Este documento discute como as energias corporais de Arthur Lessac e o jogo clownesco podem influenciar a construção do ritmo na cena teatral. A autora explora essas técnicas em sua pesquisa para aprimorar seu próprio trabalho como atriz, especialmente no que se refere ao ritmo. Ela também resume brevemente sua trajetória no teatro e como chegou a se interessar por essas abordagens.
1. 1
TATIANA ROBERTA SIQUEIRA
ENERGIAS CORPORAIS E O JOGO CLOWNESCO NA CONSTRUÇÃO DO
RITMO DA CENA
Trabalho de Conclusão de Curso
Graduação Teatro: Licenciatura
Universidade Estadual do Rio Grande do Sul
Fundação Municipal de Artes de Montenegro
Orientadora: Jezebel de Carli
Montenegro
2008
2. 2
TERMO DE APROVAÇÃO
TATIANA ROBERTA SIQUEIRA
ENERGIAS CORPORAIS E O JOGO CLOWNESCO NA
CONSTRUÇÃO DO RITMO DA CENA
Trabalho de conclusão aprovado como requisito parcial para a obtenção do grau de
Licenciado em Teatro da Fundação Municipal de Artes de Montenegro -
Universidade Estadual do Rio Grande do Sul, pela seguinte banca examinadora:
Prof. Mestranda Tatiana Cardoso da Silva
Prof. Doutorando João Carlos Machado
Montenegro, 11 de dezembro de 2008.
3. 3
AGRADECIMENTOS
Em primeiro lugar agradeço a Jesus pela salvação
À minha mãe por seu amor incondicional (te amo muito)
Aos meus pastores e à tia Cila pelo apoio emocional e espiritual durante o trabalho
Aos professores pela dedicação e amor pelo teatro
À orientadora Jezebel de Carli
Aos colegas que sobreviveram até o final e também aos que se perderam ao longo
do caminho. Em especial a Edgar Benites pelos momentos de cumplicidade e
carinho durante estes quatro anos
À Santa Estação Cia. de Teatro
A todos que colaboraram direta ou indiretamente para que este trabalho fosse
realizado
4. 4
Pois não é para este mundo,
nunca é para esta terra onde todos, desde sempre, trabalhamos, lutamos,
uivando de horror, de fome, miséria, ódio, escândalo e nojo
E onde fomos todos envenenados.
Artaud
Porquanto a vontade daquele que me enviou é esta: Que todo aquele que vê o Filho,
e crê nele, tenha a vida eterna; e eu o ressuscitarei no último dia.
João 6,40.
5. 5
Resumo: A presente pesquisa debruça-se sobre como as energias corporais de
Arthur Lessac: Radiancy, Potency e Buoyancy aliadas ao jogo clownesco
influenciam o trabalho do ator na construção do ritmo da cena. As energias corporais
abordam o treinamento do ator de forma global, ou seja, um interrelacionamento
orgânico entre a vida emocional, corporal e vocal. Estas energias influenciam o ritmo
de ação do ator em cena que está presente em todos os níveis da representação.
Os conceitos das energias corporais no trabalho do ator são baseados nas
referências da tese de mestrado de Maria Regina Tocchetto de Oliveira. O jogo
clownesco compõe a construção da personagem e das cenas. A construção do texto
“A Profetisa” foi inspirado no último livro da Bíblia: o Apocalipse, utilizando
fragmentos de autores como Shakespeare, Chaplin e Ésquilo.
Palavras-chave: Ritmo, Potência, Flutuação, Radiância, Clown
Abstract: The present research is about the physical energies of Arthur Lessac:
Radiancy, Potency and Buoyancy allied to the clown play influence the work of the
actor in the construction of the rhythm of the scene. The physical energies board the
training of the actor of global form, in other words, an organic interrelationship
between the emotional, physical and vocal life. These energies influence the rhythm
of action of the actor on the stage that is present in all the levels of the
representation. The concepts of the physical energies in the work of the actor are
based on the references of the theory of master's degree of Maria Regina Tocchetto
of Olive tree. The clown play composed the construction of the character and of the
scenes. The construction of the text “The Prophetess” was inspired in the last book of
the Bible: Apocalypse, using authors' fragments like Shakespeare, Chaplin and
Ésquilo.
Keywords: Rhythm, Potency, Buoyancy, Radiance, Clown
6. 6
Sumário
Que vou ser quando crescer?....................................................................................7
Tenho de mudar quando crescer?......................................................................................................9
Vencendo a preguiça............................................................................................... 13
Vencendo a preguiça capítulo dois.........................................................................16
O Treinamento...........................................................................................................18
No meio do caminho tinha uma pedra....................................................................21
Tinha uma pedra no meio do caminho...................................................................24
Hannah! A alma do homem ganhou asas e afinal começa a voar.......................27
Ergue os olhos Hannah............................................................................................31
Ritmando....................................................................................................................34
Voa para o arco-íris...................................................................................................38
Referências................................................................................................................40
Anexo..........................................................................................................................43
7. 7
QUE VOU SER QUANDO CRESCER?
Que vai ser quando crescer?
Vivem perguntando em redor. Que é ser?
É ter um corpo, um jeito, um nome?
Tenho os três. E sou?
Tenho de mudar quando crescer? Usar outro nome, corpo e jeito?
Ou a gente só principia a ser quando cresce?
É terrível, ser? Dói? É bom? É triste?
Ser; pronunciado tão depressa, e cabe tantas coisas?
Repito: Ser, Ser, Ser. Er. R.
Que vou ser quando crescer?
Sou obrigado a? Posso escolher?
Não dá para entender. Não vou ser.
Vou crescer assim mesmo.
Sem ser Esquecer.
Carlos Drummond de Andrade
O teatro sempre exerceu um fascínio em minha vida, antes mesmo de eu
saber exatamente o que era ser um ator, e que preços e recompensas haveria ao
longo do caminho. O “glamour” que a televisão mostrava foi aos poucos sendo
desmistificado, então, um amor mais profundo por esta profissão foi nascendo em
mim.
Todavia, com o amor vieram também alguns percalços, afinal, não se vive
somente de amor, então como sobreviver fazendo teatro? Bem, seria necessário me
profissionalizar e buscar recursos em outras fontes. Foi então que surgiu a idéia de
ingressar na academia. Com essa nova possibilidade, também surgiu uma nova
8. 8
figura: o professor/artista que agregaria alguns valores bem importantes no decorrer
do meu trabalho.
Minha trajetória na arte dramática começou no teatro de rua infantil, nas terras
de Minas Gerais de onde vim e onde estive em contato com este tipo de teatro, a
meu ver em uma de suas formas mais atraentes. Confesso que não percebi quantas
coisas estava aprendendo com o contato direto com o público, afinal eu estava
tendo uma aula de improvisação como nunca tive em escola alguma.
Quando se faz teatro na rua, o ator lida com dificuldades que surgem durante
o espetáculo, e este tem que prosseguir independente do que pode aparecer
quando acontece a apresentação como, por exemplo: um cão latindo para você, ou
um mendigo achando que você é uma pessoa normal. No teatro infantil a resposta
das crianças é imediata, elas são muito sinceras e prender sua atenção não é uma
tarefa fácil. Se você não os convencer, eles podem te desestruturar em cena. Se o
ator não jogar com essas situações, o espetáculo pode não chegar ao resultado
esperado.
O contato com o teatro de rua infantil despertou uma característica que viria a
configurar a parte da poética do meu trabalho, ou seja, o cômico. Muitas vezes, eu
me deparava em algum exercício fazendo ou dizendo algo muito seriamente e os
colegas que me assistiam riam. Eu não entendia o porquê do riso, pois estava
realmente envolvida na situação. Mais tarde, percebi que essa comicidade seria
muito explorada no clown1
(palhaço).
O clown toma consciência de sua estupidez logo após ter sido estúpido; por
isso ele é triste. As risadas do público fazem com que ele se aprofunde na
sua própria dor. Se o clown rir, o público não ri. Para o público rir, o clown
chora. Engibarov, clown russo diz: O clown faz tudo, sempre seriamente.
Por certo, isto não significa que não queira ser cômico. Ao contrário, sua
meta é fazer rir. Mas o verdadeiro cômico consegue isso sem tentar fazer rir
a qualquer preço (BURNIER, 2001, p.218).
Creio que em certos momentos minha maneira de atuar estava
intrinsecamente ligada à lógica do clown. “O clown está na constante espera do
1
Clown: palavra inglesa (pronuncia-se cláun) que quer dizer rústico, rude, torpe, indicando depois
quem com artificiosa torpeza faz o público rir. É o nosso palhaço. Mas também aqui existe a mesma
miserável diferença do termo estrangeiro que enobrece a coisa. O palhaço é mais de feira e praça,
clown, de circo e palco. (CARMONA, 2004 p. 196)
9. 9
Prêmio Nobel e tem dificuldade de entender o porquê da demora” (GAULIER apud
CARMONA, 2004 p.202). Já eu esperava o Oscar.
