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Homossexualidade e genetização dos discursos



Haverá, pelo menos, alguns que se lembram do célebre motto da Simone de Beauvoir – on ne
nait pas femme, on le devient – transformado em bandeira da corrente feminista que nasce no
meio do século vinte.


Para uma feminista que viveu ou tem memória desses tempos idos da década de sessenta, a
relação que os homossexuais têm com a biologia e, em particular, com a noção biológica da
homossexualidade só pode causar perplexidade e mesmo suspeição. Ao contrário do que
aconteceu com as feministas que, para lutarem contra a dominação masculina, forjaram todo
um discurso e uma prática onde é bem explícita a rejeição do ‘destino biológico’ desde sempre
atribuído às mulheres, o movimento gay, em geral, e muitos homossexuais, em particular,
mantêm com a biologia uma relação muito particular de ambivalência. São muitos os que
acolhem bem a noção expressa pelo slogan ‘nascemos assim’, achando que ele traduz no
discurso ideológico público o que muitas vezes se vive no privado.


A procura de uma relação entre homossexualidade e biologia tem raízes antigas , mas hoje os
desenvolvimentos das ciências da vida, nomeadamente da biologia molecular, vieram dar nova
visibilidade e novos contornos à percepção de uma identidade gay.


Esta   reformulação     enquadra-se   num   movimento    mais   vasto   de   biologização   dos
comportamentos sociais e individuais. Apropriando-se daquele conhecimento, muitos e
variados ideólogos apareceram a proclamar, de modo certo e seguro, explicações biológicas
para toda uma série de condições desde o alcoolismo até à pobreza. Entre estes e, para ajudar
à credibilidade, encontramos cientistas que, saídos dos seus laboratórios, passam à cena
pública.


Não é pois surpreendente que encontremos nesta onda redutivista, noções como o ‘cérebro
gay’ ou o ‘gene gay’ que, por razões que merecem ser analisadas, são muito bem aceites e
apropriadas pelo grande público. Mais paradoxal talvez, é verificarmos que, entre esses, se
encontram biólogos homossexuais e que as conclusões dos seus trabalhos encontram uma
aceitação entusiasta dentro da comunidade gay. Parecendo esquecer usos de investigações
anteriores do mesmo tipo para efeitos racistas e sexistas, emerge a ideia de que, o inatismo é
‘pro-gay, ’ enquanto que a homossexualidade vista como escolha seria uma posição anti-gay.


A definição biológica da identidade gay, no sentido de uma ideologia que vê a biologia ao seu
serviço, sobrepôs-se à auto- representação social e, depois de um período de retraímento
mental, reemergiu, talvez com novas roupagens, mas seguindo um padrão com mais de um
século. É uma ideia que se exprime a vários níveis, desde o nível de uma consciência




                                                                                             1
espontânea pre-ideológica, através da sua função social como ideologia, até ao nível das teses
e resultados da investigação científica contemporânea.


Ora se a promoção dos direitos dos homossexuais permanece uma acção importante e
urgente, ela não se pode fazer à custa do esquecimento dos resultados do uso do
determinismo biológico já apontado onde as diferenças são utilizadas para estabelecer valores
hierárquicos de superioridade e inferioridade, justificando vantagens e dominação de uns sobre
os outros assim como da ignorância do rasto de má ciência associada às proposições
biológicas deterministas (Gould; Lewontin, Rose, Kamin, etc.).


É difícil delinear as fronteiras entre o biológico e o cultural, para usarmos de modo um pouco
expeditivo a dicotomia usada por Levi-Strauss. Difícil, equívoco e de questionável utilidade, não
fossem as repercursões generalizadas das afirmações repetidas de um determinismo biológico.
É a quase obsessão científica que os media nos passam e a sua recepção por diferentes
grupos que nos conduz aqui a analisar o significado de investigações sobre a determinação
biológica da orientação sexual. Estas investigações alimentam debates geralmente
enquadrados por dicotomias como natureza (bio) vs cultura, características e comportamentos
inatos vs aprendidos. Este dispositivo favorece a crença de que a descoberta da existência de
uma componente biológica na expressão de determinadas características da vida faz desta a
causa e o motor praticamente automático dessa expressão particular que não seria, portanto,
nem escolhida nem aprendida.        Sandra Witelson, especialista em anatomia do cérebro e
orientação sexual na Escola de Medicina Michael G. DeGroote na McMaster University de
Ontario, Canada, expressa bem a confusão terminológica presente na dicotomia entre base
biológica e aprendizagem quando diz que as provas de diferenças biológicas mostram que a
                                                              1
orientação sexual não se aprende Não se aprende, faz-se . E faz-se, diria, porque ... se tem
que fazer: é biológico.


Não podemos cair no logro das discussões enquadradas por perguntas tão limitativas como: A
homossexualidade é biológica ou vem da educação? Sendo os homossexuais diferentes dos
heterossexuais, onde se localiza a diferença, na biologia ou no meio ambiente? Uma vez
aceites, ficamos atados a uma certa definição dos termos, a determinados esquemas de
compreensão e modalidades de discussão. Por muito científica que pareça ser a sua
formulação, os implícitos dos seus enunciados não o são. No entanto, como sabemos, não é
fácil deslocar as questões para que os implícitos se tornem objecto explícito de análise. Só
assim se compreende que, depois de terem sido desacreditados por várias vezes, eles se
repitam continuadamente, sem terem sofrido grandes abalos.



1
  Ver “Researchers find a biological explanation for biology” (2005), blog Bobvis
(http://bobvis.blogspot.com/2005_05_01_bobvis_archive.html) . Não se percebe bem então o que é a
aprendizagem já que esta está também associada a modificações cerebrais.



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No que diz respeito aos próprios homossexuais podemos perguntar se a
aceitação do inatismo gay não se enraíza na sensação de mal-estar ou mesmo de
revolta face às regras de género impostas desde muito cedo, muito antes de se poder falar da
consciência de uma orientação sexual particular e, nesse sentido, se a noção ideológica de
que se nasce assim não tem mais a ver com essa consciência espontânea do que com um
inatismo biológico. Por muito que se regrida na memória, o desfasamento, a diferença sentida é
sobretudo uma diferença psicológica relativa a certos padrões socio-culturais e mentais. Por
muito profunda que seja a marca que esta diferença inscreve no próprio sentido que um sujeito
tem de si, a sua representação como algo de biológico pode ser mais ideológica que biológica.
Em segundo lugar, a identidade biológica elide a diferença de género na infância e a orientação
sexual em adulto. O referente da expressão ‘nasci assim’ é a criança e não o adulto. Não há
nenhuma correspondência unívoca entre o sentimento infantil e o que seria a base biológica
da orientação sexual, embora a ideologia da identidade biológica procure apresentar os dois
como uma e mesma coisa. Para além disso, a confusão generalizada entre sexo e género e a
crença   arreigada   no   dimorfismo   quer   sexual   quer   de   género   são   co-adjuvantes
importantíssimos na acção do biologismo.

1.


Não cabe aqui traçar em detalhe as várias etapas do conceito de identidade biológica

homossexual e da sua recepção pela sociedade, mas vale talvez a pena chamar a atenção

para alguns momentos desse percurso.



O movimento gay aparece nas sociedades ocidentais num contexto de uma condenação

bíblica, reforçada pelo Estado Cristão. Por outro lado, sabemos que, desde a Renascença pelo

menos, existem pensadores que vão contrapõem à doutrina religiosa, a razão e a ciência. É, no

entanto, apenas no século 19 que se torna possível desafiar o taboo imposto pela moral cristã

sobre a homossexualidade e tentar a sua discussão racional no espaço público.


Ironicamente, ou talvez não, a solução biologista até convém parcialmente à Igreja, pelo menos

às Igrejas mais reformistas. Se, por um lado, ela obriga à retirada, mais ou menos explícita, da

ideia de depravação dos homens e da consequente condenação divina, ela permite acomodar

a existência de uma minoria dentro de uma ordem social que permanece a mesma. Quer do

ponto de vista das tendências religiosas que sabem adaptar-se aos tempos, quer do ponto de

vista social, a homossexualidade aparece como algo que só diz respeito a um grupo minoritário


                                                                                              3
e identificável e não como uma grande ameaça ao status quo. Enquanto diferença biológica, o

perigo que a homossexualidade representa é difuso já que ela como ser tratada como uma

anomalia tal como a dislexia, o albinismo ou outras condições do mesmo género.



O primeiro ele do novo nexo ideológico que associa o discurso dos direitos de uma minoria a

uma identidade biológica homossexual foi formulado em 1860 por Karl Heinrich Ulrichs que

escolheu o termo uranismo (de Platão – eros uranos) para designar a minoria homossexual

moderna. Já no seu primeiro livro, escrito entre 1864 e 1879, podemos ler um dos pontos

cruciais do seu argumento. Segundo ele, o uranismo não se aplicaria apenas aos sentimentos

sexuais mas a toda a parte não física do organismo. Porque inata, a homossexualidade seria

tão natural para uma minoria de homossexuais como a heterosexualidade o é para a maioria.

Não há pois razão para a condenação social e legal.    Sem ter ainda o apoio de uma ciência

positiva, Ulrich não pode definir nesses termos a natureza inata singular do homossexual,

embora tenha chegado a avançar com a possibilidade de existência de um ‘terceiro sexo’

biológico distinto. É, no entanto, a proposta de uma alma feminina num corpo de homem que

vai caracterizar a singularidade destacada por Ulrich.     Mesmo em termos tão vagos, o

pensamento de Ulrich vai ter influência sobre cientistas mais nossos contemporâneos, como o

reconhece Simon LeVay, figura     proeminente do movimento gay nos Estados Unidos,         e

conhecido pelos seus trabalhos sobre o “cérebro gay”. Ele próprio diz que as ideias de Ulrich

estão na base do seu pensamento e investigação no campo da biologia. Mesmo antes de as

ciências biológicas terem algo de importante a dizer sobre o assunto, os trabalhos de Ulrich

vieram contribuir para o alargamento da discussão académica sobre a homossexualidade e

abrem o caminho às primeiras obras etnográficas e aos estudos no campo de uma psicologia

com pretensões científicas. Estava quebrado o taboo.



