seus críticos. Como Teresa Hayter lembra, na década de 1960, "houve pouco
esforço [...] para definir o desenvolvimento. Em vez disso, havia um pressuposto
inquestionável de que "desenvolvimento", o que quer que fosse, poderia conduzir a uma
melhoria na situação das pessoas pobres " (Hayter 2005: 89). Esse comentário dá uma
pista para as razões pelas quais o termo "desenvolvimento" iniciou um zumbido no
linguajar dominante: ela repousava em uma simples - embora incontestada - suposição e
ninguém se preocupou em defini-lo corretamente. Ambos os elementos caracterizam um
chavão: a ausência de definição real e uma forte crença no que a noção supostamente
traz. "Desenvolvimento", portanto, tornou-se uma espécie de palavra performática:
dizendo por fazendo. Qualquer medida (investimento estrangeiro, a redução - ou
aumento - de barreiras comerciais, (...), campanhas de alfabetização, e outros) foi a partir
de agora justificada "em nome do desenvolvimento", fazendo com que mesmo as
políticas mais contraditórias parecessem voltadas para a "melhoria de vida das pessoas
pobres". Este uso extensivo de termo "desenvolvimento" para delinear as políticas que
foram assumidas como sendo necessariamente boas também contribuiu para construir
novos esquemas de percepção da realidade. Em outras palavras, "desenvolvimento" já
não era considerado uma construção social ou o resultado de vontade política, mas sim a
Development in Practice. Volume 17, number 4-5, 2007.


consequência de uma "natural" ordem mundial considerada justa e desejável. Este
truque - que está na raiz do que Bourdieu chama de "violência simbólica" - tem sido
fundamental na prevenção de qualquer possível crítica contra o 'desenvolvimento', uma
vez que foi quase igualado à própria vida.
       O "desenvolvimento" também fez um serviço excelente durante o período da
Guerra Fria. Naquela época, as grandes potências discordavam em quase todas as
questões, exceto uma: o "desenvolvimento", a palavra mágica que reconciliaria lados
opostos. Sua necessidade e conveniência não eram discutíveis, e os dois adversários
ideológicos competiam entre si em promovê-la através do que era então conhecido como
Terceiro Mundo. Para ser mais correto, houve alguma intenção comum e genuína para
melhorar a sorte dos pobres, vistos como potencialmente interessantes futuros clientes
dos países industrializados. Mas além do discurso rotineiro sobre "o desafio de nossos
tempos", o "desenvolvimento" foi usado principalmente como uma desculpa para
atração dos "países em desenvolvimento" para o lado ou outro do campo. Não admira,
portanto, que este jogo político tenha voltado a vantagem para as 'elites' do poder que
tiveram influência em arenas internacionais, ao invés das populações de base. Mas isso
durou apenas um tempo, pois era fácil de perceber. Progressivamente, elefantes brancos
e projetos gigantescos foram criticados e, depois de duas "décadas de desenvolvimento" -
promulgadas sob os auspícios das Nações Unidas - não conseguiram entregar as
mercadorias, uma generalizada "fadiga do desenvolvimento" que superou países
desenvolvidos e em desenvolvimento.
        O burburinho pareceu desaparecer, mas a palavra de ordem tinha se mostrado tão
útil para santificar tantos empreendimentos diferentes e dando-lhes uma aura de
legitimidade que todos os esforços tiveram que ser feitos para restaurar o seu brilho
anterior. Esta realmente não foi uma tarefa fácil, mas a solução foi encontrada através da
adição da palavra "desenvolvimento" a uma série de adjetivos que o dignificariam.
Graças aos especialistas em imaginação, "desenvolvimento" foi sucessivamente
qualificado como "endógeno", "humano", "social", e, eventualmente, "sustentável" - como
se, ao estar sozinho, se tornasse uma palavra suja. Por que de repente foi necessário
especificar que o "desenvolvimento" tinha que ser "humano"? Era uma forma de
confissão tácita de que também pode ser desumano? Esse pode ter sido o caso, mas
ninguém levou a questão a sério.
       O cúmulo do absurdo foi atingido quando a Comissão de Brundtland (WCED
1987) tentou conciliar as exigências contraditórias a serem cumpridas: proteger o
ambiente contra a poluição, desmatamento, efeito estufa e mudanças climáticas e, ao
mesmo tempo, garantir a busca do crescimento econômico, que ainda era considerado
uma condição para a felicidade geral. Esta tarefa impossível resultou na cunhagem do
cativante termo "desenvolvimento sustentável", que imediatamente alcançou o status de
Development in Practice. Volume 17, number 4-5, 2007.


estrela. Infelizmente, apenas significou a troca de um chavão para outro. O
"desenvolvimento sustentável" tornou-se um slogan global que qualquer um poderia
facilmente endossar e suficientemente vago para permitir interpretações diferentes,
muitas vezes incompatíveis" (South Centre 2002:15). Novamente, é impossível reunir
uma preocupação real com o meio ambiente e a promoção do "desenvolvimento".
"Desenvolvimento sustentável" não é nada mais do que um paradoxo, uma figura de
retórica que une dois opostos, como "capitalismo com rosto humano" ou "intervenção
humanitária". Os defensores do meio ambiente e do crescimento econômico,
respectivamente, foram ávidos para alegar que desenhoram sua inspiração a partir da
mesma noção, o que poderia ser usado para diferentes fins. Daí a batalha para definir
sobre o que "desenvolvimento sustentável" realmente é. Mas o apelo de Brundtland para
uma "nova era de crescimento econômico" certamente não foi em favor daqueles que
consideraram a sustentabilidade ambiental uma prioridade. É verdade que a
preocupação com proteção do meio ambiente tem crescido recentemente, mas isso
dificilmente pode ser atribuído à popularidade de que goza o conceito de
"desenvolvimento sustentável". Se um número crescente de pessoas - em todos os
lugares e em todos os níveis da sociedade - sentir que algo tem que ser feito para
diminuir o impacto da atividade humana sobre a biosfera, isso é bastante devido às
crescentes crises ambientais que estamos presenciando, de furacões recorrentes à calota
de fusão, ou de desertificação progressiva de grandes áreas desabitadas à poluição
urbana. E ainda, "desenvolvimento" - seja sustentável ou não - permanece no topo da
agenda, e ninguém parece prestes a abandoná-lo.