Tenho de mudar quando crescer?
Essa experiência com o clown me fez querer aprender mais sobre a arte do
ator, afinal, meu sonho primordial era ser atriz e a comicidade veio como
conseqüência deste desejo. Então, fui em busca do aperfeiçoamento. Percorri um
longo caminho, mais precisamente 1200 km de Minas até Porto Alegre para beber
em algumas fontes que me pareciam pertinentes naquele momento.
Em Porto Alegre entrei em contato com algumas técnicas e percebi certas
necessidades no decorrer da caminhada. Muitas vezes eu não conseguia
acompanhar o ritmo dos colegas, precisava fazer um esforço maior para chegar num
estado mais expressivo. Percebi também, que precisava aprimorar um aspecto
muito importante: a voz. Sempre ouvia advertências dos professores e até mesmo
do público sobre a dificuldade de me escutar em cena, outras vezes eu me sentia
completamente desconectada do texto que estava falando e isso transparecia
nitidamente no volume da voz.
Portanto havia dois aspectos no meu trabalho que gostaria de aperfeiçoar,
porém, esta pesquisa se encaminhou para que eu me aprofundasse mais no ritmo, a
voz foi trabalhada como conseqüência e merece um estudo mais específico em
outro momento e em outro lugar que não o TCC. Parto assim, de uma das minhas
necessidades para dar início a essa pesquisa.
Quando estudei no Tepa2
, a professora Daniela Carmona nos transmitiu a
técnica das energias corporais, me identifiquei muito com as de Arthur Lessac. As
energias corporais de Lessac têm como objetivo, entre outros, “possibilitar ao ator o
treino e a capacidade de controle de sua energia corporal como base e canal para
expressar e simbolizar suas idéias” (OLIVEIRA, 2007). Através da descoberta da
sensação vocal no corpo desenvolve-se clareza, articulação e melhor conexão do
2
Teatro Escola de Porto Alegre é um centro de produção, pesquisa e formação cultural fundado em
1996 por Daniela Carmona e Zé Adão Barbosa. O TEPA tem suas atividades na área da educação
organizadas em três níveis: básico, intermediário e avançado.
10. 10
texto e seus ritmos na fala. “O treinamento Lessac emprega um ritmo e equilíbrio
dinâmico que conduz progressivamente para um treinamento circular com todas as
outras partes sempre conectadas, sempre em movimento” (LESSAC,1997, p.ix).
De acordo com Maria Regina Tocchetto de Oliveira (2007), Arthur Lessac é
reconhecido como um dos melhores professores de voz e movimento do mundo.
Criou, juntamente com seus colaboradores, o Instituto Lessac com sede nos
Estados Unidos que funciona como centro de pesquisa sobre o treinamento vocal e
corporal da “performance” humana no palco, na vida cotidiana e em situação
terapêutica.
Existem três estados básicos de energia que conferem mudanças rítmicas e
diferentes sensações corporais. São elas: buoyance, radiancy e potency. Tomo
emprestada a descrição dessas energias contidas na dissertação de mestrado de
Maria Regina Tocchetto de Oliveira (2007).
O Buoyancy corresponde à sensação de leveza e flutuação que
experimentamos, por exemplo, quando estamos dentro da água, ao boiar ou em
outra posição, em que sentimos a ausência de esforço físico por estarmos
suportados por esta substância mais pesada que o ar, ou quando nos sentimos
gentilmente empurrados e sustentados pelo vento, ou quando a mesma sensação
advém de estados psicológicos serenos, expansivos, ou quando realizamos o
primeiro impulso de uma hiper motivação, ou ao vencer a força da gravidade durante
um salto de dança.
Radiancy equivale a uma espécie de excitação celular, muscular, motivadora,
que faz o corpo vibrar, sacudir sutilmente ou explosivamente, igualmente sem
esforço, sem crispação, como se estivéssemos elétricos, divertidos e ao mesmo
tempo relaxados, personificando a agilidade física e o estado de disposição da
alegria.
Potency é a sensação de força muscular, sem o correlato do esforço, do
peso, do excesso de tensão e da contração muscular, que caracterizam a força
bruta, é a energia que vem do espreguiçamento e do bocejo muscular, quando o
corpo absorve grande quantidade de oxigênio e naturalmente se alonga,
11. 11
expandindo-se, experimentando uma força elástica, flexível e não rígida, equivale à
sensação de poder, ao êxtase e à auto-determinação.
Quando ingressei na faculdade também experimentei essa técnica nas aulas
de Análise do Movimento com a professora Jezebel de Carli. As energias corporais
exploram outro estado no corpo e na voz, possibilitando como conseqüência a
exploração do ritmo acarretando assim, diferentes ritmos na cena.
Segundo Garcia e Haas (2003) a palavra ritmo deriva do termo grego
“rytmus”, significa ou designa tudo o que flui e o que se move no universo. A unidade
de movimento como soma da contração e do relaxamento forma e determina o ritmo
do movimento corporal, os processos de tensão e relaxamento se caracterizam por
um crescimento e decrescimento, um fenômeno que alcança intensidade culminante
para logo decrescer associados aos processos dinâmicos, formais, temporais e
espaciais.
O ritmo se move por toda a cena teatral, o ritmo pessoal do ator, o ritmo do
texto falado, o ritmo da ação, o ritmo do jogo, o ritmo da música na cena, todos eles
se relacionando e se tornando em um ritmo global do espetáculo caracterizado
quase sempre neste fenômeno de tensão e relaxamento.
Para Patrice Pavis (1999) o ritmo está situado em todos os níveis da
representação e sua dinâmica tem muitas vezes dois tempos: inspiração/expiração,
tempo forte (marcado)/ tempo fraco (não marcado). Para a ação teatral é válido o
mesmo esquema: ascensão/queda da ação, nó/desenlace, paixão/catarse.
Portanto, a presente pesquisa se debruça sobre a questão do ritmo e sobre
como este ritmo influencia o andamento da cena; como as energias corporais de
Lessac aplicadas ao trabalho do ator podem influenciar o ritmo da cena.
Quanto à montagem da cena a ser apresentada, optei por um fazer um
monólogo, mais por falta de alguém que compartilhasse da mesma idéia que a
minha do que por escolha própria. Porém, creio que de certa forma, esse trabalho
solitário me exigiu muito mais esforço e energia, conseqüentemente exigiu mais
disciplina e me fez mergulhar em um ritmo de trabalho, até então pouco explorado
por mim. Levou-me também em um caminho de descobertas interessantes.
12. 12
A escolha do texto merece um capítulo à parte que será abordado mais à
frente.
13. 13
VENCENDO A PREGUIÇA!
“Ergue os olhos, Hannah! Ergue os olhos!”
Charles Chaplin
Charles Chaplin foi um grande clown. Então, tomarei emprestadas algumas
falas do seu filme O Grande Ditador3
, Hannah sua amada, o ouve pelo rádio
enquanto a personagem de Chaplin trata em seu discurso, questões sobre os
direitos humanos. A frase em destaque é uma de suas últimas falas. Assim como
Chaplin falava à Hannah, parecia que sempre ouvia meus professores me dizerem:
“Vença a preguiça, Tati! Ergue os olhos e vença a preguiça!”
Ao começar o TCC, essa foi a primeira advertência, ao longo do trabalho,
essa frase tomou proporções gigantescas. Eu nunca entendia muito bem o porquê
de me dizerem isso tantas vezes, pois eu sempre pensava estar dando o melhor de
mim, mas talvez seus olhos estivessem vendo além, vendo que eu poderia ir muito
além do que estava fazendo.
Lembro-me da professora Daniela Carmona no Tepa me dizendo em um dos
ensaios para o espetáculo Clownssicos4
: “Tati, você está atrasando o espetáculo”.
Aquilo me doía profundamente porque eu ia freneticamente de um lado para o outro
3
The Great Dictator (O Grande Ditador) é um filme estadunidense de 1940, do gênero comédia,
dirigido por Charles Chaplin. Satiriza o nazismo, o fascismo e seus maiores propagadores, Adolf Hitler
e Benito Mussolini. Foi o primeiro filme falado de Chaplin.
4
Espetáculo de clown (palhaço) dirigido por Daniela Carmona no ano de 2003, baseado nos grandes
clássicos do teatro como: tragédia grega, Shakespeare, melodrama e realismo de Tchekhov.
14. 14
nas coxias tentando me lembrar das várias marcações, pois era um espetáculo com
muitos atores e a troca de figurinos e cenas eram bem dinâmicas, no entanto,
parecia que eu sempre estava a um passo atrás do ritmo esperado para o
andamento do trabalho.
