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HUBERTO ROHDEN




NOVOS RUMOS
   PARA A
 EDUCAÇÃO
      UNIVERSALISMO
ADVERTÊNCIA



A substituição da tradicional palavra latina crear pelo neologismo moderno criar
é aceitável em nível de cultura primária, porque favorece a alfabetização e
dispensa esforço mental – mas não é aceitável em nível de cultura superior,
porque deturpa o pensamento.

Crear é a manifestação da Essência em forma de existência – criar é a
transição de uma existência para outra existência.

O Poder Infinito é o creador do Universo – um fazendeiro é criador de gado.

Há entre os homens gênios creadores, embora não sejam talvez criadores.

A conhecida lei de Lavoisier diz que “na natureza nada se crea e nada se
aniquila, tudo se transforma”, se grafarmos “nada se crea”, esta lei está certa
mas se escrevermos “nada se cria”, ela resulta totalmente falsa.

Por isto, preferimos a verdade e clareza do pensamento a quaisquer
convenções acadêmicas.
PREFÁCIO DO EDITOR PARA

                              A QUARTA EDIÇÃO



No início do primeiro capítulo deste livro, o autor faz esta corajosa afirmação:
“O problema máximo da época é, sem dúvida, o da educação da infância, da
juventude – e também de adultos”.

Embora esse dramático brado de alerta tenha sido proferido há quase quatro
décadas, o problema ainda não foi solucionado. Embora tenha havido
significativos avanços, o problema da educação, em todos os seus níveis,
continua aguardando solução.

Este é um dos motivos que nos levaram a relançar Novos Rumos para a
Educação – O caso de uma ideologia decrépita – Alvorada de uma filosofia
dinâmica –, de autoria do filósofo e educador, professor Huberto Rohden. Há
vários anos esgotada, a editora tem recebido cobrança editorial, por muitos
daqueles que tiveram, de uma ou de outra maneira, contato com esta poderosa
mensagem educacional.

Atendendo a pedido de educadores, pedagogos, professores de todos os
graus, críticos e leitores, estamos relançando, em 4- edição, esta pequena
obra-prima da literatura pedagógica.

A origem da obra é uma série de conferências que o autor deu em 1958, no
auditório do Ministério da Educação, do Rio de Janeiro, sobre Educação e
Cosmocracia Mundial.

Rohden não apresenta um programa de educação construído nos modelos
tradicionais. Seu enfoque é mais dirigido à educação individual do ser humano.
Sua abordagem está centrada no conceito de autoconhecimento e auto-
realização. Ele faz esta advertência: “Este livro trata de assuntos um tanto
remotos e ignotos – focaliza um novo tipo de educação e um novo regime
social. É, pois, óbvio que não se trata de um livro de leitura fácil e rápida, mas
sim de um estudo que exige compreensão e penetração”.

Novos Rumos para a Educação é obra gêmea de outro livro de Rohden –
Educação do Homem Integral, escrito em 1972, e publicado, em várias
edições, por esta editora.

Huberto Rohden, como filósofo e educador, com larga experiência educacional
em universidades internacionais e brasileiras, conhecia profundamente o
problema da educação mundial. Aliás, toda a sua obra como escritor e mestre
espiritual está voltada para a educação do ser humano.

No final deste livro, como texto complementar, publicamos a última entrevista
pública que o professor Huberto Rohden concedeu ao jornalista José Ítalo
Stelle, e posteriormente impressa na revista Visão de 9 de fevereiro de 1981,
cujo assunto e título – Educação da Consciência – são altamente convergentes
com a mensagem deste livro.

                                                                    O Editor.
PERSPECTIVAS



Durante o ano de 1958 realizei uma série de conferências, no auditório do
Ministério da Educação, do Rio de Janeiro, sobre o tema “Novos Rumos para a
Educação”. No ano subsequente discorri largamente, no mesmo local, sobre o
problema “Cosmocracia Mundial”. Fiz ver, nessas duas séries de elucidações
ético-filosóficas, que o Brasil, como o mundo em geral, se acha na linha
divisória entre duas eras evolutivas de grandes consequências, e que os
mentores das futuras gerações devem preparar-se devidamente para a missão
de orientarem com segurança os homens de amanhã.

Essa nova forma de democracia – que costumo denominar “cosmocracia” –
não será o produto de uma revolução externa, mas sim de uma evolução
interna; não serão as armas, mas as almas que decidirão sobre os novos
rumos que o Brasil e a humanidade vão tomar. Necessitamos não de uma nova
ciência social, mas sim de uma nova consciência individual, que projete os
seus efeitos sobre o plano da sociedade.

É matematicamente impossível que a sociedade seja melhor do que a soma
total dos indivíduos que a compõem, porque aquela não é senão o composto
destes componentes. É uma utopia pueril querer reformar a sociedade sem
regenerar os indivíduos.

A nova forma de democracia que está para vir, a cosmocracia, é impossível
sem um novo conceito de educação.

Mas é precisamente aqui que surge o grande problema...

Como realizar essa nova educação? Será suficiente elaborar e promulgar um
novo programa educacional – feito, possivelmente, por uma comissão de
técnicos nomeada ad hoc? Programa com tantos artigos e tantos parágrafos?
Será suficiente dotar a sociedade de novo estatuto jurídico, social, moral?

Muitos dentre nós julgam, de fato, que o mal esteja na deficiência de estatutos
e programas, e que, se estes fossem melhorados, teríamos um Brasil melhor,
um mundo mais feliz.

Longe de querermos negar a necessidade de melhores programas e técnicas
educacionais, confessamos explicitamente que disto temos urgente
necessidade... Negamos, todavia, e com toda a veemência, que isto resolva o
problema central. O melhor dos programas não funciona quando entregue a um
homem, ou a um grupo de homens, que não sejam internamente bons,
profundamente verdadeiros, realmente “desegoficados” e genuinamente
crísticos. A sociedade será tão boa ou tão má como os melhores ou piores
indivíduos que a constituírem.

Ser bom não que dizer possuir um verniz de honestidade legal ou uma
reputação cívica imaculada. É possível que um homem seja um cidadão 100%
honesto, perante a lei, e, apesar disto, 0% bom, perante Deus e a consciência.
Ser internamente mau e externamente bom são coisas perfeitamente
compatíveis em face da nossa decantada “civilização cristã ocidental”.

De intimis non curat praetor, diziam os antigos romanos – com as coisas
internas não se preocupa o magistrado. Quando um funcionário público cumpre
as obrigações do seu ofício, é ele considerado honesto, quer dizer, legal e
juridicamente inatacável – mas é possível que seja humanamente mau. O foro
externo não coincide, necessariamente, com o foro interno. A lei cogita
daquele – mas a educação tem que ver com este.

E é aqui que se bifurcam os caminhos entre simples instrução e verdadeira
educação.

O que, hoje em dia, se chama educação é, quase sempre, mera instrução.

A instrução se refere aos objetos.

A educação visa o sujeito.

É, certamente, necessário que o homem seja instruído – mas não é suficiente.
Para ser instruído, basta colher certa soma de conhecimentos exatos sobre
diversos objetos que o homem possui ou procura possuir – mas, para ser
educado, é necessário que, dentro de seu próprio sujeito, realize as qualidades
que perfazem o seu verdadeiro Eu.

A ciência – escreve Einstein, no seu livro Aus meinen spaeten Jahren –
descobre os fatos objetivos da natureza (das was ist, aquilo que é) – mas a
filosofia realiza valores dentro do próprio homem (das was sein soll, aquilo que
deve ser). O descobrimento de fatos externos torna o homem erudito – mas a
realização de valores internos torna o homem bom, e o homem realmente bom
é um homem feliz.

Descobrir fatos fora de nós é instrução – realizar valores dentro de nós é
educação.

É chegado o tempo para darmos à educação um caráter genuinamente
humano, realizando valores ou qualidades dentro do próprio homem.
Não basta conhecermos objetos, por mais necessário que isto seja – é
necessário que realizemos valores internos, despertando potências dormentes
nas profundezas da natureza humana.

                                      ***

Embora, à primeira vista, essa distinção entre objetos e sujeito pareça simples
jogo de palavras, ela marca, na realidade, a linha divisória entre dois mundos,
entre o mundo horizontal do ter e o mundo vertical do ser; entre aquilo que o
homem tem ou pode ter, fora de si – e aquilo que o homem é ou deve ser,
dentro de si. Todos os meus cursos de Filosofia Universal e Filosofia do
Evangelho, aqui em São Paulo, no Rio de Janeiro, e alhures, bem como quase
todos os meus livros giram, direta ou indiretamente, em torno desse
momentoso problema do “ser” e do “ter”, daquilo que o homem é ou deve ser, e
daquilo que o homem apenas tem ou deseja ter. O homem comum só se
interessa pelo “ter”, pelas quantidades – ao passo que o homem mais
avançado se entusiasma pelo “ser”, pelas qualidades. Pode-se mesmo afirmar
que tanto mais educado e culto é um homem quanto mais faz prevalecer, em
sua vida, o mundo qualitativo do “ser” sobre o mundo quantitativo do “ter”.

O verdadeiro educador deve ser um homem altamente “realizado”; deve ter
realizado em si os seus mais profundos valores humanos; só assim poderá
servir de guia e mentor a outros, não tanto pelo que diz ou faz, mas sobretudo
pelo que é. Deve ser plenamente educado, para que possa educar.

Ser educado não que dizer apenas ter bons modos sociais; quer dizer (como
insinua a própria etimologia da palavra) que o bom educador deve ter
despertado em si os verdadeiros valores da natureza humana. “Educar” vem do
verbo latino educare, derivado de educere, que quer dizer “eduzir”, conduzir
para fora, ou seja, despertar no homem aqueles elementos positivos que nele
se achavam dormentes, como sejam, verdade, justiça, amor benevolência,
solidariedade, etc. O educador é um “edutor”, alguém que “eduz” do seu
educando o que nele dormita de melhor e mais puro. Educar não é injetar,
impingir, mas sim eduzir e desenvolver o que já existe na alma do educando,
assim como a luz solar desperta e desenvolve na semente a planta que nela
existe potencialmente.

Mas, como poderia alguém despertar em outrem os bons elementos, se no
despertador não estivessem esses elementos, plenamente despertados?

Para que alguém possa “eduzir” o que há de bom em seu educando, deve ele
mesmo achar-se firmemente consolidado nesse plano do bem, ao qual quer
elevar seu pupilo. Quem tenta “empurrar” em vez de “atrair” não é educador,
não “eduz”, porque ele mesmo não está “eduzido”, fora do abismo. Só um
“eduzido” pode “eduzir” os outros. Por isto, o educador deve ir na vanguarda do
ser bom, e não ficar na retaguarda do ser mau, tentando empurrar o seu
educando para a vanguarda das alturas, onde ele mesmo não está.

Em última análise, todo esse problema educacional se resume numa questão
de verdade integral e de absoluta sinceridade que o educador deve ter para
consigo mesmo; quem não é 100% aquilo que ele diz aos outros não pode ser
educador; não pode “eduzir”, conduzir para fora da zona negativa do mal,
porque ele mesmo não se acha fora dessa zona.

Ser educador equivale a um tremendo desafio para ser integralmente
verdadeiro e honesto consigo mesmo. Quem não está disposto a aceitar esse
desafio para uma veracidade integral e absoluta, não se exponha a essa
perigosa e gloriosa aventura de querer educar os outros.

De maneira que o problema da educação culmina, logicamente, no problema
central da auto-realização do homem. Para que alguém seja um verdadeiro
educador não basta estudar essa psicologia periférica e superficial que vem
exposta na maior parte dos nossos compêndios – é necessário que desça à
psicologia abismal de seu próprio Eu, aos mais profundos abismos da sua
centralidade, entrando em contato direto com o alicerce cósmico da sua
natureza humana, daquilo que ele “é”, e não apenas daquilo que ele “tem”.

A educação total exige a realização do homem integral.

Mas quem nos dará esses homens integrais?

Não há governo no mundo que possa criar ou decretar – é necessário que o
indivíduo desenvolva dentro de si mesmo esse homem integral.

E isto é possível, felizmente, porque dentro de cada um de nós existe algo
maior e melhor do que aquilo que existe fora de nós. O homem é muito mais
aquilo que pode vir a ser e deseja ser do que aquilo que é no plano histórico da
sua vida. O homem é a sua permanente e silenciosa atitude interna, e não os
seus ruidosos atos externos e transitórios. O homem é a sua eterna
potencialidade, e não apenas a sua atualidade temporal.

Homem, procura ser no teu externo existir aquilo que és no seu interno ser!
Homem, existencializa humanamente a tua divina essência – e serás ótimo
educador, por seres plenamente educado!
ADVERTÊNCIA E ORIENTAÇÃO



Este livro trata de assuntos um tanto remotos e ignotos – focaliza um novo tipo
de educação e um novo regime social. É, pois, óbvio que não se trata de um
livro de leitura fácil e rápida, mas sim de um estudo que exige compreensão e
penetração.

Por isto, nos vimos obrigados a repetir, de modos vários, certos problemas
centrais da vida, para que lentamente calem e se infiltrem na alma do leitor. O
homem de paladar doentio exige cada dia iguarias novas e esquisitas – ao
passo que ao homem de saúde normal apetecem-lhe, durante anos e
decênios, os mesmos manjares cotidianos, com pouca variação, porque ele
come para viver, e não vive para comer.

Esperamos que os nossos leitores possuam saúde normal e não se aborreçam
com o fato de encontrarem repetidos, em diversos capítulos deste livro,
pensamentos similares, cuja assimilação eficiente só é possível deste modo.

Escusado é dizermos que não consideramos o conteúdo destas páginas como
a última palavra sobre o assunto nem é intenção nossa dizer algo de inédito e
definitivo. Apontamos tão-somente a direção certa, à guisa daquelas setas nas
encruzilhadas dos caminhos, para que o viandante saiba em que direção deve
ir; se parasse diante da seta falharia o sentido da mesma.

Julgamos certa a direção geral indicada, e deixamos a outros a elaboração de
programas técnicos pormenorizados sobre o magno problema de uma nova
educação individual e de um novo regime social. Em última análise, tanto este
como aquela dependem da evolução interna do homem – e essa evolução é
algo tão misterioso e imponderável que não pode ser, propriamente, objeto de
um livro, mas sim o fruto de uma experiência interna, silenciosa e anônima.

Se algum leitor achar certos capítulos deste livro traumatizantes e demolidores,
convença-se de que só destruímos para construir algo melhor. Em vez de se
insurgir contra o autor, pondere, calma e serenamente, os prós e os contras, a
fim de conhecer a verdade – “a verdade libertadora”.
PRIMEIRA PARTE

EDUCAÇÃO INDIVIDUAL
EDUCAÇÃO – PROBLEMA VITAL

                              DA ATUALIDADE



O problema máximo da época é, sem dúvida, o da educação da infância, da
juventude – e também dos adultos.

É alarmante o vertiginoso aumento da criminalidade, sobretudo entre jovens de
14 a 18 anos. As autoridades estão desorientadas. O povo vive num ambiente
de terrorismo permanente. Cogita-se introduzir na legislação brasileira a pena
de morte, a fim de coibir ou diminuir essa onda de delinquência. Acreditam
muitos que punir o criminoso seja medida eficaz para opor um dique à
perversidade dos delinquentes potenciais.

Por mais necessárias que sejam certas medidas punitivas e repressivas, de
ordem legal e policial, é erro gravíssimo supor que essas medidas possam
produzir mudança ponderável no plano da criminalidade. Em última análise,
esses expedientes legais e policiais, embora necessários, são uma repressão
de sintomas externos do mal, e não uma cura da raiz interna do mesmo;
atingem os efeitos, mas não a causa da criminalidade. Quem reprime apenas
sintomas, e não cura a raiz do mal, é charlatão, e não médico.

É de candente necessidade que tratemos seriamente da cura da raiz do mal –
e, nesse setor, quase nada se está fazendo.

Os supostos remédios de que lançamos mão primam por sua ineficiência e seu
obsoletismo. Possivelmente, esses remédios tenham sido eficazes em séculos
idos, na Idade Média, no seio de uma humanidade diferente da nossa; mas, em
nossos dias, são quase totalmente ineficientes, porque a nossa humanidade
não está vivendo no século XIII. Os últimos séculos modificaram
profundamente a estrutura mental e moral do homem. A humanidade saiu da
sua infância, e, em grande parte, também começa a ultrapassar sua
adolescência, para entrar na idade madura. O que era bom e ótimo para
séculos passados, prova-se nulo ou fraco para o século XX. É justo que uma
criança cumpra cegamente a ordem de seus pais, sem compreender o porquê
dessas ordens; tem de fechar os olhos e obedecer, na certeza de que seus
pais sabem o que seja melhor para o verdadeiro bem do filho.

De fato, a humanidade Ocidental viveu, longos séculos nesse clima de infância
mental e moral, tanto no plano civil como religioso; de olhos fechados, aceitava
e acatava qualquer ordem de cima, fosse da autoridade civil, fosse da
hierarquia religiosa. Não culpamos esses tempos. A infância é um período
natural e necessário para a vida de cada homem, como também da
humanidade.

Mas infância não significa infantalismo. Aquela é um estado natural e sadio;
este seria um fenômeno desnatural e mórbido.

Com o ocaso da Idade Média e a alvorada da Renascença, a humanidade
cristã do Ocidente, ou pelo menos a sua parte pensante, deixou a infância e
entrou na adolescência. E não pode voltar atrás. Por outro lado, também não
pode parar nesse plano de intelectualismo, próprio da adolescência. Ninguém
pode devolver às suas nascentes o Amazonas, nem ninguém pode opor-lhe um
dique no seu vasto estuário. As suas massas líquidas têm de desaguar no
oceano.

As leis da evolução são inexoráveis. Não dependem de nós. A humanidade de
ontem foi boa por ignorância, a humanidade de hoje é má por inteligência – a
humanidade de amanhã tem de ser boa por sapiência.

Da ignorância à sapiência vai um caminho longuíssimo, margeado de
precipícios, eriçado de empecilhos – e nós estamos trilhando este caminho.
Muitos suspiram, saudosos, pelos “bons tempos” da fé medieval e acham que a
solução está no regresso a essa infância da humanidade. Outros apregoam a
intensificação da ciência e da técnica, por meio do intelecto, e esperam
melhores dias das nossas conquistas científicas, rumo aos átomos ou rumo
aos astros.

Entretanto, a solução definitiva dos nossos mais dolorosos problemas não está
neste nem naquele plano. Temos de ultrapassar tanto a ignorância infantil de
ontem como a inteligência juvenil de hoje e entrar na zona da sapiência do
homem maduro de amanhã.

Mas esse “amanhã” pode ser iniciado hoje mesmo.

O infante de ontem e o adolescente de hoje são o homem maduro de amanhã.

Por isto, necessitamos de novos rumos para a nossa educação, que está
marcando passo em terrenos que não correspondem às necessidades do
homem de hoje e de amanhã.
A FALÊNCIA DA EDUCAÇÃO LEIGA

                       E DA EDUCAÇÃO RELIGIOSA



Temos no Brasil dois tipos de educação: leiga e religiosa. Ambos falharam ou
estão falhando. A primeira é superficial; a segunda tem caráter póstumo.

No setor da educação leiga, ou cívica, ministrada nos estabelecimentos
públicos, inculca-se ao educando a necessidade de ser honesto, de não mentir,
não matar, não roubar, não defraudar, etc., porque há uma lei que proíbe tais
coisas; o transgressor será punido com cadeia ou multa. Espera-se que o
educando seja honesto e bom para não transgredir a lei civil e sofrer suas
sanções.

Ora, quem não vê que semelhante sanção é totalmente ineficiente? Eficiente,
talvez, para alguns atrasados e menos inteligentes, porém ineficiente para os
mais adiantados e perspicazes. Quem comete um crime imperfeito sofrerá as
consequências legais e policiais da sua transgressão – mas quem for assaz
inteligente para cometer um crime perfeito, esse não corre perigo de ser preso
ou multado. Temos vasta literatura e numerosas películas cinematográficas
que ensinam aos jovens, e aos adultos também, a arte de cometerem crimes
perfeitos. Nas exibições públicas, é verdade, há censura prévia, em virtude da
qual o transgressor da lei tem de acabar punido para que a lei saia triunfante e
soberana. Mas os candidatos à delinquência sentem maiores simpatias pelo
criminoso punido do que pelas autoridades que punem, e lamentam
secretamente que o herói não tenha sido assaz inteligente e jeitoso para burlar
a lei, e resolvem ser mais astutos do que os seus heróis cinematográficos,
cometendo crime perfeito.

Não há lei humana, por mais bem elaborada, que possa manter dentro das
suas malhas um criminoso inteligente. Pode um homem ser um cidadão
legalmente honesto, honestíssimo – e ser ao mesmo tempo uma ruína moral.
Pode ser uma negação total no plano ético e , não obstante, ocupar altos
postos públicos, com imaculada decência legal. Na realidade, a perfeita lisura
legal é compatível com a absoluta ausência de ética. Pode um homem ser
100% “civilizado” e 0 % “educado”, porque a civilização se refere a seu
comportamento legal, externo, e a educação a seu caráter moral interno.

                                      ***

De resto, que é que pretende a chamada educação leiga ou cívica?
Pretende, antes de tudo, colocar nas mãos do educando a ferramenta
necessária para vencer na vida, para conquistar posição social e econômica,
para acumular a maior quantidade possível de “matéria morta”, mesmo
explorando seus semelhantes, contanto que essa exploração seja praticada
dentro do âmbito da lei – e isto é possível em vasta escala. Um cidadão
perfeitamente legalizado pode ser um homem nada moralizado; como, porém,
a moralização é a verdadeira educação, pode um cidadão 100% legal ser um
homem 100% amoral. A amoralidade, porém, é o prelúdio para a imoralidade,
isto é, para a criminalidade.

Quer dizer que a chamada educação leiga ou cívica não é educação alguma; é
apenas um processo de instrução horizontal, um sistema de aparelhamento
que visa o mundo dos objetos fora do educando, e nada tem que ver com o
mundo do sujeito dentro dele. A verdadeira educação, porém, tem por fim
plasmar o caráter do educando, torná-lo melhor como ser humano, e não
apenas mais hábil como conquistador de objetos impessoais em torno dele.
Pode a instrução adestrar o homem na velha política e diplomacia de acumular
“matéria morta” ao redor de si – mas a educação ensina ao homem a nobre
filosofia de criar valores vivos dentro dele mesmo.

No seu livro Aus meinem spaeten Jahren, como já mencionamos, diz o grande
matemático Albert Einstein que a ciência ensina ao homem a descobrir os fatos
reais da natureza objetiva (das was ist, aquilo que é), mas que a filosofia lhe
ensina a criar valores subjetivos dentro de si mesmo (das was seira soll, aquilo
que deve ser). A ciência, descobrindo fatos, torna o homem erudito, mas a
filosofia, realizando valores, torna o homem bom e feliz.

A instrução é científica e desenvolve a inteligência do homem – a educação é
sapiente e molda a alma do homem. Nenhum homem deixa de ser mau por ser
inteligente, mas todo homem diminui a sua maldade na razão direta que
aumenta a sua sapiência, porque sapiência é bondade e espiritualidade.

O velho slogan de que “abrir uma escola é fechar uma cadeia” é peça de
museu. Está desmentido pelos fatos. Quase todos os grandes criminosos da
história da humanidade eram homens inteligentes, alguns deles de grande
erudição – o que não os impediu de serem grandes malfeitores. Se “escola”
fosse sinônimo de “educação”, nada teríamos que objetar; mas, por via de
regra, não é o que acontece. Ensinar a alguém o ABC e a tabuada não é o
mesmo que educá-lo. A verdadeira educação opera numa dimensão totalmente
diferente do plano da simples instrução.