      Até o momento, concentrei-me nas razões pelas quais o "desenvolvimento" tem
sobrevivido apesar (ou por causa) de suas ambiguidades. Mas sua persistência como
uma palavra em voga no discurso econômico e político também se apoia em uma base
ainda mais importante, ou seja, o "desenvolvimento" corresponde a uma moderna crença
generalizada e firmemente enraizada. Sem entrar em muitos detalhes teóricos, deve-se
lembrar que, segundo Durkheim, a sociedade não pode existir sem a religião, uma vez
que a religião é uma "coisa eminentemente social" e as representações religiosas
"expressam realidades coletivas" (Durkheim 1995:9). A religião, nesse sentido, tem,
portanto, nada a ver com a visão do senso comum que se associa com a ideia do
sobrenatural ou com íntimas convicções pessoais sobre a existência de Deus e com a
presença na igreja ou mesquita. Sem entrar em muitos detalhes teóricos, deve-se
lembrar que, segundo Durkheim, a sociedade não pode existir sem a religião, uma vez
que a religião é uma "coisa eminentemente social" e as representações religiosas
"expressam realidades coletivas" (Durkheim 1995:9). A religião, nesse sentido, tem,
portanto, nada a ver com a visão do senso comum que se associa com a ideia do
sobrenatural ou com íntimas convicções pessoais sobre a existência de Deus e com a
presença na igreja ou mesquita. Relaciona-se com a crença de um determinado grupo
Development in Practice. Volume 17, number 4-5, 2007.


social em certas verdades incontestáveis, uma crença que determina o comportamento
compulsório de tal forma a reforçar a coesão social (Rist, 1997: 20). Em qualquer
sociedade (democrática), várias ideologias, quer sejam ou não estão relacionadas com
partidos políticos, são toleradas, mas, no sentido de Durkheim, as crenças religiosas são,
por assim dizer, acima das ideologias, pois elas são compartilhados por todos, assim
como todo mundo acredita que qualquer pessoa pertencente ao grupo social também
compartilha dessas crenças (apesar do desacordo privado possível). Elas são
indiscutíveis e implicam diferentes práticas por parte dos crentes que não pode evitá-las
sem pôr em perigo a coesão do grupo ou o risco de serem considerados excluídos sociais.
       Este resumo sumário do conceito de religião deve ajudar a explicar por que o
"desenvolvimento" pode ser considerado como uma das verdades indiscutíveis que
permeiam o nosso mundo moderno. Seja qual for seu credo ideológico, nenhum político
se atreve a permanecer em uma plataforma eleitoral que ignora o crescimento
econômico ou "desenvolvimento", que é suposto para reduzir o desemprego e criar
novos empregos e bem-estar para todos. Os pequenos investidores e pessoas comuns
esperam um aumento nos lucros ou salários, que deveria seguir uma "tendência secular".
O "desenvolvimento" tornou-se um xibolete4 moderno, uma senha essencial para quem
deseja melhorar seu padrão de vida.

        Uma visão realista

        O inegável sucesso de 'desenvolvimento', ligado às suas falhas inegáveis na
melhoria da condição dos pobres, portanto, precisa ser posta em questão. Chegou a hora
de se livrar deste jargão e desmistificar as crenças associadas. Para neutralizar o poder
de causar dano de um jargão equivale a produzir uma definição realista que afirma
claramente do que se trata e o que ele realmente promove. Neste caso particular, a
dificuldade reside no sentido a priori positivo de "desenvolvimento" da palavra, que
deriva tanto da sua suposta "natural" existência e da sua inclusão em um conjunto de
crenças inquestionáveis compartilhadas. É por isso que aqueles que estão prontos para
reconhecer que o "desenvolvimento" não tem realmente cumprido com suas promessas
também não estão dispostos a descartar completamente a noção. Falhas, eles diriam, não
resultam do "desenvolvimento" em si, mas sim de interpretação errônea ou
implementação injustificada. Mesmo nas situações mais dramáticas, é sempre possível
recorrer à alegada existência de um "bom desenvolvimento". Afinal, o próprio Deus não
pode responder a todas as nossas orações ou conceder todos os nossos pedidos, mas a
sua justiça permanece fora de dúvida. . .
       Assim, para formular definição sociológica apropriada de 'desenvolvimento', tem
de se pôr de lado as conotações emocionais e normativas bem como incorporar todas as

4 Xibolete: sinal ou gesto combinado, senha. (NT)
Development in Practice. Volume 17, number 4-5, 2007.


características externas - que qualquer um possa observar - que estão relacionadas ao
assunto. Em outras palavras, a definição de "desenvolvimento" não deve ser baseada no
que ela pensa que é ou o que se deseja que seja, mas em reais práticas sociais e suas
consequências, ou seja, coisas que qualquer pessoa pode identificar. O que precisa ser
destacado é um processo histórico que diz respeito não apenas os países do 'Sul', ou
apenas as operações realizadas sob a égide da "cooperação para o desenvolvimento", que
começou cerca de dois séculos atrás, e continuamente transforma o nosso mundo.