Ulrich não foi actor único no seu tempo, claro. Já em 1897 se começara a esboçar um

movimento gay com uma campanha pública sobre os seus direitos dos homossexuais.

Fundado por Magnus Hirschfeld que, enquanto cientista, gostava de falar sobre o ‘terceiro


                                                                                           4
sexo’ em nome de uma ciência, por definição, neutra, o movimento acabou por ter um fim

abrupto com a chegada de Hitler em 1933.



Hirschfeld também não se baseava no que hoje se consideram estudos científicos mas em
estudos proto-científicos com afirmações que hoje aparecem como rídiculas. O que é um facto
é que vamos encontrar, recontextualizadas em discursos científicos subsequentes, algumas
das variáveis por ele introduzidas. Por exemplo, o endocrinologista Eugen Steinach mostrou
que os testículos e os ovários segregam químicos que entram na circulação sanguínea com
níveis que vão influenciar o desenvolvimento físico e o comportamento sexual dos animais.
Steinach chegou mesmo a publicar em 1917 o resultado de um trabalho experimental que,
embora não saibamos se foi, de facto, realizado, hoje nada tem de surpreendente. Essa
experiência fala explicitamente de um transplante de um testículo de um homem heterossexual
para um homem ‘homossexual, efeminado e passivo’. O resultado descrito foi o de uma
mudança drástica na orientação sexual. Convencido por este trabalho, Hirschfeld vai afirmar
que ‘ o factor decisivo na atracção sexual contrária não está, como Ulrichs acreditava, na
mente ou alma (anima inclusa) mas nas glândulas (glandula inclusa). Pela primeira vez, a
identidade biológica gay podia fazer apelo não a asserções metafísicas de uma ‘alma feminina’,
não apenas a sentimentos da consciência espontânea, mas à ciência experimental.




Este tipo de estudo sobre as hormonas sexuais veio dar força à ideia que a orientação sexual é

governada pela química do corpo que governava a orientação sexual. O tipo de intervenção de

que aqui se fala materializa um dos meios médicos utilizados nas tentativas normalizadoras e

como que anuncia as experiências levadas a cabo não só pelos Nazis, mas também na

Alemanha pós-Nazi, por médicos americanos e, em menor grau, ingleses. Alan Turing foi uma

das vítimas conhecidas deste tipo de intervenção cirúrgica já em 1953.



O ensinamento maior retirado desta experimentação de manipulação hormonal veio, no

entanto, das razões do seu insucesso generalizado. Descobriu-se que as mudanças de

comportamento animal não estavam relacionadas com os níveis hormonais dos indivíduos

adultos mas com as variações hormonais durante o desenvolvimento fetal. O custo foi talvez

demasiadamente alto.




                                                                                            5
Apesar dos seus vários antecessores e ser continuador desta linhagem, cabe a Simon Le Vay,

com trabalhos na década de 50 do século XX, servir para marcar o início de um ciência gay.



Os seus trabalhos têm, com certeza, maior grau de sofistificação tecnocientífica mas não

deixam de corresponder à visão clássica e simplista mais disseminada. LeVay não só relaciona

todos os dimorfimos somáticos sexuais, incluindo os do cérebro e do comportamento, com a

produção hormonal nas gonadas desde o início da diferenciação das mesmas, como

estabelece uma relação causal entre diferenças de níveis hormonais e de comportamentos

sexuais.



O trabalho de Le Vay é emblemático da dinâmica que se estabelece entre ciência e política. É

o próprio que estabelece uma ligação entre o seu trabalho sobre os determinantes biológicos

da homossexualidade e o estatuto legal, psicopatológico e político dos homossexuais. É uma

pessoa influente no espaço gay e um cientista de renome entre os seus pares. Era

neurobiólogo no Salk Institute, na California e publicava na revista Science (revista científica de

referência).



O seu trabalho mais conhecido tinha como objectivo o estudo das variações no hipotalamo

verificadas entre homens heterossexuais, por um lado, e outros seres humanos – gays e

mulheres. A hipótese previa uma diferença significativa do tamanho médio de algum ou alguns

grupos celulares presentes nesse órgão para os dois grupos.



Le Vay justificou a sua hipótese baseando-se nas conclusões de estudos realizados com

macacos rhesus no quadro de investigações sobre diferenças sexuais entre machos e fêmeas

e que mostraram uma diferença de tamanho numa microestrutura do hipotálamo, mais

precisamente, no Núcleo Sexualmente dimorfico, entre uns e outros. Com estes estudos

chegou-se ainda à conclusão de que a parte anterior do hipotálamo está implicada na geração

de comportamentos sexuais tipicamente masculinos, uma vez que a modificação dessa zona

leva a que os macacos em que se fez a intervenção não percam o seu ‘sexual drive’(medido


                                                                                                 6
pelos intervalos de masturbação) mas deixem de exibir um comportamento masculino

típico, avaliado pelo número de vezes que montavam as fêmeas e efectuavam
a penetração.2

Fez também uma meta-análise dos               estudos comparativos do tamanho dos grupos
INAH-1, 2, 3, 4 em homens e mulheres que mostraram que dois desses grupos, INAH2
e INAH 3, eram maiores, em média, nos homens que nas mulheres. (Allen et al.)

Estes resultados apareceram no fim da década de oitenta, levando os biólogos a dar
como provada a existência de um substracto biológico da heterosexualidade humana,
apesar da grande variabilidade dentro de cada grupo sexual e da grande zona de
coincidências. Tendo estes resultados como base, Le Vay partiu na sua busca do
‘cérebro gay’ e da verificação da sua hipótese de que “há centros separados dentro do
hipotálamo que geram comportamentos e sentimentos tipicamente masculinos e
femininos.” A originalidade da sua proposta está em correlacionar a diferença de
tamanho de INAH 2 e INAH 3 com a orientação sexual – não com o género.

Uma vez que o binarismo é prevalecente em praticamente todo o tipo de estudos sobre
diferenças sexuais não é de admirar que se tenha posto a hipótese de que heterossexuais
e homossexuais tenham substratos biológicos diferentes e, uma vez que se concebem
apenas duas possibilidades, o substracto biológico dos gay deverá ser semelhante ao das
mulheres.

Le Vay simultaneamente resume e postula que “esse núcleos estão implicados na
geração de orientações sexuais típicas” afirmando que as estruturas do cérebro causam
determinados comportamentos. Na explicação da sua hipótese podemos ler:

    I tested the idea that one or both of these nuclei exhibit a size dimorphism, not with
    sex, but with sexual orientation. Specifically, I hypothesized that INAH 2 or INAH
    3 is large in individuals sexually oriented toward women (heterosexual men and
    homossexual women) and small in individuals sexually oriented toward men
    (heterosexual women and homossexual men) (1035).



2
 Como se sabe o hipotálamo é um orgão localizado no cérebro inferior, comum a todos os mamíferos,
estreitamenteo associado à glândula pituitária e com uma. função chave no controlo da secreção hormonal
que governa o ciclo dos esteroides.


                                                                                                     7
LeVay não só assume que a diferença de tamanho se deve a uma diferença de género e a
uma diferença de orientação sexual, como ainda afirma que essa diferença de tamanho
prova a base biológica da homossexualidade masculina.

Na apresentação dos resultados científicos, LeVay mostra alguma cautela, afirmando
que ‘ a orientação sexual ... pode não ser a única determinante do tamanho do inah-3”,
mas o seu interesse em avançar com esta interpretação tão descaradamente redutora e o
interesse demonstrado pelos editores da revista Science, levaram-no não só a essa
publicação como à sua publicitação em conferências de imprensa em termos bastante
bombásticos. Fora do laboratório, quer os cientistas quer os media se juntaram para
afrimar que se tinha encontrado um indicador biológico fiável da homossexualidade.
Ora mesmo que se assuma que os resultados deste estudo possam ser replicados, e que
se observe uma diferença média no tamanho do inah-3 entre grupos gay e hetero assim
como entre machos e fémeas, a questão de saber se a experiência social que difere já nas
idades formativas, não provoca, por feedback, uma mudança nessas formações
microanatómicas, permanece.

Uma análise da investigação de LeVay mostra uma série de distorções e erros bastante
significativos. Muitos passam desapercebidos pois fazem parte do quadro conceptual
comum da investigação sobre diferenças sexuais: a determinação do que conta como
diferença significativa para explicação de diferenças de comportamentos; a definição do
que conta como comportamento tipicamente masculino e comportamento tipicamente
feminino a que se associam hormonas que recebem o nome de hormonas masculinas e
hormonas femininas embora elas apareçam em todos os indivíduos e possam influenciar
muitas coisas para além das características sexuais secundárias; o consequente círculo
tautológico entre a ‘masculinidade’ do cérebro e os comportamentos tipicamente
masculinos, já que se assume que as hormonas ‘masculinas’ no feto criam um cérebro
‘masculino’ e que o seu deficit cria um cérebro ‘feminino’; o realce quase exclusivo de
resultados que mostram essas diferenças em detrimento da publicitação de resultados
em que se confirma a ‘hipótese nula’; etc.

LeVay aceita o pressuposto que há um ‘comportamento sexual típico masculino’ nos
humanos que difere de um outro tipo comportamento e que esse tipo é o mesmo que a


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“orientação sexual, ..., a direcção dos sentimentos ou comportamento em relação a um
membro do mesmo sexo ou do sexo oposto” (1034). Como se vê, a introdução do
conceito de ‘comportamento sexual tipicamente masculino’, permite a determinação de
um comportamento não especificado baseado no género da pessoa para quem o
indivíduo se orienta sexualmente. Orientação sexual e género rebatem-se um sobre o
outro já a orientação sexual assenta em características biológicas específicas das
identidades masculinas e femininas.