                                      ***

Até aqui devem os educadores leigos estar insatisfeitos comigo, e satisfeitos os
educadores religiosos. Infelizmente, não estou em condições de manter nesses
últimos a satisfação que até aqui experimentavam. Nos institutos educacionais
particulares existe a educação religiosa, orientada por esta ou aquela igreja ou
grupo espiritual. Seria de esperar que pelo menos esse tipo de educação fosse
mais eficiente e desse a seus adeptos base mais sólida de ética individual e
social. Entretanto, as estatísticas oficiais dos países não acusam a menor
diferença, quanto à criminalidade, entre os delinquentes leigos e os
delinquentes religiosos. Prova isto que a educação religiosa, ou melhor
eclesiástica, não afeta a vida ética do homem, é algo justaposto à vida, como
elemento estranho e heterogêneo, e não organicamente entrelaçado com a
vida, como algo homogêneo à mesma. Há, naturalmente, exceções individuais,
sobretudo naquelas pessoas que ultrapassaram a simples crença dogmática e
entraram na zona da experiência íntima de Deus e da sua própria alma. Mas os
grupos religiosos como tais não provam que a educação religiosa, como ela
está sendo ministrada oficialmente, tenha exercido impacto ponderável sobre a
vida ética dos que pertencem a esses grupos.

Salvo honrosas exceções, a religião organizada, em seu setor oficial, não visa
à vida presente do homem, aqui na terra, mas tem que ver com uma vida
futura, em outras regiões do universo. Ela é, por assim dizer, além-nista e
futurista. Ela é, visceralmente, póstuma.

Os seus argumentos giram em torno do céu e inferno, palavras clássicas com
que as teologias entendem determinados lugares, futuros e distantes, que o
homem só descobrirá depois da morte. Os que na terra forem bons serão
premiados no céu, e os que forem maus serão punidos no inferno.

Aparentemente, deveriam esses argumentos moralizar o homem, aqui na terra,
afastá-lo do mal e aproximá-lo do bem – e, de fato, assim acontecia em tempos
antigos. Se o homem do século XX ainda tivesse em si aquela fé ingênua dos
seus antepassados do século XIII, exerceriam esses argumentos de céu e
inferno plena influência sobre a vida ética do homem, porque ninguém gosta de
sofrer, e todos querem gozar.

Mas em nossos tempos, esses argumentos, um dia eficientes, são ineficientes,
pelo menos para a elite pensante da humanidade. Segundo os teólogos, céu e
inferno são lugares que não existem na vida e no mundo presente, mas sim em
outras partes do universo e serão descobertos após a morte. Quer dizer que,
na vida presente, aqui na terra, tem o homem de ser bom por causa de algo
que lhe vai acontecer, daqui a 20, 40, 60, anos, em regiões ignotas e distantes,
de cuja localização ninguém pode ter certeza.

O apelo dos teólogos para essa sanção póstuma não exerce influência decisiva
sobre o homem moderno em geral. Somente os mais atrasados ou os que têm
proibição de pensar livremente, ainda se impressionam com esses argumentos;
os mais adiantados e emancipados não são por eles atingidos.
E isto por razões muito óbvias; uns não creem na existência real de céu e
inferno, como lugares geográficos ou astronômicos, uma vez que a ciência
provou, e vai provar cada vez mais, que não existe, em recanto algum do
cosmos, um lugar onde Deus esteja sentado em seu trono, rodeado de seus
anjos e santos – nem existe, debaixo ou dentro da terra, uma fogueira onde o
diabo com seus demônios e condenados estejam residindo.

Outros, que talvez creiam ainda em céu e inferno, acham que é muito cedo
para se preocuparem com isto. Um jovem pecador de 20 anos espera viver
pelo menos mais 40 anos, e depois disto, em idade avançada, começará a
pensar em como evitar o inferno e entrar no céu. E isto não lhe será difícil; as
teologias e igrejas lhe garantem que um ato de conversão – seja pela confissão
ou extrema-unção, seja pela fé no sangue do Cristo Redentor – cancelará
todas as suas maldades pretéritas. E assim, calcula o pecador, entrará ele no
céu de Deus, depois de ter gozado aqui todos os céus dos homens; espera
lograr a Deus do mesmo modo que sempre logrou os homens...

As igrejas organizadas envidam ingentes esforços para manter os seus filhos
dentro do seu sistema teológico medieval, proibindo-lhes qualquer liberdade de
pensamento, que os emanciparia da igreja. Umas exigem aceitação
incondicional de uma autoridade eclesiástica infalível, lugar-tenente de Deus;
outros impõe a seus filhos a crença em um livro infalível, mensagem direta de
Deus à humanidade. Os que, graças ao sacrifício da lógica, conseguem uma
sujeição incondicional a uma autoridade externa, viva ou morta, humana ou
papirácea, têm a vantagem de possuir pelo menos uma norma certa para a
vida ética, para si e seus rebanhos.

Mas esses crentes de olhos fechados vão rareando cada vez mais, ao passo
que os crentes de olhos abertos (que são os sapientes) se tornam cada vez
mais numerosos, graças a Deus. Infelizmente, muitos daqueles crentes de
olhos fechados que não conseguem tornar-se crentes de olhos abertos,
acabam por engrossar a turbamulta dos descrentes, também de olhos
fechados.

Não podemos construir o edifício da educação das futuras gerações sobre a
areia movediça de uma teologia medieval, cujo corpo persiste, mas cuja alma
morreu. Temos de dar-lhes uma educação construída sobre a rocha viva de
uma filosofia racional, perfeitamente lógica, e de acordo com o estado atual da
evolução humana.

Céu e inferno existem, mas não como lugares, fora de nós, como veremos
mais tarde. Não é necessário que rejeitemos essa fé quase duas vezes
milenar; trata-se de compreender melhor o conteúdo dessa mesma fé do que o
compreenderam os nossos antepassados.
O autor destas linhas crê mais firmemente na realidade do céu e inferno do que
talvez a maior parte de seus leitores. Crê, não apenas dogmática e
teologicamente, mas sabe experiencialmente que há céu e há inferno, não
como lugares astronômicos, mas como estados da alma e atitudes da
consciência.

E sobre esta profunda experiência podemos erguer o edifício sólido de uma
nova educação.
A DELINQUÊNCIA JUVENIL,

                    FRUTO DE UMA FALSA EDUCAÇÃO



Consta, pela estatística oficial, que, nos Estados Unidos, são cometidos
anualmente (1958), 2.500.000 crimes que chegam ao conhecimento das
autoridades. Cada 12 segundos se comete, nesse país, um crime. Desde que o
leitor iniciou a leitura deste capítulo já foram perpetrados diversos crimes, e,
quando o terminar, o número atingirá a diversas centenas.

Entre nós, no Brasil, também é alarmante a crescente onda de criminalidade,
sobretudo entre jovens de 14 a 18 anos. O mesmo acontece em diverso outros
países, sobretudo aquém do Atlântico.

A Suíça celebrou, há pouco, o 25- aniversário do último homicídio cometido,
nesse país, por um de seus cidadãos. Entre nós nem podemos celebrar o
“diário”, muito menos o “aniversário” do último crime de morte. Cada dia os
jornais estão repletos de notícias de crimes de toda espécie – e o que a
imprensa registra não corresponde sequer a 10% do que realmente aconteceu
nessas 24 horas.

Também não consta que haja qualquer diferença, no tocante à delinquência,
entre pessoas pertencentes a um grupo religioso e outras sem religião
determinada. Da mesma forma, não se pode responsabilizar esta ou aquela
forma de governo, nem esta ou aquela raça pela maior ou menor criminalidade;
nem procede a recente alegação de que o fato de existir pena de morte num
país diminua os crimes. Na Inglaterra e nos Estados Unidos há pena de morte,
são povos da mesma raça – e o fato é que o coeficiente da criminalidade é
notavelmente menor entre os ingleses do que entre os americanos. Forma de
governo, forma de religião, raça – nada disto é decisivo.

Decisivo é um determinado espírito de educação que dê ao homem elevada
ideia do valor da vida humana, e, em geral, dos deveres do indivíduo em face
da coletividade.

                                      ***

Tenho diante de mim o livro Daemon-Stadt (Cidade-Demônio) do Dr. Kurt
Gauger, médico, psiquiatra e filósofo germânico, obra em que o autor, à luz de
abundantes fatos recentes, estuda o alarmante problema da criminalidade
juvenil, e até infantil, na Alemanha e em outros países, no período que seguiu
às duas guerras mundiais. Chega à conclusão de que a presente geração,
produto de gerações anteriores e herdeira de ideologias funestas, perdeu a
noção da responsabilidade ética, porque perdeu a noção de ser parte
integrante do grande TODO, seja o TODO imediato da humanidade, seja o
TODO longínquo do Universo como tal. Uma criança de 12 anos mata seu pai
com um tiro de revólver; interrogada pelo motivo do crime, responde
cinicamente: “Matei porque quis”. Não tem o menor remorso do seu ato, diz,
porque toda pessoa tem o direito de fazer aquilo que acha interessante.

Em última análise, quem perde a visão de um TODO maior de quem ele faz
parte e que tem de respeitar, perde necessariamente a noção da ética, da
obrigação, do dever moral, porque a noção da ética se baseia na consciência
de que eu sou parte de um TODO, e que esta parte tem certas obrigações
naturais e indeclináveis para com o TODO, que tem direitos reais sobre mim.

Como se vê, o problema da criminalidade afeta o problema da ética, e este
radica no problema da metafísica, a questão da íntima natureza humana. “Que
é o homem? de onde vem? para onde vai? por que está aqui na terra?” – não é
possível dar base sólida à ética sem responder, satisfatoriamente, a essas
perguntas fundamentais da vida.

Necessitamos, não só de professores eruditos para instruir os seus alunos –
necessitamos, sobretudo, de mestres de caráter que, com a sua própria vida e
vivência, deem a seus discípulos o exemplo da dignidade do homem.

No citado livro Daemon-Stadt, págs. 122-124, reproduz o Dr. Kurt Gauger a
impressionante carta de um jovem delinquente que, à sombra da penitenciária,
escreve uma espécie de exame de consciência para os “homens honestos” do
mundo. Diz o jovem delinquente:

“Por que vós sois fracos no bem, por isto nos destes o nome de fortes no mal –
e com isto condenais uma geração contra a qual pecastes – porque sois fracos.

Nós vos concedemos dois decênios para nos fazerdes fortes – fortes no amor,
fortes na boa vontade – vós, porém, nos fizestes fortes no mal, porque sois
fracos no bem.

Não nos indicastes caminho algum que tivesse sentido, porque vós mesmos
ignorais esse caminho e vos descuidastes de procurá-lo – porque sois fracos.
Vosso vacilante „não‟ assumia atitude incerta diante das coisas proibidas; nós
demos uns gritos – e vós retirastes o vosso „não‟ e dissestes „sim‟, a fim de
poupardes os vossos nervos fracos. E a isto chamastes „amor‟.

Porque sois fracos, por isto comprastes de nós o vosso sossego. – Quando nós
éramos pequenos, nos dáveis dinheiro para irmos ao cinema ou comprarmos
sorvete; com isto prestastes um serviço não a nós, mas sim à vossa
comodidade – porque sois fracos. Fracos no amor, fracos na paciência, fracos
na esperança, fracos na fé.
Nós somos fortes no mau – mas as nossas almas têm apenas metade da
nossa idade.

Nós fazemos barulho para que não tenhamos de chorar por todas aquelas
coisas que deixastes de nos ensinar. Sabemos ler e contar; sabemos quantos
estamos há nesta ou naquela flor, sabemos como vivem as raposas e
conhecemos as estrutura de um pé de capim – aprendemos a ficar quietos nos
bancos de escola e apontar o dedo, a fim de contarmos coisas sobre raposas e
rosas silvestres – mas não nos ensinastes como enfrentarmos a vida.

Estaríamos até dispostos a crer em Deus, num Deus infinitamente forte que
tudo compreendesse e de nós esperasse que fôssemos bons – mas não nos
mostrastes um só homem que fosse bom pelo fato de crer em Deus.
Ganhastes muito dinheiro com serviços religiosos e murmurastes orações
segundo a velha rotina.

Sr. Policial põe de parte o teu cassetete e tua pistola! Dize-nos antes o que nos
interessa saber: é verdade que amas a ordem pública a que serves? ou não
será que amas o direito que tens ao teu ordenado e à tua aposentadoria?

Sr. Ministro! Mostra-nos se é forte como homem! quantas obras boas praticas
tu, como cristão, às ocultas?

Será que nós não somos as caricaturas da vossa existência toda feita de
mentiras?

Nós somos desordeiros públicos e fazemos muito barulho – vós, porém, lutais
às ocultas, um contra o outro; estrangulai-vos comercialmente e armais intrigas
para conquistardes posições mais rendosas.

Em vez de nos ameaçardes com bastões de borracha, colocai-nos face a face
com homens de verdade, que nos mostrem qual é o caminho certo, não com
palavras, mas com a sua vida.

Mas ai! que vós sois fracos no bem! os que são fortes no bem vão para a mata
virgem e curam os negros da África – porque eles vos desprezam, assim como
nós vos desprezamos. Porque vós sois fracos no bem – e nós somos fracos no
mal.

Mamãe, vamos rezar! porque esses homens fracos estão armados de pistolas!

Como invalidar esse tremendo exame de consciência que um criminoso institui
com os „homens honestos‟ da sociedade, os que são „fracos no bem‟?

Certamente não com velhas teorias papiráceas, mas com uma nova realidade
vital...”
O FLAGELO DO PARASITISMO

                                E SUA CURA



É de conhecimento público, universalmente admitido e provado com inúmeros
fatos que, sobretudo nos últimos cinquenta anos, o Brasil degenerou no país
clássico do funcionamento parasitário. Centenas de milhares de pessoas vivem
à custa dos impostos do povo, sem prestarem ao país os serviços
correspondentes aos seus vencimentos. É uma clamorosa injustiça, uma
roubalheira impune e, não raro, favorecida pelas autoridades públicas.
Conheço pessoas que têm cinco empregos públicos bem remunerados, mas
não comparecem a nenhum deles; outros se dão ao “trabalho” de “assinar o
ponto”, depois vão passear ou trabalhar em outra parte, e retiram, no fim do
mês, as importâncias correspondentes a serviços não prestados, explorando a
boa-fé do povo que lhes paga com seus impostos.

É só aparecer numa cidade um funcionário público de alto coturno e logo
enxameiam os parasitos, parentes, amigos, afilhados, os partidários políticos,
as amantes, e cada um deles é nomeado para um cargo, muitas vezes
inexistente; o principal é que conste no papel, uma vez que estamos na época
da papirocracia onipotente.

Esse cancro do parasitismo explorador é, hoje em dia, considerado, quase
universalmente, como situação normal e inevitável.

Conforme o Diário de São Paulo de 22-8-1958, o presidente Juscelino
Kubitschek declarou à imprensa: “Não é possível governar de uma cidade (Rio
de Janeiro) onde residem 220 mil dos 300 mil servidores federais do Brasil
todo. Três quartas partes desses funcionários vegetam na capital atual,
atrapalhando, e nada mais, a administração central. Quem nada faz estorva.
Além do mais, contou o chefe da Nação que os presidentes dos Institutos de
Previdência podem mais do que o da República. Criam cargos, nomeiam quem
entendem, e nem são obrigados a publicar as nomeações no Diário Oficial.
Penso com os meus botões em mais de uma barbaridade do estapafúrdio
calamitoso regime, que desgraçou a nação durante quinze anos e mais cinco”.

Se três quartas partes dos 300 mil funcionários federais apenas vegetam, sem
fazer nada, estorvando ainda a administração, então temos, só no
funcionalismo federal, 23,5 mil parasitos ou ladrões que são mensalmente
pagos com os impostos do povo, cometendo assim clamorosa injustiça,
durante anos e decênios.
E que dizer de outras categorias de funcionários que não funcionam?

A ideia calamitosa de que os impostos do povo têm por finalidade precípua a
manutenção de um exército de funcionários que apenas “vegetam e nada
fazem”, passou a fazer parte integrante da nossa política e diplomacia pseudo
democrática. Se o povo soubesse o que se passa por detrás dos bastidores e
como são malbaratados os dinheiros tão arduamente ganhos por ele, e se
tivesse meios para prevalecer contra os responsáveis por esses crimes,
ensanguentaria o país com uma guerra civil...

Excusado é dizer que não incluímos nessa censura os funcionários honestos e
corretos, que, felizmente, ainda existem no Brasil, embora em minoria – 25%
entre os funcionários federais, segundo a declaração do Sr. Juscelino
Kubitschek. Mas não é calamitoso que 75% sejam ladrões e exploradores das
economias do povo?...

                                       ***

Essa praga do parasitismo não pode ser erradicada eficientemente por
nenhuma medida legislativa ou coercitiva, embora essas medidas sejam
necessárias para evitar maiores males. O grande mal está na falência das
consciências. A desenfreada adoração do “deus-dinheiro” derrotou todas as
considerações de ordem moral. Bom é aquilo que dá dinheiro; ótimo é aquilo
que dá rios de dinheiro sem trabalho algum – é esta infeliz mentalidade que
tomou conta do país.

Enquanto o homem não passar por uma profunda reforma interior, as reformas
externas, embora necessárias, são precárias e ineficientes.

A reforma interior, porém, supõe algo que não está em nossos códigos nem se
leciona nas Faculdades de Direito. Supõe um conhecimento de si mesmo e
uma inexorável fidelidade a esse Eu superior e divino do homem, porque esse
EU divino no homem, o seu Cristo interno, exige imperiosamente equivalência
entre a remuneração pecuniária e o serviço prestado. Quem recebe um
ordenado mensal e não presta ao povo e ao país o serviço correspondente a
essa importância, é ladrão, é explorador, é réu de uma injustiça, seja qual for o
seu posto – presidente, governador, prefeito, juiz, senador, deputado, vereador,
professor, ou simples funcionário de uma autarquia ou varredor de ruas.
Mesmo no caso que o direito humano absolva esse réu, perante a justiça do
universo continua ele culpado.

Ora, cada injustiça cometida é uma degradação do individuo que a comete,
quer a lei humana a aprove, quer desaprove. O indivíduo que comete injustiça
vai perdendo parcela do seu valor, acabando, dentro de alguns anos ou
decênios, em completa falência moral, embora se tenha talvez enriquecido,
materialmente, com o produto dos seus roubos. Naturalmente, se esse ladrão é
analfabeto em matéria de conhecimento próprio e auto-realização, será
impossível fazer-lhe compreender o seu triste estado; se tornou milionário à
custa do suor do povo, quem lhe provará que é um desgraçado?

Entretanto, essa impossibilidade de provar-lhe esse fato e colocar-lhe diante
dos olhos o autêntico retrato da sua fealdade não invalida o fato dessa sua
fealdade.

Esse homem vai acumulando dentro de si um karma cada vez maior, um débito
moral que tem de ser neutralizado, consoante a inexorável justiça da
Constituição Cósmica. Mas a neutralização desse débito acumulado em 10, 20,
50 anos de abusos acarretará sofrimentos inevitáveis, seja no mundo presente,
seja em existências futuras. Ninguém sairá do cárcere enquanto não houver
pago o último vintém, segundo as palavras do maior dos mestres da
humanidade. A Constituição Cósmica é um fato, e não uma fantasia. Ninguém
pode derrubar o Himalaia com a cabeça! ninguém pode prevaricar
impunemente contra as leis eternas da verdade e da justiça!...

O funcionário parasito e explorador só tem um caminho para se redimir: ser
consciencioso e prestar ao povo os serviços pelos quais é pago, e restituir-lhe
o produto dos roubos anteriores, conforme o exemplo de um grande explorador
de que nos fala o Evangelho, Zaqueu de Jericó, que, reconhecendo o seu triste
estado, declarou ao Nazareno: “Se defraudei alguém, restituo quatro vezes
mais, e, ainda por cima, dou aos pobres metade da minha fortuna”. E disse o
divino Mestre a esse ex-explorador: “Hoje entrou a salvação nesta casa!”

                                      ***

Os livros sacros de todos os povos apelidam de “insensato” ou “tolo” o homem
injusto e pecador – e não têm eles razão? Não é tolice e insensatez entrar em
conflito com as leis eternas? onerar-se de enormes desvantagens remotas por
causa de umas pequenas vantagens imediatas? A mentira, a fraude, a
injustiça, qualquer pecado ou crime, proporcionam, quase sempre, determinada
vantagem imediata, e é precisamente por causa dessa vantagem que o
delinquente pratica o mal. Se o pecador, burlando a lei eterna e auferindo daí
certa vantagem imediata, pudesse passar impune para sempre,
definitivamente; se, depois de embolsar o fruto do seu roubo, nenhum mal lhe
acontecesse, nenhum sofrimento o aguardasse, por parte de um Supremo
Tribunal extra-humano – então – seria ótimo negócio ser mau, injusto,
desonesto, explorador, ganhar muito sem trabalhar nada. Mas, queiramos ou
não queiramos, o universo é um “cosmos”, um sistema de ordem e harmonia, e
não um “caos” de desordem e confusão. A Constituição Cósmica do Universo
exige imperiosamente a prática da Verdade, da Justiça, do Amor, da
Solidariedade, da Honestidade. Pode, certamente, a criatura livre violar essa
lei, mas as consequências dessa infração se voltam infalivelmente contra o
infrator, em forma de sofrimento de qualquer espécie. O sofrimento é o eco
automático a qualquer violação da lei cósmica. E ninguém sabe quantos anos,
decênios ou séculos correspondem a cada violação. O certo é que essa
dolorosa sanção existe – tão certo como é certo que o Universo é um Cosmos.

Ora, é evidente estupidez provocar enormes sofrimentos, embora talvez
remotos, para gozar de uma pequena vantagem imediata. E, por outro lado, é
real sabedoria renunciar a uma vantagem de momento e, assim, não provocar
sofrimento futuros.

Ninguém pode fugir à lei férrea de causa e efeito; uma vez posta a causa,
segue-se o efeito com inelutável necessidade. O universo se reequilibra
automaticamente – mas esse reequilíbrio é doloroso para o delinquente. Não
seria melhor não tentar desequilibrar o equilíbrio da justiça cósmica?

O educador deve fazer ver a seu educando esse fato, o qual, admitindo ou não,
continua a vigorar.

Ser bom, justo, honesto, verdadeiro, é, não raro, doloroso, na vida presente,
por causa do falso ambiente geral da vida humana, criado por nossa
pseudocivilização. Mas, em qualquer hipótese, ser bom, justo, honesto,
verdadeiro, é, em última análise, ser feliz, embora essa felicidade íntima seja,
por ora, circundada de sofrimentos. Fundamentalmente, ser bom é ser feliz, e
ser mau é ser infeliz. Podemos enganar os homens – mas ninguém pode
enganar a lei eterna e sua própria consciência.

Só quem aplaina a seu educando os caminhos para essa compreensão da
verdade suprema é que o glorioso nome de educador.
BASES PARA UMA NOVA

                                EDUCAÇÃO



Verificamos que tanto a educação leiga como religiosa se revelaram
ineficientes para dar ao homem do presente século uma base sólida da vida
ética. Ambos esses tipos educacionais apelam para motivos externos, situados
fora do homem, para darem ao seu sistema ético uma sanção eficaz. Em
tempos idos, exerciam esses motivos externos – lei, polícia, céu, inferno –
impacto suficiente sobre o caráter humano, e ainda em nossos dias têm eles
certa eficácia sobre pessoas de pouca anatomia intelectual e espiritual. Mas,
para a elite da humanidade, deixaram esses argumentos de oferecer base
suficiente à vida ética. A verdade em si é absoluta, não há dúvida, mas o modo
como o homem a apreende é relativo – e é precisamente esse relativismo em
face da verdade absoluta que decide sobre a sua maior ou menor eficácia na
vida, porquanto “o conhecido está no cognoscente segundo o modo do
cognoscente”.

E, com isto, enfrentamos um problema aparentemente insolúvel; vemo-nos
como que à beira de um abismo fatal.

Que outro motivo poderia o homem ter para ser bom e deixar de ser mau? Se
não tem que temer os castigos dos homens nem de Deus, por que não praticar
o mal, quando o mal dá, quase sempre, uma vantagem imediata, ao passo que
a prática do bem acarreta, não raro, desvantagens imediatas?