       Nesta base, e para colocá-lo em poucas palavras, minha definição é a seguinte: a
essência do "desenvolvimento" é a transformação geral e destruição do ambiente natural
e das relações sociais, a fim de aumentar a produção de commodities (bens e serviços)
orientada, por meio de troca de mercado, a demanda efetiva. Esta formulação pode
parecer escandalosa se comparada com o pensamento positivo que normalmente
caracteriza as definições de 'desenvolvimento'. Mas eu afirmo que ele realmente reflete o
processo real observável quando um país ou região está "em desenvolvimento". (Para
uma formulação mais detalhada, ver Rist 1997: 12 – 18.)
        Em primeiro lugar, na medida em que o ambiente natural está comprometido,
está bem documentado que o processo de industrialização na Inglaterra teve lugar ao
longo do movimento de fechamento. Em outras palavras, campos abertos ou terras
comuns que qualquer um poderia usar se tornaram propriedade privada, a serem
compradas ou vendidas. "Desenvolvimento" começa quando a terra se transforma no
que Polanyi (1957) chama de "mercadoria fictícia", e quando o ambiente natural é
transformado em um "recurso". O progresso da Revolução Industrial, juntamente com
aumento da demanda por energia, levou à exploração de mineral novo e recursos não
renováveis. O minério foi transformado em aço para ser utilizado na produção de novos
objetos e o óleo foi transformado em gás de escape: em ambos os casos, a destruição é o
lado inverso da produção - um fato que passa despercebido pelo economista - uma vez
que a reciclagem é ou problemática (exigindo novos custos de energia) ou impossível. E,
claro, todo o processo termina no aumento da poluição. Mas a exploração do ambiente
natural não para por aí. Tudo pode ser convertido num produto e, por conseguinte, em
uma oportunidade para o lucro. Assim, os enormes esforços feitos por corporações
transnacionais em favor dos procedimentos de licenciamento são para se apropriar de
todos os tipos de organismos vivos e da biodiversidade em geral. O exemplo mais
conhecido é o de agricultores que já não são capazes de usar parte da safra anterior para
semear suas lavouras e são forçados a comprar novas sementes a cada ano. Um país é o
mais "desenvolvido" quanto mais limitado o número de coisas gratuitas que estão
disponíveis: para passar uma tarde na praia, ir pescar, ou desfrutar de esqui cross-
country é hoje impossível, a menos que se esteja preparado para pagar por isso.
Development in Practice. Volume 17, number 4-5, 2007.


       No que diz respeito às relações sociais, o quadro não é diferente, uma vez que
estes também estão sujeitos à regra da mercadoria e da exploração. A grande mudança
ocorreu com a generalização gradual do trabalho assalariado nas sociedades modernas,
ou seja, quando o trabalho também se tornou outra "mercadoria fictícia", para usar a
frase de Polanyi. O que costumava ser trocado livremente dentro do círculo familiar ou
entre vizinhos tem sido progressivamente convertida em trabalho remunerado. Já que
todos têm de ganhar a vida, creches caras têm substituído os avós no cuidado de crianças
pequenas, agências matrimoniais têm substituído as danças de aldeia como
oportunidades para aqueles em busca de parceiros de casamento, e a tarefa tediosa de
passear com o cão duas vezes por dia pode ser terceirizado a uma pessoa sem emprego
interessada em fazer um pouco de dinheiro. Essa é a vida de um país totalmente
"desenvolvido"... Estes exemplos anedóticos pode ser engraçados, mas eles também são
indicativos de uma tendência arrebatadora que está colocando em risco os laços sociais.
O que costumava ser íntimo e pessoal, supostamente fora do reino do mercado, hoje
pode ser objeto de um contrato de serviços pagos, tais como as práticas da barriga de
aluguel, com base nos bancos de esperma, ou comprar "peças de reposição humanas"
(olhos, rins, fígado, etc) de indigentes ou condenados dos países do "Sul". Finalmente, em
um país "desenvolvido", os seres humanos também são transformadas em "recursos" e
espera-se que saiba-se como se vender para potenciais empregadores. A prostituição
pode ser oficialmente condenada, mas tornou-se o lote comum: todos estão à venda.
       Para completar esta descrição já bastante sombria do que o "desenvolvimento"
realmente trata, deve-se adicionar um inventário de seus efeitos colaterais devastadores,
não só sobre o meio ambiente e do precário equilíbrio da biosfera, ou na conservação
dos recursos naturais (florestas, terras aráveis, as populações de peixes), que são
superexplorados, mas acima de tudo, o empobrecimento contínuo de milhões de
pessoas. Como Jeremy Seabrook (1998) tem, a pobreza não é uma forma de "doença"
que demonstra o mau funcionamento do capitalismo e pode ser "curado". Pelo contrário,
a pobreza é uma prova da "boa saúde" do sistema capitalista: é o impulso que estimula
novos esforços e novas formas de acumulação. Em outras palavras, o crescimento
econômico - amplamente aclamado como um pré-requisito para a prosperidade - ocorre
apenas à custa de o ambiente ou seres humanos. A segregação mundial é tal que quem
gosta de um chamado "alto padrão de vida" dificilmente entra em contato com os pobres
e, portanto, pode acalentar a ilusão de que suas circunstâncias privilegiadas podem, mais
cedo ou mais tarde se espalhar para a humanidade como um todo. Mas a mudança
climática, o efeito estufa, e as nuvens nucleares não podem ser contidas e podem afetar a
todos, ricos e pobres, talvez em um futuro não muito distante. Este é o significado real e
o perigo real da globalização. A que diz respeito em primeiro lugar do globo, ou o nosso
"planeta azul", e seu frágil equilíbrio, que está sendo progressivamente desestabilizado
por atividades humanas, e não - como nos é dado a acreditar - o comércio internacional,
Development in Practice. Volume 17, number 4-5, 2007.