Na ‘década do cérebro’, embora os modelos neuronais se tenham tornado um pouco
menos rígidos e deterministas, procurando dar conta da influência da da experiência na
organização e função no cérebro,       o pre-conceito da feminização do homossexual
permanece.

Repare-se que o quadro de referência geral aceita uma primeira dicotomia e hierarquia

entre comportamentos de homens e mulheres e é nesse contexto que introduz                   a

dicotomia entre comportamentos sexuais típicos masculinos – os orientados para as

mulheres – e outros não típicos – os orientados para homens. É, posteriormente, que

refere os papéis mais ‘femininos’ ( o lado receptivo do ser penetrado) entre

homossexuais, o que me parece inevitável, independentemente da existência de práticas

concretas muito diversas e de práticas semelhantes com parceiros de sexos diferentes ,

uma vez a lógica do seu quadro conceptual depende fortemente da bipolaridade das

categorias de género.


Numa entrevista na revista Discover, LeVay afirma:


I am saying that gay men have a woman's INAH 3 -- they've got a woman's brain in that

particular part. In a brain region regulating sexual attraction, it would make sense that

what you see in gay men is like what you see in heterosexual women. But people get

nervous, as if I'm painting gay men as women in disguise. (Nimmons 66)




                                                                                            9
Lembremo-nos que LeVay escolhe, em parte, esta área do cérebro para o estudo das causas


das diferenças sexuais nos humanos porque, diz , os estudos com outros animais nos dão


garantias de resultados mais fiáveis do que os obtidos noutras áreas, fora (psicologia) e dentro


da biologia (estudos cromossómicos, de estruturas do cérebro, etc.) Ora se olharmos para


esses estudos, o que se nota é que o comportamento sexual masculino típico, leia-se, o


comportamento heterossexual, se define pelo montar das fêmeas pelos machos. Ora o ‘montar’


não é, em qualquer caso, característico do sexo, nem do que monta nem do que é montado,


pois todas as combinações são possíveis e podem ser observadas (Bleir 87, 174). Para todos,


as fronteiras entre categorias de comportamento masculino e feminino são fluidas. Mas se


ninguém contesta estas observações, a análise do seu significado é a maioria das vezes


omitida ou mesmo reprimida. Nesses estudos vimos também que o ‘drive’ sexual é


equacionado com a masturbação.



Por tudo isto podemos perguntar o que é finalmente esse tal comportamento tipicamente


masculino gerado pela variabilidade de tamanho de uma dada região do cérebro. A atracção


pelas fêmeas? A penetração? Estas características não são boas candidatas, pois não


sabemos em relação a quê ou a quem se está a falar quando se fala de semelhanças e


diferenças.



Outro problema de que LeVay não consegue libertar-se é o do determinismo biológico com que


ele opera, embora reconheça, por vezes, o seu carácter restritivo, como no caso em que




                                                                                             10
discute as limitações do estudo que temos vindo a analisar. Aí, ele explicita que os seus


resultados não permitem dizer se o tamanho dos grupos celulares cerebrais estudados são


causa ou consequência de um certo comportamento sexual ou mesmo se existem variáveis


mediadoras.



Parece-lhe, no entanto, mais provável que seja no substracto biológico que se aloje a causa e,
de qualquer maneira, esta limitação não apareceu como suficientemente importante para
acautelar as proposições do estudo nem impedir a sua publicação e publicitação.


Na lógica argumentativa dos artigos científicos aceites pela comunidade, as limitações do
estudo, são, de certo modo, exteriores à validade do mesmo, sobretudo se ele vai no sentido
das crenças dominantes e que estão longe de serem meramente científicas. Por vezes, é o
próprio LeVay que afirma a necessidade de proceder a algumas ‘simplificações’ para que a
ciência avance, ou seja, nuns casos, mais do que noutros, é necessário esticar as fronteiras da
validade científica.




Até onde, perguntamos. Quem e como se decide?


Fará o determinismo parte dessas ‘simplificações’ necessárias para que a ciência avance? É
por isso que ele é tão recorrente? A sua ‘eficácia’ pesará muito mais que as ‘limitações’ que
impõe e que ficam convenientemente esquecidas na hora da proclamação dos enunciados e do
seu uso em contextos sociais?

…………………………………..

2. O gene gay e a sociobiologia

A problemática do ‘gene gay’ entra no campo dos estudos sobre a sexualidade humana
pela mão de geneticistas como Dean Hamer e pela mão de especialistas de um certo tipo
de evolucionistas, nomeadamente, Wilson e Dawkins – os arautos da sociobiologia.



Dean Hamer, em particular, procurou, no estudo do DNA, encontrar algumas respostas
às dificuldades encontradas nos estudos sobre as relações entre a fisiologia do cérebro e
os comportamentos sexuais.




                                                                                            11
Muda-se de campo, procura-se novo substracto biológico mas continua a procurar-se
encontrar algo de biológico que explique não apenas, não sobretudo, um problema
científico mas um fenómeno social que continua a ser problemático. Por razões que,
como vimos, até podem ser opostas, a naturalização aparece simultaneamente como um
caminho promissor para o apaziguamento e controlo sociais relativamente a uma
minoria no mínimo incómoda.


E hoje, de facto, o gene aparece como o melhor candidato onde enraizar esse problema.
Dadas as orientações dominantes no estudo da genética molecular e biomedicina, temos
aqui um terreno credível que dá uma expressão aparentemente nova ao inatismo e ao
essencialismo, uma nova força àquilo que a ideologia dominante e o senso comum, no
fundo, já sabem. O resultado ideal seria, pois, a identificação de um gene, ou mais
precisamente, de um alelo, um de entre um conjunto de alternativas possíveis,
encontrado num sítio específico do genoma de homossexuais certificados. 3

Bem à maneira do geneticista, o bébé teórico de Hamer tem uma dupla paternidade .
Um delas é a função particular do cromossoma x, único no caso do macho e proveniente
da mãe que posui um par de cromossomas x e que se acopula com o cromossoma y
herdado do pai. Esse cromossoma X tem várias anormalides que não se expressam no
caso da fêmea devido à presença de uma contra parte natural situada no sítio genómico
em questão mas que se expressam no macho que não tem essa contraparte.O
cromossoma X aparece assim como lugar natural para procurar variações no macho,
nomeadamente, o ‘gene da homossexualidade masculina’.

O outro parente é o estudo das populações que mostra uma certa tendência hereditária
da homossexualidade. A partir de estudos com gémeos verdadeiros e não verdadeiros e
com parentes mais distantes pertencentes ou não pertencentes à linhagem maternal
Hamer procurou mostrar que o factor genético que predispõe para a homosexxualidade
é transmitida pela mãe no cromossoma X.


Usando essa técnica e partindo do estudo de 40 pares de irmãos hossexuais, Hamer e os
seus colaboradores conseguiram identificar um marcador na região q28 do cromossoma
X comum em 83% dos casos (33 casos). 4

Embora este tipo de estudo não tenha dado resultados semelhantes no caso de mulheres
homossexauis e a sua replicação no caso dos homens não tenha dado resultados
positivos, este caso foi visto como o necessário e suficiente para se poder afirmar a base
genética da homossexualidade. Repare-se que, mesmo que se considere esta experiência
como suficiente, ela nada nos diz sobre a influência de um suposto ‘gene gay’ nos
homossexuais em geral. A sua existência dirá quanto muito que, para alguns homens, a
probablidade de uma predisposição para crescer homossexual é maior. Isto para já não
falar na inexistência nesta, como noutras experiências, de um indicador fiável da
homossexualidade.



3
  O modo de certificação não se explicita, claro. É certificado como se certifica a cor dos olhos? Como se
determina a existência de um cancro? Da esquizofrenia? Do sexo?
4
  A hipótese nula seria correspondente a 50% dos casos.


                                                                                                        12
Nada disto impediu que a recepção ao trabalho de Hamer fosse ainda mais positiva que
ao trabalho de LeVay quer por parte da comunidade homossexual quer por parte da
sociedade em geral.

Mesmo antes de Hamer aparecer em cena o conceito de gene gay já tinha aparecido nos
debates da sociobiologia.
A sociobiologia apareceu publicamente, como se sabe, em 1975 com o livro
Sociobiology de Edward O. Wilson e foi sempre foi objecto de enorme controversia. Na
década de noventa conheceu os seus anos de ouro.
Entre outras coisas, a sociobiologia veio promover o revivalismo do Darwinismo no
pensamento social e retomar o conceito de natureza humana, agora inscrita na biologia e
sujeita aos processos evolutivos.




A homossexualidade é, sem dúvida, um desafio para a sociobiologia pois, em princípio,

não é fácil explicar a persistência na população humana de um gene cuja função era

reduzir a propensão reprodutiva dos seus descendentes. A melhor resposta encontrada

até agora tem pouco a ver com a realidade mas permite manter intacta a lei reprodutiva

e atribuir uma      funcionalidade positiva a um gene à partida condenado ao

desaparecimento. Sem dúvida influenciada pelos estudos de Wilson com insectos, a

sociobiologia continua a afirmar a existência de um traço genético da homossexualidade

em ambos os sexos e explica a possibilidade da sua permanência pela sua função

coadjuvante na criação das gerações seguintes. Fica explicada assim a existência de

homossexuais e de uma identidade biológica gay. No entanto, e como é fácil de ver,

mesmo se esta explicação tivesse alguma credibilidade real, ela não vem responder à

questão da necessidade de maior procriação em famílias com membros homossexuais

para cobrir o deficit de nascimentos que não se verifica. Dada a pouca credibilidade que

merece este tipo de respostas, não admira que especialistas como Wilson pouco ou nada

tenham discutido a explicação evolutiva da homossexualidade, o que acontece, aliás,

com outros comportamentos (o suicídio, o riso, a experiência estética, a contemplação)

sem nenhuma função reprodutiva.



