O conto descreve uma noite de Natal em que uma criança pede à mãe para ver a noite. A criança fica fascinada pelas estrelas e pede uma à mãe, que conta a história do nascimento de Jesus. A criança acredita que a mãe tem estrelas nos olhos e que Jesus ouviu seu pedido, trazendo alegria no Natal.
1. A Estrela de Belém
Naquela noite de Natal serena e fria, a Lua havia surgido no céu
azul, etéreo, pálida e indecisa, enorme e luminosa, como um balão
de prata incandescente.
Para além das cumeadas cinzentas, o Sol desaparecera vermelho
e dourado, deixando num rasto de saudade essa sinfonia estranha,
que a voz sibilante do vento executava, fazendo girar numa dança
frenética e demorada as folhas amarelas e secas, perdidas pelos
caminhos, nesse crepúsculo arroxeado do inverno.
As pedras húmidas da rua estreita e sinuosa, de casas altas e
esguias, brilhavam intensamente à luz lunar, como se mão invisível
houvesse espalhado sobre elas toalha prateada.
Silencio! Solidão...
A mulher, de faces quase coladas à vidraça, observava
atentamente, uma por uma, as pedras da calçada, como se esperasse
surgir de entre elas algo de insólito e irreal. De mãos unidas sobre o
peito, direita, numa posição tensa, olhos perdidos na noite, parecia
murmurar: «Como é bela esta noite, Meu Deus!... Noite de Natal!»
Nisto...
- «Mamã!»
A mulher volta-se num movimento rápido, como se a vozita que
implorava a despertasse dum sonho profundo. Estendeu os braços,
e erguendo a criança até ela, num abraço de ternura exclamou:
- «Meu filho!»
O pequenito, de olhos grandes claros e profundos, articulou:
- «Mamã! Tu falavas com a noite? Mostra-ma Quero vê-la...»
A mulher aproximou-se do retângulo luminoso, e olhando o
exterior retorquiu:
- «A noite, meu filho!»
Os olhos transparentes da criança percorreram a rua estreita e
húmida, a calçada escorregadia, os telhados acobreados dos prédios
fronteiriços e detiveram-se curiosos e estáticos no céu iluminado,
onde as estrelas cintilavam rodeando a Princesa da Noite...
E... o diálogo começou:
- Mamã: a noite é fria... é negra...»
- «Mas... filho!»
- «Não, mãe, não a quero!»
- «Que queres tu, meu amor?»
2. As mãozitas do miúdo, agitaram-se no espaço como gaivotas
brancas, ensaiando o primeiro voo sobre o mar e, num jeito de
carícia, foram pousar no rosto da mãe, cetinosas, leves como penas.
A resposta saiu-lhe trémula e indecisa:
- «Quero uma estrela!»
A mulher sorriu, afagou-lhe os caracóis de ébano, as faces
martinadas e, num murmúrio, respondeu:
- «As estrelas estão longe, meu filho! São lindas, prateadas, feitas
de fogo e pedras preciosas. Todas as noites, os anjos as vão colocar
às janelas do Paraíso, para que as almas não caminhem às escuras,
pelas estradas tortuosas do mundo... numa noite como a de hoje. As
estrelas pertencem à noite e esta é a mais bela noite do ano, meu
filho!
Eu te conto...»
- «Conta, mãe, conta!...»
- «Numa noite iluminada e fria, com o céu recamado de estrelas
cintilantes, uma Senhora de rara beleza e um velhinho de barbas
brancas, semelhantes a estrigas de linho, caminhavam na neve,
silenciosos e angustiados, procurando em vão, no caminho
de Belém, uma pousada que os acolhesse. Noite alta, encontraram
uma gruta de pastores situada no cimo dum monte.
Alegres e resignados, dispunham-se a passar aí a noite, quando
uma multidão de anjos, descendo do Céu, cantando louvores ao
Senhor, veio depositar na pequena manjedoura presente, envolto
numa nuvem de luz, um Menino rosado e loiro, que Deus enviava à
Terra, como Mensageiro de Paz e de Amor. Os ares encheram-se de
cânticos, o mundo de júbilo, e uma estrela, descida lá do
firmamento, foi poisar-se, em cambiantes de oiro e prata, sobre a
gruta, onde surgira o Menino rosado e loiro... Essa estrela era...»
- «A dos Reis Magos?...»
- «Sim, meu amor!»
- «Mas... eu queria essa estrela!
Havia de guardá-la aqui no coração e trazê-la sempre comigo,
para que se não apagasse e eu pudesse, de vez em quando, afagá-la
de mansinho. Se eu fosse rico... compraria todas as estrelas aos
anjos, para que os meninos pobres como eu, tivessem uma estrela
linda e luminosa, na Noite de Natal.
Iria pelas ruas da vila, a cantar e a rezar, levando aos pequenos
do bairro brinquedos com estrelinhas pregadas. E diria: - É Natal! É
Natal! E para que tu não chorasses mais, por sermos pobrezinhos, e
3. não falasses com a noite como hoje, havia de colocar-te nas mãos a
estrela mais bela que eu tivesse, e tu ficarias alegre, mãe!»
- «Meu filho...»
- «Achas que Menino loiro e rosado gosta dos meninos pobres
como eu?»
-«Sim, ele veio exatamente para os tornar ricos com o seu Amor...
Como ele nasceu humilde e pobre!»
- Se «ele» me desse uma estrela... a do Natal! Só uma...»
A mulher aconchegou-o mais ao seio, num gesto mudo; e os seus
olhos claros e profundos, como os da criança, encheram-se de
lágrimas, reparando no rosto ansioso do filho, que de olhos
semicerrados, como quem vai dormir, olhava o Céu.
Precisamente por cima deles, uma estrela cintilava luminosa,
atraente...
Num movimento demorado, a criança voltou-se, olhou a
mulher e fitando-a nos olhos meigos, húmidos de emoção,
exclamou, delirante, como num sonho:
- «Mãe! Mãe! Tu tens duas estrelas nos olhos... O Menino ouviu-
me... É Natal, mãe!»
E num jeito de quem vai adormecer, encostou-se todo ao seio
materno...
... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ...
Fechei a porta. Do outro lado da rua, os vultos da mulher e da
criança adormecida, unidos numa só sombra, tinham desaparecido
por detrás do retângulo luminoso da janela.
No céu, as estrelas pareciam sorrir. E a Lua pálida e indecisa,
enorme e luminosa, desaparecia por cima do telhado da casa
fronteiriça, cedendo os encantos da noite serena e fria às mães, que,
de braços em forma de berço e de estrelas nos olhos, velavam o sono
inocente dos filhos, rogando aos céus, numa cantiga de embalar, a
proteção dos Anjos e de Deus, nessa noite distante de Natal!
Maria Helena Amaro
In, «Maria Mãe», 1973.
Data da conclusão da edição no blogue – 15 de agosto de 2012
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