novas informações e tecnologias de comunicação, ou contínuas negociações de ações no
mercado.
        Deve estar claro agora por que o "desenvolvimento" deve ser considerado uma
palavra tóxica, como meio jocosamente sugeriu no início deste artigo. Como um jargão,
foi utilizado uma e outra vez para promover um sistema que não é nem viável, nem
sustentável, nem preparado para se viver. Os (substanciais) benefícios que ainda são
conferidos a uma pequena minoria não são suficientes para justificar a sua aceitação
contínua tendo em conta os perigos letais que implica. Isto está sendo progressivamente,
embora relutantemente, admitido. A questão, portanto, mantém-se: dada a quantidade
de informação que os cientistas reuniram sobre múltiplos riscos naturais (na verdade,
produzidos pelo homem) que podem invadir a nossa vida diária, porque é que não
acreditamos naquilo que sabemos ser certo? A resposta, provavelmente, reside no fato
de que nossa crença em "desenvolvimento" ainda é muito forte para ser prejudicada pela
certeza científica. O nosso comportamento coletivo é estranhamente determinado por
aquilo que Lévy-Bruhl, há quase um século, descrevia como a "mentalidade pré-lógica"
considerada característica de "povos primitivos"! Uma mudança radical da mente é,
portanto, necessária a fim de antecipar possíveis - ou prováveis - catástrofes. A idéia não
é reviver a figura do profeta da desgraça, mas para levar a catástrofe iminente tão a sério
que não vai acontecer eventualmente (Dupuy 2002): assim como os japoneses
antecipam terremotos ou tsunamis, tomar catástrofes por certo, adaptar seu
comportamento a essa convicção e fazer cumprir as normas anti-sísmicas de construção
de modo que, quando os terremotos ocorrem, as vítimas sejam mínimas em comparação
com o que aconteceria em outros países. A partir de então, devemos recorrer à heurística
do medo, para antecipar o que se pode experimentar quando o pior acontece, a fim de
impedir que isso aconteça, em vez de nos iludir com a idéia não verificada, implícita na
noção de "desenvolvimento", de que as coisas serão melhores amanhã.
       A mudança poderia ser concebível se lembrássemos a sabedoria ameríndia, que
nos ensina que "nós mantemos a Terra em confiança para os nossos filhos". Mas também
envolve mudanças em nossa vida diária, especialmente no hemisfério Norte. Estas são
frequentemente apresentados, em um tom moralista, como uma forma de reivindicar
austeridade ou como um processo de racionamento. Mas estas medidas devem ser
consideradas como implicando não uma perda, mas sim um ganho: há um lado positivo
para a restauração de um senso de limites. Em vez de ver o "desenvolvimento" como a
história do progresso, nós também podemos olhar para ele como uma história de perdas
sucessivas - que, mais uma vez, dizem respeito não só ao ambiente natural, mas também
aos laços sociais e de convívio.
      Chegou a hora - e é realmente o momento alto - para desbancar o jargão do
"desenvolvimento". Para fazê-lo significa que devemos defini-lo corretamente -
Development in Practice. Volume 17, number 4-5, 2007.


baseando-se em práticas sociais reais, em vez de pensamento positivo. Devemos estar
conscientes de sua inclusão em um corpus de crenças que são difíceis de quebrar-se,
expor seus usos maliciosos, e denunciar as suas consequências. A coisa mais importante,
no entanto, é deixar claro que existe vida após o "desenvolvimento" - certamente uma
diferente da que nas regiões privilegiadas são usadas, mas não há nenhuma evidência
para sugerir que nós perderíamos em tal negócio.


      Traduzido por Vanessa Souza Pereira.
      http://www.contornospesquisa.org

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Development as a buzzword

  • 1. Development in Practice. Volume 17, number 4-5, 2007. Desenvolvimento como um modismo1 Development as a buzzword2 Gilbert Rist3 - Institut universitaire d'études du développement (IUED), Genève, Switzerland Apesar de sua ampla utilização, o significado do termo "desenvolvimento" permanece vago, tendendo a referir-se a um conjunto de crenças e suposições sobre a natureza do progresso social, em vez de algo mais preciso. Após apresentar um breve histórico do termo, o autor argumenta que o desenvolvimento não conseguirá combater com a pobreza ou reduzir o fosso entre ricos e pobres, na verdade ela tanto alarga quanto aprofunda essa divisão e, finalmente, cria a pobreza como recursos naturais e os seres humanos estão igualmente cada vez mais atrelados ao exercício do consumo e do lucro. A sobrevivência do planeta dependerá do abandono da profunda crença de que o crescimento econômico pode fazer justiça social, uso racional do meio ambiente ou bem- estar humano, e abraçar a noção de que haveria uma vida melhor para todos se fôssemos movidos para além de "desenvolvimento". Palavras-chave: Assistência, Governo e Políticas Públicas, Direitos O(s) significado(s) de “desenvolvimento” Considerar "desenvolvimento" como um jargão me parece altamente pertinente, pois, embora tenha estado em voga por quase 60 anos (um recorde na verdade!), seu significado real ainda é ainda evasivo, pois depende de onde e por quem ele é usado. Também faz parte da comum agitação ou tumulto o termo ser ouvido em inúmeras reuniões dedicadas a questões que vão desde agricultura, planejamento urbano, comércio internacional para a redução da pobreza até produção de bem-estar pessoal e industrial. Qualquer um pode usá-la como preferir; para transmitir a ideia de que as coisas amanhã serão melhores ou que mais é necessariamente melhor. Mas há mais do que isso. "Começar uma agitação de alguma coisa" também significa "receber um 1 Ou jargão, chavão. (NT) 2 Disponível em <http://www2.dse.unibo.it/ardeni/papers_development/Rist_Development-as-a- buzzword.pdf >. Acesso em 30/03/2012. 3 O professor Gilbert Rist é um cientista político que ensina antropologia social e cultural, relações inter-culturais e história das teorias de desenvolvimento do Instituto de Pós-Graduação de Estudos de Desenvolvimento em Genebra-Suíça.