                                                                                     13
Podíamos multiplicar os exemplos de estudos nesta procura de explicações biológicas
para a homossexualidade. Procurámos com estas mostrar que a sua análise dá muitas
vezes conta de premissas e enquadramentos conceptuais questionáveis, de planeamento
de experiências frágeis e de erros na manipulação e interpretação dos dados.

Este parece-me ser um trabalho moroso mas necessário para questionar afirmações
pretensamente científicas, para mostrar como a ciência distorce e viola as suas próprias
regras por razões que têm pouco de científico

Não o tomemos, no entanto, como uma validação da relevância e do interesse deste tipo
de trabalhos para a compreensão de algo construído como fenómeno social e
interpretado como um problema social que a ciência poderia vir ajudar a resolver,
servindo como base de regras normativas de acção por muito positivas que ela nos
pareçam ser.

A própria importância da correcção dos erros científicos e da reposição da verdade, no
domínio que é o seu, necessita de ser justificada. Essa justificação já foi, em certa
medida, esboçada atrás mas não muito explicitada.

Apesar das implicações legais e politicas que a descoberta de uma base biológica para a
orientação sexual, há outras questões sociais que não se podem ignorar, entre elas o
próprio facto de a homossexualidade precisar de uma explicação biológica. Se uns
vêem na ‘naturalização’ uma base para a não descriminação, outros lêem nela a forma
de mais uma patologização da homossexualidade e, em particular, um defeito (erro?)
genético (Kevle). A heterossexualidade não precisa de ser explicada. Um heterosexual
pode ter muitos erros genéticos mas não esse. Mesmo que não reproduza, mesmo se
existem expressões suas sem fins reprodutivos, estas podem sempre ser são vistas como
preparatórias desse fim ou, então, pura e simplesmente ignoradas.. Por questionar fica
também o dimorfismo. É neste quadro, como vimos, que os homens com os traços
típicos da masculinidade têm cérebros programados para serem atraídos por mulheres e
as mulheres, por arrasto, cérebros programados para sentirem atracão por homens.
Dentro da mesma lógica os homossexuais masculinos não podem senão ter uma
programação errada, a feminina e, por arrasto, as lésbicas uma programação masculina.
(Byne). Temos, pois, à partida, uma categorização binária sexista assente em
pressupostos sobre a sexualidade da ordem do e heterocêntricas sobre a polaridade de
género. Ora como diz Byne,

     Sexual orientation is not dimorphic; it has many forms. Different people could be
     sexually attracted to men for different reasons. The conscious and unconscious
     motivations associated with sexual attraction are diverse even among people of the



                                                                                      14
same sex and orientation. . . . Indeed, the notion that gay men are feminized and
     lesbians masculinized may tell us more about our culture than about the biology of
     erotic responsiveness. (….)

If we extend the inferences of this dimorphic model of sexuality, we must arrive at the
very dubious rationale that of the two people of the same sex who engage in sexual
activities only one of them can be homosexual. This nonsensical conclusion is based on
the heterosexual model of dimorphic gender that assumes that a male is assertive and a
female is passive. Therefore only one partner in a same-sex act could be homosexual.
Presumably the passive partner or the partner who assumes the so-called inferior
position or who is penetrated would have to be either a heterosexual female or a
homosexual male; while the active partner or the partner who assumes the so-called
superior position or who is the penetrator would have to be either a heterosexual male or
a female homosexual.

Byne concludes that if biology influences anything it is probably the creation of a
temperamental inclination for a whole range of behaviors. As geneticist Walter Bodmer
points out: "Sexual preferences come in a broad array, from the exclusive homosexual,
to the heterosexual who has gay forays, to the heterosexual who only finds members of
the opposite sex attractive. The idea that a single gene could control these widely
varying reactions is ridiculous."

On the other hand, it is rather interesting that in his designation of various sexual
orientations, Bodmer works from a heterocentric point of view. He refers to "exclusive
homosexuals" and to "exclusive heterosexuals," but when he describes bisexuality he
relies entirely on the heterosexual dimorphic model by describing bisexuals as "the
heterosexual who has gay forays." It seems to me significant that he fails to mention
homosexuals who have straight forays. He also seems to

                                         -135-

tell us that sexual orientation is a polarized identity: with males and females divided
between exclusively heterosexual or exclusively homosexual persons, and an occasional
heterosexual who engages in same-sex activities.




                                                                                      15
Byne offers one of the most interesting conclusions in the debate that is just beginning
about the influences of biology on sexual orientation:

       Perhaps more important, we should also be asking ourselves why we as a society
       are so emotionally invested in this research. Will it--or should it--make any
       difference in the way we perceive ourselves and others or how we live our lives
       and allow others to live theirs? Perhaps the answers to the most salient questions
       in this debate lie not within the biology of human brains but rather in the
       cultures those brains have created.

…………………………………..




Apesar da insistência Darwiniana no acaso dos processos evolutivos, os discursos

evolutivos estão longe de terem erradicado a teleologia e a crença de que a evolução

individual e colectiva tende para perfectibilidade assim como as sociedades modernas

tendem para o progresso.


Apesar de a maioria dos biólogos ter abandonado o vitalismo, há alguns, nomeadamente

os influenciados pelo trabalho de Prigogine, insistem na existência de processos naturais

auto-organizadores e pressupõem que o avanço para a complexidade organizativa é uma

tendência universal muito próxima de uma lei. Não é esta uma expressão moderna que

justifica a superior dos homens sobre os outros animais?


Com esta visão teleológica aparece a tendência para a moralização da natureza como o

mostram as tendências dominantes da chamada ciência sexologia


Num processo paradoxalmente semelhante ao teologia cristã, a biologia tem tendência a
identificar normas e hierárquicas. Mesmo antes da sexologia, a orientação sexual já
fazia parte da agenda escondida da biologia. O plano cósmico já não seria religioso mas
a dualidade, a hierarquia, a norma permaneceram. Não há Deus, não há uma finalidade



                                                                                      16
cósmica mas o imperativo da procriação mantém-se como uma parte essencial da lei
natural.


Quer emanando de uma lei divina, quer de uma lei natural, o sexo marital é, pelo menos

até ao século 17, visto como expressão de um ‘estado da natureza original’.

Posteriormente, com a industrialização e urbanização das sociedades, este tipo de leis

torna-se extremamente frágil dando margem ao aparecimento de um novo cepticismo

em relação à moralidade e à lei. A sexualidade tornou-se um aspecto mais visível do

mundo social. A esta maior visibilidade veio corresponder uma necessidade de

encontrar novas formas de controlo da ordem social. Aparecem então os profissionais

da investigação da sexualidade com uma nova abordagem categórica do sexo. Se já não

é possível fazer apelo a uma instância transcendente para justificar a justeza da lei

humana é    necessário manter os grandes pilares que sustentam a ordem social e

encontrar outras formas de legitimação. A biologia e a medicina, em particular, a

psiquiatria trespassada pelos avanços a bioquímica, tornam-se fontes priveligiadas de

autoridade legitimadora. Por métodos cada vez mais tecnológicos, vão levar-nos, de

regresso, à normatividade do natural de que descobrem os segredos. Certas das normas,

têm agora também modos mais eficazes e benignos de intervenção e tratamento dos

desvios, não provocados pela maldade ou extravio dos indivíduos mas pelos erros de

uma natureza não perfeita. Ou então pela ignorância dos homens que os leva a pensar

que podem inventar-se fora desse substrato natural, sem atender ao que ele dita. Porque

este já não se deixa ver nem compreender directamente, é necessária a mediação dos

que têm modos de a saber e mais ainda de a aperfeiçoar.


A ciência reclama ter a ver com o que é, para além da aparências e emancipada da

imaginação mitológica e da autoridade religiosa. A modernidade rejeita narrativas que

interpretamos como representações de um eterno presente. Contra tempos, tradições e


                                                                                    17
culturas que se nos afiguram estáticas, prezamos a mudança, sinal onde lemos o

progresso e o caminho da perfectibilidade humana. Esquecemo-nos, convenientemente,

da multiplicidade de possibilidades abertas nesses tempos que nós congelamos na

memória da história. Partidários da criatividade, suspeitamos da imaginação, da sua

fuga da realidade, da invenção de seres do extra-ordinário que hoje relegamos para os

sonhadores, poetas, seres fora da sociabilidade, potencialmente nocivos pela sua

inutilidade positiva. O progresso, a mudança de que fala a modernidade, emerge da

descrença da durabilidade do que construímos, da consciência de que coisas e

acontecimentos, à medida que avançamos no conhecimento e no seu controlo, vão

sempre à nossa frente e que irão inevitavelmente refutar o que pensávamos significar a

verdade. Mudamos os factos, mudamos os significados e por isso pensamos que

abandonámos vellhas verdades e avançámos para novos paradigmas. No entanto, muitas

vezes, apenas mudaram os narradores e os modos de contar que reconstroem uma

mesma história do que chamamos realidade – a verdadeira realidade.


Gostaríamos de poder dizer que vencemos todos os demónios e tudo o que tomamos

como empecilho para o trabalho da razão objectiva. E não podemos senão ficar

frustrados quando se continua a demonizar pessoas com categorias limitativas e

taxonomias reguladoras. Mas onde procurar a norma quando o ideal já não está nem

para lá de nós, nem atrás de nós mas vai à nossa frente?


Se voltarmos à questão que nos ocupa aqui, encontramos mesmo uma entidade que vai,

no fundo, ser tão imutável, como aquelas que pensávamos ter deixado para trás e que é

um sintoma que a história que agora se conta em regime discursvo científico é

assustadoramente parecida com as que se contavam em tempos antigos. De facto, para

lá da diferença do modo como é dita, de que se quer falar quando se vai buscar o termo



                                                                                   18
de natureza humana, tão caro à psicologia evolutiva? Não está esta entidade regulada

sempre pelas mesmas leis, atravessando tempos e culturas?