Confessamos que a nossa situação é difícil, não por causa de si mesma, mas
por causa do ambiente em que a humanidade, sobretudo a humanidade cristã
do Ocidente, vive e foi educada, há quase dois milênios. Neutralizar uma
ideologia multissecular – quem o ousaria tentar?... Com que substituiríamos os
motivos tradicionais, externos, que davam ao homem de ontem certa
segurança e estabilidade? Se o homem deixa de sentir o impacto dos velhos
argumentos, que novo argumento lhe podemos oferecer?

O ponto de referência, a norma central para a nova educação deve ser algo
interno, algo dentro do próprio homem. Temos de passar da transcendência
para a imanência educacional – e é precisamente aqui que começa a grande
escuridão...

Que ponto de referência, que novo centro de gravitação é esse?
É a dignidade, o valor intrínseco do próprio homem; o homem deve, livre e
espontaneamente, evitar o mal e praticar o bem, não por causa de um punidor
fora dele – humano ou divino –, mas para não ofender a sua própria pureza e
santidade, para não profanar a sua nobreza e sacralidade, para não
desvalorizar o seu grande e imenso valor humano. O homem deve ter de si
mesmo uma reverência e um respeito tão grande que prefira sofrer qualquer
injustiça da parte de outros a cometer uma injustiça ele mesmo – e por isto não
por motivos de ética dualista e tradicional, mas por causa dessa misteriosa
metafísica e mística centralizadas no mais profundo reduto da sua própria
natureza humana.

Mas, para que o homem possa ter de si tão grande ideia, deve ele ter noção
exata e nítida da sua verdadeira natureza – e é precisamente aqui que começa
a grande dificuldade! A noção que quase todos nós temos de nós mesmos, e
que nos foi incutida desde a infância, é tão infeliz que, logo de início, parece
frustrar qualquer tentativa de modificação radical.

Foi-nos dito, e redito, pelas mais poderosas organizações que navegam sob a
bandeira do cristianismo, que somos essencialmente maus, pecadores desde o
nascimento, mesmo desde o momento da nossa concepção.

Tão profundamente arraigada na consciência cristã do Ocidente se acha essa
idéia de que em pecado fomos concebidos, em pecado nascemos e pecadores
somos por nossa íntima natureza humana – que o fato de ter aparecido sobre a
face da terra uma pessoa de “imaculada concepção” mereceu as honras de um
dogma religioso de vasta repercussão. Dizer a um cristão ocidental que
também ele foi concebido sem pecado, que todos os seres humanos entraram
na existência puros como a luz – isto é considerado como abominável heresia
e blasfêmia, porque as teologias de quase vinte séculos são contrárias a essa
verdade.

Outros, menos dogmáticos, estariam dispostos a aceitar essa verdade da
imaculada conceição de todos os homens se, no parecer deles, semelhante
ideologia não alimentasse e hipertrofiasse perigosamente o egoísmo e a
presunção do homem, como eles dizem.

Felizmente, temos a nosso favor o maior mestre espiritual da humanidade, que
proclama explicitamente a pureza natural de todo homem, que não conhece
nenhum pecado herdado, mas tão-somente pecados cometidos pelo próprio
homem adulto.

Quanto ao receio de que essa ideologia favoreça o orgulho do homem,
veremos mais tarde de que essa ideia é filha da ilusão e de uma deplorável
falta de conhecimento da verdadeira natureza do homem.
Uma coisa é certa: que nenhuma educação eficiente é possível enquanto o
homem viver na convicção de que ele é um ser essencialmente mau e que só
pode ser feito bom por obra e mercê de terceiros.

Pedimos ao leitor que preste atenção, muita atenção, ao tremendo ilogismo
que vai neste conceito: eu sou essencialmente mau e pecador, em virtude da
minha íntima natureza humana; sendo isso verdade, como poderei deixar de
ser mau? Só deixando de ser o que sou e tornando-me o que não sou. Devo
deixar de ser verdadeiro homem – que é intrinsecamente mau – e tornar-me
um ser totalmente diferente do que sou por natureza; isto é, tenho de me
desnaturar a fim de poder ser bom. De maneira que o meu subsequente
homem bom, que serei, não é idêntico ao primitivo homem mau, que sou; esse
homem bom não é o mesmo que foi concebido e nasceu como sendo eu; pois
esse primitivo eu, essencialmente mau, deixou de existir, cedendo o lugar a um
outro eu, que é bom. Quer dizer que me tornei bom à custa de uma radical
abolição, ou total apostasia, do meu verdadeiro eu. Tive de me falsificar 100%
a fim de poder ser bom, pois o meu primitivo eu era 100% mau, e 100% de
maldade nunca poderá converter-se em 100% de bondade. Quer dizer que
esse subsequente eu bom é um pseudo-eu, e somente graças a esse “pseudo”
(palavra grega para “mentira”) é que eu sou bom; a mentira a mim mesmo me
fez bom; a infidelidade à minha própria natureza humana fez com que eu me
tornasse um homem bom. Se eu ficasse fiel a mim mesmo, seria mau; mas,
como cometi infidelidade contra mim mesmo, consegui tornar-me bom.

Que admira que, em face de tão monstruosa falta de lógica e de bom senso, o
homem espiritual seja considerado por muitos como um pseudo-homem, um
homem desnatural, um homem falsificado? E que admira que muitos prefiram
ser “naturalmente maus” a serem “desnaturalmente bons”?

Felizmente, esse ilogismo é apenas da teologia de certos cristãos, e não do
Evangelho do Cristo; à luz do Evangelho pode o homem ser “naturalmente
bom”, e, se não o for, é “desnaturalmente mau”. O maior mestre da
humanidade não conhece espiritualidade anti-humana nem humanidade anti-
espiritual; para ele, o homem plenamente humano é plenamente espiritual,
bom, divino; e, se o homem não é espiritual, bom, divino, é porque não é
suficientemente humano e natural. O “filho do homem” é o “filho de Deus”.

Sobre a base estritamente unitária do Evangelho do Cristo, é possível erigir o
edifício da nova educação – mas sobre a base dualista das nossa teologias
eclesiásticas não é possível construir algo de sólido. Fora da lógica não há
salvação, porque a lógica é o próprio Deus, ele, o divino “Lógos”, como diz o
quarto Evangelho.

Felizmente, não é verdade que o homem seja essencialmente mau. A sua
maldade é periférica, a sua bondade é central. E, precisamente por ser
periférica, a maldade do homem é amplamente conhecida, ao passo que a sua
bondade, por ser central, é ainda profundamente desconhecida. O elemento
bom no homem é como a energia nuclear recatada no âmago do átomo e que
exige grande esforço para ser extraída e manifestada.

Aliás, todos os grandes mestres espirituais da humanidade reconhecem a
intrínseca bondade do homem.

                                      ***

Aqui é que enfrentamos uma das mais importantes distinções da verdadeira
filosofia perene, o conceito do potencial e do atual. O homem é potencialmente
bom, embora possa ser atualmente mau. A potencialidade do seu ser é a sua
íntima natureza. Todo homem é muito mais aquilo que é potencialmente do que
aquilo que é atualmente. Todo homem é antes a sua atitude permanente do
que os seus atos intermitentes. Uma semente é potencialmente a planta que
dela vai brotar, embora não seja ainda atualmente essa planta. A verdadeira
natureza de uma semente de palmeira é a palmeira que dela nascerá. A
“natura” é a coisa “na(sci)tura”, isto é, aquela coisa que vai nascer.

A potencialidade é, pois, a íntima natureza de um ser, a sua verdadeira natura
ou natureza.

A íntima natureza do homem não é o seu corpo, revelado pelos sentidos, nem
é o intelecto, manifestado pelos pensamentos; a íntima natureza do homem é a
sua razão (alma), que se revela pela intuição espiritual, porque essa razão é a
suprema potencialidade do homem, aquilo que ele é intrinsecamente, embora
não o tenha revelado ainda extrinsecamente.

Sendo, pois, que a razão intuitiva, ou alma, é a própria essência do homem, e
essa essência é boa, pura, divina, segue-se que a íntima natureza do homem é
boa, que o homem é essencialmente bom, porque a alma humana é Deus no
homem, “o reino de Deus no homem” (Jesus), “o espírito de Deus que habita
no homem” (São Paulo), “participação da natureza divina” (São Pedro), “a luz
verdadeira que ilumina a todo homem que vem a este mundo” (São João
Evangelista), “a alma humana é crística por sua própria natureza” (Tertuliano),
“a voz silenciosa” (Gandhi), “a luz interna” (os místicos).

Razão, alma, consciência, espírito, voz, luz de dentro – todas essas palavras
significam a mesma realidade, o último e mais profundo centro do homem, em
torno do qual giram todas as periferias da sua vida externa.

Essa essência central do homem é idêntica à essência do próprio Universo. A
alma humana (razão, consciência) é o ponto de contato em que o microcosmo
individual se encontra com o macrocosmo universal; e a lei que rege este rege
também aquele – lei de absoluta e incondicional solidariedade.
Quando o homem individual permite que a mesma lei que rege o Universo fora
dele seja vitoriosa também no Universo dentro dele, então o homem é bom.
Ser bom é sintonizar o grande Além-de-dentro pela harmonia do grande Além-
de-fora. O homem bom é essencialmente um homem cósmico.

O homem é bom quando estabelece e mantém perfeita sintonia entre o seu
modo de ser e agir e o espírito da Constituição Cósmica, entre a sua
consciência individual e a Consciência Universal, entre a sua alma humana e a
alma do Cosmos.

A verdadeira ética (agir) é o reflexo fiel da mística (ser). O homem bom age de
conformidade com o que ele é; é fiel a si mesmo. O homem mau age de um
modo diferente daquilo que ele é, é infiel a si mesmo, porque nunca descobriu
a sua natureza divina.

O homem bom essencializa a sua existência. A sua essência é divina, a sua
existência é humana. Esse homem diviniza a sua humanidade. Faz a sua
existência humana à imagem e semelhança da sua essência divina.

Poderá um homem desses ser egoísta? vaidoso? orgulhoso? Se o que nele há
de bom e puro é da essência divina, e não da existência humana, como
poderia o homem orgulhar-se de algo que é de Deus?

Orgulhar-se de elementos da existência humana é pecado.

Orgulhar-se do espírito da essência divina é redenção.

O pecado vem da ignorância – a redenção vem da sapiência.

“Homem! conhece-te a ti mesmo – e serás bom!”

“Sede perfeitos – assim como perfeito é vosso Pai que está nos céus.”
ENTRE LÚCIFER E LÓGOS



Vimos que, para iniciar novos rumos para a educação, é indispensável que o
educador tenha noção exata da natureza humana, saiba distinguir as periferias
existenciais do educando, do centro essencial do mesmo; e, acima de tudo,
requer-se que o educador, além de versado na teoria, também viva
praticamente essa verdade.

Não é possível realizar uma educação eficiente sem ter uma visão unitária do
homem. O ser humano é uma unidade harmoniosa, mas que, na sua
superfície, aparece, quase sempre, desarmonizada.

Quem é que estabelece divergência e infidelidade entre o interno ser e o
externo agir do homem, frustrando assim a grande obra da educação?

Esta pergunta nos põe no início da grande encruzilhada, onde se bifurcam os
caminhos da velha teologia eclesiástica e da nova filosofia cósmica. Nova?
Não, essa filosofia cósmica é a filosofia perene de todos os séculos e milênios,
tão antiga como a própria humanidade; mas essa filosofia é privilégio de uns
poucos iniciados, ao passo que a turbamulta dos profanos segue os dogmas de
uma teologia dualista e dispersiva, que não permite uma educação eficiente e
racional. O que a velha teologia consegue é impor-se ao homem, assim como o
ditador se impõe a seus súditos. A verdadeira educação, porém, não é nem
pode ser um regime ditatorial; e cada vez menos é possível considerar o
educando um autômato cujo único dever seja cumprir ordens emanadas de
uma autoridade suprema, externa. O homem de hoje não quer apenas cumprir
ordens, quer saber das últimas razões por que deve fazer isto e deixar de fazer
aquilo. Não quer agir em virtude de uma compulsão externa, mas sim em
virtude de uma compreensão interna.

A divisão usual do homem é entre corpo e alma. A palavra corpo é tomada
como idêntica à matéria, e sobre o vocábulo alma existem tantas sentenças
quantas cabeças.

É doutrina quase geral que é a alma que peca (uns chegam ao absurdo de
atribuir pecabilidade até ao corpo); acham que é a alma que se torna má e
antidivina, e que, se não se converter, vai ser eternamente condenada ao
sofrimento. E o ilogismo culmina no absurdo de que, um dia, o próprio corpo,
esse corpo-matéria, ressuscitará e participará do eterno sofrimento da alma, e
que Deus, esse Deus-Amor, se deliciará eternamente com os sofrimentos de
milhões e milhões de filhos seus.
Há, nessa concepção, tantos erros quantas palavras. Excusado é dizer que
sobre alicerce tão incerto não se pode erigir uma educação sólida que resista
ao impacto de um pensamento racional e espiritual.

A verdade é que nem o corpo nem a alma pecam. Quem peca no homem é o
seu intelecto, o seu lúcifer, a sua serpente, e não a sua alma, que é o “espírito
de Deus que habita no homem”.

O intelecto, ou inteligência, revela-se pelo ego, ou pessoa (persona) do
homem. Esse ego-persona é o homem físico-mental-emocional.

A razão ou alma manifesta-se pelo EU, que é o indivíduo ou a individualidade
humana.

As palavras latinas “persona” e “indivíduo” dizem admiravelmente o que
significam. “Persona”, em latim, quer dizer “máscara”. A “persona” (de per e
sonare, soar ou falar através) era a máscara que, no tempo do império romano,
usavam os atores no palco e através de cuja boca aberta falavam. Por detrás
dessa “persona” estava o “indivíduo”, ou seja, o homem que desempenhava o
papel representado pela máscara.

“Indivíduo” quer dizer “indiviso”, não-dividido, não-separado. A individualidade
do homem é aquilo que o faz um ser indivisível em si mesmo (em grego,
átomos) e também indivisível ou inseparável do grande Todo, da Alma do
Universo. Por ser indivíduo, o homem é um ser estritamente uno e unitário, e
por isto mesmo parte integrante do Universo.

O homem não está separado do grande Todo, nem é idêntico a esse TODO,
mas é dele distinto. O dualista separa o homem do grande Todo; o panteísta o
identifica com ele; mas o verdadeiro universalista (que modernamente,
segundo o filosofo germânico Krause, se chama pan-en-teíta) sabe que o
homem não pode jamais estar separado do grande TODO, nem pode ser
idêntico a ele. A separação equivaleria a um suicídio violento, uma vez que
nenhum efeito pode subsistir sem a causa-prima; a identificação seria uma
espécie de suave eutanásia, em que o finito se diluiria totalmente no Infinito,
nirvanizando o seu existir individual no Ser Universal. Tanto nesta como
naquela hipótese, o indivíduo humano deixaria de existir como indivíduo,
aniquilando-se, ou no Nada ou no TODO.

O que une o homem ao TODO é a sua essência, que é a própria essência do
TODO; o que distingue o homem do TODO é a sua existência. Se o homem
fosse apenas essência universal (divina) seria ele o próprio Deus, o Universal;
se fosse apenas existência individual (humana), sem nenhum fundo de
essência universal, seria um puríssimo Nada, o Irreal, o Vácuo, porque
nenhuma existência individual tem realidade em si mesma, se não estiver unida
à essência universal. Assim, por analogia, um indivíduo vivo não seria vivo se
não estivesse unido à Vida Universal. A única razão por que uma existência é
viva é porque participa da essência da Vida Universal.

A essência universal é o Real; as existências individuais são os realizados. O
profano e insipiente considera os objetos existentes como sendo reais, auto-
reais, reais em si mesmos; mas a realidade do mundo objetivo não tem caráter
autônomo, senão apenas heterônomo; os objetos não possuem realidade
absoluta, original, senão apenas realidade relativa, derivada, assim como a
nossa terra possui luz emprestada pelo sol, ou assim como uma figura refletida
no espelho possui realidade derivada do objeto, em sentido oposto, e se reflete
no espelho. Nenhum objeto existencial é auto-real, todos são alo-reais, ou
realizados.

Afirmar que os objetos sejam irreais, puros nadas e simples ilusões, como
afirmam certos sistemas metafísicos, antigos e modernos, é falta de lógica; os
objetos não são reais nem irreais – são realizados, isto é, possuem uma
realidade derivada, heterônoma, assim como reflexos num espelho, que
desaparecem no mesmo instante em que a coisa refletente deixa de se refletir.

Donde se segue que nenhum indivíduo pode existir por um instante sequer, se
não estiver unido ao Universal da essência.

A inteligência humana, porém, em virtude da sua relativa imperfeição, cria a
ilusão de poder existir independentemente do Ser Absoluto; pode mesmo
desejar essa existência autônoma, ou pseudo-autônoma, porque a inteligência
é uma faculdade visceralmente separatista ou egocêntrica; julga possível
estabelecer um reino à parte e ser soberana autônoma nesse reino. A
inteligência é, por sua natureza, centrífuga, rebelde, dispersiva, vivendo na
ilusão de poder existir e agir separada da Essência Cósmica – como se uma
onda do mar pudesse existir sem o mar, como se a luz colorida pudesse existir
sem a luz incolor que lhe deu origem e dá continuação.

A inteligência é profundamente “narcisista”, auto-adorante – e é precisamente
nessa tendência “narcisista” que se baseia a ideia do pecado. Quem peca no
homem é a inteligência, revelada pelo ego, ou persona. Pecado não é possível
sem ilusão, e a ilusão nasce da ignorância. Sendo que a inteligência é semi-
ignorante e semiciente, espécie de penumbra ou sem luz, é-lhe possível criar e
manter essa atitude separatista, embora a separação real seja impossível sem
o aniquilamento. Objetivamente, todo o indivíduo está unido ao Universal; mas
subjetivamente pode o indivíduo sentir-se separado do Universal, que é o
grande TODO, ou Deus.

Essa tendência separatista da inteligência relativamente ao TODO Universal
revela-se, cotidianamente, no pendor separatista do ego intelectual com
relação aos outros egos, seus semelhantes. Uma vez que o ego julga poder
separar-se de Deus, e até opor-se a ele, julga-se também autorizado a separar-
se dos homens, ou opor-se aos mesmos. Separatismo na vertical gera
separatismo na horizontal. Falta de senso místico cria falta de senso ético.
Quem não se sente harmonizado com o grande TODO, não sente harmonia
entre si e as outras partes desse TODO. Perdido o senso de união com as
partes relativas, que são os outros seres humanos, e até os seres infra-
humanos da natureza. A apostasia da mística vertical produz, cedo ou tarde, a
apostasia da ética horizontal. Ou, na linguagem do mestre de Nazaré, quem
não ama a Deus com toda a alma, com todo o coração, com toda a mente e
com todas as forças, também não pode amar o próximo como a si mesmo,
porque ninguém pode fazer o “segundo” sem fazer o “primeiro”.

Por isto, é profundamente ilusório todo e qualquer sistema de educação que
tente ser puramente social ou ético, prescindindo do elemento místico.

A princípio, todo educador tem a impressão de que educação nada tenha que
ver com metafísica e mística, que parecem ser ocupação abstrata e longínqua,
sem nexo real com a vida humana de cada dia. Enquanto o educador alimentar
essa ilusão, não tem base real e sólida para uma educação eficiente.

O educador de hoje tem de ser um filósofo, um metafísico, um místico...

Para que o educador possa dizer, com segurança, 10% aos outros, deve ele
possuir em si mesmo 100% de sabedoria experiencial. Tem de saber muito
para poder dizer pouco. Tem de ter em si um grande capital de reserva
experiencial (90%) para que possa pôr em circulação uma pequena parcela do
mesmo (10%). Só quem sabe muito, por experiência íntima, é que pode falar
com poder e autoridade, e dizer devidamente o pouco que a prudência lhe
permita dizer.

O que o educador diz deve ser como que um transbordamento espontâneo
daquilo que ele é. O “ser” é a fonte e base do “dizer”.
ESSENCIALIZANDO A EXISTÊNCIA



Quase todo o Ocidente vive na ideia de que filosofia tenha que ver com o
mundo em derredor. Há pouco, quis assistir a um congresso de filosofia
reunido numa das nossas grandes capitais; mas não fui, porque verifiquei pelo
programa publicado que, nesse congresso de filosofia, se trataria de tudo –
menos de filosofia.

A filosofia tem por objeto o homem, e não o mundo.

Também a religião focaliza o homem, mas fá-lo de outro modo que a filosofia,
porque manda que o homem creia numa realidade invisível, a fim de ter a
experiência da mesma após-morte; lida, pois, com argumentos póstumos.

A verdadeira filosofia, porém, trata do homem total, no espaço, do homem-
razão, do homem-intelecto e do homem-corpo, do homem aqui na terra e em
qualquer outro ambiente do universo. O céu ou o inferno do homem podem ser
criados agora e aqui mesmo, e são produtos do próprio homem, e não
creações de Deus.

Todo homem bom cria o seu céu agora e aqui, como também para sempre e
por toda parte.

Todo homem, como já dissemos, é bom em virtude de sua essência divina (o
EU), que também se chama alma, consciência ou razão intuitiva. Mas essa
essência divina da alma, essa “luz do mundo” pode ser ofuscada pela
existência humana (o ego). Quer dizer que o homem essencialmente bom pode
ser existencialmente mau – como também pode ser existencialmente bom. O
grande erro de muitos teólogos está em confundirem o homem
existencialmente mau com o homem essencialmente mau, aduzindo até
palavras de Jesus para comprovar o seu erro: “Vós, que sois maus...” O divino
Mestre fala, nessa ocasião, de homens adultos que, pelo abuso da sua
liberdade, se haviam feito existencialmente maus, e não de homens
essencialmente maus, que ele ignora totalmente.

Toda a verdadeira educação consiste em que o homem faça a sua existência à
imagem e semelhança da sua essência; que essencialize a sua existência; que
verticalize as suas horizontalidades; que divinize a sua humanidade; que faça o
seu externo agir tão bom e puro como é o seu interno ser. Deve o homem fazer
a sua vivência ética tão boa como é a sua experiência mística.
O principal é que o homem creia em si mesmo, que seja fiel a si mesmo. É
necessário, antes de tudo, que o homem tenha a firme convicção de que há
nele um elemento bom, puro, divino, sobre o qual ele possa – e pode –
assentar os alicerces do seu edifício ético. Nenhum arquiteto sensato constrói
um edifício sobre pântano ou areia movediça.

Infelizmente, repetimos, a nossa teologia ocidental nega ao educando, e
também ao educador, esse fundamento firme, porque ensina, há séculos, que
o homem é essencialmente mau, pecador, negativo, antes mesmo de nascer.
Confunde o ego periférico do homem com o seu EU central, cometendo o
mesmo erro que Tomas Hobbes e outros filósofos empíricos costumam
cometer, afirmando que o homem é egoísta por natureza, e egoísta sempre
será; que ninguém o pode “desegoficar”; que todo o chamado “altruísta” não
passa de um egoísta disfarçado, de um detestável hipócrita, e que os governos
têm a única função de manter o inextirpável egoísmo dos indivíduos dentro de
certos limites toleráveis, para que possa haver uma relativa paz social. Quem,
como esses filósofos, identifica a íntima natureza humana com o seu ego
periférico – físico-mental-emocional – não pode, naturalmente, admitir que haja
no homem algo realmente bom, puro e divino.

Nós, porém, sabemos, de acordo com todos os grandes mestres da
humanidade, que o homem, na sua íntima essência é bom, uma vez que a
íntima essência dele é “ a luz verdadeira que ilumina a todo homem que vem a
este mundo”, e brilha em todo ser que sai das mãos do Criador. “A luz brilha
nas trevas, mas as trevas não a prenderam” – a luz da essência divina brilha
em todas as trevas das existências humanas, e também infra-humanas; mas
nenhuma dessa trevas das existências criadas consegue “prender”, ofuscar,
extinguir a luz da essência divina que nelas está.