  • 2. Development in Practice. Volume 17, number 4-5, 2007. impulso" ou "recuperar-se". A este respeito, "desenvolvimento" tem sem dúvida sido amplamente utilizado como uma droga pesada, o vício que, legalmente tolerado ou incentivado, pode estimular os sentimentos felizes que tipificam paraísos artificiais. Por isso, também pode ser legítimo considerar a palavra "desenvolvimento" como tóxica. Curiosamente, a carreira internacional do termo "desenvolvimento", juntamente com a noção de "subdesenvolvimento", começou como um truque de relações públicas lançado por um profissional de discursos, desde que o presidente Truman simplesmente desejou incluir em seu Discurso Inaugural de 1949 um quarto ponto que soaria "um pouco original". Assim, desde o início, quando a ideia foi exibida pela primeira vez nos círculos internacionais, ninguém - nem mesmo o presidente dos EUA - sabia realmente o que era o "desenvolvimento". Isto não impediu, porém, que a palavra ganhasse ampla aceitação. No entanto, este golpe não intencional de gênio transformou os dois adversários - colonizadores versus colonizados - em membros aparentemente iguais de uma mesma família, a partir de agora considerados mais ou menos "desenvolvidos". A visão dominante era a de que o tempo - mas também o dinheiro e a política - seriam suficientes para preencher a lacuna entre os dois lados. Esta promessa global de felicidade generalizada teve apelo imediato, não só para aqueles que esperavam uma melhora em suas condições de vida, mas também para aqueles que estavam comprometidos com a justiça social internacional. Em outras palavras, "desenvolvimento" - com todas as esperanças e expectativas que transmitia - foi a princípio levada muito a sério, mesmo por aqueles que mais tarde viriam a contar entre os seus críticos. Como Teresa Hayter lembra, na década de 1960, "houve pouco esforço [...] para definir o desenvolvimento. Em vez disso, havia um pressuposto inquestionável de que "desenvolvimento", o que quer que fosse, poderia conduzir a uma melhoria na situação das pessoas pobres " (Hayter 2005: 89). Esse comentário dá uma pista para as razões pelas quais o termo "desenvolvimento" iniciou um zumbido no linguajar dominante: ela repousava em uma simples - embora incontestada - suposição e ninguém se preocupou em defini-lo corretamente. Ambos os elementos caracterizam um chavão: a ausência de definição real e uma forte crença no que a noção supostamente traz. "Desenvolvimento", portanto, tornou-se uma espécie de palavra performática: dizendo por fazendo. Qualquer medida (investimento estrangeiro, a redução - ou aumento - de barreiras comerciais, (...), campanhas de alfabetização, e outros) foi a partir de agora justificada "em nome do desenvolvimento", fazendo com que mesmo as políticas mais contraditórias parecessem voltadas para a "melhoria de vida das pessoas pobres". Este uso extensivo de termo "desenvolvimento" para delinear as políticas que foram assumidas como sendo necessariamente boas também contribuiu para construir novos esquemas de percepção da realidade. Em outras palavras, "desenvolvimento" já não era considerado uma construção social ou o resultado de vontade política, mas sim a
  • 3. Development in Practice. Volume 17, number 4-5, 2007. consequência de uma "natural" ordem mundial considerada justa e desejável. Este truque - que está na raiz do que Bourdieu chama de "violência simbólica" - tem sido fundamental na prevenção de qualquer possível crítica contra o 'desenvolvimento', uma vez que foi quase igualado à própria vida. O "desenvolvimento" também fez um serviço excelente durante o período da Guerra Fria. Naquela época, as grandes potências discordavam em quase todas as questões, exceto uma: o "desenvolvimento", a palavra mágica que reconciliaria lados opostos. Sua necessidade e conveniência não eram discutíveis, e os dois adversários ideológicos competiam entre si em promovê-la através do que era então conhecido como Terceiro Mundo. Para ser mais correto, houve alguma intenção comum e genuína para melhorar a sorte dos pobres, vistos como potencialmente interessantes futuros clientes dos países industrializados. Mas além do discurso rotineiro sobre "o desafio de nossos tempos", o "desenvolvimento" foi usado principalmente como uma desculpa para atração dos "países em desenvolvimento" para o lado ou outro do campo. Não admira, portanto, que este jogo político tenha voltado a vantagem para as 'elites' do poder que tiveram influência em arenas internacionais, ao invés das populações de base. Mas isso durou apenas um tempo, pois era fácil de perceber. Progressivamente, elefantes brancos e projetos gigantescos foram criticados e, depois de duas "décadas de desenvolvimento" - promulgadas sob os auspícios das Nações Unidas - não conseguiram entregar as mercadorias, uma generalizada "fadiga do desenvolvimento" que superou países desenvolvidos e em desenvolvimento. O burburinho pareceu desaparecer, mas a palavra de ordem tinha se mostrado tão útil para santificar tantos empreendimentos diferentes e dando-lhes uma aura de legitimidade que todos os esforços tiveram que ser feitos para restaurar o seu brilho anterior. Esta