Relendo, de novo, os trabalhos de Levay, Hamer, Wilson, etc. não é no que escolhem

como representativo no presente que lêem o que sempre foi, em qualquer lugar?


Ao inferir de observações actuais aquilo que identifica como o ‘comportamento tipico’

dos machos, Levay não pretende limitar-se a uma mera descrição particularista mas

encontrar a norma da masculinidade em geral. De modo semlhante, e com todas as

limitações já apontadas, Hamer procura a loalização que desde sempre terá estado na

base genética da homossexualidade.


A ciência não se dá bem com ambiguidades e o determinismo e o heterosexismo são

modalidades de simplificação que têm permitido a aparente rapidez dos seus

desenvolvimentos e apresentação de propostas de aplicação.




                                                                                  19

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Identidadebiologica da homo bio

  • 1. Homossexualidade e genetização dos discursos Haverá, pelo menos, alguns que se lembram do célebre motto da Simone de Beauvoir – on ne nait pas femme, on le devient – transformado em bandeira da corrente feminista que nasce no meio do século vinte. Para uma feminista que viveu ou tem memória desses tempos idos da década de sessenta, a relação que os homossexuais têm com a biologia e, em particular, com a noção biológica da homossexualidade só pode causar perplexidade e mesmo suspeição. Ao contrário do que aconteceu com as feministas que, para lutarem contra a dominação masculina, forjaram todo um discurso e uma prática onde é bem explícita a rejeição do ‘destino biológico’ desde sempre atribuído às mulheres, o movimento gay, em geral, e muitos homossexuais, em particular, mantêm com a biologia uma relação muito particular de ambivalência. São muitos os que acolhem bem a noção expressa pelo slogan ‘nascemos assim’, achando que ele traduz no discurso ideológico público o que muitas vezes se vive no privado. A procura de uma relação entre homossexualidade e biologia tem raízes antigas , mas hoje os desenvolvimentos das ciências da vida, nomeadamente da biologia molecular, vieram dar nova visibilidade e novos contornos à percepção de uma identidade gay. Esta reformulação enquadra-se num movimento mais vasto de biologização dos comportamentos sociais e individuais. Apropriando-se daquele conhecimento, muitos e variados ideólogos apareceram a proclamar, de modo certo e seguro, explicações biológicas para toda uma série de condições desde o alcoolismo até à pobreza. Entre estes e, para ajudar à credibilidade, encontramos cientistas que, saídos dos seus laboratórios, passam à cena pública. Não é pois surpreendente que encontremos nesta onda redutivista, noções como o ‘cérebro gay’ ou o ‘gene gay’ que, por razões que merecem ser analisadas, são muito bem aceites e apropriadas pelo grande público. Mais paradoxal talvez, é verificarmos que, entre esses, se encontram biólogos homossexuais e que as conclusões dos seus trabalhos encontram uma aceitação entusiasta dentro da comunidade gay. Parecendo esquecer usos de investigações anteriores do mesmo tipo para efeitos racistas e sexistas, emerge a ideia de que, o inatismo é ‘pro-gay, ’ enquanto que a homossexualidade vista como escolha seria uma posição anti-gay. A definição biológica da identidade gay, no sentido de uma ideologia que vê a biologia ao seu serviço, sobrepôs-se à auto- representação social e, depois de um período de retraímento mental, reemergiu, talvez com novas roupagens, mas seguindo um padrão com mais de um século. É uma ideia que se exprime a vários níveis, desde o nível de uma consciência 1
  • 2. espontânea pre-ideológica, através da sua função social como ideologia, até ao nível das teses e resultados da investigação científica contemporânea. Ora se a promoção dos direitos dos homossexuais permanece uma acção importante e urgente, ela não se pode fazer à custa do esquecimento dos resultados do uso do determinismo biológico já apontado onde as diferenças são utilizadas para estabelecer valores hierárquicos de superioridade e inferioridade, justificando vantagens e dominação de uns sobre os outros assim como da ignorância do rasto de má ciência associada às proposições biológicas deterministas (Gould; Lewontin, Rose, Kamin, etc.). É difícil delinear as fronteiras entre o biológico e o cultural, para usarmos de modo um pouco expeditivo a dicotomia usada por Levi-Strauss. Difícil, equívoco e de questionável utilidade, não fossem as repercursões generalizadas das afirmações repetidas de um determinismo biológico. É a quase obsessão científica que os media nos passam e a sua recepção por diferentes grupos que nos conduz aqui a analisar o significado de investigações sobre a determinação biológica da orientação sexual. Estas investigações alimentam debates geralmente enquadrados por dicotomias como natureza (bio) vs cultura, características e comportamentos inatos vs aprendidos. Este dispositivo favorece a crença de que a descoberta da existência de uma componente biológica na expressão de determinadas características da vida faz desta a causa e o motor praticamente automático dessa expressão particular que não seria, portanto, nem escolhida nem aprendida. Sandra Witelson, especialista em anatomia do cérebro e orientação sexual na Escola de Medicina Michael G. DeGroote na McMaster University de Ontario, Canada, expressa bem a confusão terminológica presente na dicotomia entre base biológica e aprendizagem quando diz que as provas de diferenças biológicas mostram que a 1 orientação sexual não se aprende Não se aprende, faz-se . E faz-se, diria, porque ... se tem que fazer: é biológico. Não podemos cair no logro das discussões enquadradas por perguntas tão limitativas como: A homossexualidade é biológica ou vem da educação? Sendo os homossexuais diferentes dos heterossexuais, onde se localiza a diferença, na biologia ou no meio ambiente? Uma vez aceites, ficamos atados a uma certa definição dos termos, a determinados esquemas de compreensão e modalidades de discussão. Por muito científica que pareça ser a sua formulação, os implícitos dos seus enunciados não o são. No entanto, como sabemos, não é fácil deslocar as questões para que os implícitos se tornem objecto explícito de análise. Só assim se compreende que, depois de terem sido desacreditados por várias vezes, eles se repitam continuadamente, sem terem sofrido grandes abalos. 1 Ver “Researchers find a biological explanation for biology” (2005), blog Bobvis (http://bobvis.blogspot.com/2005_05_01_bobvis_archive.html) . Não se percebe bem então o que é a aprendizagem já que esta está também associada a modificações cerebrais. 2
  • 3. No que diz respeito aos próprios homossexuais podemos perguntar se a aceitação do inatismo gay não se enraíza na sensação de mal-estar ou mesmo de revolta face às regras de género impostas desde muito cedo, muito antes de se poder falar da consciência de uma orientação sexual particular e, nesse sentido, se a noção ideológica de que se nasce assim não tem mais a ver com essa consciência espontânea do que com um inatismo biológico. Por muito que se regrida na memória, o desfasamento, a diferença sentida é sobretudo uma diferença psicológica relativa a certos padrões socio-culturais e mentais. Por muito profunda que seja a marca que esta diferença inscreve no próprio sentido que um sujeito tem de si, a sua representação como algo de biológico pode ser mais ideológica que biológica. Em segundo lugar, a identidade biológica elide a diferença de género na infância e a orientação sexual em adulto. O referente da expressão ‘nasci assim’ é a criança e não o adulto. Não há nenhuma correspondência unívoca entre o sentimento infantil e o que seria a base biológica da orientação sexual, embora a ideologia da identidade biológica procure apresentar os dois como uma e mesma coisa. Para além disso, a confusão generalizada entre sexo e género e a crença arreigada no dimorfismo quer sexual quer de género são co-adjuvantes importantíssimos na acção do biologismo. 1. Não cabe aqui traçar em detalhe as várias etapas do conceito de identidade biológica homossexual e da sua recepção pela sociedade, mas vale talvez a pena chamar a atenção para alguns momentos desse percurso. O movimento gay aparece nas sociedades ocidentais num contexto de uma condenação bíblica, reforçada pelo Estado Cristão. Por outro lado, sabemos que, desde a Renascença pelo menos, existem pensadores que vão contrapõem à doutrina religiosa, a razão e a ciência. É, no entanto, apenas no século 19 que se torna possível desafiar o taboo imposto pela moral cristã sobre a homossexualidade e tentar a sua discussão racional no espaço público. Ironicamente, ou talvez não, a solução biologista até convém parcialmente à Igreja, pelo menos às Igrejas mais reformistas. Se, por um lado, ela obriga à retirada, mais ou menos explícita, da ideia de depravação dos homens e da consequente condenação divina, ela permite acomodar a existência de uma minoria dentro de uma ordem social que permanece a mesma. Quer do ponto de vista das tendências religiosas que sabem adaptar-se aos tempos, quer do ponto de vista social, a homossexualidade aparece como algo que só diz respeito a um grupo minoritário 3
  • 4. e identificável e não como uma grande ameaça ao status quo. Enquanto diferença biológica, o perigo que a homossexualidade representa é difuso já que ela como ser tratada como uma anomalia tal como a dislexia, o albinismo ou outras condições do mesmo género. O primeiro ele do novo nexo ideológico que associa o discurso dos direitos de uma minoria a uma identidade biológica homossexual foi formulado em 1860 por Karl Heinrich Ulrichs que escolheu o termo uranismo (de Platão – eros uranos) para designar a minoria homossexual moderna. Já no seu primeiro livro, escrito entre 1864 e 1879, podemos ler um dos pontos cruciais do seu argumento. Segundo ele, o uranismo não se aplicaria apenas aos sentimentos sexuais mas a toda a parte não física do organismo. Porque inata, a homossexualidade seria tão natural para uma minoria de homossexuais como a heterosexualidade o é para a maioria. Não há pois razão para a condenação social e legal. Sem ter ainda o apoio de uma ciência positiva, Ulrich não pode definir nesses termos a natureza inata singular do homossexual, embora tenha chegado a avançar com a possibilidade de existência de um ‘terceiro sexo’ biológico distinto. É, no entanto, a proposta de uma alma feminina num corpo de homem que vai caracterizar a singularidade destacada por Ulrich. Mesmo em termos tão vagos, o pensamento de Ulrich vai ter influência sobre cientistas mais nossos contemporâneos, como o reconhece Simon LeVay, figura proeminente do movimento gay nos Estados Unidos, e conhecido pelos seus trabalhos sobre o “cérebro gay”. Ele próprio diz que as ideias de Ulrich estão na base do seu pensamento e investigação no campo da biologia. Mesmo antes de as ciências biológicas terem algo de importante a dizer sobre o assunto, os trabalhos de Ulrich vieram contribuir para o alargamento da discussão académica sobre a homossexualidade e abrem o caminho às primeiras obras etnográficas e aos estudos no campo de uma psicologia com pretensões científicas. Estava quebrado o taboo. Ulrich não foi actor único no seu tempo, claro. Já em 1897 se começara a esboçar um movimento gay com uma campanha pública sobre os seus direitos dos homossexuais. Fundado por Magnus Hirschfeld que, enquanto cientista, gostava de falar sobre o ‘terceiro 4