Se o homem fosse essencialmente mau, não haveria nenhuma possibilidade
de o tornar realmente bom – nem mesmo o mais divino e poderoso dos
redentores o poderia redimir da sua intrínseca maldade e conferir-lhe bondade
real, porque essa “redenção” ou “conversão” equivaleria a uma verdadeira e
total destruição do próprio ser humano, substituindo a sua “essência má” por
uma “essência boa”.

Ora, à luz da psicologia do Ocidente, da filosofia do Oriente, e à luz do próprio
Evangelho de Jesus Cristo, não há nenhuma substituição do homem mau pelo
homem bom; há uma conversão do homem existencialmente mau no homem
existencialmente bom, e este processo de conversão é possível unicamente
sobre a base do homem essencialmente bom; porquanto, ninguém se pode
tornar explicitamente o que não é implicitamente, nenhuma semente se pode
tornar atualmente uma palmeira se potencialmente ela não é palmeira;
nenhuma semente se pode tornar atualmente viva se ela não é potencialmente
viva. A transição do estado potencial (implícito) para o estado atual (explícito)
não é uma transição do não-ser para o ser, mas é a transição de um estado de
ser imanifesto para um estado de ser manifesto; não é uma criação ex nihilo,
mas uma revelação de algo, de algo que já existia encoberto, e agora passou a
ser descoberto. Se o homem pode tornar-se manifestamente bom é prova de
que ele, antes dessa manifestação, já era ocultamente bom. Ninguém se torna
o que não é!

O homem existencialmente bom realiza o feito máximo da sua vida, permeando
a sua vivência humana com a sua essência divina, assim como uma luz interna
permeia totalmente de si um límpido cristal colocado diante dela. Se
colocarmos uma luz por detrás duma parede opaca, haverá sombra do lado
oposto – é o símbolo do homem existencialmente mau que não deixou
penetrar-se pela luz da essência divina que nele está; a sua opacidade é o seu
grande pecado, porque ele podia fazer com que essa opacidade profana fosse
transparência sagrada. “A luz verdadeira ilumina a todo homem que vem a este
mundo – e os que recebem essa luz se tornam filhos de Deus”. A luz divina
está em todo homem, mas nem todos a “recebem”, nem todos se tornam
receptivos, nem todos fazem-na permear-na e penetrar a sua vida, e por isto
ficam na sombra da sua culpável maldade.

Os nossos teólogos eclesiásticos negam a realidade da luz divina no homem –
e isto a despeito das declarações reiteradas e explícitas do divino Mestre e dos
seus grandes discípulos. “Vós sois a luz do mundo”, declara Jesus, depois de
haver afirmado “Eu sou a luz do mundo”. Declara que seus discípulos são, na
sua essência, a mesma luz divina que ele é. E João Evangelista declara que
essa “luz verdadeira”, do divino Lógos (o Verbo) ilumina a todo e qualquer
homem que vem a este mundo.

Se não reside no homem nenhum elemento bom, não pode haver verdadeira
educação, porque “educação”, repetimos, quer dizer “edução”. Educar é eduzir,
isto é, conduzir para fora. Só se pode eduzir o que está dentro. Na opinião dos
teólogos ocidentais, há indução em vez de edução; o elemento bom deve ser
induzido, introduzido, injetado ou impingido ao homem, de fora para dentro,
como algo externo e alheio à sua natureza, como um aditamento posterior ou
uma substituição. Neste caso, o homem educado se torna bom graças a uma
infidelidade a si mesmo; despoja-se do que é dele e recebe o que não é dele,
porque, nessa suposição, o elemento bom não existe nele, mas vem-lhe de
fora, de uma fonte alheia e heterogênea. Assim, como já foi dito, a educação
(ou antes, inducação) seria uma adulteração do educando; o homem falsificado
é que seria o homem bom.

                                      ***

Acham os defensores do homem essencialmente mau que, se admitirmos o
homem essencialmente bom, criamos nele um complexo de orgulho ou
autocomplacência, fazendo dele um enfatuado egocentrista, um pelagiano ou
um homem que espera redenção de si mesmo, auto-redenção, em vez de teo-
redenção ou cristo-redenção.

Cuidado com essa confusão de idéias!

Cuidado com essa falsa lógica!

Que é auto-redenção?

Pode ser uma de duas coisas: ou redenção pelo EGO HUMANO, isto é, pela
persona do ego físico-mental-emocional – ou pode ser redenção do homem
pelo EU DIVINO nele, por seu Cristo interno, pelo espírito de Deus que nele
habita, redenção por sua alma crística. Neste último caso, auto-redenção é teo-
redenção, cristo-redenção. E é precisamente nesse sentido que entendemos
auto-redenção, a redenção do homem pelo elemento divino nele existente,
embora em estado dormente e embrionário. Despertar no homem esse
elemento divino é redimi-lo e é educá-lo. É este o único caminho certo para
uma verdadeira educação: despertar, desenvolver e eduzir do homem essa luz
e essa força divina até que ela penetre todas as trevas do ego humano.

É visceralmente falsa e funesta a psicologia e pedagogia que procuram dar ao
educando uma ideia baixa de si mesmo, um auto desprezo, na intenção de o
levar à humildade e ao desejo de ser remido por Deus. Humildade não é
desprezo de si mesmo. Humildade é a verdade sobre si mesmo. Redenção de
fora é impossível quando por dentro não existe um elemento redimível. Com o
melhor adubo do mundo o calor solar mais propício não se pode fazer brotar
uma semente se dentro       dela não existe um princípio vital. Só se pode
vitalizar o que é vivo. Ninguém pode criar vida, só podemos despertar a vida já
existente em estado de dormência.

Quem não supõe bondade dormente no educando não o pode tornar bom,
porque ninguém se torna explicitamente o que não é implicitamente. “Se o olho
não fosse solar”, diz Goethe, “jamais poderia contemplar o sol”. Da mesma
forma, se a alma humana não fosse crística por sua natureza, ninguém o
poderia cristificar; se ela não fosse divina por natureza, jamais poderia ser
divinizada; se ela não fosse espiritualmente viva, ninguém a poderia vitalizar
em espírito; se a alma não tivesse dentro de si um princípio de santidade,
ninguém a poderia santificar.

Educar é, pois, eduzir de dentro do educando e desenvolver uma bondade, um
ser-bom, que nele existe, embora ainda em estado latente e embrionário.

Dizer que esse despertamento da bondade dormente no ser humano favorece
o orgulho dele é não saber distinguir o ego periférico (persona, intelecto) e o
EU central (indivíduo, razão) do homem. A alma não pode ser orgulhosa,
egoísta, porque ela é Deus no homem; só o lúcifer do intelecto é que é
susceptível de orgulho, egoísmo e qualquer outro pecado. Quem ultrapassa o
seu ego personal ultrapassa a sua pecabilidade e entra na zona da
impecabilidade.

“As obras que eu faço não sou eu (meu ego humano) que as faço, mas é o Pai
(meu EU divino) que as faz em mim” (jesus).

Quando Pedro curou aquele paralítico à porta do templo de Jerusalém, como
referem os Atos dos Apóstolos, o povo o encarava, estupefato; o apóstolo,
porém, longe de atribuir a seu ego humano esse prodígio, fez ver ao povo que
o autor dessa cura era o espírito do Cristo que dele se servira como simples
veículo.

Quem sente orgulho ou vanglória em face de algum ato bom prova que ainda
vive na ignorância de si mesmo, que ainda não é bom, mas apenas faz o bem.
O maior dos ateus pode fazer o bem, apesar de não ser bom; pode fazer um
bem material com o que tem, mas não um bem espiritual com o que é.

É, pois, necessário que o educador conheça, antes de tudo, a si mesmo, a fim
de poder contribuir para dar a seu educando a verdadeira noção do mesmo.
Para ser bom educador, é necessário que o homem seja “educado”, isto é, que
tenha “eduzido” de si mesmo o elemento bom que em todos existe.
A SABEDORIA DOS

                          GRANDES EDUCADORES



Escreve o insigne Albert Schweitzer que nossa teologia cristã criou uma
espécie de soro que, uma vez injetado ao homem, o imuniza contra o espírito
do Cristo; de tão saturado de cristianismo (do “nosso” cristianismo), julga
supérfluo o Cristo.

Mahatma Gandhi fez idênticas experiências com os missionários cristãos que
tentavam convertê-lo ao nosso cristianismo; a todos eles respondia o grande
líder político e espiritual da Índia: “Aceito integralmente o Cristo e seu
Evangelho, mas não aceito vosso cristianismo”.

Sobretudo no setor educacional se verifica essa substituição do Cristo pelo
cristianismo, do Evangelho pela teologia.

O Evangelho do Cristo, vivido em sua verdade e pureza, oferece a melhor base
para a educação. Antes de tudo, revela Jesus uma profunda reverência pela
natureza humana. Para ele, não existe criança concebida em pecado; todo
homem é essencialmente bom e puro, a princípio; só mais tarde se torna mau
pelo abuso da sua liberdade. Não encontramos nas páginas do Evangelho uma
única palavra de Jesus que justifique a ideia teológica do “pecado original”.
Essa ideologia nasceu fora do Evangelho e foi, mais tarde, introduzida nele
pelos teólogos cristãos. Já aparece nos últimos quatro séculos do Antigo
Testamento, no seio da sinagoga de Israel decadente. Pelo ano 400 antes da
era cristã, faleceu Malaquias, o último dos profetas de Israel, e nos quatro
séculos subsequentes os sacerdotes hebreus tomaram a direção espiritual do
povo. Mas a orientação sacerdotal era visceralmente legalista; segundo eles, a
salvação vinha da aceitação e aplicação de certas fórmulas rituais; era a letra
da lei que salvava o homem, e não o seu espírito.

Durante esse período de decadência surgiu na sinagoga a doutrina de que o
homem é mau e pecador por natureza e que só a lei o pode libertar do pecado.

Foi divinizada a Lei, e, para que a Lei tivesse o máximo de prestígio e poder, foi
o homem reduzido ao mínimo, declarado pecador em virtude de sua própria
natureza; e assim o nadir da natureza humana elevava ao zênite a força da Lei.

Mais tarde, no início da era cristã, foi a Lei substituída pelo Cristo, mas o
paralelismo continuou: para que o Cristo tivesse o máximo de valor, foi o
homem reduzido ao mínimo do desvalor – surgiu a paradoxal ideologia
teológica do “homem pecador”, a teoria do “pecado original”.

Jesus não aceita essa doutrina. Para ele, o reino de Deus está dentro do
homem, e só dentro é que ele pode vir e manifestar-se na vida humana. “O
reino de Deus não vem com observâncias (externas, rituais), nem se pode
dizer: ei-lo aqui! ei-lo acolá! – o reino de Deus está dentro de vós”. Com estas
palavras categóricas reafirma o Nazareno a verdade antiquíssima, mas no seu
templo obliterada, de que o homem é remido pelo elemento divino que nele
existe em virtude da sua própria natureza.

Bem cedo, porém, já no primeiro século, penetrou no corpo do cristianismo
primitivo o elemento judaico sobre a essencial pecaminosidade do homem, fato
que se explica pela circunstância de terem os primeiros líderes da igreja cristã
vindo do judaísmo, introduzindo inconscientemente no cristianismo nascente
certas ideologias da sinagoga. A ideia da essencial maldade do homem deu ao
cristianismo primevo, e posterior, um colorido dualista e pessimista, influindo
profundamente no conceito do processo da redenção.

Jesus, porém, não sucumbiu a essa ideologia, razão porque                    se
incompatibilizou com os chefes da sinagoga ao ponto de o levarem à cruz.

Um dia, refere o Evangelho, estavam os discípulos do Nazareno discutindo
sobre quem deles era o maior no reino de Deus; e cada um deles fazia valer os
seus pretensos títulos e direitos a essa primazia. Ao que o Mestre chamou uma
criança, colocou-a no meio dos litigantes ambiciosos e disse-lhes: “Se não vos
converterdes e tornardes como esta criança, não entrareis no reino dos céus”.

É evidente que Jesus considera essa criança como habitante do reino de Deus;
pois seria absurdo supor que ele propusesse um modelo impuro aos impuros.
Essa criança, porém, não fora “purificada” por nenhum rito legal ou
sacramental, que não existia; era pura assim como nascera e fora concebida;
nunca tivera impureza alguma. Exige Jesus que seus discípulos, feitos impuros
por culpa própria, se tornem puros por esforço próprio, assim como aquela
criança era pura por sua própria natureza.

Em outra ocasião ameaça Jesus com terrível castigo àqueles que levarem a
pecado um daqueles pequeninos que creem nele, porque os seus anjos
contemplam sem cessar a face do Pai dos céus. Ora, nenhuma dessas
crianças hebréias “cria” em Jesus mediante ato consciente de fé; ninguém o
conhecia; o Nazareno era para elas apenas um bom rabi judeu, e nada mais. O
“crer” dessas crianças não era um ato, mas uma atitude interna, um modo de
ser em harmonia com Deus – o que prova que essas almas eram boas e puras,
e não pecadoras e inimigas de Deus. Também seria absurdo supor que os
anjos de Deus tanto se desvanecessem pela proteção de um bando de
pequenos pecadores. E como podiam os pecadores adultos levar ao pecado
essa crianças se elas já estivessem em pecado?..

Por esta mesma razão também não mandou Jesus batizar crianças, e o próprio
João só batizava adultos. O batismo de João, a que Jesus alude, só visava
pecados pessoais, e não algum pecado original que os batizandos tivessem
herdado de seus antepassados, como a teologia de hoje ensina.

Sobre esta base positiva do Evangelho de jesus Cristo é possível erguer o
edifício de uma educação sólida – ao passo que a teologia eclesiástica
corrente, quer desta, quer daquela igreja, é totalmente inapta para oferecer
base conveniente.

O descalabro da nossa educação tem suas raízes em séculos anteriores. Aqui
no Brasil começou em 1500, mas em outras partes começou muito mais cedo,
talvez em 313, quando, pelo edito de Milão, o imperador pseudo cristão,
Constantino Magno, deu início à substituição do Evangelho do Cristo pela
teologia dos cristãos.

Se não voltarmos decididamente ao espírito crístico do Evangelho, não
teremos base eficiente para uma nova educação. Teremos a coragem de
realizar tão arrojada aventura? E teremos do nosso lado as autoridades
públicas, que em geral, não se interessam pela qualidade do cristianismo, mas
sim pela quantidade dos eleitores que lhes garantam poder e prestígio social e
político?

Necessitamos de um pugilo de heróis para realizar o grande ideal de uma nova
educação.
OS MALES DA

                       EDUCAÇÃO ESCATOLÓGICA



Uma das principais razões por que a nossa educação chamada religiosa se
tornou eticamente ineficiente é o seu caráter escatológico, quer dizer, a falsa
concepção do homem após-morte. É sobretudo neste ponto que estamos
navegando em águas tipicamente medievais, quando bem poderíamos ter da
vida futura concepção menos infantil e inadequada.

Um dos setores da teologia eclesiástica do Ocidente, o mais conhecido entre
nós, ensina que, após a morte física do homem, vai sua alma (não ele!) para
um de dois lugares definitivos que existem no “outro mundo”: céu ou inferno; ou
então para o purgatório, lugar provisório onde a alma deve expiar os pecados
veniais, como também as penas temporais dos pecados mortais, cuja culpa e
pena eterna já foram canceladas antes da morte.

O outro setor da teologia eclesiástica ensina o mesmo quanto a céu e inferno,
negando apenas a existência de um lugar provisório de purificação.

Tomando por fundo qualquer uma dessas concepções teológicas, torna-se
assás difícil a tarefa da educação. O único elemento razoável que existe
nessas ideologias é o do purgatório – mas, por infelicidade, é precisamente
esse fator que foi abolido pelo protestantismo, e é relegado a segundo plano
pela teologia romana. Nenhuma dessas teologias se guia por um espírito de
verdadeira e genuína “catolicidade”, palavra grega para “universalidade”.

Neste particular, o espiritismo cristão deu um grande passo para frente, não
ensinando pecado herdado de terceiros, mas pecado herdado do próprio
pecador e cometido em existência anterior. Embora não consideremos o
espiritismo como sendo simplesmente como idêntico ao cristianismo do Cristo
(o qual, aliás, é inorganizável, porque toda organização é filha do egoísmo!),
admitimos, contudo, que ele contribuiu e com preciosos elementos para a
evolução espiritual do Evangelho do Cristo. A sua doutrina escatológica é bem
mais aceitável e fornece melhor base educacional do que os dois tipos de
cristianismo acima mencionados. Deixando de parte a tendência sectária e
dogmatizante que invadiu vastas camadas do espiritismo brasileiro, achamos
que esse movimento, no seu plano superior, asectário, poderá prestar notáveis
serviços à cristificação do nosso tradicional cristianismo.
Nem a razão humana nem a revelação divina admitem a idéia de que o
homem, com a perda de seu corpo material, entre num estado definitivo. Tanto
os fatos históricos milenares como também a psicologia abismal dos nossos
dias provam o contrário. A evolução do homem não termina com 50, 80 ou 100
anos de vida terrestre. Mesmo não admitindo a teoria da reencarnação
material, somos obrigados a aceitar que “há muitas moradas na casa do Pai
celeste”, isto é, muitos estados nos quais o ser humano possa fixar morada ou
permanência temporária, na sua longa jornada rumo a Deus. E como “cada um
colherá o que semeou”, é evidente que o homem colherá cada vez, na
existência subsequente, o que semeou na existência antecedente. A lei básica
de “causa e efeito” (karma) abrange todos os setores do universo individual. A
Constituição Cósmica não permite que o homem, após-morte, perca a sua linha
de continuidade com a vida presente, que deixe de haver homogeneidade entre
essa fases várias de existência única. Não há “outra vida”, há uma vida única
em diversas fases de evolução – assim como acontece em outros setores da
natureza; a vida da borboleta é essencialmente a mesma que a vida da
crisálida, da lagarta e do ovo; apenas os graus de vitalidade e as formas de
manifestação dessa única vida são vários. Também a vida da planta é
essencialmente idêntica à vida da semente que lhe deu origem, ou ainda da
semente produzida por essa planta.

Essa lei da continuidade da vida em diversas fases é de suma importância para
o problema da educação.

Segundo as teologias eclesiásticas, pode um homem levar 50 anos de vida em
pecados e crimes, aqui na terra, e logo após a morte física estar isento de
todos os efeitos dos seus atos – seja em virtude de uma absolvição
sacramental, seja em consequência de um momentâneo ato de fé no sangue
redentor de Jesus.

Ora, é evidente que, neste caso, não existe proporção alguma entre causa e
efeito, entre a gravidade da culpa, por um lado, e a função da absolvição
sacramental ou da fé fiducial, por outro. E essa flagrante desproporção entre o
débito e o seu cancelamento gera nos que adotam essas teologias um estado
de indiferença ou leviandade relativamente ao verdadeiro caráter do pecado ou
delito; pois, se tão fácil é a libertação do débito moral contraído, por que deixar
de o contrair, quando, em geral, a criação desse débito da culpa se acha ligada
a um gozo de maior ou menor intensidade? Se posso roubar, matar, mentir,
defraudar, e gozar das vantagens imediatas desses pecados, porque não
praticar esses atos e gozar das suas vantagens, se, na fração de um minuto,
poderei libertar-me, mais tarde, dos efeitos ingratos que decorrem dessas
causas? Se tão fácil é o rompimento dos elos da cadeia kármica dos meus atos
negativos, porque ainda envidar ingentes esforços por evitar a criação dessa
cadeia, resistindo à tentação de roubar, matar, mentir, defraudar, etc. ? Não me
aconselha a “lei do menor esforço” escolher o mais fácil, que, neste caso, é
cometer o pecado e libertar-me das suas consequências por meio de um
momentâneo ato de arrependimento posterior – tanto mais que a resistência ao
mal é, não raro, tão tremendamente difícil e doloroso? Porque não corrigir o
mal por um ato fácil de arrependimento, em vez de o prevenir por uma atitude
difícil de não-cometimento?

No plano biológico, quase todas as pessoas, sobretudo aqui no Brasil, adotam
essa política de corrigir os males físicos, em vez de se guiarem pela filosofia de
os evitar. Todos os meios de publicidade – imprensa, rádio, televisão –
apregoam sem cessar esse charlatanismo barato do corrigir em vez de
prevenir. Você está com dor de cabeça? Tome um comprimido “A”. Está com
azia de estômago ou má digestão? Ingira a droga “B”! Sofre de inapetência? Vá
a drogaria da esquina e compre o aperitivo “C”! É vítima de astenia sexual?
Tome a injeção “D”!

Não é esta a política doentia de suprimir sintomas que quase todo o mundo
pratica, em vez de seguir a filosofia sadia de prevenir as causas dos males?

Infelizmente, as nossas organizações religiosas cometem o mesmo
charlatanismo moral ou imoral, ensinando a seus adeptos o modo de se
libertarem dos efeitos dos seus pecados, em vez de lhes mostrar como
evitarem as causas desses efeitos, o que seria cura do mal, e não apenas cura
de sintomas do mal.

Esse caráter deletério e antimoral adere, sobretudo, à prática rotineira da
confissão sacramental. Suponhamos um jovem de 20 anos, tentado de cometer
pecado de homossexualismo, ou pessoa casada tentada de adultério; pode ser
dificílima a resistência ao pecado. Mas, se a pessoa sabe que, depois de
cometido o pecado, pode libertar-se dele confessando-se rapidamente, e
depois continuar a viver como se nada tivesse acontecido – quem não
escolheria esse caminho mais fácil, em vez de criar dentro de si uma alta
voltagem de resistência moral?

Esse infeliz costume de dizermos aos pecadores que, depois de perdoado o
pecado – seja pela confissão, seja por um ato de fé –, eles se tornaram tão
puros como antes, esse costume, além de envolver grande mentira, é um
desastre psicológico e educacional. Não é verdade que, depois de um simples
ato de arrependimento, o pecado seja totalmente cancelado, como se não fora
cometido. De cada ato mau permanecem resíduos venenosos nas profundezas
da alma, facilitando novas quedas e colocando o pecador habitual num
perigoso plano inclinado, onde futuras recaídas se tornam cada vez mais
fáceis, e futuras resistências se tornam cada vez mais difíceis. A palavra “vício”
vem de “vez” (vezo!); “vício” é uma atitude negativa, permanente, que resultou
de muitas “vezes” de atos repetidos. Um jovem que cedeu 100 vezes ao
pecado de luxúria, e 100 vezes se confessou e arrependeu desse pecado, não
está puro como no princípio; está gravemente contaminado, pelo menos nas
subconscientes profundezas de seu ser; é um viciado, uma vítima passiva e
quase indefesa. A verdadeira educação não está em lhe mostrar apenas como
se arrepender do pecado, mas sim em lhe ministrar motivos eficientes para não
recair no pecado.

E que motivos seriam esses? Em última análise, já o dissemos, não podem ser
motivos externos, como o medo do inferno, uma vez que esse inferno já está
evitado pelo arrependimento ou confissão; o motivo real e eficiente só pode ser
o respeito à sua própria dignidade, ao santuário da sua natureza humana, ao
seu EU divino que, de forma alguma, deve ser profanado, porque no respeito à
sacralidade desse divino EU é que reside todo o valor, toda a alegria e toda a
felicidade da vida humana.

Assim como, no plano biológico, a ingestão habitual de remédios diminui
gradualmente a resistência interna do organismo, tornando-o cada vez mais
alérgico a novos ataques mórbidos – da mesma forma é o pecador debilitado
moralmente pela aplicação de paliativos externos sem uma sólida resistência
interna. Se um corpo humano possuía, digamos, 10 graus de resistência ao ser
atacado por algum mal, se não recebe auxílio de fora em forma de alguma
droga ou injeção, vê-se obrigado a apelar para as latentes reservas internas e
aumentar a sua resistência biológica de 10 a 11, a 12, a 15, a 20, a fim de fazer
frente ao inimigo; mas, se recebe reforços de fora, em forma de remédio fácil,
deixa de intensificar a sua resistência interna, sabedor de que vai receber
auxílio de fora, assim, em vez de aumentar sua natural resistência e criar
imunidade contra a crença, diminui a sua energia vital, baixando de 10 a 9, a 8,
etc., consoante a frequência e rapidez com que recebe os auxílios artificiais de
fora; habitua-se o corpo a obedecer à “lei do menor esforço”, esperando
receber de fora o que poderia criar de dentro – e está estabelecido o perigoso e
vicioso estado de alergia permanente.