realmente não foi uma tarefa fácil, mas a solução foi encontrada através da adição da palavra "desenvolvimento" a uma série de adjetivos que o dignificariam. Graças aos especialistas em imaginação, "desenvolvimento" foi sucessivamente qualificado como "endógeno", "humano", "social", e, eventualmente, "sustentável" - como se, ao estar sozinho, se tornasse uma palavra suja. Por que de repente foi necessário especificar que o "desenvolvimento" tinha que ser "humano"? Era uma forma de confissão tácita de que também pode ser desumano? Esse pode ter sido o caso, mas ninguém levou a questão a sério. O cúmulo do absurdo foi atingido quando a Comissão de Brundtland (WCED 1987) tentou conciliar as exigências contraditórias a serem cumpridas: proteger o ambiente contra a poluição, desmatamento, efeito estufa e mudanças climáticas e, ao mesmo tempo, garantir a busca do crescimento econômico, que ainda era considerado uma condição para a felicidade geral. Esta tarefa impossível resultou na cunhagem do cativante termo "desenvolvimento sustentável", que imediatamente alcançou o status de
  • 4. Development in Practice. Volume 17, number 4-5, 2007. estrela. Infelizmente, apenas significou a troca de um chavão para outro. O "desenvolvimento sustentável" tornou-se um slogan global que qualquer um poderia facilmente endossar e suficientemente vago para permitir interpretações diferentes, muitas vezes incompatíveis" (South Centre 2002:15). Novamente, é impossível reunir uma preocupação real com o meio ambiente e a promoção do "desenvolvimento". "Desenvolvimento sustentável" não é nada mais do que um paradoxo, uma figura de retórica que une dois opostos, como "capitalismo com rosto humano" ou "intervenção humanitária". Os defensores do meio ambiente e do crescimento econômico, respectivamente, foram ávidos para alegar que desenhoram sua inspiração a partir da mesma noção, o que poderia ser usado para diferentes fins. Daí a batalha para definir sobre o que "desenvolvimento sustentável" realmente é. Mas o apelo de Brundtland para uma "nova era de crescimento econômico" certamente não foi em favor daqueles que consideraram a sustentabilidade ambiental uma prioridade. É verdade que a preocupação com proteção do meio ambiente tem crescido recentemente, mas isso dificilmente pode ser atribuído à popularidade de que goza o conceito de "desenvolvimento sustentável". Se um número crescente de pessoas - em todos os lugares e em todos os níveis da sociedade - sentir que algo tem que ser feito para diminuir o impacto da atividade humana sobre a biosfera, isso é bastante devido às crescentes crises ambientais que estamos presenciando, de furacões recorrentes à calota de fusão, ou de desertificação progressiva de grandes áreas desabitadas à poluição urbana. E ainda, "desenvolvimento" - seja sustentável ou não - permanece no topo da agenda, e ninguém parece prestes a abandoná-lo. Até o momento, concentrei-me nas razões pelas quais o "desenvolvimento" tem sobrevivido apesar (ou por causa) de suas ambiguidades. Mas sua persistência como uma palavra em voga no discurso econômico e político também se apoia em uma base ainda mais importante, ou seja, o "desenvolvimento" corresponde a uma moderna crença generalizada e firmemente enraizada. Sem entrar em muitos detalhes teóricos, deve-se lembrar que, segundo Durkheim, a sociedade não pode existir sem a religião, uma vez que a religião é uma "coisa eminentemente social" e as representações religiosas "expressam realidades coletivas" (Durkheim 1995:9). A religião, nesse sentido, tem, portanto, nada a ver com a visão do senso comum que se associa com a ideia do sobrenatural ou com íntimas convicções pessoais sobre a existência de Deus e com a presença na igreja ou mesquita. Sem entrar em muitos detalhes teóricos, deve-se lembrar que, segundo Durkheim, a sociedade não pode existir sem a religião, uma vez que a religião é uma "coisa eminentemente social" e as representações religiosas "expressam realidades coletivas" (Durkheim 1995:9). A religião, nesse sentido, tem, portanto, nada a ver com a visão do senso comum que se associa com a ideia do sobrenatural ou com íntimas convicções pessoais sobre a existência de Deus e com a presença na igreja ou mesquita. Relaciona-se com a crença de um determinado grupo
  • 5. Development in Practice. Volume 17, number 4-5, 2007. social em certas verdades incontestáveis, uma crença que determina o comportamento compulsório de tal forma a reforçar a coesão social (Rist, 1997: 20). Em qualquer sociedade (democrática), várias ideologias, quer sejam ou não estão relacionadas com partidos políticos, são toleradas, mas, no sentido de Durkheim, as crenças religiosas são, por assim dizer, acima das ideologias, pois elas são compartilhados por todos, assim como todo mundo acredita que qualquer pessoa pertencente ao grupo social também compartilha dessas crenças (apesar do desacordo privado possível). Elas são indiscutíveis e implicam diferentes práticas por parte dos crentes que não pode evitá-las sem pôr em perigo a coesão do grupo ou o risco de serem considerados excluídos sociais. Este resumo sumário do conceito de religião deve ajudar a explicar