  • 5. sexo’ em nome de uma ciência, por definição, neutra, o movimento acabou por ter um fim abrupto com a chegada de Hitler em 1933. Hirschfeld também não se baseava no que hoje se consideram estudos científicos mas em estudos proto-científicos com afirmações que hoje aparecem como rídiculas. O que é um facto é que vamos encontrar, recontextualizadas em discursos científicos subsequentes, algumas das variáveis por ele introduzidas. Por exemplo, o endocrinologista Eugen Steinach mostrou que os testículos e os ovários segregam químicos que entram na circulação sanguínea com níveis que vão influenciar o desenvolvimento físico e o comportamento sexual dos animais. Steinach chegou mesmo a publicar em 1917 o resultado de um trabalho experimental que, embora não saibamos se foi, de facto, realizado, hoje nada tem de surpreendente. Essa experiência fala explicitamente de um transplante de um testículo de um homem heterossexual para um homem ‘homossexual, efeminado e passivo’. O resultado descrito foi o de uma mudança drástica na orientação sexual. Convencido por este trabalho, Hirschfeld vai afirmar que ‘ o factor decisivo na atracção sexual contrária não está, como Ulrichs acreditava, na mente ou alma (anima inclusa) mas nas glândulas (glandula inclusa). Pela primeira vez, a identidade biológica gay podia fazer apelo não a asserções metafísicas de uma ‘alma feminina’, não apenas a sentimentos da consciência espontânea, mas à ciência experimental. Este tipo de estudo sobre as hormonas sexuais veio dar força à ideia que a orientação sexual é governada pela química do corpo que governava a orientação sexual. O tipo de intervenção de que aqui se fala materializa um dos meios médicos utilizados nas tentativas normalizadoras e como que anuncia as experiências levadas a cabo não só pelos Nazis, mas também na Alemanha pós-Nazi, por médicos americanos e, em menor grau, ingleses. Alan Turing foi uma das vítimas conhecidas deste tipo de intervenção cirúrgica já em 1953. O ensinamento maior retirado desta experimentação de manipulação hormonal veio, no entanto, das razões do seu insucesso generalizado. Descobriu-se que as mudanças de comportamento animal não estavam relacionadas com os níveis hormonais dos indivíduos adultos mas com as variações hormonais durante o desenvolvimento fetal. O custo foi talvez demasiadamente alto. 5
  • 6. Apesar dos seus vários antecessores e ser continuador desta linhagem, cabe a Simon Le Vay, com trabalhos na década de 50 do século XX, servir para marcar o início de um ciência gay. Os seus trabalhos têm, com certeza, maior grau de sofistificação tecnocientífica mas não deixam de corresponder à visão clássica e simplista mais disseminada. LeVay não só relaciona todos os dimorfimos somáticos sexuais, incluindo os do cérebro e do comportamento, com a produção hormonal nas gonadas desde o início da diferenciação das mesmas, como estabelece uma relação causal entre diferenças de níveis hormonais e de comportamentos sexuais. O trabalho de Le Vay é emblemático da dinâmica que se estabelece entre ciência e política. É o próprio que estabelece uma ligação entre o seu trabalho sobre os determinantes biológicos da homossexualidade e o estatuto legal, psicopatológico e político dos homossexuais. É uma pessoa influente no espaço gay e um cientista de renome entre os seus pares. Era neurobiólogo no Salk Institute, na California e publicava na revista Science (revista científica de referência). O seu trabalho mais conhecido tinha como objectivo o estudo das variações no hipotalamo verificadas entre homens heterossexuais, por um lado, e outros seres humanos – gays e mulheres. A hipótese previa uma diferença significativa do tamanho médio de algum ou alguns grupos celulares presentes nesse órgão para os dois grupos. Le Vay justificou a sua hipótese baseando-se nas conclusões de estudos realizados com macacos rhesus no quadro de investigações sobre diferenças sexuais entre machos e fêmeas e que mostraram uma diferença de tamanho numa microestrutura do hipotálamo, mais precisamente, no Núcleo Sexualmente dimorfico, entre uns e outros. Com estes estudos chegou-se ainda à conclusão de que a parte anterior do hipotálamo está implicada na geração de comportamentos sexuais tipicamente masculinos, uma vez que a modificação dessa zona leva a que os macacos em que se fez a intervenção não percam o seu ‘sexual drive’(medido 6
  • 7. pelos intervalos de masturbação) mas deixem de exibir um comportamento masculino típico, avaliado pelo número de vezes que montavam as fêmeas e efectuavam a penetração.2 Fez também uma meta-análise dos estudos comparativos do tamanho dos grupos INAH-1, 2, 3, 4 em homens e mulheres que mostraram que dois desses grupos, INAH2 e INAH 3, eram maiores, em média, nos homens que nas mulheres. (Allen et al.) Estes resultados apareceram no fim da década de oitenta, levando os biólogos a dar como provada a existência de um substracto biológico da heterosexualidade humana, apesar da grande variabilidade dentro de cada grupo sexual e da grande zona de coincidências. Tendo estes resultados como base, Le Vay partiu na sua busca do ‘cérebro gay’ e da verificação da sua hipótese de que “há centros separados dentro do hipotálamo que geram comportamentos e sentimentos tipicamente masculinos e femininos.” A originalidade da sua proposta está em correlacionar a diferença de tamanho de INAH 2 e INAH 3 com a orientação sexual – não com o género. Uma vez que o binarismo é prevalecente em praticamente todo o tipo de estudos sobre diferenças sexuais não é de admirar que se tenha posto a hipótese de que heterossexuais e homossexuais tenham substratos biológicos diferentes e, uma vez que se concebem apenas duas possibilidades, o substracto biológico dos gay deverá ser semelhante ao das mulheres. Le Vay simultaneamente resume e postula que “esse núcleos estão implicados na geração de orientações sexuais típicas” afirmando que as estruturas do cérebro causam determinados comportamentos. Na explicação da sua hipótese podemos ler: I tested the idea that one or both of these nuclei exhibit a size dimorphism, not with sex, but with sexual orientation. Specifically, I hypothesized that INAH 2 or INAH 3 is large in individuals sexually oriented toward women (heterosexual men and homossexual women) and small in individuals sexually oriented toward men (heterosexual women and homossexual men) (1035). 2 Como se sabe o hipotálamo é um orgão localizado no cérebro inferior, comum a todos os mamíferos, estreitamenteo associado à glândula pituitária e com uma. função chave no controlo da secreção hormonal que governa o ciclo dos esteroides. 7
  • 8. LeVay não só assume que a diferença de tamanho se deve a uma diferença de género e a uma diferença de orientação sexual, como ainda afirma que essa diferença de tamanho prova a base biológica da homossexualidade masculina. Na apresentação dos resultados científicos, LeVay mostra alguma cautela, afirmando que ‘ a orientação sexual ... pode não ser a única determinante do tamanho do inah-3”, mas o seu interesse em avançar com esta interpretação tão descaradamente redutora e o interesse demonstrado pelos editores da revista Science, levaram-no não só a essa publicação como à sua publicitação em conferências de imprensa em termos bastante bombásticos. Fora do laboratório, quer os cientistas quer os media se juntaram para afrimar que se tinha encontrado um indicador biológico fiável da homossexualidade. Ora mesmo que se assuma que os resultados deste estudo possam ser replicados, e que se observe uma diferença média no tamanho do inah-3 entre grupos gay e hetero assim como entre machos e fémeas, a questão de saber se a experiência social que difere já nas idades formativas, não provoca, por feedback, uma mudança nessas formações microanatómicas, permanece. Uma análise da investigação de LeVay mostra uma série de distorções e erros bastante significativos. Muitos passam desapercebidos pois fazem parte do quadro conceptual comum da investigação sobre diferenças sexuais: a determinação do que conta como diferença significativa para explicação de diferenças de comportamentos; a definição do que conta como comportamento tipicamente masculino e comportamento tipicamente feminino a que se associam hormonas que recebem o nome de hormonas masculinas e hormonas femininas embora elas apareçam em todos os indivíduos e possam influenciar muitas coisas para além das características sexuais secundárias; o consequente círculo tautológico entre a ‘masculinidade’ do cérebro e os comportamentos tipicamente masculinos, já que se assume que as hormonas ‘masculinas’ no feto criam um cérebro ‘masculino’ e que o seu deficit cria um cérebro ‘feminino’; o realce quase exclusivo de resultados que mostram essas diferenças em detrimento da publicitação de resultados em que se confirma a ‘hipótese nula’; etc. LeVay aceita o pressuposto que há um ‘comportamento sexual típico masculino’ nos humanos que difere de um outro tipo comportamento e que esse tipo é o mesmo que a 8