É exatamente este o caso, no terreno da ética e da educação, quando o
homem confia em auxílios automáticos de fora, em vez de criar resistência vital
de dento. E o mal da nossa educação escatológica, que induz o homem a
remediar, de preferência, os efeitos de seus atos, em vez de prevenir as
causas dos mesmos. Esse charlatanismo moral, ou imoral domina vastos
setores do nosso sistema educacional, tanto civil como religioso. Necessitamos
de médicos que nos mostrem como prevenir os males em sua própria causa
profunda, e não de curandeiros que nos ensinem como corrigir ou camuflar os
sintomas superficiais do mal.

Quer dizer que não devemos apelar para motivos religiosos, no terreno da
educação?

Devemos, sim, e muito mais energicamente do que temos feito até hoje. O
grande psicólogo e psiquiatra da atualidade, Carl Gustav Jung, afirma em
quase todos os seus livros que no fundo de todas as curas verdadeiras está o
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Huberto rohden novos rumos para a educação

  • 1. HUBERTO ROHDEN NOVOS RUMOS PARA A EDUCAÇÃO UNIVERSALISMO
  • 2. ADVERTÊNCIA A substituição da tradicional palavra latina crear pelo neologismo moderno criar é aceitável em nível de cultura primária, porque favorece a alfabetização e dispensa esforço mental – mas não é aceitável em nível de cultura superior, porque deturpa o pensamento. Crear é a manifestação da Essência em forma de existência – criar é a transição de uma existência para outra existência. O Poder Infinito é o creador do Universo – um fazendeiro é criador de gado. Há entre os homens gênios creadores, embora não sejam talvez criadores. A conhecida lei de Lavoisier diz que “na natureza nada se crea e nada se aniquila, tudo se transforma”, se grafarmos “nada se crea”, esta lei está certa mas se escrevermos “nada se cria”, ela resulta totalmente falsa. Por isto, preferimos a verdade e clareza do pensamento a quaisquer convenções acadêmicas.
  • 3. PREFÁCIO DO EDITOR PARA A QUARTA EDIÇÃO No início do primeiro capítulo deste livro, o autor faz esta corajosa afirmação: “O problema máximo da época é, sem dúvida, o da educação da infância, da juventude – e também de adultos”. Embora esse dramático brado de alerta tenha sido proferido há quase quatro décadas, o problema ainda não foi solucionado. Embora tenha havido significativos avanços, o problema da educação, em todos os seus níveis, continua aguardando solução. Este é um dos motivos que nos levaram a relançar Novos Rumos para a Educação – O caso de uma ideologia decrépita – Alvorada de uma filosofia dinâmica –, de autoria do filósofo e educador, professor Huberto Rohden. Há vários anos esgotada, a editora tem recebido cobrança editorial, por muitos daqueles que tiveram, de uma ou de outra maneira, contato com esta poderosa mensagem educacional. Atendendo a pedido de educadores, pedagogos, professores de todos os graus, críticos e leitores, estamos relançando, em 4- edição, esta pequena obra-prima da literatura pedagógica. A origem da obra é uma série de conferências que o autor deu em 1958, no auditório do Ministério da Educação, do Rio de Janeiro, sobre Educação e Cosmocracia Mundial. Rohden não apresenta um programa de educação construído nos modelos tradicionais. Seu enfoque é mais dirigido à educação individual do ser humano. Sua abordagem está centrada no conceito de autoconhecimento e auto- realização. Ele faz esta advertência: “Este livro trata de assuntos um tanto remotos e ignotos – focaliza um novo tipo de educação e um novo regime social. É, pois, óbvio que não se trata de um livro de leitura fácil e rápida, mas sim de um estudo que exige compreensão e penetração”. Novos Rumos para a Educação é obra gêmea de outro livro de Rohden – Educação do Homem Integral, escrito em 1972, e publicado, em várias edições, por esta editora. Huberto Rohden, como filósofo e educador, com larga experiência educacional em universidades internacionais e brasileiras, conhecia profundamente o
  • 4. problema da educação mundial. Aliás, toda a sua obra como escritor e mestre espiritual está voltada para a educação do ser humano. No final deste livro, como texto complementar, publicamos a última entrevista pública que o professor Huberto Rohden concedeu ao jornalista José Ítalo Stelle, e posteriormente impressa na revista Visão de 9 de fevereiro de 1981, cujo assunto e título – Educação da Consciência – são altamente convergentes com a mensagem deste livro. O Editor.
  • 5. PERSPECTIVAS Durante o ano de 1958 realizei uma série de conferências, no auditório do Ministério da Educação, do Rio de Janeiro, sobre o tema “Novos Rumos para a Educação”. No ano subsequente discorri largamente, no mesmo local, sobre o problema “Cosmocracia Mundial”. Fiz ver, nessas duas séries de elucidações ético-filosóficas, que o Brasil, como o mundo em geral, se acha na linha divisória entre duas eras evolutivas de grandes consequências, e que os mentores das futuras gerações devem preparar-se devidamente para a missão de orientarem com segurança os homens de amanhã. Essa nova forma de democracia – que costumo denominar “cosmocracia” – não será o produto de uma revolução externa, mas sim de uma evolução interna; não serão as armas, mas as almas que decidirão sobre os novos rumos que o Brasil e a humanidade vão tomar. Necessitamos não de uma nova ciência social, mas sim de uma nova consciência individual, que projete os seus efeitos sobre o plano da sociedade. É matematicamente impossível que a sociedade seja melhor do que a soma total dos indivíduos que a compõem, porque aquela não é senão o composto destes componentes. É uma utopia pueril querer reformar a sociedade sem regenerar os indivíduos. A nova forma de democracia que está para vir, a cosmocracia, é impossível sem um novo conceito de educação. Mas é precisamente aqui que surge o grande problema... Como realizar essa nova educação? Será suficiente elaborar e promulgar um novo programa educacional – feito, possivelmente, por uma comissão de técnicos nomeada ad hoc? Programa com tantos artigos e tantos parágrafos? Será suficiente dotar a sociedade de novo estatuto jurídico, social, moral? Muitos dentre nós julgam, de fato, que o mal esteja na deficiência de estatutos e programas, e que, se estes fossem melhorados, teríamos um Brasil melhor, um mundo mais feliz. Longe de querermos negar a necessidade de melhores programas e técnicas educacionais, confessamos explicitamente que disto temos urgente necessidade... Negamos, todavia, e com toda a veemência, que isto resolva o problema central. O melhor dos programas não funciona quando entregue a um
  • 6. homem, ou a um grupo de homens, que não sejam internamente bons, profundamente verdadeiros, realmente “desegoficados” e genuinamente crísticos. A sociedade será tão boa ou tão má como os melhores ou piores indivíduos que a constituírem. Ser bom não que dizer possuir um verniz de honestidade legal ou uma reputação cívica imaculada. É possível que um homem seja um cidadão 100% honesto, perante a lei, e, apesar disto, 0% bom, perante Deus e a consciência. Ser internamente mau e externamente bom são coisas perfeitamente compatíveis em face da nossa decantada “civilização cristã ocidental”. De intimis non curat praetor, diziam os antigos romanos – com as coisas internas não se preocupa o magistrado. Quando um funcionário público cumpre as obrigações do seu ofício, é ele considerado honesto, quer dizer, legal e juridicamente inatacável – mas é possível que seja humanamente mau. O foro externo não coincide, necessariamente, com o foro interno. A lei cogita daquele – mas a educação tem que ver com este. E é aqui que se bifurcam os caminhos entre simples instrução e verdadeira educação. O que, hoje em dia, se chama educação é, quase sempre, mera instrução. A instrução se refere aos objetos. A educação visa o sujeito. É, certamente, necessário que o homem seja instruído – mas não é suficiente. Para ser instruído, basta colher certa soma de conhecimentos exatos sobre diversos objetos que o homem possui ou procura possuir – mas, para ser educado, é necessário que, dentro de seu próprio sujeito, realize as qualidades que perfazem o seu verdadeiro Eu. A ciência – escreve Einstein, no seu livro Aus meinen spaeten Jahren – descobre os fatos objetivos da natureza (das was ist, aquilo que é) – mas a filosofia realiza valores dentro do próprio homem (das was sein soll, aquilo que deve ser). O descobrimento de fatos externos torna o homem erudito – mas a realização de valores internos torna o homem bom, e o homem realmente bom é um homem feliz. Descobrir fatos fora de nós é instrução – realizar valores dentro de nós é educação. É chegado o tempo para darmos à educação um caráter genuinamente humano, realizando valores ou qualidades dentro do próprio homem.
  • 7. Não basta conhecermos objetos, por mais necessário que isto seja – é necessário que realizemos valores internos, despertando potências dormentes nas profundezas da natureza humana. *** Embora, à primeira vista, essa distinção entre objetos e sujeito pareça simples jogo de palavras, ela marca, na realidade, a linha divisória entre dois mundos, entre o mundo horizontal do ter e o mundo vertical do ser; entre aquilo que o homem tem ou pode ter, fora de si – e aquilo que o homem é ou deve ser, dentro de si. Todos os meus cursos de Filosofia Universal e Filosofia do Evangelho, aqui em São Paulo, no Rio de Janeiro, e alhures, bem como quase todos os meus livros giram, direta ou indiretamente, em torno desse momentoso problema do “ser” e do “ter”, daquilo que o homem é ou deve ser, e daquilo que o homem apenas tem ou deseja ter. O homem comum só se interessa pelo “ter”, pelas quantidades – ao passo que o homem mais avançado se entusiasma pelo “ser”, pelas qualidades. Pode-se mesmo afirmar que tanto mais educado e culto é um homem quanto mais faz prevalecer, em sua vida, o mundo qualitativo do “ser” sobre o mundo quantitativo do “ter”. O verdadeiro educador deve ser um homem altamente “realizado”; deve ter realizado em si os seus mais profundos valores humanos; só assim poderá servir de guia e mentor a outros, não tanto pelo que diz ou faz, mas sobretudo pelo que é. Deve ser plenamente educado, para que possa educar. Ser educado não que dizer apenas ter bons modos sociais; quer dizer (como insinua a própria etimologia da palavra) que o bom educador deve ter despertado em si os verdadeiros valores da natureza humana. “Educar” vem do verbo latino educare, derivado de educere, que quer dizer “eduzir”, conduzir para fora, ou seja, despertar no homem aqueles elementos positivos que nele se achavam dormentes, como sejam, verdade, justiça, amor benevolência, solidariedade, etc. O educador é um “edutor”, alguém que “eduz” do seu educando o que nele dormita de melhor e mais puro. Educar não é injetar, impingir, mas sim eduzir e desenvolver o que já existe na alma do educando, assim como a luz solar desperta e desenvolve na semente a planta que nela existe potencialmente. Mas, como poderia alguém despertar em outrem os bons elementos, se no despertador não estivessem esses elementos, plenamente despertados? Para que alguém possa “eduzir” o que há de bom em seu educando, deve ele mesmo achar-se firmemente consolidado nesse plano do bem, ao qual quer elevar seu pupilo. Quem tenta “empurrar” em vez de “atrair” não é educador, não “eduz”, porque ele mesmo não está “eduzido”, fora do abismo. Só um “eduzido” pode “eduzir” os outros. Por isto, o educador deve ir na vanguarda do
  • 8. ser bom, e não ficar na retaguarda do ser mau, tentando empurrar o seu educando para a vanguarda das alturas, onde ele mesmo não está. Em última análise, todo esse problema educacional se resume numa questão de verdade integral e de absoluta sinceridade que o educador deve ter para consigo mesmo; quem não é 100% aquilo que ele diz aos outros não pode ser educador; não pode “eduzir”, conduzir para fora da zona negativa do mal, porque ele mesmo não se acha fora dessa zona. Ser educador equivale a um tremendo desafio para ser integralmente verdadeiro e honesto consigo mesmo. Quem não está disposto a aceitar esse desafio para uma veracidade integral e absoluta, não se exponha a essa perigosa e gloriosa aventura de querer educar os outros. De maneira que o problema da educação culmina, logicamente, no problema central da auto-realização do homem. Para que alguém seja um verdadeiro educador não basta estudar essa psicologia periférica e superficial que vem exposta na maior parte dos nossos compêndios – é necessário que desça à psicologia abismal de seu próprio Eu, aos mais profundos abismos da sua centralidade, entrando em contato direto com o alicerce cósmico da sua natureza humana, daquilo que ele “é”, e não apenas daquilo que ele “tem”. A educação total exige a realização do homem integral. Mas quem nos dará esses homens integrais? Não há governo no mundo que possa criar ou decretar – é necessário que o indivíduo desenvolva dentro de si mesmo esse homem integral. E isto é possível, felizmente, porque dentro de cada um de nós existe algo maior e melhor do que aquilo que existe fora de nós. O homem é muito mais aquilo que pode vir a ser e deseja ser do que aquilo que é no plano histórico da sua vida. O homem é a sua permanente e silenciosa atitude interna, e não os seus ruidosos atos externos e transitórios. O homem é a sua eterna potencialidade, e não apenas a sua atualidade temporal. Homem, procura ser no teu externo existir aquilo que és no seu interno ser! Homem, existencializa humanamente a tua divina essência – e serás ótimo educador, por seres plenamente educado!
  • 9. ADVERTÊNCIA E ORIENTAÇÃO Este livro trata de assuntos um tanto remotos e ignotos – focaliza um novo tipo de educação e um novo regime social. É, pois, óbvio que não se trata de um livro de leitura fácil e rápida, mas sim de um estudo que exige compreensão e penetração. Por isto, nos vimos obrigados a repetir, de modos vários, certos problemas centrais da vida, para que lentamente calem e se infiltrem na alma do leitor. O homem de paladar doentio exige cada dia iguarias novas e esquisitas – ao passo que ao homem de saúde normal apetecem-lhe, durante anos e decênios, os mesmos manjares cotidianos, com pouca variação, porque ele come para viver, e não vive para comer. Esperamos que os nossos leitores possuam saúde normal e não se aborreçam com o fato de encontrarem repetidos, em diversos capítulos deste livro, pensamentos similares, cuja assimilação eficiente só é possível deste modo. Escusado é dizermos que não consideramos o conteúdo destas páginas como a última palavra sobre o assunto nem é intenção nossa dizer algo de inédito e definitivo. Apontamos tão-somente a direção certa, à guisa daquelas setas nas encruzilhadas dos caminhos, para que o viandante saiba em que direção deve ir; se parasse diante da seta falharia o sentido da mesma. Julgamos certa a direção geral indicada, e deixamos a outros a elaboração de programas técnicos pormenorizados sobre o magno problema de uma nova educação individual e de um novo regime social. Em última análise, tanto este como aquela dependem da evolução interna do homem – e essa evolução é algo tão misterioso e imponderável que não pode ser, propriamente, objeto de um livro, mas sim o fruto de uma experiência interna, silenciosa e anônima. Se algum leitor achar certos capítulos deste livro traumatizantes e demolidores, convença-se de que só destruímos para construir algo melhor. Em vez de se insurgir contra o autor, pondere, calma e serenamente, os prós e os contras, a fim de conhecer a verdade – “a verdade libertadora”.
  • 11. EDUCAÇÃO – PROBLEMA VITAL DA ATUALIDADE O problema máximo da época é, sem dúvida, o da educação da infância, da juventude – e também dos adultos. É alarmante o vertiginoso aumento da criminalidade, sobretudo entre jovens de 14 a 18 anos. As autoridades estão desorientadas. O povo vive num ambiente de terrorismo permanente. Cogita-se introduzir na legislação brasileira a pena de morte, a fim de coibir ou diminuir essa onda de delinquência. Acreditam muitos que punir o criminoso seja medida eficaz para opor um dique à perversidade dos delinquentes potenciais. Por mais necessárias que sejam certas medidas punitivas e repressivas, de ordem legal e policial, é erro gravíssimo supor que essas medidas possam produzir mudança ponderável no plano da criminalidade. Em última análise, esses expedientes legais e policiais, embora necessários, são uma repressão de sintomas externos do mal, e não uma cura da raiz interna do mesmo; atingem os efeitos, mas não a causa da criminalidade. Quem reprime apenas sintomas, e não cura a raiz do mal, é charlatão, e não médico. É de candente necessidade que tratemos seriamente da cura da raiz do mal – e, nesse setor, quase nada se está fazendo. Os supostos remédios de que lançamos mão primam por sua ineficiência e seu obsoletismo. Possivelmente, esses remédios tenham sido eficazes em séculos idos, na Idade Média, no seio de uma humanidade diferente da nossa; mas, em nossos dias, são quase totalmente ineficientes, porque a nossa humanidade não está vivendo no século XIII. Os últimos séculos modificaram profundamente a estrutura mental e moral do homem. A humanidade saiu da sua infância, e, em grande parte, também começa a ultrapassar sua adolescência, para entrar na idade madura. O que era bom e ótimo para séculos passados, prova-se nulo ou fraco para o século XX. É justo que uma criança cumpra cegamente a ordem de seus pais, sem compreender o porquê dessas ordens; tem de fechar os olhos e obedecer, na certeza de que seus pais sabem o que seja melhor para o verdadeiro bem do filho. De fato, a humanidade Ocidental viveu, longos séculos nesse clima de infância mental e moral, tanto no plano civil como religioso; de olhos fechados, aceitava e acatava qualquer ordem de cima, fosse da autoridade civil, fosse da
  • 12. hierarquia religiosa. Não culpamos esses tempos. A infância é um período natural e necessário para a vida de cada homem, como também da humanidade. Mas infância não significa infantalismo. Aquela é um estado natural e sadio; este seria um fenômeno desnatural e mórbido. Com o ocaso da Idade Média e a alvorada da Renascença, a humanidade cristã do Ocidente, ou pelo menos a sua parte pensante, deixou a infância e entrou na adolescência. E não pode voltar atrás. Por outro lado, também não pode parar nesse plano de intelectualismo, próprio da adolescência. Ninguém pode devolver às suas nascentes o Amazonas, nem ninguém pode opor-lhe um dique no seu vasto estuário. As suas massas líquidas têm de desaguar no oceano. As leis da evolução são inexoráveis. Não dependem de nós. A humanidade de ontem foi boa por ignorância, a humanidade de hoje é má por inteligência – a humanidade de amanhã tem de ser boa por sapiência. Da ignorância à sapiência vai um caminho longuíssimo, margeado de precipícios, eriçado de empecilhos – e nós estamos trilhando este caminho. Muitos suspiram, saudosos, pelos “bons tempos” da fé medieval e acham que a solução está no regresso a essa infância da humanidade. Outros apregoam a intensificação da ciência e da técnica, por meio do intelecto, e esperam melhores dias das nossas conquistas científicas, rumo aos átomos ou rumo aos astros. Entretanto, a solução definitiva dos nossos mais dolorosos problemas não está neste nem naquele plano. Temos de ultrapassar tanto a ignorância infantil de ontem como a inteligência juvenil de hoje e entrar na zona da sapiência do homem maduro de amanhã. Mas esse “amanhã” pode ser iniciado hoje mesmo. O infante de ontem e o adolescente de hoje são o homem maduro de amanhã. Por isto, necessitamos de novos rumos para a nossa educação, que está marcando passo em terrenos que não correspondem às necessidades do homem de hoje e de amanhã.
  • 13. A FALÊNCIA DA EDUCAÇÃO LEIGA E DA EDUCAÇÃO RELIGIOSA Temos no Brasil dois tipos de educação: leiga e religiosa. Ambos falharam ou estão falhando. A primeira é superficial; a segunda tem caráter póstumo. No setor da educação leiga, ou cívica, ministrada nos estabelecimentos públicos, inculca-se ao educando a necessidade de ser honesto, de não mentir, não matar, não roubar, não defraudar, etc., porque há uma lei que proíbe tais coisas; o transgressor será punido com cadeia ou multa. Espera-se que o educando seja honesto e bom para não transgredir a lei civil e sofrer suas sanções. Ora, quem não vê que semelhante sanção é totalmente ineficiente? Eficiente, talvez, para alguns atrasados e menos inteligentes, porém ineficiente para os mais adiantados e perspicazes. Quem comete um crime imperfeito sofrerá as consequências legais e policiais da sua transgressão – mas quem for assaz inteligente para cometer um crime perfeito, esse não corre perigo de ser preso ou multado. Temos vasta literatura e numerosas películas cinematográficas que ensinam aos jovens, e aos adultos também, a arte de cometerem crimes perfeitos. Nas exibições públicas, é verdade, há censura prévia, em virtude da qual o transgressor da lei tem de acabar punido para que a lei saia triunfante e soberana. Mas os candidatos à delinquência sentem maiores simpatias pelo criminoso punido do que pelas autoridades que punem, e lamentam secretamente que o herói não tenha sido assaz inteligente e jeitoso para burlar a lei, e resolvem ser mais astutos do que os seus heróis cinematográficos, cometendo crime perfeito. Não há lei humana, por mais bem elaborada, que possa manter dentro das suas malhas um criminoso inteligente. Pode um homem ser um cidadão legalmente honesto, honestíssimo – e ser ao mesmo tempo uma ruína moral. Pode ser uma negação total no plano ético e , não obstante, ocupar altos postos públicos, com imaculada decência legal. Na realidade, a perfeita lisura legal é compatível com a absoluta ausência de ética. Pode um homem ser 100% “civilizado” e 0 % “educado”, porque a civilização se refere a seu comportamento legal, externo, e a educação a seu caráter moral interno. *** De resto, que é que pretende a chamada educação leiga ou cívica?
  • 14. Pretende, antes de tudo, colocar nas mãos do educando a ferramenta necessária para vencer na vida, para conquistar posição social e econômica, para acumular a maior quantidade possível de “matéria morta”, mesmo explorando seus semelhantes, contanto que essa exploração seja praticada dentro do âmbito da lei – e isto é possível em vasta escala. Um cidadão perfeitamente legalizado pode ser um homem nada moralizado; como, porém, a moralização é a verdadeira educação, pode um cidadão 100% legal ser um homem 100% amoral. A amoralidade, porém, é o prelúdio para a imoralidade, isto é, para a criminalidade. Quer dizer que a chamada educação leiga ou cívica não é educação alguma; é apenas um processo de instrução horizontal, um sistema de aparelhamento que visa o mundo dos objetos fora do educando, e nada tem que ver com o mundo do sujeito dentro dele. A verdadeira educação, porém, tem por fim plasmar o caráter do educando, torná-lo melhor como ser humano, e não apenas mais hábil como conquistador de objetos impessoais em torno dele. Pode a instrução adestrar o homem na velha política e diplomacia de acumular “matéria morta” ao redor de si – mas a educação ensina ao homem a nobre filosofia de criar valores vivos dentro dele mesmo. No seu livro Aus meinem spaeten Jahren, como já mencionamos, diz o grande matemático Albert Einstein que a ciência ensina ao homem a descobrir os fatos reais da natureza objetiva (das was ist, aquilo que é), mas que a filosofia lhe ensina a criar valores subjetivos dentro de si mesmo (das was seira soll, aquilo que deve ser). A ciência, descobrindo fatos, torna o homem erudito, mas a filosofia, realizando valores, torna o homem bom e feliz. A instrução é científica e desenvolve a inteligência do homem – a educação é sapiente e molda a alma do homem. Nenhum homem deixa de ser mau por ser inteligente, mas todo homem diminui a sua maldade na razão direta que aumenta a sua sapiência, porque sapiência é bondade e espiritualidade. O velho slogan de que “abrir uma escola é fechar uma cadeia” é peça de museu. Está desmentido pelos fatos. Quase todos os grandes criminosos da história da humanidade eram homens inteligentes, alguns deles de grande erudição – o que não os impediu de serem grandes malfeitores. Se “escola” fosse sinônimo de “educação”, nada teríamos que objetar; mas, por via de regra, não é o que acontece. Ensinar a alguém o ABC e a tabuada não é o mesmo que educá-lo. A verdadeira educação opera numa dimensão totalmente diferente do plano da simples instrução. *** Até aqui devem os educadores leigos estar insatisfeitos comigo, e satisfeitos os educadores religiosos. Infelizmente, não estou em condições de manter nesses últimos a satisfação que até aqui experimentavam. Nos institutos educacionais