por que o "desenvolvimento" pode ser considerado como uma das verdades indiscutíveis que permeiam o nosso mundo moderno. Seja qual for seu credo ideológico, nenhum político se atreve a permanecer em uma plataforma eleitoral que ignora o crescimento econômico ou "desenvolvimento", que é suposto para reduzir o desemprego e criar novos empregos e bem-estar para todos. Os pequenos investidores e pessoas comuns esperam um aumento nos lucros ou salários, que deveria seguir uma "tendência secular". O "desenvolvimento" tornou-se um xibolete4 moderno, uma senha essencial para quem deseja melhorar seu padrão de vida. Uma visão realista O inegável sucesso de 'desenvolvimento', ligado às suas falhas inegáveis na melhoria da condição dos pobres, portanto, precisa ser posta em questão. Chegou a hora de se livrar deste jargão e desmistificar as crenças associadas. Para neutralizar o poder de causar dano de um jargão equivale a produzir uma definição realista que afirma claramente do que se trata e o que ele realmente promove. Neste caso particular, a dificuldade reside no sentido a priori positivo de "desenvolvimento" da palavra, que deriva tanto da sua suposta "natural" existência e da sua inclusão em um conjunto de crenças inquestionáveis compartilhadas. É por isso que aqueles que estão prontos para reconhecer que o "desenvolvimento" não tem realmente cumprido com suas promessas também não estão dispostos a descartar completamente a noção. Falhas, eles diriam, não resultam do "desenvolvimento" em si, mas sim de interpretação errônea ou implementação injustificada. Mesmo nas situações mais dramáticas, é sempre possível recorrer à alegada existência de um "bom desenvolvimento". Afinal, o próprio Deus não pode responder a todas as nossas orações ou conceder todos os nossos pedidos, mas a sua justiça permanece fora de dúvida. . . Assim, para formular definição sociológica apropriada de 'desenvolvimento', tem de se pôr de lado as conotações emocionais e normativas bem como incorporar todas as 4 Xibolete: sinal ou gesto combinado, senha. (NT)
  • 6. Development in Practice. Volume 17, number 4-5, 2007. características externas - que qualquer um possa observar - que estão relacionadas ao assunto. Em outras palavras, a definição de "desenvolvimento" não deve ser baseada no que ela pensa que é ou o que se deseja que seja, mas em reais práticas sociais e suas consequências, ou seja, coisas que qualquer pessoa pode identificar. O que precisa ser destacado é um processo histórico que diz respeito não apenas os países do 'Sul', ou apenas as operações realizadas sob a égide da "cooperação para o desenvolvimento", que começou cerca de dois séculos atrás, e continuamente transforma o nosso mundo. Nesta base, e para colocá-lo em poucas palavras, minha definição é a seguinte: a essência do "desenvolvimento" é a transformação geral e destruição do ambiente natural e das relações sociais, a fim de aumentar a produção de commodities (bens e serviços) orientada, por meio de troca de mercado, a demanda efetiva. Esta formulação pode parecer escandalosa se comparada com o pensamento positivo que normalmente caracteriza as definições de 'desenvolvimento'. Mas eu afirmo que ele realmente reflete o processo real observável quando um país ou região está "em desenvolvimento". (Para uma formulação mais detalhada, ver Rist 1997: 12 – 18.) Em primeiro lugar, na medida em que o ambiente natural está comprometido, está bem documentado que o processo de industrialização na Inglaterra teve lugar ao longo do movimento de fechamento. Em outras palavras, campos abertos ou terras comuns que qualquer um poderia usar se tornaram propriedade privada, a serem compradas ou vendidas. "Desenvolvimento" começa quando a terra se transforma no que Polanyi (1957) chama de "mercadoria fictícia", e quando o ambiente natural é transformado em um "recurso". O progresso da Revolução Industrial, juntamente com aumento da demanda por energia, levou à exploração de mineral novo e recursos não renováveis. O minério foi transformado em aço para ser utilizado na produção de novos objetos e o óleo foi transformado em gás de escape: em ambos os casos, a destruição é o lado inverso da produção - um fato que passa despercebido pelo economista - uma vez que a reciclagem é ou problemática (exigindo novos custos de energia) ou impossível. E, claro, todo o processo termina no aumento da poluição. Mas a exploração do ambiente natural não para por aí. Tudo pode ser convertido num produto e, por conseguinte, em uma oportunidade para o lucro. Assim, os enormes esforços feitos por corporações transnacionais em favor dos procedimentos de licenciamento são para se apropriar de todos os tipos de organismos vivos e da biodiversidade em geral. O exemplo mais conhecido é o de agricultores que já não são capazes de usar parte da safra anterior para semear suas lavouras e são forçados a comprar novas sementes a cada ano. Um país é o mais "desenvolvido" quanto mais limitado o número de coisas gratuitas que estão disponíveis: para passar uma tarde na praia, ir pescar, ou desfrutar de esqui cross- country é hoje impossível, a menos que se esteja preparado para pagar por isso.