Tentando vencer algumas limitações e colocar o corpo em um estado mais
expressivo, ingressei em uma aula de dança contemporânea5
, com a professora
Ariane Donato no Centro Meme6
, em Porto Alegre. As aulas tinham o objetivo de
desenvolver a percepção do corpo, através de exercícios respiratórios, exercícios de
força, alongamento e improvisação.
Segundo Stanislavski (2001), exercícios como a dança, contribuem
decisivamente para o melhor funcionamento da nossa estrutura física, tornando-a
mais móvel, mais flexível, expressiva e, até mesmo, mais sensível tendendo a deixar
os gestos mais fluentes, mais amplos, cadenciados. Além da dança, o treino dos
atores de Stanislavski incluía acrobacia, esgrima, luta romana, boxe, etc. Pois,
segundo o autor, tudo isso colabora para a plasticidade do movimento, ou seja, para
estabelecer um fluxo interior de energia carregada de emoções, desejos e objetivos,
cujo propósito é ativar esta ou aquela ação.
Desde que ingressei na faculdade eu parei com a dança e com o clown, por
me faltar tempo, mas que estavam se revelando de grande importância para um
desenvolvimento artístico. Com a dança eu havia entrado em contato com o ritmo da
música a ser dançada, com o fluxo do movimento e como o movimento expressa
esse ritmo.
A necessidade de voltar a dançar, quando comecei a fazer o TCC, falou mais
alto, precisava entrar em forma e vencer a preguiça, afinal, o tipo de trabalho que me
propus realizar necessitava de um preparo corporal mais refinado. As aulas de
5
A dança contemporânea busca uma ruptura total com o balé, ela surgiu na década de 60. Mais que
uma técnica específica, a dança contemporânea é uma coleção de sistemas e métodos
desenvolvidos da dança moderna e pós-moderna. O corpo na dança contemporânea é construído na
maioria das vezes a partir de técnicas somáticas, trazem o trabalho da conscientização do corpo e do
movimento. O intérprete/bailarino ganha autonomia para construir suas próprias partituras
coreográficas a partir desses métodos e procedimentos (http://pt.wikipedia.org/wiki/Dan
%C3%A7a_Contempor%C3%A2nea).
6
Centro Experimental do Movimento localizado em Porto Alegre. Dentro deste espaço se promove a
pesquisa da arte experimental, valorizando o processo de investigação, onde a dança convida outras
linguagens artísticas.
15. 15
dança contemporânea poderiam me proporcionar elementos importantes de
condicionamento físico e de desenvolvimento de ritmo musical que geralmente são
contados em 8 tempos. Adaptar o movimento do corpo neste tempo, ajudaria a
dinamizar meu estado corporal que por vezes se encontrava mais lânguido.
Para Stanislavski (2001), a dança não é parte fundamental do trabalho do
corpo, sua função é complementar, preparatória para outros exercícios importantes.
Portanto, ela se tornaria a minha grande ditadora: “Tati, vença a preguiça!”, e
também complementaria o treinamento.
Inspirada pelas palavras de Ferracini (2003) eu estava buscando quebrar tudo
o que é conhecido e viciado no ator, para que eu pudesse descobrir minhas energias
potenciais escondidas e guardadas, algo como um treinamento pessoal energético.
16. 16
VENCENDO A PREGUIÇA: CAPÍTULO DOIS.
“Hannah, estás me ouvindo? Onde te encontrares, levanta os olhos!”
Charles Chaplin
A primeira semana de trabalho foi apavorante. “O treinamento energético
permite ao ator despetalar sua flor, para descobrir e provar seu próprio pólen”
(FERRACINI, 2003). Eu creio que em certo momento nem sabia se era uma flor e
muito menos se poderia despetalá-la. Foi a semana de um pesadelo físico em que
todos os meus músculos doíam, passei mal e me senti extremamente cansada, mas
esse era um adubo necessário para fazer a flor germinar.
O dia estava chuvoso, retornei às aulas de dança depois de alguns anos
parada, sinto meu corpo se readaptando, me sinto muito cansada, meus
músculos doem bastante. O tempo corre, preciso criar material para a
construção de cena. Hoje entrei na sala de trabalho e senti um vazio no
espaço sem ninguém para me ajudar. Não consigo executar por muito
tempo um exercício e é difícil fixar uma partitura. Como fazer teatro
sozinho? (Caderno de anotações 10/09/2008).
Havia outra dificuldade a ser superada: como trabalhar sozinha? Por onde
começar?
“[...] encontro-me sozinha [...] A dificuldade torna-se ainda maior, no
momento em que se está num espaço vazio (sala de trabalho) e,
solitariamente, tem-se o compromisso de ‘fazer teatro’. Parece-me uma
tarefa sobre humana, pois não existe teatro sem jogo, sem esta troca palco-
platéia, ator-espectador” (FURLIN, Renata, 2007).
17. 17
De certa forma, as palavras de uma colega que havia passado pela mesma
experiência de trabalhar sozinha, caíram como um bálsamo e como um incentivo a
continuar buscando, procurando, trabalhando.
Assim, ergui os olhos onde me encontrava e estruturei um esquema de
trabalho.
18. 18
O TREINAMENTO
“A técnica é sempre o ponto de referência do ator, é o meio pelo qual ele não
se desequilibra e sim organiza-se, doma-se, assimilando a energia, os sentimentos e
as emoções” (WUO, Ana Elvira apud FERRACINI, 2003).
Quando eu chegava à sala para trabalhar, muitas vezes não sabia o que
fazer, o pavor de me ver sozinha sem nenhum colega para trocar ou incentivar era
assustador, parecia que as horas não passavam e a sensação de não estar
produzindo só aumentava o temor. Então, esquematizei um treinamento e aos
poucos fui me acostumando com a situação, o broto da flor começaria a aparecer.
Comecei com um aquecimento visando “acordar o corpo para uma atividade
física e criativa” (FERRACINI, 2003). Primeiramente aquecia as articulações
combinando o alongamento e a respiração. Em seguida optei por realizar um
treinamento preparatório para trabalhar com as energias corporais de Lessac. Então
fui em busca de alguns exercícios baseados nos princípios técnicos pré-expressivos
da Antropologia Teatral.
A Antropologia Teatral segundo Eugenio Barba7
(1994), é o estudo do
comportamento cênico pré-expressivo que se encontra na base dos diferentes
gêneros, estilos e papéis e das tradições pessoais e coletivas. Nesta concepção, a
presença física e mental do ator modela-se segundo princípios diferentes dos da
vida cotidiana. Trata-se de uma qualidade extra cotidiana da energia que torna o
7
Eugenio Barba e seus colaboradores desenvolvem sua pesquisa através da ISTA (Iternational
School of Theatre) e realiza trabalhos com artistas do Oriente e Ocidente (ICLE, 2002).
19. 19
corpo teatralmente “decidido”, desse modo a presença do ator consegue manter a
atenção do espectador antes de transmitir qualquer mensagem (antes lógico, não
cronológico).
De acordo ainda com Barba (1995) o nível pré-expressivo é o que se ocupa
com o como tornar a energia do ator cenicamente viva, isto é, com o como o ator
pode tornar-se uma presença, que atrai imediatamente a atenção do espectador.
Baseio-me principalmente em exercícios como a dança dos ventos, samurai,
lançamentos e elementos plásticos, exercícios estes descritos por Renato Ferracini8
(2003) ator do Lume que bebeu nas fontes da Antropologia Teatral.
Segundo o autor
A dança dos ventos consiste num passo em ritmo ternário, harmonizado
com a respiração. A expiração deve coincidir com o tempo mais forte do
ritmo e a inspiração é realizada nos dois próximos tempos. Essa sincronia
deve estar relacionada com peso/leveza. O ator deve afundar sua base, no
sentido de enraizar o chão, ao mesmo tempo que expira no tempo mais
forte do ritmo ternário e, posteriormente, empurrando a raiz, deve saltar, nos
dois próximos tempos do ritmo. Todo o resto do corpo deve estar engajado
realizando desenhos harmônicos no espaço. (2003, p.171).
Percebi durante o treinamento que a dança dos ventos é um bom exercício
preparatório para a energia buoyancy, pois ela trabalha a energia do ar trazendo a
sensação de leveza. A dança dos ventos trabalha com a respiração e toda sua
consciência fica envolvida neste trabalho respiratório e muscular sentindo a fluidez
do ar pelo corpo. Essa sensação de estar cheio de oxigênio possibilita encontrar o
estado do buoyancy. “O equilíbrio do tono muscular, a sensação de expansão
interna, a fluência sustentada, expansiva e assimétrica do movimento em buoyancy
estimulam a descoberta de uma dança orgânica que contribui para o estilo pessoal e
para a expressividade” (OLIVEIRA, 2007). A partir dessa experiência utilizei um véu
para compor uma seqüência de movimentos.
De acordo com Ferracini
O samurai possui três passos de deslocamento espacial, trabalha a energia
do guerreiro. A posição básica consiste em estar com a base aberta, joelhos
8
Ferracini é ator do Lume (Núcleo de Pesquisas Teatrais) fundado por Luís Otávio Burnier (1956-
1995) em Campinas.