  • 15. particulares existe a educação religiosa, orientada por esta ou aquela igreja ou grupo espiritual. Seria de esperar que pelo menos esse tipo de educação fosse mais eficiente e desse a seus adeptos base mais sólida de ética individual e social. Entretanto, as estatísticas oficiais dos países não acusam a menor diferença, quanto à criminalidade, entre os delinquentes leigos e os delinquentes religiosos. Prova isto que a educação religiosa, ou melhor eclesiástica, não afeta a vida ética do homem, é algo justaposto à vida, como elemento estranho e heterogêneo, e não organicamente entrelaçado com a vida, como algo homogêneo à mesma. Há, naturalmente, exceções individuais, sobretudo naquelas pessoas que ultrapassaram a simples crença dogmática e entraram na zona da experiência íntima de Deus e da sua própria alma. Mas os grupos religiosos como tais não provam que a educação religiosa, como ela está sendo ministrada oficialmente, tenha exercido impacto ponderável sobre a vida ética dos que pertencem a esses grupos. Salvo honrosas exceções, a religião organizada, em seu setor oficial, não visa à vida presente do homem, aqui na terra, mas tem que ver com uma vida futura, em outras regiões do universo. Ela é, por assim dizer, além-nista e futurista. Ela é, visceralmente, póstuma. Os seus argumentos giram em torno do céu e inferno, palavras clássicas com que as teologias entendem determinados lugares, futuros e distantes, que o homem só descobrirá depois da morte. Os que na terra forem bons serão premiados no céu, e os que forem maus serão punidos no inferno. Aparentemente, deveriam esses argumentos moralizar o homem, aqui na terra, afastá-lo do mal e aproximá-lo do bem – e, de fato, assim acontecia em tempos antigos. Se o homem do século XX ainda tivesse em si aquela fé ingênua dos seus antepassados do século XIII, exerceriam esses argumentos de céu e inferno plena influência sobre a vida ética do homem, porque ninguém gosta de sofrer, e todos querem gozar. Mas em nossos tempos, esses argumentos, um dia eficientes, são ineficientes, pelo menos para a elite pensante da humanidade. Segundo os teólogos, céu e inferno são lugares que não existem na vida e no mundo presente, mas sim em outras partes do universo e serão descobertos após a morte. Quer dizer que, na vida presente, aqui na terra, tem o homem de ser bom por causa de algo que lhe vai acontecer, daqui a 20, 40, 60, anos, em regiões ignotas e distantes, de cuja localização ninguém pode ter certeza. O apelo dos teólogos para essa sanção póstuma não exerce influência decisiva sobre o homem moderno em geral. Somente os mais atrasados ou os que têm proibição de pensar livremente, ainda se impressionam com esses argumentos; os mais adiantados e emancipados não são por eles atingidos.
  • 16. E isto por razões muito óbvias; uns não creem na existência real de céu e inferno, como lugares geográficos ou astronômicos, uma vez que a ciência provou, e vai provar cada vez mais, que não existe, em recanto algum do cosmos, um lugar onde Deus esteja sentado em seu trono, rodeado de seus anjos e santos – nem existe, debaixo ou dentro da terra, uma fogueira onde o diabo com seus demônios e condenados estejam residindo. Outros, que talvez creiam ainda em céu e inferno, acham que é muito cedo para se preocuparem com isto. Um jovem pecador de 20 anos espera viver pelo menos mais 40 anos, e depois disto, em idade avançada, começará a pensar em como evitar o inferno e entrar no céu. E isto não lhe será difícil; as teologias e igrejas lhe garantem que um ato de conversão – seja pela confissão ou extrema-unção, seja pela fé no sangue do Cristo Redentor – cancelará todas as suas maldades pretéritas. E assim, calcula o pecador, entrará ele no céu de Deus, depois de ter gozado aqui todos os céus dos homens; espera lograr a Deus do mesmo modo que sempre logrou os homens... As igrejas organizadas envidam ingentes esforços para manter os seus filhos dentro do seu sistema teológico medieval, proibindo-lhes qualquer liberdade de pensamento, que os emanciparia da igreja. Umas exigem aceitação incondicional de uma autoridade eclesiástica infalível, lugar-tenente de Deus; outros impõe a seus filhos a crença em um livro infalível, mensagem direta de Deus à humanidade. Os que, graças ao sacrifício da lógica, conseguem uma sujeição incondicional a uma autoridade externa, viva ou morta, humana ou papirácea, têm a vantagem de possuir pelo menos uma norma certa para a vida ética, para si e seus rebanhos. Mas esses crentes de olhos fechados vão rareando cada vez mais, ao passo que os crentes de olhos abertos (que são os sapientes) se tornam cada vez mais numerosos, graças a Deus. Infelizmente, muitos daqueles crentes de olhos fechados que não conseguem tornar-se crentes de olhos abertos, acabam por engrossar a turbamulta dos descrentes, também de olhos fechados. Não podemos construir o edifício da educação das futuras gerações sobre a areia movediça de uma teologia medieval, cujo corpo persiste, mas cuja alma morreu. Temos de dar-lhes uma educação construída sobre a rocha viva de uma filosofia racional, perfeitamente lógica, e de acordo com o estado atual da evolução humana. Céu e inferno existem, mas não como lugares, fora de nós, como veremos mais tarde. Não é necessário que rejeitemos essa fé quase duas vezes milenar; trata-se de compreender melhor o conteúdo dessa mesma fé do que o compreenderam os nossos antepassados.
  • 17. O autor destas linhas crê mais firmemente na realidade do céu e inferno do que talvez a maior parte de seus leitores. Crê, não apenas dogmática e teologicamente, mas sabe experiencialmente que há céu e há inferno, não como lugares astronômicos, mas como estados da alma e atitudes da consciência. E sobre esta profunda experiência podemos erguer o edifício sólido de uma nova educação.
  • 18. A DELINQUÊNCIA JUVENIL, FRUTO DE UMA FALSA EDUCAÇÃO Consta, pela estatística oficial, que, nos Estados Unidos, são cometidos anualmente (1958), 2.500.000 crimes que chegam ao conhecimento das autoridades. Cada 12 segundos se comete, nesse país, um crime. Desde que o leitor iniciou a leitura deste capítulo já foram perpetrados diversos crimes, e, quando o terminar, o número atingirá a diversas centenas. Entre nós, no Brasil, também é alarmante a crescente onda de criminalidade, sobretudo entre jovens de 14 a 18 anos. O mesmo acontece em diverso outros países, sobretudo aquém do Atlântico. A Suíça celebrou, há pouco, o 25- aniversário do último homicídio cometido, nesse país, por um de seus cidadãos. Entre nós nem podemos celebrar o “diário”, muito menos o “aniversário” do último crime de morte. Cada dia os jornais estão repletos de notícias de crimes de toda espécie – e o que a imprensa registra não corresponde sequer a 10% do que realmente aconteceu nessas 24 horas. Também não consta que haja qualquer diferença, no tocante à delinquência, entre pessoas pertencentes a um grupo religioso e outras sem religião determinada. Da mesma forma, não se pode responsabilizar esta ou aquela forma de governo, nem esta ou aquela raça pela maior ou menor criminalidade; nem procede a recente alegação de que o fato de existir pena de morte num país diminua os crimes. Na Inglaterra e nos Estados Unidos há pena de morte, são povos da mesma raça – e o fato é que o coeficiente da criminalidade é notavelmente menor entre os ingleses do que entre os americanos. Forma de governo, forma de religião, raça – nada disto é decisivo. Decisivo é um determinado espírito de educação que dê ao homem elevada ideia do valor da vida humana, e, em geral, dos deveres do indivíduo em face da coletividade. *** Tenho diante de mim o livro Daemon-Stadt (Cidade-Demônio) do Dr. Kurt Gauger, médico, psiquiatra e filósofo germânico, obra em que o autor, à luz de abundantes fatos recentes, estuda o alarmante problema da criminalidade juvenil, e até infantil, na Alemanha e em outros países, no período que seguiu às duas guerras mundiais. Chega à conclusão de que a presente geração,
  • 19. produto de gerações anteriores e herdeira de ideologias funestas, perdeu a noção da responsabilidade ética, porque perdeu a noção de ser parte integrante do grande TODO, seja o TODO imediato da humanidade, seja o TODO longínquo do Universo como tal. Uma criança de 12 anos mata seu pai com um tiro de revólver; interrogada pelo motivo do crime, responde cinicamente: “Matei porque quis”. Não tem o menor remorso do seu ato, diz, porque toda pessoa tem o direito de fazer aquilo que acha interessante. Em última análise, quem perde a visão de um TODO maior de quem ele faz parte e que tem de respeitar, perde necessariamente a noção da ética, da obrigação, do dever moral, porque a noção da ética se baseia na consciência de que eu sou parte de um TODO, e que esta parte tem certas obrigações naturais e indeclináveis para com o TODO, que tem direitos reais sobre mim. Como se vê, o problema da criminalidade afeta o problema da ética, e este radica no problema da metafísica, a questão da íntima natureza humana. “Que é o homem? de onde vem? para onde vai? por que está aqui na terra?” – não é possível dar base sólida à ética sem responder, satisfatoriamente, a essas perguntas fundamentais da vida. Necessitamos, não só de professores eruditos para instruir os seus alunos – necessitamos, sobretudo, de mestres de caráter que, com a sua própria vida e vivência, deem a seus discípulos o exemplo da dignidade do homem. No citado livro Daemon-Stadt, págs. 122-124, reproduz o Dr. Kurt Gauger a impressionante carta de um jovem delinquente que, à sombra da penitenciária, escreve uma espécie de exame de consciência para os “homens honestos” do mundo. Diz o jovem delinquente: “Por que vós sois fracos no bem, por isto nos destes o nome de fortes no mal – e com isto condenais uma geração contra a qual pecastes – porque sois fracos. Nós vos concedemos dois decênios para nos fazerdes fortes – fortes no amor, fortes na boa vontade – vós, porém, nos fizestes fortes no mal, porque sois fracos no bem. Não nos indicastes caminho algum que tivesse sentido, porque vós mesmos ignorais esse caminho e vos descuidastes de procurá-lo – porque sois fracos. Vosso vacilante „não‟ assumia atitude incerta diante das coisas proibidas; nós demos uns gritos – e vós retirastes o vosso „não‟ e dissestes „sim‟, a fim de poupardes os vossos nervos fracos. E a isto chamastes „amor‟. Porque sois fracos, por isto comprastes de nós o vosso sossego. – Quando nós éramos pequenos, nos dáveis dinheiro para irmos ao cinema ou comprarmos sorvete; com isto prestastes um serviço não a nós, mas sim à vossa comodidade – porque sois fracos. Fracos no amor, fracos na paciência, fracos na esperança, fracos na fé.
  • 20. Nós somos fortes no mau – mas as nossas almas têm apenas metade da nossa idade. Nós fazemos barulho para que não tenhamos de chorar por todas aquelas coisas que deixastes de nos ensinar. Sabemos ler e contar; sabemos quantos estamos há nesta ou naquela flor, sabemos como vivem as raposas e conhecemos as estrutura de um pé de capim – aprendemos a ficar quietos nos bancos de escola e apontar o dedo, a fim de contarmos coisas sobre raposas e rosas silvestres – mas não nos ensinastes como enfrentarmos a vida. Estaríamos até dispostos a crer em Deus, num Deus infinitamente forte que tudo compreendesse e de nós esperasse que fôssemos bons – mas não nos mostrastes um só homem que fosse bom pelo fato de crer em Deus. Ganhastes muito dinheiro com serviços religiosos e murmurastes orações segundo a velha rotina. Sr. Policial põe de parte o teu cassetete e tua pistola! Dize-nos antes o que nos interessa saber: é verdade que amas a ordem pública a que serves? ou não será que amas o direito que tens ao teu ordenado e à tua aposentadoria? Sr. Ministro! Mostra-nos se é forte como homem! quantas obras boas praticas tu, como cristão, às ocultas? Será que nós não somos as caricaturas da vossa existência toda feita de mentiras? Nós somos desordeiros públicos e fazemos muito barulho – vós, porém, lutais às ocultas, um contra o outro; estrangulai-vos comercialmente e armais intrigas para conquistardes posições mais rendosas. Em vez de nos ameaçardes com bastões de borracha, colocai-nos face a face com homens de verdade, que nos mostrem qual é o caminho certo, não com palavras, mas com a sua vida. Mas ai! que vós sois fracos no bem! os que são fortes no bem vão para a mata virgem e curam os negros da África – porque eles vos desprezam, assim como nós vos desprezamos. Porque vós sois fracos no bem – e nós somos fracos no mal. Mamãe, vamos rezar! porque esses homens fracos estão armados de pistolas! Como invalidar esse tremendo exame de consciência que um criminoso institui com os „homens honestos‟ da sociedade, os que são „fracos no bem‟? Certamente não com velhas teorias papiráceas, mas com uma nova realidade vital...”
  • 21. O FLAGELO DO PARASITISMO E SUA CURA É de conhecimento público, universalmente admitido e provado com inúmeros fatos que, sobretudo nos últimos cinquenta anos, o Brasil degenerou no país clássico do funcionamento parasitário. Centenas de milhares de pessoas vivem à custa dos impostos do povo, sem prestarem ao país os serviços correspondentes aos seus vencimentos. É uma clamorosa injustiça, uma roubalheira impune e, não raro, favorecida pelas autoridades públicas. Conheço pessoas que têm cinco empregos públicos bem remunerados, mas não comparecem a nenhum deles; outros se dão ao “trabalho” de “assinar o ponto”, depois vão passear ou trabalhar em outra parte, e retiram, no fim do mês, as importâncias correspondentes a serviços não prestados, explorando a boa-fé do povo que lhes paga com seus impostos. É só aparecer numa cidade um funcionário público de alto coturno e logo enxameiam os parasitos, parentes, amigos, afilhados, os partidários políticos, as amantes, e cada um deles é nomeado para um cargo, muitas vezes inexistente; o principal é que conste no papel, uma vez que estamos na época da papirocracia onipotente. Esse cancro do parasitismo explorador é, hoje em dia, considerado, quase universalmente, como situação normal e inevitável. Conforme o Diário de São Paulo de 22-8-1958, o presidente Juscelino Kubitschek declarou à imprensa: “Não é possível governar de uma cidade (Rio de Janeiro) onde residem 220 mil dos 300 mil servidores federais do Brasil todo. Três quartas partes desses funcionários vegetam na capital atual, atrapalhando, e nada mais, a administração central. Quem nada faz estorva. Além do mais, contou o chefe da Nação que os presidentes dos Institutos de Previdência podem mais do que o da República. Criam cargos, nomeiam quem entendem, e nem são obrigados a publicar as nomeações no Diário Oficial. Penso com os meus botões em mais de uma barbaridade do estapafúrdio calamitoso regime, que desgraçou a nação durante quinze anos e mais cinco”. Se três quartas partes dos 300 mil funcionários federais apenas vegetam, sem fazer nada, estorvando ainda a administração, então temos, só no funcionalismo federal, 23,5 mil parasitos ou ladrões que são mensalmente pagos com os impostos do povo, cometendo assim clamorosa injustiça, durante anos e decênios.
  • 22. E que dizer de outras categorias de funcionários que não funcionam? A ideia calamitosa de que os impostos do povo têm por finalidade precípua a manutenção de um exército de funcionários que apenas “vegetam e nada fazem”, passou a fazer parte integrante da nossa política e diplomacia pseudo democrática. Se o povo soubesse o que se passa por detrás dos bastidores e como são malbaratados os dinheiros tão arduamente ganhos por ele, e se tivesse meios para prevalecer contra os responsáveis por esses crimes, ensanguentaria o país com uma guerra civil... Excusado é dizer que não incluímos nessa censura os funcionários honestos e corretos, que, felizmente, ainda existem no Brasil, embora em minoria – 25% entre os funcionários federais, segundo a declaração do Sr. Juscelino Kubitschek. Mas não é calamitoso que 75% sejam ladrões e exploradores das economias do povo?... *** Essa praga do parasitismo não pode ser erradicada eficientemente por nenhuma medida legislativa ou coercitiva, embora essas medidas sejam necessárias para evitar maiores males. O grande mal está na falência das consciências. A desenfreada adoração do “deus-dinheiro” derrotou todas as considerações de ordem moral. Bom é aquilo que dá dinheiro; ótimo é aquilo que dá rios de dinheiro sem trabalho algum – é esta infeliz mentalidade que tomou conta do país. Enquanto o homem não passar por uma profunda reforma interior, as reformas externas, embora necessárias, são precárias e ineficientes. A reforma interior, porém, supõe algo que não está em nossos códigos nem se leciona nas Faculdades de Direito. Supõe um conhecimento de si mesmo e uma inexorável fidelidade a esse Eu superior e divino do homem, porque esse EU divino no homem, o seu Cristo interno, exige imperiosamente equivalência entre a remuneração pecuniária e o serviço prestado. Quem recebe um ordenado mensal e não presta ao povo e ao país o serviço correspondente a essa importância, é ladrão, é explorador, é réu de uma injustiça, seja qual for o seu posto – presidente, governador, prefeito, juiz, senador, deputado, vereador, professor, ou simples funcionário de uma autarquia ou varredor de ruas. Mesmo no caso que o direito humano absolva esse réu, perante a justiça do universo continua ele culpado. Ora, cada injustiça cometida é uma degradação do individuo que a comete, quer a lei humana a aprove, quer desaprove. O indivíduo que comete injustiça vai perdendo parcela do seu valor, acabando, dentro de alguns anos ou decênios, em completa falência moral, embora se tenha talvez enriquecido, materialmente, com o produto dos seus roubos. Naturalmente, se esse ladrão é
  • 23. analfabeto em matéria de conhecimento próprio e auto-realização, será impossível fazer-lhe compreender o seu triste estado; se tornou milionário à custa do suor do povo, quem lhe provará que é um desgraçado? Entretanto, essa impossibilidade de provar-lhe esse fato e colocar-lhe diante dos olhos o autêntico retrato da sua fealdade não invalida o fato dessa sua fealdade. Esse homem vai acumulando dentro de si um karma cada vez maior, um débito moral que tem de ser neutralizado, consoante a inexorável justiça da Constituição Cósmica. Mas a neutralização desse débito acumulado em 10, 20, 50 anos de abusos acarretará sofrimentos inevitáveis, seja no mundo presente, seja em existências futuras. Ninguém sairá do cárcere enquanto não houver pago o último vintém, segundo as palavras do maior dos mestres da humanidade. A Constituição Cósmica é um fato, e não uma fantasia. Ninguém pode derrubar o Himalaia com a cabeça! ninguém pode prevaricar impunemente contra as leis eternas da verdade e da justiça!... O funcionário parasito e explorador só tem um caminho para se redimir: ser consciencioso e prestar ao povo os serviços pelos quais é pago, e restituir-lhe o produto dos roubos anteriores, conforme o exemplo de um grande explorador de que nos fala o Evangelho, Zaqueu de Jericó, que, reconhecendo o seu triste estado, declarou ao Nazareno: “Se defraudei alguém, restituo quatro vezes mais, e, ainda por cima, dou aos pobres metade da minha fortuna”. E disse o divino Mestre a esse ex-explorador: “Hoje entrou a salvação nesta casa!” *** Os livros sacros de todos os povos apelidam de “insensato” ou “tolo” o homem injusto e pecador – e não têm eles razão? Não é tolice e insensatez entrar em conflito com as leis eternas? onerar-se de enormes desvantagens remotas por causa de umas pequenas vantagens imediatas? A mentira, a fraude, a injustiça, qualquer pecado ou crime, proporcionam, quase sempre, determinada vantagem imediata, e é precisamente por causa dessa vantagem que o delinquente pratica o mal. Se o pecador, burlando a lei eterna e auferindo daí certa vantagem imediata, pudesse passar impune para sempre, definitivamente; se, depois de embolsar o fruto do seu roubo, nenhum mal lhe acontecesse, nenhum sofrimento o aguardasse, por parte de um Supremo Tribunal extra-humano – então – seria ótimo negócio ser mau, injusto, desonesto, explorador, ganhar muito sem trabalhar nada. Mas, queiramos ou não queiramos, o universo é um “cosmos”, um sistema de ordem e harmonia, e não um “caos” de desordem e confusão. A Constituição Cósmica do Universo exige imperiosamente a prática da Verdade, da Justiça, do Amor, da Solidariedade, da Honestidade. Pode, certamente, a criatura livre violar essa lei, mas as consequências dessa infração se voltam infalivelmente contra o infrator, em forma de sofrimento de qualquer espécie. O sofrimento é o eco
  • 24. automático a qualquer violação da lei cósmica. E ninguém sabe quantos anos, decênios ou séculos correspondem a cada violação. O certo é que essa dolorosa sanção existe – tão certo como é certo que o Universo é um Cosmos. Ora, é evidente estupidez provocar enormes sofrimentos, embora talvez remotos, para gozar de uma pequena vantagem imediata. E, por outro lado, é real sabedoria renunciar a uma vantagem de momento e, assim, não provocar sofrimento futuros. Ninguém pode fugir à lei férrea de causa e efeito; uma vez posta a causa, segue-se o efeito com inelutável necessidade. O universo se reequilibra automaticamente – mas esse reequilíbrio é doloroso para o delinquente. Não seria melhor não tentar desequilibrar o equilíbrio da justiça cósmica? O educador deve fazer ver a seu educando esse fato, o qual, admitindo ou não, continua a vigorar. Ser bom, justo, honesto, verdadeiro, é, não raro, doloroso, na vida presente, por causa do falso ambiente geral da vida humana, criado por nossa pseudocivilização. Mas, em qualquer hipótese, ser bom, justo, honesto, verdadeiro, é, em última análise, ser feliz, embora essa felicidade íntima seja, por ora, circundada de sofrimentos. Fundamentalmente, ser bom é ser feliz, e ser mau é ser infeliz. Podemos enganar os homens – mas ninguém pode enganar a lei eterna e sua própria consciência. Só quem aplaina a seu educando os caminhos para essa compreensão da verdade suprema é que o glorioso nome de educador.
  • 25. BASES PARA UMA NOVA EDUCAÇÃO Verificamos que tanto a educação leiga como religiosa se revelaram ineficientes para dar ao homem do presente século uma base sólida da vida ética. Ambos esses tipos educacionais apelam para motivos externos, situados fora do homem, para darem ao seu sistema ético uma sanção eficaz. Em tempos idos, exerciam esses motivos externos – lei, polícia, céu, inferno – impacto suficiente sobre o caráter humano, e ainda em nossos dias têm eles certa eficácia sobre pessoas de pouca anatomia intelectual e espiritual. Mas, para a elite da humanidade, deixaram esses argumentos de oferecer base suficiente à vida ética. A verdade em si é absoluta, não há dúvida, mas o modo como o homem a apreende é relativo – e é precisamente esse relativismo em face da verdade absoluta que decide sobre a sua maior ou menor eficácia na vida, porquanto “o conhecido está no cognoscente segundo o modo do cognoscente”. E, com isto, enfrentamos um problema aparentemente insolúvel; vemo-nos como que à beira de um abismo fatal. Que outro motivo poderia o homem ter para ser bom e deixar de ser mau? Se não tem que temer os castigos dos homens nem de Deus, por que não praticar o mal, quando o mal dá, quase sempre, uma vantagem imediata, ao passo que a prática do bem acarreta, não raro, desvantagens imediatas? Confessamos que a nossa situação é difícil, não por causa de si mesma, mas por causa do ambiente em que a humanidade, sobretudo a humanidade cristã do Ocidente, vive e foi educada, há quase dois milênios. Neutralizar uma ideologia multissecular – quem o ousaria tentar?... Com que substituiríamos os motivos tradicionais, externos, que davam ao homem de ontem certa segurança e estabilidade? Se o homem deixa de sentir o impacto dos velhos argumentos, que novo argumento lhe podemos oferecer? O ponto de referência, a norma central para a nova educação deve ser algo interno, algo dentro do próprio homem. Temos de passar da transcendência para a imanência educacional – e é precisamente aqui que começa a grande escuridão... Que ponto de referência, que novo centro de gravitação é esse?