  • 9. “orientação sexual, ..., a direcção dos sentimentos ou comportamento em relação a um membro do mesmo sexo ou do sexo oposto” (1034). Como se vê, a introdução do conceito de ‘comportamento sexual tipicamente masculino’, permite a determinação de um comportamento não especificado baseado no género da pessoa para quem o indivíduo se orienta sexualmente. Orientação sexual e género rebatem-se um sobre o outro já a orientação sexual assenta em características biológicas específicas das identidades masculinas e femininas. Na ‘década do cérebro’, embora os modelos neuronais se tenham tornado um pouco menos rígidos e deterministas, procurando dar conta da influência da da experiência na organização e função no cérebro, o pre-conceito da feminização do homossexual permanece. Repare-se que o quadro de referência geral aceita uma primeira dicotomia e hierarquia entre comportamentos de homens e mulheres e é nesse contexto que introduz a dicotomia entre comportamentos sexuais típicos masculinos – os orientados para as mulheres – e outros não típicos – os orientados para homens. É, posteriormente, que refere os papéis mais ‘femininos’ ( o lado receptivo do ser penetrado) entre homossexuais, o que me parece inevitável, independentemente da existência de práticas concretas muito diversas e de práticas semelhantes com parceiros de sexos diferentes , uma vez a lógica do seu quadro conceptual depende fortemente da bipolaridade das categorias de género. Numa entrevista na revista Discover, LeVay afirma: I am saying that gay men have a woman's INAH 3 -- they've got a woman's brain in that particular part. In a brain region regulating sexual attraction, it would make sense that what you see in gay men is like what you see in heterosexual women. But people get nervous, as if I'm painting gay men as women in disguise. (Nimmons 66) 9
  • 10. Lembremo-nos que LeVay escolhe, em parte, esta área do cérebro para o estudo das causas das diferenças sexuais nos humanos porque, diz , os estudos com outros animais nos dão garantias de resultados mais fiáveis do que os obtidos noutras áreas, fora (psicologia) e dentro da biologia (estudos cromossómicos, de estruturas do cérebro, etc.) Ora se olharmos para esses estudos, o que se nota é que o comportamento sexual masculino típico, leia-se, o comportamento heterossexual, se define pelo montar das fêmeas pelos machos. Ora o ‘montar’ não é, em qualquer caso, característico do sexo, nem do que monta nem do que é montado, pois todas as combinações são possíveis e podem ser observadas (Bleir 87, 174). Para todos, as fronteiras entre categorias de comportamento masculino e feminino são fluidas. Mas se ninguém contesta estas observações, a análise do seu significado é a maioria das vezes omitida ou mesmo reprimida. Nesses estudos vimos também que o ‘drive’ sexual é equacionado com a masturbação. Por tudo isto podemos perguntar o que é finalmente esse tal comportamento tipicamente masculino gerado pela variabilidade de tamanho de uma dada região do cérebro. A atracção pelas fêmeas? A penetração? Estas características não são boas candidatas, pois não sabemos em relação a quê ou a quem se está a falar quando se fala de semelhanças e diferenças. Outro problema de que LeVay não consegue libertar-se é o do determinismo biológico com que ele opera, embora reconheça, por vezes, o seu carácter restritivo, como no caso em que 10
  • 11. discute as limitações do estudo que temos vindo a analisar. Aí, ele explicita que os seus resultados não permitem dizer se o tamanho dos grupos celulares cerebrais estudados são causa ou consequência de um certo comportamento sexual ou mesmo se existem variáveis mediadoras. Parece-lhe, no entanto, mais provável que seja no substracto biológico que se aloje a causa e, de qualquer maneira, esta limitação não apareceu como suficientemente importante para acautelar as proposições do estudo nem impedir a sua publicação e publicitação. Na lógica argumentativa dos artigos científicos aceites pela comunidade, as limitações do estudo, são, de certo modo, exteriores à validade do mesmo, sobretudo se ele vai no sentido das crenças dominantes e que estão longe de serem meramente científicas. Por vezes, é o próprio LeVay que afirma a necessidade de proceder a algumas ‘simplificações’ para que a ciência avance, ou seja, nuns casos, mais do que noutros, é necessário esticar as fronteiras da validade científica. Até onde, perguntamos. Quem e como se decide? Fará o determinismo parte dessas ‘simplificações’ necessárias para que a ciência avance? É por isso que ele é tão recorrente? A sua ‘eficácia’ pesará muito mais que as ‘limitações’ que impõe e que ficam convenientemente esquecidas na hora da proclamação dos enunciados e do seu uso em contextos sociais? ………………………………….. 2. O gene gay e a sociobiologia A problemática do ‘gene gay’ entra no campo dos estudos sobre a sexualidade humana pela mão de geneticistas como Dean Hamer e pela mão de especialistas de um certo tipo de evolucionistas, nomeadamente, Wilson e Dawkins – os arautos da sociobiologia. Dean Hamer, em particular, procurou, no estudo do DNA, encontrar algumas respostas às dificuldades encontradas nos estudos sobre as relações entre a fisiologia do cérebro e os comportamentos sexuais. 11
  • 12. Muda-se de campo, procura-se novo substracto biológico mas continua a procurar-se encontrar algo de biológico que explique não apenas, não sobretudo, um problema científico mas um fenómeno social que continua a ser problemático. Por razões que, como vimos, até podem ser opostas, a naturalização aparece simultaneamente como um caminho promissor para o apaziguamento e controlo sociais relativamente a uma minoria no mínimo incómoda. E hoje, de facto, o gene aparece como o melhor candidato onde enraizar esse problema. Dadas as orientações dominantes no estudo da genética molecular e biomedicina, temos aqui um terreno credível que dá uma expressão aparentemente nova ao inatismo e ao essencialismo, uma nova força àquilo que a ideologia dominante e o senso comum, no fundo, já sabem. O resultado ideal seria, pois, a identificação de um gene, ou mais precisamente, de um alelo, um de entre um conjunto de alternativas possíveis, encontrado num sítio específico do genoma de homossexuais certificados. 3 Bem à maneira do geneticista, o bébé teórico de Hamer tem uma dupla paternidade . Um delas é a função particular do cromossoma x, único no caso do macho e proveniente da mãe que posui um par de cromossomas x e que se acopula com o cromossoma y herdado do pai. Esse cromossoma X tem várias anormalides que não se expressam no caso da fêmea devido à presença de uma contra parte natural situada no sítio genómico em questão mas que se expressam no macho que não tem essa contraparte.O cromossoma X aparece assim como lugar natural para procurar variações no macho, nomeadamente, o ‘gene da homossexualidade masculina’. O outro parente é o estudo das populações que mostra uma certa tendência hereditária da homossexualidade. A partir de estudos com gémeos verdadeiros e não verdadeiros e com parentes mais distantes pertencentes ou não pertencentes à linhagem maternal Hamer procurou mostrar que o factor genético que predispõe para a homosexxualidade é transmitida pela mãe no cromossoma X. Usando essa técnica e partindo do estudo de 40 pares de irmãos hossexuais, Hamer e os seus colaboradores conseguiram identificar um marcador na região q28 do cromossoma X comum em 83% dos casos (33 casos). 4 Embora este tipo de estudo não tenha dado resultados semelhantes no caso de mulheres homossexauis e a sua replicação no caso dos homens não tenha dado resultados positivos, este caso foi visto como o necessário e suficiente para se poder afirmar a base genética da homossexualidade. Repare-se que, mesmo que se considere esta experiência como suficiente, ela nada nos diz sobre a influência de um suposto ‘gene gay’ nos homossexuais em geral. A sua existência dirá quanto muito que, para alguns homens, a probablidade de uma predisposição para crescer homossexual é maior. Isto para já não falar na inexistência nesta, como noutras experiências, de um indicador fiável da homossexualidade. 3 O modo de certificação não se explicita, claro. É certificado como se certifica a cor dos olhos? Como se determina a existência de um cancro? Da esquizofrenia? Do sexo? 4 A hipótese nula seria correspondente a 50% dos casos. 12
  • 13. Nada disto impediu que a recepção ao trabalho de Hamer fosse ainda mais positiva que ao trabalho de LeVay quer por parte da comunidade homossexual quer por parte da sociedade em geral. Mesmo antes de Hamer aparecer em cena o conceito de gene gay já tinha aparecido nos debates da sociobiologia. A sociobiologia apareceu publicamente, como se sabe, em 1975 com o livro Sociobiology de Edward O. Wilson e foi sempre foi objecto de enorme controversia. Na década de noventa conheceu os seus anos de ouro. Entre outras coisas, a sociobiologia veio promover o revivalismo do Darwinismo no pensamento social e retomar o conceito de natureza humana, agora inscrita na biologia e sujeita aos processos evolutivos. A homossexualidade é, sem dúvida, um desafio para a sociobiologia pois, em princípio, não é fácil explicar a persistência na população humana de um gene cuja função era reduzir a propensão reprodutiva dos seus descendentes. A melhor resposta encontrada até agora tem pouco a ver com a realidade mas permite manter intacta a lei reprodutiva e atribuir uma funcionalidade positiva a um gene à partida condenado ao desaparecimento. Sem dúvida influenciada pelos estudos de Wilson com insectos, a sociobiologia continua a afirmar a existência de um traço genético da homossexualidade em ambos os sexos e explica a possibilidade da sua permanência pela sua função coadjuvante na criação das gerações seguintes. Fica explicada assim a existência de homossexuais e de uma identidade biológica gay. No entanto, e como é fácil de ver, mesmo se esta explicação tivesse alguma credibilidade real, ela não vem responder à questão da necessidade de maior procriação em famílias com membros homossexuais para cobrir o deficit de nascimentos que não se verifica. Dada a pouca credibilidade que merece este tipo de respostas, não admira que especialistas como Wilson pouco ou nada tenham discutido a explicação evolutiva da homossexualidade, o que acontece, aliás, com outros comportamentos (o suicídio, o riso, a experiência estética, a contemplação) sem nenhuma função reprodutiva. 13