20. 20
flexionados apontando para fora, coluna ereta apoiada na bacia. Os braços
estão livres, ou seguram um bastão, que posteriormente servirá para ações
de ataques e defesas. A partir dos passos básicos é possível realizar
variantes mesclando passos, deslocamentos codificando outras ações como
quedas e saltos, sempre respeitando o bloco, o eixo central, o controle do
peso, o olhar a precisão. (2003, p.174).
Posteriormente sistematizei uma seqüência baseada nos três passos de
deslocamento espacial.
Percebi que o samurai trabalhava uma energia que se assemelhava com a
sensação de potência muscular do potency. “As sensações aliadas a este estado
são de extremo vigor, ilimitada potência, poder e determinação, causadas pela
capacidade de máximo estiramento e extensão corporal sem esforço” (OLIVEIRA,
2007).
Nos elementos plásticos, ainda conforme a descrição de Ferracini
O corpo é dividido em segmentos que possam ser trabalhados
separadamente: cabeça, peito, cintura, quadril, pernas, pés, ombros, braços
e mãos. A partir dessa separação, pesquisam-se dinâmicas e ritmos
diferentes buscando suas possibilidades de articulação do tempo/espaço.
Todo o corpo deve estar engajado, apesar de se focar uma parte do corpo é
possível também explorar relações com equilíbrio e gravidade (2003, p.157).
Com os elementos plásticos vi que o corpo se adaptava facilmente à energia
radiancy que é uma energia em que o corpo se movimenta muito rápido em vários
sentidos, essa decupação do movimento ajuda a encontrar o radiancy. Segundo
Oliveira (2007) a energia de radiancy começa, geralmente, pelos olhos, disparando-
o em várias direções e deixando que esta atividade ligeira vá estimulando as áreas
mais próximas como a face, as orelhas, a boca, a cabeça e depois, como uma
corrente de eletricidade, flua até aos dedos, mãos, braços e siga preenchendo o
corpo todo, tornando a vibração corporal ora sutil, ora explosiva.
Com este treinamento consegui me organizar e colocar as idéias em ordem,
porém eu estava somente no nível pré-expressivo e precisava transportar isso para
o trabalho em si.
21. 21
NO MEIO DO CAMINHO TINHA UMA PEDRA
Muitos professores na faculdade diziam: “Vocês precisam ter algo a dizer”.
Falar sobre o que neste momento? Olhando para o mundo vi muitas coisas que me
sensibilizavam, então por que não falar sobre o fim dos tempos? Vemos tantas
tragédias através da televisão todos os dias. Como o ser humano lida com isso?
Atos terroristas, crimes em massa, guerras étnicas estão na ordem do
dia. A violência gratuita, sem causa e justificativa, nos lança na região
do absolutamente incompreensível e nos confronta com a questão do
Mal. Decadência de valores? Manifestações da Besta Apocalíptica?
Ou simplesmente traços característicos, ainda que indesejáveis, da
condição humana? (Teatro da Vertigem,
<http://www.teatrodavertigem.com.br>).
O Teatro da Vertigem é uma companhia que procura locações alternativas
para a exibição de seus espetáculos como igrejas, presídios ou um barco no rio
Tietê. Sua temática fundamental encontra-se no embate do homem moderno e do
homem religioso, e nas conseqüências morais, éticas e psicológicas deste embate.
Essa companhia tem em seu currículo uma trilogia bíblica e dentre elas Apocalipse
1, 11 com texto de Fernando Bonassi, realizado num presídio. Este trabalho em
particular é uma das minhas inspirações, o qual eles questionam e refletem sobre
esta dialética de esperança e terror, presentes nesses anos, nesta época de
confusão e crise, nesse "tempo de transição" . Como nunca cheguei a assistir ao
espetáculo, tomei conhecimento somente através de fotos e reportagens, fiz uma
imagem do que ele realmente é ou foi.
22. 22
Eu tinha algo a dizer, gostaria de falar sobre o apocalipse. A literatura
apocalíptica tem uma importância considerável na história da tradição judaico-cristã-
islâmica, ao veicular crenças como a ressurreição dos mortos, o dia do Juízo Final, o
céu, o inferno e outras que são aí referidas de forma mais ou menos explícita.
O livro do Apocalipse de João (para protestantes) é um livro da Bíblia — o
livro sagrado do cristianismo — e o último da seleção do Cânon bíblico. A palavra
apocalipse significa, em grego, Revelação, é a revelação divina de coisas que até
então permaneciam secretas a um profeta escolhido por Deus. Em teologia, o
estudo das últimas coisas, ou do fim dos tempos se chama Escatologia.
REVELAÇÃO de Jesus Cristo, a qual Deus lhe deu, para mostrar aos seus
servos as coisas que brevemente devem acontecer; e pelo seu anjo as
enviou, e as notificou a João seu servo; O qual testificou da palavra de
Deus, e do testemunho de Jesus Cristo, e de tudo o que tem visto. Bem-
aventurado aquele que lê, e os que ouvem as palavras desta profecia, e
guardam as coisas que nela estão escritas; porque o tempo está próximo
(Apocalipse 1, 1-3).
Entre outros fatos que teriam sido profetizados nesta obra pelo profeta João,
segundo a teologia comum das igrejas protestantes, estão os sete anos da grande
tribulação, onde após o arrebatamento da Igreja (entende-se por Igreja aqueles que
creram em Jesus e não a instituição ou templo), a Terra passaria por três anos e
meio de paz com o reinado do Anti-Cristo - que perseguiria os cristãos que não
tivessem a marca da besta, a qual possibilitaria livre comércio entre as pessoas. Tal
marca, diz o profeta, seria posta na testa ou na mão das pessoas e haveria três
anos e meio de grande aflição. Após esse período, ocorreria o início do Milênio
(onde a Igreja reinaria com Cristo na Terra). Terminado o Milênio, dar-se-ia início o
Juízo Final, onde o Messias reinaria definitivamente, lançando Satanás e seus anjos
(demônios) no lago de fogo. Dividindo então a humanidade entre os santos (aqueles
que aceitaram) e os pecadores que se negaram a ouvir os apelos e mudar de
atitude.
Então cheguei a um impasse: falar sobre o apocalipse, mas que texto falaria
sobre isto? A linguagem bíblica é alegórica, como torná-la em ação e em texto
dramatúrgico?
23. 23
“A linguagem é ação e jamais deve ser descritiva, é um momento da ação,
como na vida, e que ela existe para dar ordens, proibir coisas, argumentar,
expor sentimentos (com fim ativo), para convencer, defender ou acusar,
para manifestar decisões, para duelos verbais, recusas, confissões, em
suma, sempre a fazer avançar a ação (PAVIS, 2007).
Como defender essas idéias para fazer avançar a ação? Selecionei portanto,
os fatos mais interessantes e comecei a escrever um esboço. No entanto,
começaram a aparecer muitas pedras no meio do caminho.
24. 24
TINHA UMA PEDRA NO MEIO DO CAMINHO (DRUMMOND)
Para me auxiliar no desafio de escrever o texto me matriculei em um curso de
dramaturgia, qual não foi minha surpresa quando após coletar alguns trechos do
livro de Apocalipse, o professor me pergunta: “muito bom, mas cadê a ação?”.
Apesar de acreditar que qualquer texto poderia se tornar teatro “todo texto é
teatralizável, desde que se o utilize num palco, os diálogos, o conflito e a situação
dramática, deixaram de figurar como condição ‘sine qua non’ do texto de teatro”
(PAVIS, 1999). Eu precisava encontrar algo que me levasse a encená-lo. Escrevi
uma folha inteira que não me dava muitas idéias para colocar no palco.
“O conteúdo de um drama tem o caráter de ação que se desenrola diante
dos olhos do público. Só quando existir uma profunda adesão à
individualidade artística do autor, assim como às idéias e sentimentos que
constituem a essência criadora do drama, poderá o teatro revelar toda a sua
profundidade artística e expressar a plenitude de uma obra poética, bem
como a forma requintada de sua composição” (STANISLAVSKI, Constantin,
2001 p.66).
Neste ponto eu estava pensando apocalipticamente, querendo colocar
projeções de imagens no palco, fazer algo grandioso e profundo tentando chegar a
essa adesão da individualidade para revelar a profundidade artística. Creio que eu
estava filosofando demais. Todavia, o desejo de falar aquilo, de fazer algo sério era
forte, mas era hora de buscar elementos que pudessem compor uma cena, não era
o momento de fazer coisas novas, e sim colocar os pés no chão e seguir adiante.
25. 25
Em mais uma tentativa de realizar essa grandiosidade, tentei colocar algum
trecho do texto que havia selecionado em uma partitura de movimentos que havia
feito durante o treinamento, mas ambos, partitura e texto estavam deficientes.