  • 26. É a dignidade, o valor intrínseco do próprio homem; o homem deve, livre e espontaneamente, evitar o mal e praticar o bem, não por causa de um punidor fora dele – humano ou divino –, mas para não ofender a sua própria pureza e santidade, para não profanar a sua nobreza e sacralidade, para não desvalorizar o seu grande e imenso valor humano. O homem deve ter de si mesmo uma reverência e um respeito tão grande que prefira sofrer qualquer injustiça da parte de outros a cometer uma injustiça ele mesmo – e por isto não por motivos de ética dualista e tradicional, mas por causa dessa misteriosa metafísica e mística centralizadas no mais profundo reduto da sua própria natureza humana. Mas, para que o homem possa ter de si tão grande ideia, deve ele ter noção exata e nítida da sua verdadeira natureza – e é precisamente aqui que começa a grande dificuldade! A noção que quase todos nós temos de nós mesmos, e que nos foi incutida desde a infância, é tão infeliz que, logo de início, parece frustrar qualquer tentativa de modificação radical. Foi-nos dito, e redito, pelas mais poderosas organizações que navegam sob a bandeira do cristianismo, que somos essencialmente maus, pecadores desde o nascimento, mesmo desde o momento da nossa concepção. Tão profundamente arraigada na consciência cristã do Ocidente se acha essa idéia de que em pecado fomos concebidos, em pecado nascemos e pecadores somos por nossa íntima natureza humana – que o fato de ter aparecido sobre a face da terra uma pessoa de “imaculada concepção” mereceu as honras de um dogma religioso de vasta repercussão. Dizer a um cristão ocidental que também ele foi concebido sem pecado, que todos os seres humanos entraram na existência puros como a luz – isto é considerado como abominável heresia e blasfêmia, porque as teologias de quase vinte séculos são contrárias a essa verdade. Outros, menos dogmáticos, estariam dispostos a aceitar essa verdade da imaculada conceição de todos os homens se, no parecer deles, semelhante ideologia não alimentasse e hipertrofiasse perigosamente o egoísmo e a presunção do homem, como eles dizem. Felizmente, temos a nosso favor o maior mestre espiritual da humanidade, que proclama explicitamente a pureza natural de todo homem, que não conhece nenhum pecado herdado, mas tão-somente pecados cometidos pelo próprio homem adulto. Quanto ao receio de que essa ideologia favoreça o orgulho do homem, veremos mais tarde de que essa ideia é filha da ilusão e de uma deplorável falta de conhecimento da verdadeira natureza do homem.
  • 27. Uma coisa é certa: que nenhuma educação eficiente é possível enquanto o homem viver na convicção de que ele é um ser essencialmente mau e que só pode ser feito bom por obra e mercê de terceiros. Pedimos ao leitor que preste atenção, muita atenção, ao tremendo ilogismo que vai neste conceito: eu sou essencialmente mau e pecador, em virtude da minha íntima natureza humana; sendo isso verdade, como poderei deixar de ser mau? Só deixando de ser o que sou e tornando-me o que não sou. Devo deixar de ser verdadeiro homem – que é intrinsecamente mau – e tornar-me um ser totalmente diferente do que sou por natureza; isto é, tenho de me desnaturar a fim de poder ser bom. De maneira que o meu subsequente homem bom, que serei, não é idêntico ao primitivo homem mau, que sou; esse homem bom não é o mesmo que foi concebido e nasceu como sendo eu; pois esse primitivo eu, essencialmente mau, deixou de existir, cedendo o lugar a um outro eu, que é bom. Quer dizer que me tornei bom à custa de uma radical abolição, ou total apostasia, do meu verdadeiro eu. Tive de me falsificar 100% a fim de poder ser bom, pois o meu primitivo eu era 100% mau, e 100% de maldade nunca poderá converter-se em 100% de bondade. Quer dizer que esse subsequente eu bom é um pseudo-eu, e somente graças a esse “pseudo” (palavra grega para “mentira”) é que eu sou bom; a mentira a mim mesmo me fez bom; a infidelidade à minha própria natureza humana fez com que eu me tornasse um homem bom. Se eu ficasse fiel a mim mesmo, seria mau; mas, como cometi infidelidade contra mim mesmo, consegui tornar-me bom. Que admira que, em face de tão monstruosa falta de lógica e de bom senso, o homem espiritual seja considerado por muitos como um pseudo-homem, um homem desnatural, um homem falsificado? E que admira que muitos prefiram ser “naturalmente maus” a serem “desnaturalmente bons”? Felizmente, esse ilogismo é apenas da teologia de certos cristãos, e não do Evangelho do Cristo; à luz do Evangelho pode o homem ser “naturalmente bom”, e, se não o for, é “desnaturalmente mau”. O maior mestre da humanidade não conhece espiritualidade anti-humana nem humanidade anti- espiritual; para ele, o homem plenamente humano é plenamente espiritual, bom, divino; e, se o homem não é espiritual, bom, divino, é porque não é suficientemente humano e natural. O “filho do homem” é o “filho de Deus”. Sobre a base estritamente unitária do Evangelho do Cristo, é possível erigir o edifício da nova educação – mas sobre a base dualista das nossa teologias eclesiásticas não é possível construir algo de sólido. Fora da lógica não há salvação, porque a lógica é o próprio Deus, ele, o divino “Lógos”, como diz o quarto Evangelho. Felizmente, não é verdade que o homem seja essencialmente mau. A sua maldade é periférica, a sua bondade é central. E, precisamente por ser periférica, a maldade do homem é amplamente conhecida, ao passo que a sua
  • 28. bondade, por ser central, é ainda profundamente desconhecida. O elemento bom no homem é como a energia nuclear recatada no âmago do átomo e que exige grande esforço para ser extraída e manifestada. Aliás, todos os grandes mestres espirituais da humanidade reconhecem a intrínseca bondade do homem. *** Aqui é que enfrentamos uma das mais importantes distinções da verdadeira filosofia perene, o conceito do potencial e do atual. O homem é potencialmente bom, embora possa ser atualmente mau. A potencialidade do seu ser é a sua íntima natureza. Todo homem é muito mais aquilo que é potencialmente do que aquilo que é atualmente. Todo homem é antes a sua atitude permanente do que os seus atos intermitentes. Uma semente é potencialmente a planta que dela vai brotar, embora não seja ainda atualmente essa planta. A verdadeira natureza de uma semente de palmeira é a palmeira que dela nascerá. A “natura” é a coisa “na(sci)tura”, isto é, aquela coisa que vai nascer. A potencialidade é, pois, a íntima natureza de um ser, a sua verdadeira natura ou natureza. A íntima natureza do homem não é o seu corpo, revelado pelos sentidos, nem é o intelecto, manifestado pelos pensamentos; a íntima natureza do homem é a sua razão (alma), que se revela pela intuição espiritual, porque essa razão é a suprema potencialidade do homem, aquilo que ele é intrinsecamente, embora não o tenha revelado ainda extrinsecamente. Sendo, pois, que a razão intuitiva, ou alma, é a própria essência do homem, e essa essência é boa, pura, divina, segue-se que a íntima natureza do homem é boa, que o homem é essencialmente bom, porque a alma humana é Deus no homem, “o reino de Deus no homem” (Jesus), “o espírito de Deus que habita no homem” (São Paulo), “participação da natureza divina” (São Pedro), “a luz verdadeira que ilumina a todo homem que vem a este mundo” (São João Evangelista), “a alma humana é crística por sua própria natureza” (Tertuliano), “a voz silenciosa” (Gandhi), “a luz interna” (os místicos). Razão, alma, consciência, espírito, voz, luz de dentro – todas essas palavras significam a mesma realidade, o último e mais profundo centro do homem, em torno do qual giram todas as periferias da sua vida externa. Essa essência central do homem é idêntica à essência do próprio Universo. A alma humana (razão, consciência) é o ponto de contato em que o microcosmo individual se encontra com o macrocosmo universal; e a lei que rege este rege também aquele – lei de absoluta e incondicional solidariedade.
  • 29. Quando o homem individual permite que a mesma lei que rege o Universo fora dele seja vitoriosa também no Universo dentro dele, então o homem é bom. Ser bom é sintonizar o grande Além-de-dentro pela harmonia do grande Além- de-fora. O homem bom é essencialmente um homem cósmico. O homem é bom quando estabelece e mantém perfeita sintonia entre o seu modo de ser e agir e o espírito da Constituição Cósmica, entre a sua consciência individual e a Consciência Universal, entre a sua alma humana e a alma do Cosmos. A verdadeira ética (agir) é o reflexo fiel da mística (ser). O homem bom age de conformidade com o que ele é; é fiel a si mesmo. O homem mau age de um modo diferente daquilo que ele é, é infiel a si mesmo, porque nunca descobriu a sua natureza divina. O homem bom essencializa a sua existência. A sua essência é divina, a sua existência é humana. Esse homem diviniza a sua humanidade. Faz a sua existência humana à imagem e semelhança da sua essência divina. Poderá um homem desses ser egoísta? vaidoso? orgulhoso? Se o que nele há de bom e puro é da essência divina, e não da existência humana, como poderia o homem orgulhar-se de algo que é de Deus? Orgulhar-se de elementos da existência humana é pecado. Orgulhar-se do espírito da essência divina é redenção. O pecado vem da ignorância – a redenção vem da sapiência. “Homem! conhece-te a ti mesmo – e serás bom!” “Sede perfeitos – assim como perfeito é vosso Pai que está nos céus.”
  • 30. ENTRE LÚCIFER E LÓGOS Vimos que, para iniciar novos rumos para a educação, é indispensável que o educador tenha noção exata da natureza humana, saiba distinguir as periferias existenciais do educando, do centro essencial do mesmo; e, acima de tudo, requer-se que o educador, além de versado na teoria, também viva praticamente essa verdade. Não é possível realizar uma educação eficiente sem ter uma visão unitária do homem. O ser humano é uma unidade harmoniosa, mas que, na sua superfície, aparece, quase sempre, desarmonizada. Quem é que estabelece divergência e infidelidade entre o interno ser e o externo agir do homem, frustrando assim a grande obra da educação? Esta pergunta nos põe no início da grande encruzilhada, onde se bifurcam os caminhos da velha teologia eclesiástica e da nova filosofia cósmica. Nova? Não, essa filosofia cósmica é a filosofia perene de todos os séculos e milênios, tão antiga como a própria humanidade; mas essa filosofia é privilégio de uns poucos iniciados, ao passo que a turbamulta dos profanos segue os dogmas de uma teologia dualista e dispersiva, que não permite uma educação eficiente e racional. O que a velha teologia consegue é impor-se ao homem, assim como o ditador se impõe a seus súditos. A verdadeira educação, porém, não é nem pode ser um regime ditatorial; e cada vez menos é possível considerar o educando um autômato cujo único dever seja cumprir ordens emanadas de uma autoridade suprema, externa. O homem de hoje não quer apenas cumprir ordens, quer saber das últimas razões por que deve fazer isto e deixar de fazer aquilo. Não quer agir em virtude de uma compulsão externa, mas sim em virtude de uma compreensão interna. A divisão usual do homem é entre corpo e alma. A palavra corpo é tomada como idêntica à matéria, e sobre o vocábulo alma existem tantas sentenças quantas cabeças. É doutrina quase geral que é a alma que peca (uns chegam ao absurdo de atribuir pecabilidade até ao corpo); acham que é a alma que se torna má e antidivina, e que, se não se converter, vai ser eternamente condenada ao sofrimento. E o ilogismo culmina no absurdo de que, um dia, o próprio corpo, esse corpo-matéria, ressuscitará e participará do eterno sofrimento da alma, e que Deus, esse Deus-Amor, se deliciará eternamente com os sofrimentos de milhões e milhões de filhos seus.
  • 31. Há, nessa concepção, tantos erros quantas palavras. Excusado é dizer que sobre alicerce tão incerto não se pode erigir uma educação sólida que resista ao impacto de um pensamento racional e espiritual. A verdade é que nem o corpo nem a alma pecam. Quem peca no homem é o seu intelecto, o seu lúcifer, a sua serpente, e não a sua alma, que é o “espírito de Deus que habita no homem”. O intelecto, ou inteligência, revela-se pelo ego, ou pessoa (persona) do homem. Esse ego-persona é o homem físico-mental-emocional. A razão ou alma manifesta-se pelo EU, que é o indivíduo ou a individualidade humana. As palavras latinas “persona” e “indivíduo” dizem admiravelmente o que significam. “Persona”, em latim, quer dizer “máscara”. A “persona” (de per e sonare, soar ou falar através) era a máscara que, no tempo do império romano, usavam os atores no palco e através de cuja boca aberta falavam. Por detrás dessa “persona” estava o “indivíduo”, ou seja, o homem que desempenhava o papel representado pela máscara. “Indivíduo” quer dizer “indiviso”, não-dividido, não-separado. A individualidade do homem é aquilo que o faz um ser indivisível em si mesmo (em grego, átomos) e também indivisível ou inseparável do grande Todo, da Alma do Universo. Por ser indivíduo, o homem é um ser estritamente uno e unitário, e por isto mesmo parte integrante do Universo. O homem não está separado do grande Todo, nem é idêntico a esse TODO, mas é dele distinto. O dualista separa o homem do grande Todo; o panteísta o identifica com ele; mas o verdadeiro universalista (que modernamente, segundo o filosofo germânico Krause, se chama pan-en-teíta) sabe que o homem não pode jamais estar separado do grande TODO, nem pode ser idêntico a ele. A separação equivaleria a um suicídio violento, uma vez que nenhum efeito pode subsistir sem a causa-prima; a identificação seria uma espécie de suave eutanásia, em que o finito se diluiria totalmente no Infinito, nirvanizando o seu existir individual no Ser Universal. Tanto nesta como naquela hipótese, o indivíduo humano deixaria de existir como indivíduo, aniquilando-se, ou no Nada ou no TODO. O que une o homem ao TODO é a sua essência, que é a própria essência do TODO; o que distingue o homem do TODO é a sua existência. Se o homem fosse apenas essência universal (divina) seria ele o próprio Deus, o Universal; se fosse apenas existência individual (humana), sem nenhum fundo de essência universal, seria um puríssimo Nada, o Irreal, o Vácuo, porque nenhuma existência individual tem realidade em si mesma, se não estiver unida à essência universal. Assim, por analogia, um indivíduo vivo não seria vivo se
  • 32. não estivesse unido à Vida Universal. A única razão por que uma existência é viva é porque participa da essência da Vida Universal. A essência universal é o Real; as existências individuais são os realizados. O profano e insipiente considera os objetos existentes como sendo reais, auto- reais, reais em si mesmos; mas a realidade do mundo objetivo não tem caráter autônomo, senão apenas heterônomo; os objetos não possuem realidade absoluta, original, senão apenas realidade relativa, derivada, assim como a nossa terra possui luz emprestada pelo sol, ou assim como uma figura refletida no espelho possui realidade derivada do objeto, em sentido oposto, e se reflete no espelho. Nenhum objeto existencial é auto-real, todos são alo-reais, ou realizados. Afirmar que os objetos sejam irreais, puros nadas e simples ilusões, como afirmam certos sistemas metafísicos, antigos e modernos, é falta de lógica; os objetos não são reais nem irreais – são realizados, isto é, possuem uma realidade derivada, heterônoma, assim como reflexos num espelho, que desaparecem no mesmo instante em que a coisa refletente deixa de se refletir. Donde se segue que nenhum indivíduo pode existir por um instante sequer, se não estiver unido ao Universal da essência. A inteligência humana, porém, em virtude da sua relativa imperfeição, cria a ilusão de poder existir independentemente do Ser Absoluto; pode mesmo desejar essa existência autônoma, ou pseudo-autônoma, porque a inteligência é uma faculdade visceralmente separatista ou egocêntrica; julga possível estabelecer um reino à parte e ser soberana autônoma nesse reino. A inteligência é, por sua natureza, centrífuga, rebelde, dispersiva, vivendo na ilusão de poder existir e agir separada da Essência Cósmica – como se uma onda do mar pudesse existir sem o mar, como se a luz colorida pudesse existir sem a luz incolor que lhe deu origem e dá continuação. A inteligência é profundamente “narcisista”, auto-adorante – e é precisamente nessa tendência “narcisista” que se baseia a ideia do pecado. Quem peca no homem é a inteligência, revelada pelo ego, ou persona. Pecado não é possível sem ilusão, e a ilusão nasce da ignorância. Sendo que a inteligência é semi- ignorante e semiciente, espécie de penumbra ou sem luz, é-lhe possível criar e manter essa atitude separatista, embora a separação real seja impossível sem o aniquilamento. Objetivamente, todo o indivíduo está unido ao Universal; mas subjetivamente pode o indivíduo sentir-se separado do Universal, que é o grande TODO, ou Deus. Essa tendência separatista da inteligência relativamente ao TODO Universal revela-se, cotidianamente, no pendor separatista do ego intelectual com relação aos outros egos, seus semelhantes. Uma vez que o ego julga poder separar-se de Deus, e até opor-se a ele, julga-se também autorizado a separar-
  • 33. se dos homens, ou opor-se aos mesmos. Separatismo na vertical gera separatismo na horizontal. Falta de senso místico cria falta de senso ético. Quem não se sente harmonizado com o grande TODO, não sente harmonia entre si e as outras partes desse TODO. Perdido o senso de união com as partes relativas, que são os outros seres humanos, e até os seres infra- humanos da natureza. A apostasia da mística vertical produz, cedo ou tarde, a apostasia da ética horizontal. Ou, na linguagem do mestre de Nazaré, quem não ama a Deus com toda a alma, com todo o coração, com toda a mente e com todas as forças, também não pode amar o próximo como a si mesmo, porque ninguém pode fazer o “segundo” sem fazer o “primeiro”. Por isto, é profundamente ilusório todo e qualquer sistema de educação que tente ser puramente social ou ético, prescindindo do elemento místico. A princípio, todo educador tem a impressão de que educação nada tenha que ver com metafísica e mística, que parecem ser ocupação abstrata e longínqua, sem nexo real com a vida humana de cada dia. Enquanto o educador alimentar essa ilusão, não tem base real e sólida para uma educação eficiente. O educador de hoje tem de ser um filósofo, um metafísico, um místico... Para que o educador possa dizer, com segurança, 10% aos outros, deve ele possuir em si mesmo 100% de sabedoria experiencial. Tem de saber muito para poder dizer pouco. Tem de ter em si um grande capital de reserva experiencial (90%) para que possa pôr em circulação uma pequena parcela do mesmo (10%). Só quem sabe muito, por experiência íntima, é que pode falar com poder e autoridade, e dizer devidamente o pouco que a prudência lhe permita dizer. O que o educador diz deve ser como que um transbordamento espontâneo daquilo que ele é. O “ser” é a fonte e base do “dizer”.
  • 34. ESSENCIALIZANDO A EXISTÊNCIA Quase todo o Ocidente vive na ideia de que filosofia tenha que ver com o mundo em derredor. Há pouco, quis assistir a um congresso de filosofia reunido numa das nossas grandes capitais; mas não fui, porque verifiquei pelo programa publicado que, nesse congresso de filosofia, se trataria de tudo – menos de filosofia. A filosofia tem por objeto o homem, e não o mundo. Também a religião focaliza o homem, mas fá-lo de outro modo que a filosofia, porque manda que o homem creia numa realidade invisível, a fim de ter a experiência da mesma após-morte; lida, pois, com argumentos póstumos. A verdadeira filosofia, porém, trata do homem total, no espaço, do homem- razão, do homem-intelecto e do homem-corpo, do homem aqui na terra e em qualquer outro ambiente do universo. O céu ou o inferno do homem podem ser criados agora e aqui mesmo, e são produtos do próprio homem, e não creações de Deus. Todo homem bom cria o seu céu agora e aqui, como também para sempre e por toda parte. Todo homem, como já dissemos, é bom em virtude de sua essência divina (o EU), que também se chama alma, consciência ou razão intuitiva. Mas essa essência divina da alma, essa “luz do mundo” pode ser ofuscada pela existência humana (o ego). Quer dizer que o homem essencialmente bom pode ser existencialmente mau – como também pode ser existencialmente bom. O grande erro de muitos teólogos está em confundirem o homem existencialmente mau com o homem essencialmente mau, aduzindo até palavras de Jesus para comprovar o seu erro: “Vós, que sois maus...” O divino Mestre fala, nessa ocasião, de homens adultos que, pelo abuso da sua liberdade, se haviam feito existencialmente maus, e não de homens essencialmente maus, que ele ignora totalmente. Toda a verdadeira educação consiste em que o homem faça a sua existência à imagem e semelhança da sua essência; que essencialize a sua existência; que verticalize as suas horizontalidades; que divinize a sua humanidade; que faça o seu externo agir tão bom e puro como é o seu interno ser. Deve o homem fazer a sua vivência ética tão boa como é a sua experiência mística.
  • 35. O principal é que o homem creia em si mesmo, que seja fiel a si mesmo. É necessário, antes de tudo, que o homem tenha a firme convicção de que há nele um elemento bom, puro, divino, sobre o qual ele possa – e pode – assentar os alicerces do seu edifício ético. Nenhum arquiteto sensato constrói um edifício sobre pântano ou areia movediça. Infelizmente, repetimos, a nossa teologia ocidental nega ao educando, e também ao educador, esse fundamento firme, porque ensina, há séculos, que o homem é essencialmente mau, pecador, negativo, antes mesmo de nascer. Confunde o ego periférico do homem com o seu EU central, cometendo o mesmo erro que Tomas Hobbes e outros filósofos empíricos costumam cometer, afirmando que o homem é egoísta por natureza, e egoísta sempre será; que ninguém o pode “desegoficar”; que todo o chamado “altruísta” não passa de um egoísta disfarçado, de um detestável hipócrita, e que os governos têm a única função de manter o inextirpável egoísmo dos indivíduos dentro de certos limites toleráveis, para que possa haver uma relativa paz social. Quem, como esses filósofos, identifica a íntima natureza humana com o seu ego periférico – físico-mental-emocional – não pode, naturalmente, admitir que haja no homem algo realmente bom, puro e divino. Nós, porém, sabemos, de acordo com todos os grandes mestres da humanidade, que o homem, na sua íntima essência é bom, uma vez que a íntima essência dele é “ a luz verdadeira que ilumina a todo homem que vem a este mundo”, e brilha em todo ser que sai das mãos do Criador. “A luz brilha nas trevas, mas as trevas não a prenderam” – a luz da essência divina brilha em todas as trevas das existências humanas, e também infra-humanas; mas nenhuma dessa trevas das existências criadas consegue “prender”, ofuscar, extinguir a luz da essência divina que nelas está. Se o homem fosse essencialmente mau, não haveria nenhuma possibilidade de o tornar realmente bom – nem mesmo o mais divino e poderoso dos redentores o poderia redimir da sua intrínseca maldade e conferir-lhe bondade real, porque essa “redenção” ou “conversão” equivaleria a uma verdadeira e total destruição do próprio ser humano, substituindo a sua “essência má” por uma “essência boa”. Ora, à luz da psicologia do Ocidente, da filosofia do Oriente, e à luz do próprio Evangelho de Jesus Cristo, não há nenhuma substituição do homem mau pelo homem bom; há uma conversão do homem existencialmente mau no homem existencialmente bom, e este processo de conversão é possível unicamente sobre a base do homem essencialmente bom; porquanto, ninguém se pode tornar explicitamente o que não é implicitamente, nenhuma semente se pode tornar atualmente uma palmeira se potencialmente ela não é palmeira; nenhuma semente se pode tornar atualmente viva se ela não é potencialmente viva. A transição do estado potencial (implícito) para o estado atual (explícito)