  • 7. Development in Practice. Volume 17, number 4-5, 2007. No que diz respeito às relações sociais, o quadro não é diferente, uma vez que estes também estão sujeitos à regra da mercadoria e da exploração. A grande mudança ocorreu com a generalização gradual do trabalho assalariado nas sociedades modernas, ou seja, quando o trabalho também se tornou outra "mercadoria fictícia", para usar a frase de Polanyi. O que costumava ser trocado livremente dentro do círculo familiar ou entre vizinhos tem sido progressivamente convertida em trabalho remunerado. Já que todos têm de ganhar a vida, creches caras têm substituído os avós no cuidado de crianças pequenas, agências matrimoniais têm substituído as danças de aldeia como oportunidades para aqueles em busca de parceiros de casamento, e a tarefa tediosa de passear com o cão duas vezes por dia pode ser terceirizado a uma pessoa sem emprego interessada em fazer um pouco de dinheiro. Essa é a vida de um país totalmente "desenvolvido"... Estes exemplos anedóticos pode ser engraçados, mas eles também são indicativos de uma tendência arrebatadora que está colocando em risco os laços sociais. O que costumava ser íntimo e pessoal, supostamente fora do reino do mercado, hoje pode ser objeto de um contrato de serviços pagos, tais como as práticas da barriga de aluguel, com base nos bancos de esperma, ou comprar "peças de reposição humanas" (olhos, rins, fígado, etc) de indigentes ou condenados dos países do "Sul". Finalmente, em um país "desenvolvido", os seres humanos também são transformadas em "recursos" e espera-se que saiba-se como se vender para potenciais empregadores. A prostituição pode ser oficialmente condenada, mas tornou-se o lote comum: todos estão à venda. Para completar esta descrição já bastante sombria do que o "desenvolvimento" realmente trata, deve-se adicionar um inventário de seus efeitos colaterais devastadores, não só sobre o meio ambiente e do precário equilíbrio da biosfera, ou na conservação dos recursos naturais (florestas, terras aráveis, as populações de peixes), que são superexplorados, mas acima de tudo, o empobrecimento contínuo de milhões de pessoas. Como Jeremy Seabrook (1998) tem, a pobreza não é uma forma de "doença" que demonstra o mau funcionamento do capitalismo e pode ser "curado". Pelo contrário, a pobreza é uma prova da "boa saúde" do sistema capitalista: é o impulso que estimula novos esforços e novas formas de acumulação. Em outras palavras, o crescimento econômico - amplamente aclamado como um pré-requisito para a prosperidade - ocorre apenas à custa de o ambiente ou seres humanos. A segregação mundial é tal que quem gosta de um chamado "alto padrão de vida" dificilmente entra em contato com os pobres e, portanto, pode acalentar a ilusão de que suas circunstâncias privilegiadas podem, mais cedo ou mais tarde se espalhar para a humanidade como um todo. Mas a mudança climática, o efeito estufa, e as nuvens nucleares não podem ser contidas e podem afetar a todos, ricos e pobres, talvez em um futuro não muito distante. Este é o significado real e o perigo real da globalização. A que diz respeito em primeiro lugar do globo, ou o nosso "planeta azul", e seu frágil equilíbrio, que está sendo progressivamente desestabilizado por atividades humanas, e não - como nos é dado a acreditar - o comércio internacional,
  • 8. Development in Practice. Volume 17, number 4-5, 2007. novas informações e tecnologias de comunicação, ou contínuas negociações de ações no mercado. Deve estar claro agora por que o "desenvolvimento" deve ser considerado uma palavra tóxica, como meio jocosamente sugeriu no início deste artigo. Como um jargão, foi utilizado uma e outra vez para promover um sistema que não é nem viável, nem sustentável, nem preparado para se viver. Os (substanciais) benefícios que ainda são conferidos a uma pequena minoria não são suficientes para justificar a sua aceitação contínua tendo em conta os perigos letais que implica. Isto está sendo progressivamente, embora relutantemente, admitido. A questão, portanto, mantém-se: dada a quantidade de informação que os cientistas reuniram sobre múltiplos riscos naturais (na verdade, produzidos pelo homem) que podem invadir a nossa vida diária, porque é que não acreditamos naquilo que sabemos ser certo? A resposta, provavelmente, reside no fato de que nossa crença em "desenvolvimento" ainda é muito forte para ser prejudicada pela certeza científica. O nosso comportamento coletivo é estranhamente determinado por aquilo que Lévy-Bruhl, há quase um século, descrevia como a "mentalidade pré-lógica" considerada característica de "povos primitivos"! Uma mudança radical da mente é, portanto, necessária a fim de antecipar possíveis - ou prováveis - catástrofes. A idéia não é reviver a figura do profeta da desgraça, mas para levar a catástrofe iminente tão a sério que não vai acontecer eventualmente (Dupuy 2002): assim como os japoneses antecipam terremotos ou tsunamis, tomar catástrofes por certo, adaptar seu comportamento a essa convicção e fazer cumprir as normas anti-sísmicas de construção de modo que, quando os terremotos ocorrem, as vítimas sejam mínimas em comparação com o que aconteceria em outros países. A partir de então, devemos recorrer à heurística do medo, para antecipar o que se pode experimentar quando o pior acontece, a fim de impedir que isso aconteça, em vez de nos iludir com a idéia não verificada, implícita na noção de "desenvolvimento", de que as coisas serão melhores amanhã. A mudança poderia ser concebível se lembrássemos a sabedoria ameríndia, que nos ensina que "nós mantemos a Terra em confiança para os nossos filhos". Mas também envolve mudanças em nossa vida diária, especialmente no hemisfério Norte. Estas são frequentemente apresentados, em um tom moralista, como uma forma de reivindicar austeridade ou como um processo de racionamento. Mas estas medidas devem ser consideradas como implicando não uma perda, mas sim um ganho: há um lado positivo para a restauração de um senso de limites. Em vez de ver o "desenvolvimento" como a história do progresso, nós também podemos olhar para ele como uma história de perdas sucessivas - que, mais uma vez, dizem respeito não só ao ambiente natural, mas também aos laços sociais e de convívio. Chegou a hora - e é realmente o momento alto - para desbancar o jargão do "desenvolvimento". Para fazê-lo significa que devemos defini-lo corretamente -
  • 9. Development in Practice. Volume 17, number 4-5, 2007. baseando-se em práticas sociais reais, em vez de pensamento positivo. Devemos estar conscientes de sua inclusão em um corpus de crenças que são difíceis de quebrar-se, expor seus usos maliciosos, e denunciar as suas consequências. A coisa mais importante, no entanto, é deixar claro que existe vida após o "desenvolvimento" - certamente uma diferente da que nas regiões privilegiadas são usadas, mas não há nenhuma evidência para sugerir que nós perderíamos em tal negócio. Traduzido por Vanessa Souza Pereira. http://www.contornospesquisa.org