Depois destas tentativas me foi sugerido, em uma orientação, ir por um
caminho mais próximo da minha poética. Sempre quando tentava fazer algo sério as
pessoas acabavam achando engraçado, por que fugir dessa característica que era
tão marcante? Por que não falar sobre o fim dos tempos numa ótica mais leve? Era
hora de usar essa seriedade em meu favor. Afinal, tanto o cômico quanto o trágico
podem fazer pensar, então parei de complicar as coisas para mim e aceitei a
sugestão de buscar no cômico, elementos que pudessem traduzir o apocalipse.
Decidi então abandonar a linguagem suntuosa da bíblia, porém não
recusando os seus fatos, mas buscando em textos dramatúrgicos o que eu queria
dizer. O foco do trabalho mudou completamente, foi necessário buscar outro
caminho, o cômico para mim, sempre teve uma ligação forte com o trabalho de
clown.
Lembrei-me da experiência em Clownssicos onde uma trupe de palhaços
cansados de serem injustiçados utilizava textos clássicos para montagem dos seus
espetáculos. Aquele processo de utilizar fragmentos de textos de diversos estilos
teatrais no jogo clownesco me pareceu bastante oportuno. Portanto começava outra
etapa, bem mais prazerosa, mas não menos trabalhosa.
Segundo Miriam Rinaldi (atriz do grupo Teatro da Vertigem), “no processo
colaborativo de composição dos espetáculos do Teatro da Vertigem os atores fazem
“workshops”. Na definição dos atores, “workshop” é uma cena criada pelo ator em
resposta a uma pergunta ou um tema lançado em sala de ensaio e cada palavra ou
pergunta deve ser trazida para o campo pessoal do ator e associado a algum fato de
sua vida ou de sua experiência. Dessa maneira um enunciado de caráter geral pode
ser transferido para uma escala íntima”. O jogo clownesco sempre me despertava
algo íntimo, pois expunha fragilidades e sempre esteve presente desde o início da
caminhada. “Pina Bausch defende a idéia de que o teatro é o espaço das
subjetividades e recordações” (Rinaldi, 2006) e estas servem como material de
26. 26
criação do espetáculo. E foi justamente nas recordações de experiências anteriores
com o clown que optei por utilizar o seu jogo para compor o trabalho.
Partindo desse princípio, o que era o apocalipse para mim? O que eu queria
dizer enquanto artista? Como um clown falaria sobre o fim do mundo? Para
responder estas perguntas fui à busca de textos, filmes, imagens e lojas de 1,99
coletando material para improvisação.
27. 27
HANNAH! A ALMA DO HOMEM GANHOU ASAS E AFINAL COMEÇA A VOAR
No livro de Apocalipse, o profeta João foi mandado para a ilha de Patmos, lá
ele foi arrebatado no espírito e um anjo lhe mostrou o que iria acontecer no fim dos
tempos, ele então transcreve o que viu a fim de que lessem e guardassem as
palavras daquela profecia.
A partir desse fato, criei uma profetisa que fora exilada na também ilha de
Patmos por falar as coisas que brevemente deveriam acontecer. Mais tarde a ilha de
Patmos se tornaria uma ilha de edição de vídeo abandonada. Para compor a
profetisa, pesquisei sobre mulheres profetas na dramaturgia e algo que pudesse
aproximar com a mulher de hoje em dia, me inspirei portando em alguns países
como o Oriente, onde muitas delas são oprimidas por usar uma burqa9
. Coletei
algumas imagens que eu pudesse reproduzir no corpo. No treinamento fiz uma
partitura juntando o buoyancy e o potency, a qual introduzi um véu para compô-la.
Começava então a aparecer um elemento interessante, o véu.
Na dramaturgia grega encontrei Cassandra, a bela profetisa que se negou a
dormir com o deus Apolo, ele, por vingança, lançou-lhe a maldição de que ninguém
jamais viesse a acreditar nas suas profecias ou previsões. Cassandra passa então a
ser frequentemente considerada como louca ao tentar comunicar à população
troiana as suas inúmeras previsões de catástrofe e desgraça. Desse modo, a minha
9
A burqa ou burca é uma versão radical do xador, trata-se de uma veste feminina que cobre todo o
corpo, até o rosto e os olhos. É utilizado pelas mulheres muçulmanas na grande maioria dos países
islâmicos, como, por exemplo, o Irã, Arábia Saudita e Afeganistão (http://pt.wikipedia.org/wiki/Burca).
28. 28
profetisa também falaria e ninguém lhe daria crédito. Minha relação com Cassandra
não era primária, para a montagem de Clownssicos eu já havia jogado com esta
figura e pesquisado sobre a personagem na dramaturgia grega.
Este era o mote para compor a personagem. Para a contrução do texto me
inspirei e coletei trechos do último discurso de Chaplin em O Grande Ditador,
Agamenon de Ésquilo, Exagoge de Ezekielos, Hamlet de Shakespeare, Apocalipse
1,11 de Fernando Bonassi e Kassandra in Process do grupo Terreira da Tribo10
(vide
texto na íntegra em anexo). “Procurar encontrar um ritmo para o texto a ser
representado é sempre procurar/encontrar um sentido” (PAVIS, 1999). Isso é o que
estava acontecendo.
Encaixei estes trechos em um esquema baseado nos acontecimentos
narrados pelo profeta João como por exemplo, a visão do trono de Deus que pode
ser identificado na segunda cena. A descrição do anticristo na terceira cena, a
Grande Tribulação na quinta cena e a visão da Nova Jerusalém na sexta e última
cena. Porém este esquema só se definiria mais tarde depois de muitas
experimentações.
Para contar estes fatos e aproximá-los da condição humana resgatei o jogo
clownesco que havia ficado guardado por todo o tempo que estive na academia. “o
clown é o mais nu de todos os artistas porque põe em jogo a si mesmo” (Dimitri
apud Mallet, 1982). Portanto, me utilizei da sua linguagem e do processo de criação
que havia experimentado em Clownssicos. No entanto, este não é um trabalho de
clown, e sim um caminho que encontrei para contar esta história de maneira mais
cômica.
O clown segundo Ferracini se entende como a dilatação da ingenuidade e da
pureza inerentes a cada pessoa. “O clown está constantemente se relacionando
com algo (um objeto, o espaço, etc.) ou com alguém (seu parceiro, o público)”
(BURNIER, 2001).
Me relacionar com algo e com o público eram palavras-chave que norteariam
o trabalho. A partir do texto que elaborei entrei em várias lojas de 1,99 pesquisando
10
Terreira da Tribo de Atuadores Ói Nóis Aqui Traveiz é um centro de experimentação e pesquisa
cênica de Porto Alegre-RS (SANTOS, 2004).
29. 29
objetos que pudessem sublinhar ou jogar com o que estava sendo dito. Segundo
Burnier (2001) uma das regras para o clown é que ele entende as coisas em nível
primário e ingênuo, ao pé da letra. Este recurso foi útil para poder me colocar em
ação e em improvisação.
No início da cena 2 quando a profetisa tem a visão do trono: “Eu vi um trono
no topo de uma montanha, muito grande e dele saíam relâmpagos e trovões” nesta
parte do texto coloco o véu sobre a cadeira simbolizando o trono e uma caneta
infravermelho para fazer os raios e trovões; “Um príncipe estava assentado nele com
sua coroa e seu cetro” aqui uso uma coroa de princesa com luzinhas vermelhas e o
cetro é uma bengala preta com uma buzina fosforescente na ponta; “Sua mão
ordenou que eu me aproximasse então, eu me postei diante da sua face. Ele me
estendeu o cetro, eu o peguei e me sentei” aqui está descrita a ação que faço
exatamente como falo.
“Dessa forma, encontramos outra palavra básica para definir o trabalho do
clown: relação real, verdadeira e humana, com tudo que se encontra a sua volta,
incluído aí o público” (FERRACINI, 2003).
O público se tornaria ouvinte da profetisa já que a exilaram do mundo por
revelar coisas que não são agradáveis à sociedade. Aliás o fato de ser excluída
também colaboraria para compor a figura da personagem, como as roupas
parecidas com uma mendiga que é nosso excluído social; o carrinho de feira com
latinhas e os objetos que ela utiliza para falar sobre suas profecias. O visual dessa
figura se aproxima do bufonesco. Segundo Carmona (2002) os bufões amparam a
metáfora atual: os loucos dos hospitais psiquiátricos, os mendigos de rua, as
prostitutas, ou alguém que tenha sido alguma vez segregado, ou não tem valor
social, segundo o olhar discriminatório do poder. No entanto, é só pelo visual e pelo
tom do discurso crítico que aparece o bufão11
.
“Assim, a sociedade mandou estrangular nos seus manicômios todos
aqueles dos quais queria desembaraçar-se ou defender-se porque se
recusavam a ser cúmplices em algumas imensas sujeiras. Pois o louco é o
homem que a sociedade não quer ouvir e que é impedido de enunciar
certas verdades intoleráveis” (ARTAUD, Antonin. 1983, p. 133).