  • 36. não é uma transição do não-ser para o ser, mas é a transição de um estado de ser imanifesto para um estado de ser manifesto; não é uma criação ex nihilo, mas uma revelação de algo, de algo que já existia encoberto, e agora passou a ser descoberto. Se o homem pode tornar-se manifestamente bom é prova de que ele, antes dessa manifestação, já era ocultamente bom. Ninguém se torna o que não é! O homem existencialmente bom realiza o feito máximo da sua vida, permeando a sua vivência humana com a sua essência divina, assim como uma luz interna permeia totalmente de si um límpido cristal colocado diante dela. Se colocarmos uma luz por detrás duma parede opaca, haverá sombra do lado oposto – é o símbolo do homem existencialmente mau que não deixou penetrar-se pela luz da essência divina que nele está; a sua opacidade é o seu grande pecado, porque ele podia fazer com que essa opacidade profana fosse transparência sagrada. “A luz verdadeira ilumina a todo homem que vem a este mundo – e os que recebem essa luz se tornam filhos de Deus”. A luz divina está em todo homem, mas nem todos a “recebem”, nem todos se tornam receptivos, nem todos fazem-na permear-na e penetrar a sua vida, e por isto ficam na sombra da sua culpável maldade. Os nossos teólogos eclesiásticos negam a realidade da luz divina no homem – e isto a despeito das declarações reiteradas e explícitas do divino Mestre e dos seus grandes discípulos. “Vós sois a luz do mundo”, declara Jesus, depois de haver afirmado “Eu sou a luz do mundo”. Declara que seus discípulos são, na sua essência, a mesma luz divina que ele é. E João Evangelista declara que essa “luz verdadeira”, do divino Lógos (o Verbo) ilumina a todo e qualquer homem que vem a este mundo. Se não reside no homem nenhum elemento bom, não pode haver verdadeira educação, porque “educação”, repetimos, quer dizer “edução”. Educar é eduzir, isto é, conduzir para fora. Só se pode eduzir o que está dentro. Na opinião dos teólogos ocidentais, há indução em vez de edução; o elemento bom deve ser induzido, introduzido, injetado ou impingido ao homem, de fora para dentro, como algo externo e alheio à sua natureza, como um aditamento posterior ou uma substituição. Neste caso, o homem educado se torna bom graças a uma infidelidade a si mesmo; despoja-se do que é dele e recebe o que não é dele, porque, nessa suposição, o elemento bom não existe nele, mas vem-lhe de fora, de uma fonte alheia e heterogênea. Assim, como já foi dito, a educação (ou antes, inducação) seria uma adulteração do educando; o homem falsificado é que seria o homem bom. *** Acham os defensores do homem essencialmente mau que, se admitirmos o homem essencialmente bom, criamos nele um complexo de orgulho ou autocomplacência, fazendo dele um enfatuado egocentrista, um pelagiano ou
  • 37. um homem que espera redenção de si mesmo, auto-redenção, em vez de teo- redenção ou cristo-redenção. Cuidado com essa confusão de idéias! Cuidado com essa falsa lógica! Que é auto-redenção? Pode ser uma de duas coisas: ou redenção pelo EGO HUMANO, isto é, pela persona do ego físico-mental-emocional – ou pode ser redenção do homem pelo EU DIVINO nele, por seu Cristo interno, pelo espírito de Deus que nele habita, redenção por sua alma crística. Neste último caso, auto-redenção é teo- redenção, cristo-redenção. E é precisamente nesse sentido que entendemos auto-redenção, a redenção do homem pelo elemento divino nele existente, embora em estado dormente e embrionário. Despertar no homem esse elemento divino é redimi-lo e é educá-lo. É este o único caminho certo para uma verdadeira educação: despertar, desenvolver e eduzir do homem essa luz e essa força divina até que ela penetre todas as trevas do ego humano. É visceralmente falsa e funesta a psicologia e pedagogia que procuram dar ao educando uma ideia baixa de si mesmo, um auto desprezo, na intenção de o levar à humildade e ao desejo de ser remido por Deus. Humildade não é desprezo de si mesmo. Humildade é a verdade sobre si mesmo. Redenção de fora é impossível quando por dentro não existe um elemento redimível. Com o melhor adubo do mundo o calor solar mais propício não se pode fazer brotar uma semente se dentro dela não existe um princípio vital. Só se pode vitalizar o que é vivo. Ninguém pode criar vida, só podemos despertar a vida já existente em estado de dormência. Quem não supõe bondade dormente no educando não o pode tornar bom, porque ninguém se torna explicitamente o que não é implicitamente. “Se o olho não fosse solar”, diz Goethe, “jamais poderia contemplar o sol”. Da mesma forma, se a alma humana não fosse crística por sua natureza, ninguém o poderia cristificar; se ela não fosse divina por natureza, jamais poderia ser divinizada; se ela não fosse espiritualmente viva, ninguém a poderia vitalizar em espírito; se a alma não tivesse dentro de si um princípio de santidade, ninguém a poderia santificar. Educar é, pois, eduzir de dentro do educando e desenvolver uma bondade, um ser-bom, que nele existe, embora ainda em estado latente e embrionário. Dizer que esse despertamento da bondade dormente no ser humano favorece o orgulho dele é não saber distinguir o ego periférico (persona, intelecto) e o EU central (indivíduo, razão) do homem. A alma não pode ser orgulhosa, egoísta, porque ela é Deus no homem; só o lúcifer do intelecto é que é susceptível de orgulho, egoísmo e qualquer outro pecado. Quem ultrapassa o
  • 38. seu ego personal ultrapassa a sua pecabilidade e entra na zona da impecabilidade. “As obras que eu faço não sou eu (meu ego humano) que as faço, mas é o Pai (meu EU divino) que as faz em mim” (jesus). Quando Pedro curou aquele paralítico à porta do templo de Jerusalém, como referem os Atos dos Apóstolos, o povo o encarava, estupefato; o apóstolo, porém, longe de atribuir a seu ego humano esse prodígio, fez ver ao povo que o autor dessa cura era o espírito do Cristo que dele se servira como simples veículo. Quem sente orgulho ou vanglória em face de algum ato bom prova que ainda vive na ignorância de si mesmo, que ainda não é bom, mas apenas faz o bem. O maior dos ateus pode fazer o bem, apesar de não ser bom; pode fazer um bem material com o que tem, mas não um bem espiritual com o que é. É, pois, necessário que o educador conheça, antes de tudo, a si mesmo, a fim de poder contribuir para dar a seu educando a verdadeira noção do mesmo. Para ser bom educador, é necessário que o homem seja “educado”, isto é, que tenha “eduzido” de si mesmo o elemento bom que em todos existe.
  • 39. A SABEDORIA DOS GRANDES EDUCADORES Escreve o insigne Albert Schweitzer que nossa teologia cristã criou uma espécie de soro que, uma vez injetado ao homem, o imuniza contra o espírito do Cristo; de tão saturado de cristianismo (do “nosso” cristianismo), julga supérfluo o Cristo. Mahatma Gandhi fez idênticas experiências com os missionários cristãos que tentavam convertê-lo ao nosso cristianismo; a todos eles respondia o grande líder político e espiritual da Índia: “Aceito integralmente o Cristo e seu Evangelho, mas não aceito vosso cristianismo”. Sobretudo no setor educacional se verifica essa substituição do Cristo pelo cristianismo, do Evangelho pela teologia. O Evangelho do Cristo, vivido em sua verdade e pureza, oferece a melhor base para a educação. Antes de tudo, revela Jesus uma profunda reverência pela natureza humana. Para ele, não existe criança concebida em pecado; todo homem é essencialmente bom e puro, a princípio; só mais tarde se torna mau pelo abuso da sua liberdade. Não encontramos nas páginas do Evangelho uma única palavra de Jesus que justifique a ideia teológica do “pecado original”. Essa ideologia nasceu fora do Evangelho e foi, mais tarde, introduzida nele pelos teólogos cristãos. Já aparece nos últimos quatro séculos do Antigo Testamento, no seio da sinagoga de Israel decadente. Pelo ano 400 antes da era cristã, faleceu Malaquias, o último dos profetas de Israel, e nos quatro séculos subsequentes os sacerdotes hebreus tomaram a direção espiritual do povo. Mas a orientação sacerdotal era visceralmente legalista; segundo eles, a salvação vinha da aceitação e aplicação de certas fórmulas rituais; era a letra da lei que salvava o homem, e não o seu espírito. Durante esse período de decadência surgiu na sinagoga a doutrina de que o homem é mau e pecador por natureza e que só a lei o pode libertar do pecado. Foi divinizada a Lei, e, para que a Lei tivesse o máximo de prestígio e poder, foi o homem reduzido ao mínimo, declarado pecador em virtude de sua própria natureza; e assim o nadir da natureza humana elevava ao zênite a força da Lei. Mais tarde, no início da era cristã, foi a Lei substituída pelo Cristo, mas o paralelismo continuou: para que o Cristo tivesse o máximo de valor, foi o
  • 40. homem reduzido ao mínimo do desvalor – surgiu a paradoxal ideologia teológica do “homem pecador”, a teoria do “pecado original”. Jesus não aceita essa doutrina. Para ele, o reino de Deus está dentro do homem, e só dentro é que ele pode vir e manifestar-se na vida humana. “O reino de Deus não vem com observâncias (externas, rituais), nem se pode dizer: ei-lo aqui! ei-lo acolá! – o reino de Deus está dentro de vós”. Com estas palavras categóricas reafirma o Nazareno a verdade antiquíssima, mas no seu templo obliterada, de que o homem é remido pelo elemento divino que nele existe em virtude da sua própria natureza. Bem cedo, porém, já no primeiro século, penetrou no corpo do cristianismo primitivo o elemento judaico sobre a essencial pecaminosidade do homem, fato que se explica pela circunstância de terem os primeiros líderes da igreja cristã vindo do judaísmo, introduzindo inconscientemente no cristianismo nascente certas ideologias da sinagoga. A ideia da essencial maldade do homem deu ao cristianismo primevo, e posterior, um colorido dualista e pessimista, influindo profundamente no conceito do processo da redenção. Jesus, porém, não sucumbiu a essa ideologia, razão porque se incompatibilizou com os chefes da sinagoga ao ponto de o levarem à cruz. Um dia, refere o Evangelho, estavam os discípulos do Nazareno discutindo sobre quem deles era o maior no reino de Deus; e cada um deles fazia valer os seus pretensos títulos e direitos a essa primazia. Ao que o Mestre chamou uma criança, colocou-a no meio dos litigantes ambiciosos e disse-lhes: “Se não vos converterdes e tornardes como esta criança, não entrareis no reino dos céus”. É evidente que Jesus considera essa criança como habitante do reino de Deus; pois seria absurdo supor que ele propusesse um modelo impuro aos impuros. Essa criança, porém, não fora “purificada” por nenhum rito legal ou sacramental, que não existia; era pura assim como nascera e fora concebida; nunca tivera impureza alguma. Exige Jesus que seus discípulos, feitos impuros por culpa própria, se tornem puros por esforço próprio, assim como aquela criança era pura por sua própria natureza. Em outra ocasião ameaça Jesus com terrível castigo àqueles que levarem a pecado um daqueles pequeninos que creem nele, porque os seus anjos contemplam sem cessar a face do Pai dos céus. Ora, nenhuma dessas crianças hebréias “cria” em Jesus mediante ato consciente de fé; ninguém o conhecia; o Nazareno era para elas apenas um bom rabi judeu, e nada mais. O “crer” dessas crianças não era um ato, mas uma atitude interna, um modo de ser em harmonia com Deus – o que prova que essas almas eram boas e puras, e não pecadoras e inimigas de Deus. Também seria absurdo supor que os anjos de Deus tanto se desvanecessem pela proteção de um bando de
  • 41. pequenos pecadores. E como podiam os pecadores adultos levar ao pecado essa crianças se elas já estivessem em pecado?.. Por esta mesma razão também não mandou Jesus batizar crianças, e o próprio João só batizava adultos. O batismo de João, a que Jesus alude, só visava pecados pessoais, e não algum pecado original que os batizandos tivessem herdado de seus antepassados, como a teologia de hoje ensina. Sobre esta base positiva do Evangelho de jesus Cristo é possível erguer o edifício de uma educação sólida – ao passo que a teologia eclesiástica corrente, quer desta, quer daquela igreja, é totalmente inapta para oferecer base conveniente. O descalabro da nossa educação tem suas raízes em séculos anteriores. Aqui no Brasil começou em 1500, mas em outras partes começou muito mais cedo, talvez em 313, quando, pelo edito de Milão, o imperador pseudo cristão, Constantino Magno, deu início à substituição do Evangelho do Cristo pela teologia dos cristãos. Se não voltarmos decididamente ao espírito crístico do Evangelho, não teremos base eficiente para uma nova educação. Teremos a coragem de realizar tão arrojada aventura? E teremos do nosso lado as autoridades públicas, que em geral, não se interessam pela qualidade do cristianismo, mas sim pela quantidade dos eleitores que lhes garantam poder e prestígio social e político? Necessitamos de um pugilo de heróis para realizar o grande ideal de uma nova educação.
  • 42. OS MALES DA EDUCAÇÃO ESCATOLÓGICA Uma das principais razões por que a nossa educação chamada religiosa se tornou eticamente ineficiente é o seu caráter escatológico, quer dizer, a falsa concepção do homem após-morte. É sobretudo neste ponto que estamos navegando em águas tipicamente medievais, quando bem poderíamos ter da vida futura concepção menos infantil e inadequada. Um dos setores da teologia eclesiástica do Ocidente, o mais conhecido entre nós, ensina que, após a morte física do homem, vai sua alma (não ele!) para um de dois lugares definitivos que existem no “outro mundo”: céu ou inferno; ou então para o purgatório, lugar provisório onde a alma deve expiar os pecados veniais, como também as penas temporais dos pecados mortais, cuja culpa e pena eterna já foram canceladas antes da morte. O outro setor da teologia eclesiástica ensina o mesmo quanto a céu e inferno, negando apenas a existência de um lugar provisório de purificação. Tomando por fundo qualquer uma dessas concepções teológicas, torna-se assás difícil a tarefa da educação. O único elemento razoável que existe nessas ideologias é o do purgatório – mas, por infelicidade, é precisamente esse fator que foi abolido pelo protestantismo, e é relegado a segundo plano pela teologia romana. Nenhuma dessas teologias se guia por um espírito de verdadeira e genuína “catolicidade”, palavra grega para “universalidade”. Neste particular, o espiritismo cristão deu um grande passo para frente, não ensinando pecado herdado de terceiros, mas pecado herdado do próprio pecador e cometido em existência anterior. Embora não consideremos o espiritismo como sendo simplesmente como idêntico ao cristianismo do Cristo (o qual, aliás, é inorganizável, porque toda organização é filha do egoísmo!), admitimos, contudo, que ele contribuiu e com preciosos elementos para a evolução espiritual do Evangelho do Cristo. A sua doutrina escatológica é bem mais aceitável e fornece melhor base educacional do que os dois tipos de cristianismo acima mencionados. Deixando de parte a tendência sectária e dogmatizante que invadiu vastas camadas do espiritismo brasileiro, achamos que esse movimento, no seu plano superior, asectário, poderá prestar notáveis serviços à cristificação do nosso tradicional cristianismo.
  • 43. Nem a razão humana nem a revelação divina admitem a idéia de que o homem, com a perda de seu corpo material, entre num estado definitivo. Tanto os fatos históricos milenares como também a psicologia abismal dos nossos dias provam o contrário. A evolução do homem não termina com 50, 80 ou 100 anos de vida terrestre. Mesmo não admitindo a teoria da reencarnação material, somos obrigados a aceitar que “há muitas moradas na casa do Pai celeste”, isto é, muitos estados nos quais o ser humano possa fixar morada ou permanência temporária, na sua longa jornada rumo a Deus. E como “cada um colherá o que semeou”, é evidente que o homem colherá cada vez, na existência subsequente, o que semeou na existência antecedente. A lei básica de “causa e efeito” (karma) abrange todos os setores do universo individual. A Constituição Cósmica não permite que o homem, após-morte, perca a sua linha de continuidade com a vida presente, que deixe de haver homogeneidade entre essa fases várias de existência única. Não há “outra vida”, há uma vida única em diversas fases de evolução – assim como acontece em outros setores da natureza; a vida da borboleta é essencialmente a mesma que a vida da crisálida, da lagarta e do ovo; apenas os graus de vitalidade e as formas de manifestação dessa única vida são vários. Também a vida da planta é essencialmente idêntica à vida da semente que lhe deu origem, ou ainda da semente produzida por essa planta. Essa lei da continuidade da vida em diversas fases é de suma importância para o problema da educação. Segundo as teologias eclesiásticas, pode um homem levar 50 anos de vida em pecados e crimes, aqui na terra, e logo após a morte física estar isento de todos os efeitos dos seus atos – seja em virtude de uma absolvição sacramental, seja em consequência de um momentâneo ato de fé no sangue redentor de Jesus. Ora, é evidente que, neste caso, não existe proporção alguma entre causa e efeito, entre a gravidade da culpa, por um lado, e a função da absolvição sacramental ou da fé fiducial, por outro. E essa flagrante desproporção entre o débito e o seu cancelamento gera nos que adotam essas teologias um estado de indiferença ou leviandade relativamente ao verdadeiro caráter do pecado ou delito; pois, se tão fácil é a libertação do débito moral contraído, por que deixar de o contrair, quando, em geral, a criação desse débito da culpa se acha ligada a um gozo de maior ou menor intensidade? Se posso roubar, matar, mentir, defraudar, e gozar das vantagens imediatas desses pecados, porque não praticar esses atos e gozar das suas vantagens, se, na fração de um minuto, poderei libertar-me, mais tarde, dos efeitos ingratos que decorrem dessas causas? Se tão fácil é o rompimento dos elos da cadeia kármica dos meus atos negativos, porque ainda envidar ingentes esforços por evitar a criação dessa cadeia, resistindo à tentação de roubar, matar, mentir, defraudar, etc. ? Não me aconselha a “lei do menor esforço” escolher o mais fácil, que, neste caso, é
  • 44. cometer o pecado e libertar-me das suas consequências por meio de um momentâneo ato de arrependimento posterior – tanto mais que a resistência ao mal é, não raro, tão tremendamente difícil e doloroso? Porque não corrigir o mal por um ato fácil de arrependimento, em vez de o prevenir por uma atitude difícil de não-cometimento? No plano biológico, quase todas as pessoas, sobretudo aqui no Brasil, adotam essa política de corrigir os males físicos, em vez de se guiarem pela filosofia de os evitar. Todos os meios de publicidade – imprensa, rádio, televisão – apregoam sem cessar esse charlatanismo barato do corrigir em vez de prevenir. Você está com dor de cabeça? Tome um comprimido “A”. Está com azia de estômago ou má digestão? Ingira a droga “B”! Sofre de inapetência? Vá a drogaria da esquina e compre o aperitivo “C”! É vítima de astenia sexual? Tome a injeção “D”! Não é esta a política doentia de suprimir sintomas que quase todo o mundo pratica, em vez de seguir a filosofia sadia de prevenir as causas dos males? Infelizmente, as nossas organizações religiosas cometem o mesmo charlatanismo moral ou imoral, ensinando a seus adeptos o modo de se libertarem dos efeitos dos seus pecados, em vez de lhes mostrar como evitarem as causas desses efeitos, o que seria cura do mal, e não apenas cura de sintomas do mal. Esse caráter deletério e antimoral adere, sobretudo, à prática rotineira da confissão sacramental. Suponhamos um jovem de 20 anos, tentado de cometer pecado de homossexualismo, ou pessoa casada tentada de adultério; pode ser dificílima a resistência ao pecado. Mas, se a pessoa sabe que, depois de cometido o pecado, pode libertar-se dele confessando-se rapidamente, e depois continuar a viver como se nada tivesse acontecido – quem não escolheria esse caminho mais fácil, em vez de criar dentro de si uma alta voltagem de resistência moral? Esse infeliz costume de dizermos aos pecadores que, depois de perdoado o pecado – seja pela confissão, seja por um ato de fé –, eles se tornaram tão puros como antes, esse costume, além de envolver grande mentira, é um desastre psicológico e educacional. Não é verdade que, depois de um simples ato de arrependimento, o pecado seja totalmente cancelado, como se não fora cometido. De cada ato mau permanecem resíduos venenosos nas profundezas da alma, facilitando novas quedas e colocando o pecador habitual num perigoso plano inclinado, onde futuras recaídas se tornam cada vez mais fáceis, e futuras resistências se tornam cada vez mais difíceis. A palavra “vício” vem de “vez” (vezo!); “vício” é uma atitude negativa, permanente, que resultou de muitas “vezes” de atos repetidos. Um jovem que cedeu 100 vezes ao pecado de luxúria, e 100 vezes se confessou e arrependeu desse pecado, não está puro como no princípio; está gravemente contaminado, pelo menos nas
  • 45. subconscientes profundezas de seu ser; é um viciado, uma vítima passiva e quase indefesa. A verdadeira educação não está em lhe mostrar apenas como se arrepender do pecado, mas sim em lhe ministrar motivos eficientes para não recair no pecado. E que motivos seriam esses? Em última análise, já o dissemos, não podem ser motivos externos, como o medo do inferno, uma vez que esse inferno já está evitado pelo arrependimento ou confissão; o motivo real e eficiente só pode ser o respeito à sua própria dignidade, ao santuário da sua natureza humana, ao seu EU divino que, de forma alguma, deve ser profanado, porque no respeito à sacralidade desse divino EU é que reside todo o valor, toda a alegria e toda a felicidade da vida humana. Assim como, no plano biológico, a ingestão habitual de remédios diminui gradualmente a resistência interna do organismo, tornando-o cada vez mais alérgico a novos ataques mórbidos – da mesma forma é o pecador debilitado moralmente pela aplicação de paliativos externos sem uma sólida resistência interna. Se um corpo humano possuía, digamos, 10 graus de resistência ao ser atacado por algum mal, se não recebe auxílio de fora em forma de alguma droga ou injeção, vê-se obrigado a apelar para as latentes reservas internas e aumentar a sua resistência biológica de 10 a 11, a 12, a 15, a 20, a fim de fazer frente ao inimigo; mas, se recebe reforços de fora, em forma de remédio fácil, deixa de intensificar a sua resistência interna, sabedor de que vai receber auxílio de fora, assim, em vez de aumentar sua natural resistência e criar imunidade contra a crença, diminui a sua energia vital, baixando de 10 a 9, a 8, etc., consoante a frequência e rapidez com que recebe os auxílios artificiais de fora; habitua-se o corpo a obedecer à “lei do menor esforço”, esperando receber de fora o que poderia criar de dentro – e está estabelecido o perigoso e vicioso estado de alergia permanente. É exatamente este o caso, no terreno da ética e da educação, quando o homem confia em auxílios automáticos de fora, em vez de criar resistência vital de dento. E o mal da nossa educação escatológica, que induz o homem a remediar, de preferência, os efeitos de seus atos, em vez de prevenir as causas dos mesmos. Esse charlatanismo moral, ou imoral domina vastos setores do nosso sistema educacional, tanto civil como religioso. Necessitamos de médicos que nos mostrem como prevenir os males em sua própria causa profunda, e não de curandeiros que nos ensinem como corrigir ou camuflar os sintomas superficiais do mal. Quer dizer que não devemos apelar para motivos religiosos, no terreno da educação? Devemos, sim, e muito mais energicamente do que temos feito até hoje. O grande psicólogo e psiquiatra da atualidade, Carl Gustav Jung, afirma em quase todos os seus livros que no fundo de todas as curas verdadeiras está o