  • 14. Podíamos multiplicar os exemplos de estudos nesta procura de explicações biológicas para a homossexualidade. Procurámos com estas mostrar que a sua análise dá muitas vezes conta de premissas e enquadramentos conceptuais questionáveis, de planeamento de experiências frágeis e de erros na manipulação e interpretação dos dados. Este parece-me ser um trabalho moroso mas necessário para questionar afirmações pretensamente científicas, para mostrar como a ciência distorce e viola as suas próprias regras por razões que têm pouco de científico Não o tomemos, no entanto, como uma validação da relevância e do interesse deste tipo de trabalhos para a compreensão de algo construído como fenómeno social e interpretado como um problema social que a ciência poderia vir ajudar a resolver, servindo como base de regras normativas de acção por muito positivas que ela nos pareçam ser. A própria importância da correcção dos erros científicos e da reposição da verdade, no domínio que é o seu, necessita de ser justificada. Essa justificação já foi, em certa medida, esboçada atrás mas não muito explicitada. Apesar das implicações legais e politicas que a descoberta de uma base biológica para a orientação sexual, há outras questões sociais que não se podem ignorar, entre elas o próprio facto de a homossexualidade precisar de uma explicação biológica. Se uns vêem na ‘naturalização’ uma base para a não descriminação, outros lêem nela a forma de mais uma patologização da homossexualidade e, em particular, um defeito (erro?) genético (Kevle). A heterossexualidade não precisa de ser explicada. Um heterosexual pode ter muitos erros genéticos mas não esse. Mesmo que não reproduza, mesmo se existem expressões suas sem fins reprodutivos, estas podem sempre ser são vistas como preparatórias desse fim ou, então, pura e simplesmente ignoradas.. Por questionar fica também o dimorfismo. É neste quadro, como vimos, que os homens com os traços típicos da masculinidade têm cérebros programados para serem atraídos por mulheres e as mulheres, por arrasto, cérebros programados para sentirem atracão por homens. Dentro da mesma lógica os homossexuais masculinos não podem senão ter uma programação errada, a feminina e, por arrasto, as lésbicas uma programação masculina. (Byne). Temos, pois, à partida, uma categorização binária sexista assente em pressupostos sobre a sexualidade da ordem do e heterocêntricas sobre a polaridade de género. Ora como diz Byne, Sexual orientation is not dimorphic; it has many forms. Different people could be sexually attracted to men for different reasons. The conscious and unconscious motivations associated with sexual attraction are diverse even among people of the 14
  • 15. same sex and orientation. . . . Indeed, the notion that gay men are feminized and lesbians masculinized may tell us more about our culture than about the biology of erotic responsiveness. (….) If we extend the inferences of this dimorphic model of sexuality, we must arrive at the very dubious rationale that of the two people of the same sex who engage in sexual activities only one of them can be homosexual. This nonsensical conclusion is based on the heterosexual model of dimorphic gender that assumes that a male is assertive and a female is passive. Therefore only one partner in a same-sex act could be homosexual. Presumably the passive partner or the partner who assumes the so-called inferior position or who is penetrated would have to be either a heterosexual female or a homosexual male; while the active partner or the partner who assumes the so-called superior position or who is the penetrator would have to be either a heterosexual male or a female homosexual. Byne concludes that if biology influences anything it is probably the creation of a temperamental inclination for a whole range of behaviors. As geneticist Walter Bodmer points out: "Sexual preferences come in a broad array, from the exclusive homosexual, to the heterosexual who has gay forays, to the heterosexual who only finds members of the opposite sex attractive. The idea that a single gene could control these widely varying reactions is ridiculous." On the other hand, it is rather interesting that in his designation of various sexual orientations, Bodmer works from a heterocentric point of view. He refers to "exclusive homosexuals" and to "exclusive heterosexuals," but when he describes bisexuality he relies entirely on the heterosexual dimorphic model by describing bisexuals as "the heterosexual who has gay forays." It seems to me significant that he fails to mention homosexuals who have straight forays. He also seems to -135- tell us that sexual orientation is a polarized identity: with males and females divided between exclusively heterosexual or exclusively homosexual persons, and an occasional heterosexual who engages in same-sex activities. 15
  • 16. Byne offers one of the most interesting conclusions in the debate that is just beginning about the influences of biology on sexual orientation: Perhaps more important, we should also be asking ourselves why we as a society are so emotionally invested in this research. Will it--or should it--make any difference in the way we perceive ourselves and others or how we live our lives and allow others to live theirs? Perhaps the answers to the most salient questions in this debate lie not within the biology of human brains but rather in the cultures those brains have created. ………………………………….. Apesar da insistência Darwiniana no acaso dos processos evolutivos, os discursos evolutivos estão longe de terem erradicado a teleologia e a crença de que a evolução individual e colectiva tende para perfectibilidade assim como as sociedades modernas tendem para o progresso. Apesar de a maioria dos biólogos ter abandonado o vitalismo, há alguns, nomeadamente os influenciados pelo trabalho de Prigogine, insistem na existência de processos naturais auto-organizadores e pressupõem que o avanço para a complexidade organizativa é uma tendência universal muito próxima de uma lei. Não é esta uma expressão moderna que justifica a superior dos homens sobre os outros animais? Com esta visão teleológica aparece a tendência para a moralização da natureza como o mostram as tendências dominantes da chamada ciência sexologia Num processo paradoxalmente semelhante ao teologia cristã, a biologia tem tendência a identificar normas e hierárquicas. Mesmo antes da sexologia, a orientação sexual já fazia parte da agenda escondida da biologia. O plano cósmico já não seria religioso mas a dualidade, a hierarquia, a norma permaneceram. Não há Deus, não há uma finalidade 16
  • 17. cósmica mas o imperativo da procriação mantém-se como uma parte essencial da lei natural. Quer emanando de uma lei divina, quer de uma lei natural, o sexo marital é, pelo menos até ao século 17, visto como expressão de um ‘estado da natureza original’. Posteriormente, com a industrialização e urbanização das sociedades, este tipo de leis torna-se extremamente frágil dando margem ao aparecimento de um novo cepticismo em relação à moralidade e à lei. A sexualidade tornou-se um aspecto mais visível do mundo social. A esta maior visibilidade veio corresponder uma necessidade de encontrar novas formas de controlo da ordem social. Aparecem então os profissionais da investigação da sexualidade com uma nova abordagem categórica do sexo. Se já não é possível fazer apelo a uma instância transcendente para justificar a justeza da lei humana é necessário manter os grandes pilares que sustentam a ordem social e encontrar outras formas de legitimação. A biologia e a medicina, em particular, a psiquiatria trespassada pelos avanços a bioquímica, tornam-se fontes priveligiadas de autoridade legitimadora. Por métodos cada vez mais tecnológicos, vão levar-nos, de regresso, à normatividade do natural de que descobrem os segredos. Certas das normas, têm agora também modos mais eficazes e benignos de intervenção e tratamento dos desvios, não provocados pela maldade ou extravio dos indivíduos mas pelos erros de uma natureza não perfeita. Ou então pela ignorância dos homens que os leva a pensar que podem inventar-se fora desse substrato natural, sem atender ao que ele dita. Porque este já não se deixa ver nem compreender directamente, é necessária a mediação dos que têm modos de a saber e mais ainda de a aperfeiçoar. A ciência reclama ter a ver com o que é, para além da aparências e emancipada da imaginação mitológica e da autoridade religiosa. A modernidade rejeita narrativas que interpretamos como representações de um eterno presente. Contra tempos, tradições e 17
  • 18. culturas que se nos afiguram estáticas, prezamos a mudança, sinal onde lemos o progresso e o caminho da perfectibilidade humana. Esquecemo-nos, convenientemente, da multiplicidade de possibilidades abertas nesses tempos que nós congelamos na memória da história. Partidários da criatividade, suspeitamos da imaginação, da sua fuga da realidade, da invenção de seres do extra-ordinário que hoje relegamos para os sonhadores, poetas, seres fora da sociabilidade, potencialmente nocivos pela sua inutilidade positiva. O progresso, a mudança de que fala a modernidade, emerge da descrença da durabilidade do que construímos, da consciência de que coisas e acontecimentos, à medida que avançamos no conhecimento e no seu controlo, vão sempre à nossa frente e que irão inevitavelmente refutar o que pensávamos significar a verdade. Mudamos os factos, mudamos os significados e por isso pensamos que abandonámos vellhas verdades e avançámos para novos paradigmas. No entanto, muitas vezes, apenas mudaram os narradores e os modos de contar que reconstroem uma mesma história do que chamamos realidade – a verdadeira realidade. Gostaríamos de poder dizer que vencemos todos os demónios e tudo o que tomamos como empecilho para o trabalho da razão objectiva. E não podemos senão ficar frustrados quando se continua a demonizar pessoas com categorias limitativas e taxonomias reguladoras. Mas onde procurar a norma quando o ideal já não está nem para lá de nós, nem atrás de nós mas vai à nossa frente? Se voltarmos à questão que nos ocupa aqui, encontramos mesmo uma entidade que vai, no fundo, ser tão imutável, como aquelas que pensávamos ter deixado para trás e que é um sintoma que a história que agora se conta em regime discursvo científico é assustadoramente parecida com as que se contavam em tempos antigos. De facto, para lá da diferença do modo como é dita, de que se quer falar quando se vai buscar o termo 18
  • 19. de natureza humana, tão caro à psicologia evolutiva? Não está esta entidade regulada sempre pelas mesmas leis, atravessando tempos e culturas? Relendo, de novo, os trabalhos de Levay, Hamer, Wilson, etc. não é no que escolhem como representativo no presente que lêem o que sempre foi, em qualquer lugar? Ao inferir de observações actuais aquilo que identifica como o ‘comportamento tipico’ dos machos, Levay não pretende limitar-se a uma mera descrição particularista mas encontrar a norma da masculinidade em geral. De modo semlhante, e com todas as limitações já apontadas, Hamer procura a loalização que desde sempre terá estado na base genética da homossexualidade. A ciência não se dá bem com ambiguidades e o determinismo e o heterosexismo são modalidades de simplificação que têm permitido a aparente rapidez dos seus desenvolvimentos e apresentação de propostas de aplicação. 19