11
Bufão: a grande paródia político-social; o humor e a ironia dos banidos; o louco; crítica e
perspicácia; o jogo astuto e indireto, a acusação inteligente; a máscara bufa -o corpo deformado-
como suporte de blasfêmia, a mimese primeira do opressor (CARMONA, 2004).
30. 30
O clown e o bufão se assemelham muito. De acordo com Carmona (2002) o
tom e a forma que o ator aborda determinado fato delineia o território trágico ou
cômico, assim como clownesco ou o bufonesco. Na grande síntese que abriga o ser
humano, o ser reconcilia os opostos trágico e cômico, palhaço e bufão, esperto e
estúpido, ambos refletem o perdedor, afinal, ser cômico sempre foi reflexo de
condição e natureza social desprivilegiada.
“O clown é um herdeiro do bufão. Ele também é um marginal, pois de certa
forma possui uma visão de mundo diferenciada. Sua lógica e maneira de
pensar e agir são muito particulares. Ele é um bufão sofisticado. Todas as
características e comportamentos do bufão aparecem no clown, mas de
maneira sutil. O bufão é como se fosse uma pedra preciosa em estado
bruto. O clown é uma pedra lapidada”. (BURNIER,Luís Otávio. 2001, p.216)
Além disso nas improvisações, surgiu uma característica importante: falar
algumas palavras em inglês. Dessa característica também nasceu uma relação com
o cinema. Na cena 1 no início do discurso coloco a lanterna no rosto parecendo com
uma cena do filme A Bruxa de Blair desse clima de suspense falo uma frase célebre
do filme O Sexto Sentido de M. Night Shyamalan: “I see dead people12
”. Na cena 2
tento fazer contato com Houston: “Houston we have a problem13
” mais uma frase
marcante do filme Apolo 13. Também utilizo algumas músicas com referência ao
cinema como por exemplo a do filme “Evita”, “Psicose” e “2001 Uma Odisséia no
Espaço”.
Creio que estava criando asas para construir o trabalho pois estava
descobrindo um ritmo próprio e uma maneira particular de jogar. Todos esses
elementos se relacionando e se configurando em uma personagem e em uma
história: Cassandra por não ter crédito em suas profecias; João por ser exilado;
bufão como o excluído; o clown com a ingenuidade e a referência do cinema.
12
Tradução: Eu vejo pessoas mortas.
13
Tradução: Houston, temos um problema.
31. 31
ERGUE OS OLHOS HANNAH!
Minha alma tinha começado a voar, a improvisar e deixar a imaginação fluir
em seu próprio ritmo, porém quando já estava com um material cênico mais ou
menos estruturado fui perdendo a organicidade. “Por orgânico entenda-se uma
capacidade de encontrar e ‘dinamizar um determinado fluxo de vida, uma corrente
quase biológica de impulsos’” (Grotowiski apud FERRACINI, 2003).
De acordo com Oliveira, Lessac distingue 2 ambientes que caracterizam o
palco da ação humana: o interno e o externo. O ambiente interno é o organismo
individual de cada pessoa; e o externo é tudo o que está fora disso, incluindo as
outras pessoas. “Quando as ações físicas são realizadas com organicidade tudo flui
e torna-se vivo. A imagem que me vem é como se interno e externo falassem a
mesma língua” (COLLA, apud FERRACINI, 2003). Comecei a me desconectar do
interno, somente executava as ações e isso se refletiu drasticamente no ritmo do
trabalho.
“Mas está tudo igual, perdeu o frescor e o que era engraçado, estas
palavras da minha orientadora tiveram o efeito de me fazer sentir como se
tudo que fiz até agora tivesse sido inútil. Me sinto extremamente cansada,
tudo voltou a ser sério, caí no mesmo erro inicial e isso deixa o trabalho
frágil e me expõe. Como recuperar o que era vivo e orgânico? (Caderno de
anotações 10/08/2008).
Me sentia como se estivesse apenas executando as marcações, sem me
conectar com elas. Para traduzir melhor como me sentia vou me utilizar de uma
descrição de Sanislavski (2002) em seu livro a Preparação do Ator: “os meus
32. 32
temores me faziam sentir a obrigação de interessar a platéia impedindo atirar-me
totalmente ao que fazia, o espantoso é que eu, mecanicamente, continuei falando e
atuando. Não fossem os meus prolongados exercícios caseiros, que gravaram em
mim certos métodos, eu teria parado nos primeiros versos”. Eu simplesmente estava
falando e atuando mecanicamente e isto tornava o ritmo sem tensão e relaxamento,
sem inspiração e expiração, sem variação.
Algumas coisas foram sugeridas para modificar e para tornar o trabalho mais
orgânico. Eu estava dizendo o texto todo igual, as cenas estavam sendo executadas
sem vida, elas estavam desconectadas. Era como se eu tivesse criado cenas e
quisesse encaixar em um esquema, tudo em um mesmo ritmo, monótono.
Por exemplo, na cena 2 em que danço a música da Madonna (four minutes to
save the world14
), era algo que queria fazer parecer engraçado na cena e que tinha a
ver com o fim do mundo porém, esta cena estava desconectada do contexto, por
que dançar naquela hora? Seguindo a forma como o clown estrutura seu espetáculo,
eu queria mostrar minhas habilidades aprendidas nas aulas de dança.
Usar essas habilidades se encaixa no jogo clownesco, conforme a
metodologia de Daniela Carmona (2002) onde são pedidos números os quais, o ator
possa demonstrar suas habilidades genuínas – cantar dançar, malabarismos,
acrobacias. Quando o clown aprende algo assim, ele precisa mostrar para o público
porque é algo importante para ele, porém, acidentes sempre podem acontecer, ou
seus movimentos nem sempre são graciosos como um acrobata ou um bailarino
genuíno.
Então, para encaixar a música no contexto, e mostrar minhas habilidades de
dança, usei a tentativa de falar com Houston (vide texto em anexo) em que se ouve
estática de rádio e ao invés da resposta de Houston é sintonizada um trecho da
música da Madonna a qual é tirada no ápice da dança. Algo como se houvesse
alguém do lado de fora que tentasse controlar a profetisa dentro da ilha.
A partir dessa inserção da música e da sua súbita interrupção, pude modificar
a próxima cena que também se inseriu mais organicamente ao contexto, pois é
quando a profetisa reclama: “Como um ser humano assegura poder sobre o outro?
14
Tradução: 4 minutos para salvar o mundo.
33. 33
Fazendo-o sofrer.” referindo-se ao sofrimento de não conseguir dançar a música
toda. Aproveitando essa revolta, ela passa para a cena 3 falando sobre o anticristo.
Era preciso reencontrar a relação que estabeleci com cada objeto, e como
esses objetos influenciavam no ritmo do texto e da cena, preencher os espaços
vazios entre elas. Prestando mais atenção à estes aspectos, eu estava tentando
reencontrar a organicidade e aproveitar mais cada cena.
Quem era aquela mulher? Que lugar era aquele? O que ela estava fazendo
ali? Como aqueles objetos contavam aquela história? Perguntas básicas mas
necessárias para dar sentido ao que estava fazendo. Para o clown, “Suas palavras
estão em seu corpo, em sua dinâmica de ritmo, em sua musculatura, bem
determinadas, claras, conhecidas, mas a sequência delas ele improvisa segundo as
circunstâncias que vivencia” (Burnier, 2001). Eu precisava introjetar as palavras do
texto em meu corpo, me relacionar com os objetos e com o espaço criado, para que
o ritmo do jogo fluísse e abrisse espaço para improvisação, para a diversão.
Dar corporeidade ao que estava sendo feito. “A corporeidade do clown
precisa estar preenchida ou recheada pelo estado orgânico de relacionamento e
pela relação real como mundo à sua volta” (FERRACINI, 2003).
Eu precisava encontrar em meu corpo a organicidade e a corporeidade da
personagem. E para este fim utilizei as energias corporais de Lessac, cujo
treinamento de acordo com Oliveira (2007) ensina-nos a identificar os sinais emitidos
dentro do nosso ambiente interno, quando funcionamos de forma plena e natural e a
registrá-los, para depois utilizá-los como instruções orgânicas e não como ordens
mecânicas ou puramente mentais.
34. 34
RITMANDO
Aplicando as energias corporais a fim de ritmar, ou seja, variar as velocidades
e intensidades de cada cena, pude perceber qual delas se adaptava melhor em cada
cena, o trabalho já estava esquematizado, então era só dar vida, dar organicidade,
dar ritmo.
“No quadro narrativo que dá ritmo à progressão da fábula, organizam-se os
ritmos específicos de todos os sistemas cênicos (iluminação, gestualidade,
música, figurino etc.). Cada sistema cênico evolui de acordo com seu
próprio ritmo; o trabalho de ordenação da encenação pelo espectador
consiste propriamente na percepção das diferenças de velocidade, das
defasagens, das embreagens, das hierarquias entre si” (PAVIS, Patrice.
1999, p.345).
Destacarei algumas cenas ou momentos em que utilizo especificamente cada
energia compondo o ritmo que cada energia proporciona, embora todas energias se
misturem ao longo do trabalho conferindo o ritmo global do trabalho com suas
variações.
No texto da cena 1(vide anexo) quando a profetisa diz que sua voz chega a
milhares de pessoas, o peito se enche de ar trazendo uma sensação de flutuação
descritos no buoyance.
Você sentirá sua energia respiratória internamente distribuída através do
corpo e ao mesmo tempo, sentirá como a energia da respiração está
também sendo transmitida para fora do seu corpo através dos dedos das
mãos e dos pés, orelhas, nariz, cotovelos, ombros, cabeça, joelhos,
pescoço assim como através da superfície dos poros. Quando esta
transmissão da energia respiratória ocorrer para o espaço exterior, o
35. 35
alcance de qualquer parte do seu corpo, agora sentido como uma extensão
integral do fluxo mesmo da respiração, forma um link de comunicação com
o ambiente espacial imediatamente ao redor do corpo.(LESSAC, apud
OLIVEIRA. 2007, p.48).
O início da cena 2 é um momento em que brinco bastante com os elementos
cênicos, como por exemplo a coroa, o cetro e a caneta infravermelha. O radiancy
traz este estado de brincadeira segundo Oliveira (2007) devido às características de
surpresa, excitação, divertimento e espontaneidade, o estado energético de radiancy
lembra muito a atitude da criança quando brinca, com aquela energia inesgotável,
com liberdade e equilibrando naturalmente o relaxamento com repentinas
sobrecargas energéticas.
Na metade da cena 2, quando a profetisa senta no trono de Deus, para dar a
sensação de estar em outra dimensão, volto a utilizar o buoyancy. “Uma das
tendências ao experimentar o estado de buoyancy é a de manter o ritmo em câmara
lenta, embora possa ser desenvolvido em alta velocidade” (OLIVEIRA, 2007). Ao
fundo com a música do filme “Uma Odisséia no Espaço” a cena se passa como se
fosse em slow motion até mesmo na voz, aos poucos acelero-a porém, tentando
não perder este estado.
Tenho assim no início da cena da visão do trono, o uso do radiancy; no meio,
quando sento no trono imediatamente mudo para buoyance, o radiancy volta a
aparecer na entrada da estática de rádio que continua até o fim da música da
Madonna. No entanto, o comportamento astuto, sempre alerta da energia radiancy
permeia todo o trabalho.
“Imagine você mesmo como um corredor de pequenas distâncias e ponha-
se na posição de prontidão ou de preparação. Você está cheio de
antecipação enquanto sua atenção é capturada pelo iminente comando de
“go”. Mas a real experiência da sensação de energia de radiancy está no
sinal da partida. Quando a partida é dada, as fibras do seu corpo
galvanizam e sem qualquer aparente movimento, você dispara” (LESSAC,
apud OLIVEIRA, 2007 p.50).
Outro exemplo de uso da energia radiancy ocorre na cena 5, quando utilizo
uma arma de brinquedo que atira dardos de plástico. Jogo como se a personagem
36. 36
fosse ora polícia, ora bandido. Portanto o estado de “sinal de partida” ou de
prontidão me fez experimentar um ritmo interno mais dinâmico.
Com o potency, de acordo com a descrição de Oliveira (2007) o corpo amplia
e se estende de forma estável, intensa e ardente e as sensações aliadas a este
estado são de extremo vigor, ilimitada potência, poder e determinação, causadas
pela capacidade de máximo estiramento e extensão corporal sem esforço. Recorro a
essa sensação na cena 3 quando a profetisa descreve como o anticristo governará o
mundo, pois é um momento de revelação das suas profecias e também de revolta
pelo domínio do mal.
A cena 1 é caracterizada pela apresentação da personagem e de como ela se
sente em relação ao mundo, utilizo fragmentos do texto de Chaplin em O Grande
Ditador. Na última cena do filme ele faz um discurso sobre os direitos humanos, me
aproveito dessa idéia para elaborar um discurso da profetisa, porém, o mesmo ficou
um pouco longo. Para variar o ritmo, recorro às energias, principalmente à do
potency que a partir da fala: “Há demasiado sangue” (vide anexo), uso mais desse
vigor e determinação para finalizá-lo com grandiloqüência.
Todas as explorações com os estados energéticos aqui mencionados
acrescentam qualidade às ações do ator, dando segurança e estimulando a
liberdade expressiva.
No entanto, conforme as palavras de Oliveira (2007) “narrar o processo de
trabalho e seu significado é necessariamente cair em contradição, pois ao separar
os momentos cronologicamente ou tematicamente, estou a separar o inseparável, a
isolar o que só existe em conjugação”. Toda a filosofia de Arthur Lessac
fundamenta-se na visão do homem como totalidade, no interrelacionamento
orgânico entre a vida emocional, corporal e vocal, na conexão entre os sistemas de
percepção, sensação e pensamento.
Creio assim chegar a um estado energético de interenvolvimento que de
acordo com Oliveira (2007) é a necessidade de se relacionar que impulsiona o
indivíduo a sintetizar todos os seus sistemas de experiência interna em direção aos
seus objetivos, sem estar auto-consciente, ou seja, usar organicamente seus
estados energéticos ou outros elementos estéticos e expressivos que otimizam a
37. 37
performance. O corpo não se carrega propriamente de uma energia como as outras
três, mas de um cruzamento híbrido destes estados efetuado pelo sistema
emocional.
38. 38
VOA PARA O ARCO-ÍRIS
Apesar de o cômico fazer parte do meu processo de trabalho e dele sempre
ter aparecido espontaneamente, é sempre um desafio trabalhar com ele. Ao assistir
a uma peça cômica, o público se diverte em função da estrutura da peça, da
caracterização das personagens, do tipo de situações desencadeadas e do seu
ritmo.
Ainda segundo Oliveira (2007) em um espectáculo cômico, o ritmo depende
entre outras coisas da dinâmica da ação e da dependência de cada momento
relativamente à ação total.
O ritmo cômico é inspirado no ritmo da vida, na imagem da sua
indestrutibilidade e por isso é leve, fluido e acelerado.
“A essência do ritmo é a preparação de um novo evento pelo término de um
evento anterior. Uma pessoa que se move ritmicamente não precisa repetir
um único movimento exatamente. Seus movimentos, entretanto, precisam
ser gestos completos, de modo que se possa ter uma sensação de começo,
de intenção e de consumação, e ver na última fase de uma delas a condição
e, efetivamente, o surgimento da outra. O ritmo é o levantamento de novas
tensões através da resolução das tensões anteriores. Elas não precisam,
em absoluto, ser de igual duração; porém a situação que gera a nova crise
deve ser inerente ao desenlace daquela que a precede” (LANGER apud
OLIVEIRA. 2007, p. 77).
A personagem cômica da profetisa se identifica com a energia radiancy e por
se tratar de um monólogo tenho que estar sempre alerta com o “sinal de partida”
acionado. Mas é também necessário respirar, pois existe um tempo/ritmo para a
39. 39
ação acontecer, é preciso respirar para não desconectar o interno durante cada
situação que aparece no decorrer do espetáculo. Muitas vezes é preciso tomar
fôlego, outras acelerar, mas em todo o tempo o público tem que estar comigo e
prender a sua atenção é meu maior desafio.
Atenção: essas tensões alternadas com breves silêncios são importantes.
Ou seja, vocês podem perceber que em certos momentos faço pausas, fico
mais relaxado; são propositadas. Uso-as para respirar, pois um dos
problemas é fazer o público respirar com você. O público precisa tomar
fôlego simultaneamente. Caso ele seja afogado ou agredido durante os
momentos de tensão ou ao final de uma risada, sem que se permita sua
recuperação, sem deixá-lo respirar, ele acabará ficando cansado e perderá
a capacidade de se divertir e de participar adequadamente (FO, Dario.
1999, p.179).
Mas a técnica por si só não tem nenhum valor artístico. Segundo Dario Fo
(1999), ela deve estar associada à ética, pois é a visão do ator, o seu
posicionamento frente à sociedade que o torna capaz de escolher entre um gesto e
outro, isto é, de compor com inteligência e originalidade a síntese entre a forma e o
conteúdo a ser comunicado, para não ser óbvio, ilustrativo pois o público é capaz de
compreender e deve ser desafiado, mas não abandonado.
Experimentar o treinamento das energias corporais de Lessac com o jogo
clownesco foi extremamente produtivo. Ambos abordam questões importantes no
trabalho do ator de uma maneira mais lúdica e prazerosa dando condições para que
dinamizando, através da qualidade da presença, o ritmo cômico aconteça.
“Assim, trivialidades, como por exemplo, bocejar, espreguiçar-se, alegrar-se,
excitar-se, tornar-se ágil, flutuar dentro da água, ser impelido pelo vento e
impulsionado pelas emoções são o ponto de partida para a concepção do
treino energético de Lessac, porque revelam, através da sua manifestação,
circuitos internos que ligam todos os aspectos do nosso ser [...] A função da
comparação entre a energia de Radiancy e o universo cômico é
exploratória, não taxativa. Mas há um componente muito freqüente na sua
abordagem, que é a alegria e toda a disponibilidade corporal que ela
implica. O estado preconizado para o ator em situação cômica, pode
caracterizar-se pela agilidade, leveza e alegria, estados que visam instalar a
vitalidade no palco e imprimir o ritmo cômico ao espetáculo, seja ele
estruturado a partir de um texto ou das gags realizadas pelo palhaço”
(OLIVEIRA, Maria Regina Tochetto. 2007, p. 96).
Concordo com Dimitri quando ele diz que “o público está deformado,
sobretudo por causa da televisão, ele quer tudo rápido, a vida já digerida. Não
40. 40
devemos nos deixar enganar por essa onda. Quando se consegue impor seu próprio
ritmo, quando se vence a partida, é maravilhoso porque as pessoas se dão conta de
que se trata de outra coisa”. Quero sempre vencer a partida. E este foi o resultado
de parte da minha caminhada na arte dramática, mas haverão outras partidas.
41. 41
REFERÊNCIAS
Fontes Consultadas
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Anexo
A Profetisa
(Off) Você foi exilada na ilha de Patmos (por quê?) por ser testemunha de Jesus
Cristo e por revelar as coisas que brevemente devem acontecer. (quanto tempo vou
ficar aqui?) Você ficará aqui por tempo indeterminado.
Cena 1- Discurso
Apresentação e reconhecimento do espaço, a ilha de Patmos é uma ilha de edição
com carcaças de computadores. A profetisa chega trazendo um carrinho de feira e
uma lanterna na mão.Fala como se estivesse dando um depoimento e depois como
um político.
---Eu sou uma profetisa. Eu fui sempre assim, Deus me deu esse dom, ouço vozes.I
see dead people, I can see the future, mas ninguém dá crédito às minhas profecias.
Eu fui arrebatada no espírito e o Senhor me mostrou o que vai acontecer. O mundo,
como o conhecemos, irá acabar Não desespereis! Não é o acelerador de partículas
que vai criar um buraco negro e seremos todos engolidos por ele. Não!
A desgraça que tem caído sobre nós não é nada mais do que o produto da cobiça
em agonia, da amargura de homens que temem o avanço do progresso humano. Os
homens que odeiam desaparecerão... O que faria o amor nessas almas orgulhosas?
A máquina, que produz abundância, tem-nos deixado em penúria. Não sois
máquina! Homens é que sois. Nossos conhecimentos fizeram-nos céticos.
Neste mesmo instante a minha voz chega a milhares de pessoas pelo mundo
afora... Milhões de desesperados, homens, mulheres, criancinhas... Vítimas de um
sistema que tortura seres humanos e encarcera inocentes. E com o amor da
humanidade em vossas almas. Não odieis! Precisamos de afeição e doçura. Sem
essas virtudes, a vida será de violência e tudo será perdido... Há demasiado sangue,
há demasiada violência. Amamos o povo com um vasto amor sem apoio. Vivemos
longe dele, trancados neste lugar, perdidos em nossos pensamentos. Mas e o povo?
Sabe que o amamos? O povo cala-se. E que silêncio!
Cena 2 – a visão do trono
Eu vou contar o que eu vi... Só me prometa que não vai suicidar depois disso...
---Eu vi um trono no topo da montanha, e dele saíam relâmpagos e trovões. Um
príncipe estava assentado nele com sua coroa e seu cetro. Sua mão ordenou que eu
me aproximasse dele. Eu me postei diante de sua face. Ele me estendeu o cetro; eu
o peguei e me sentei. Ele se ergueu e disse-me, “senta-te onde eu estava
assentado”. (Senta, muda a energia, diz o texto em buoyance, como se estivesse
navegando em um barco)
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Então eu vi o mundo girando lá embaixo. Loucura porque ver? Ali ao lado, além ali,
ao lado ao longe. Ali mesmo. Exércitos preparados, prontos para lutar entre si.
Soldados! Não batalheis pela escravidão! Lutemos por um mundo novo...Só
tormento por todos os lados (Cai do trono).
--- O tempo está próximo... Morte... Fome... Sede... Frio... Agonia... Terremoto...
Desespero... Aquecimento global... Incêndio... Enchente... Doença...
(Interferência de estática de rádio, ela tenta sintonizar uma das carcaças de
computaodr e falar com alguém) Houston we have a problem. Não vai sobrar pedra
sobre pedra! Apartamento sobre apartamento! Prato sobre prato! Lata sobre lata!
Moeda sobre moeda! Família sobre família! As palavras vão perder o significado.
Aos que me podem ouvir eu digo: Não desespereis! Houston? (O rádio sintoniza a
música da Madonna “Four minutes to save the world” a qual ela dança).
Cena 3- a visão do anticristo.
Como um homem assegura o poder sobre o outro? Fazendo-o sofrer. Poder é
causar dor e humilhação. Queres uma visão do futuro? Eu vi um homem muito
simpático dizendo coisas muito bonitas de se ouvir ele vai falar sobre a paz mundial,
mas ele quer poder. Imagina uma bota pisando o rosto humano para sempre. O
anticristo pisará o mundo. Ele só quer poder e poder significa estraçalhar a mente
humana e reconstruí-la com o nosso molde. (mostrando um esqueleto). Esse
homem vai se assentar no trono de Deus querendo parecer Deus, querendo ser
adorado como Deus... mas ele não é Deus.
Crer ou não crer? Receber ou não receber um número na testa? Ser ou não ser
condenado? Morrer... Dormir... Mais nada... Talvez sonhar... Mas não sabemos que
sonhos poderão trazer o sono da morte - terra desconhecida de cujo âmbito,
ninguém ever ever ever came back jamais voltou... (beija o esqueleto, ouve-se um
toque de telefone).
Cena 4 - Tristeza
(Recebe uma ligação a cobrar) Alô, Hannah, estás me ouvindo? Onde te
encontrares, levanta os olhos! Hannah não tenho crédito. Aliás as minhas profecias
não tem crédito Jamais as profecias comunicam mensagens agradáveis aos mortais.
(Tentando achar uma saída) Por que me conduziu até aqui? Por que o caminho é
cheio de sinistras previsões? Sou maltratada como uma mendiga maltrapilha e
quantas outras provações já suportei... Sou falsa profetisa, das que vão bradando de
porta em porta? Se me dão crédito ou não, é indiferente. Que importa? O que tiver
de acontecer virá. Não está vendo? Ele virá numa nuvem...
(Ouve-se música do filme psicose) Torna a envolver-me o torvo turbilhão dos
ímpetos proféticos alucinando-me com seu refrão horrível. Desejo ainda dizer algo:
Cena 5- A Grande Tribulação
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A Grande Tribulação é a era da destruição, o tempo negro. (tira uma arma que lança
dardos de plástico, música rap ao fundo) O crime dominará as cidades, monstros
bebem sangue e dormem nas ruas. Os campos virarão desertos, O céu sugará as
águas. As águas engolirão as montanhas .A Terra, quente virará cinza. O vento e o
fogo castigarão o mundo. Virão os raios cairão as chuvas.. Anos de tormenta. Na
batalha final os que tiverem a marca da besta morrerão imediatamente. Já não vejo
o mundo. Já não há mais flores, nem pureza, só ambição, corrupção, comércio.
Cena 6- A nova Jerusalém
Ele vem, o Senhor dos Exércitos. O príncipe da Paz. Ele vem saltando sobre os
montes, seus pés são como latão reluzente, seu rosto é como o sol, tem o cetro de
ouro e a espada nas mãos. Quem vai ser marcado com a marca de fogo do Senhor?
Quem acreditou nele? Estamos saindo da treva para a luz! Venha para luz Caroline!
Vamos entrando num mundo novo – um mundo melhor, em que os homens estarão
acima da cobiça, do ódio e da brutalidade. Ergue os olhos, Hannah! A alma do
homem ganhou asas e afinal começa a voar. Voa para o arco-íris, para a luz da
esperança onde não há morte, nem clamor, nem dor, onde Ele limpará todas as
lágrimas dos nossos olhos e todas as coisas serão novas.
(Cai uma corda) Se você tivesse uma chance, uma oportunidade de ter tudo que
quisesse, um momento, você pegaria ou deixaria escapar?
Blackout. Ouve-se a música lose yourself do Eminem.