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Foi no dia 2 de Novembro de 1972, na Maternidade Alfredo da Costa,
em Lisboa, que a minha mãe deu á luz pela primeira vez.
Quando completei um ano de idade fomos morar para o Cacém na linha
de Sintra, até então vivia na Ajuda, em Lisboa.
Foi no Cacém, num prédio em plena Avenida dos Bons Amigos, que eu
fiz as minhas primeiras amizades. Naquela altura o Cacém era um local bem
diferente. Hoje, toda a evolução parece ter sido negativa, naqueles dias
qualquer criança podia ir brincar com segurança para a rua, os habitantes
circulavam sem grandes preocupações, o trânsito era pouco, ainda me lembro
de ver os meus amigos descer a avenida em corridas de bicicleta, hoje isso
seria impensável sem que ocorresse um acidente.
A 09 de Agosto de 1976 nasceu a minha irmã, que se chama Sílvia e era
uma bebé muito bonita, ainda o é hoje.
A minha mãe conta que eu a queria ajudar a fazer tudo, mudar fraldas,
dar biberão etc. Sempre tive uma relação muito próxima com a minha irmã,
ainda hoje somos as melhores amigas. Passámos por um problema de saúde
(o qual vou falar mais à frente), que nos uniu ainda mais.
Aos cinco anos fui estudar para a escola primaria do Cacém, entrei mais
cedo pois só completava os seis anos no inicio de Novembro, era uma escola
pequena, pré-fabricada, toda em madeira, muito aconchegante.
No ano seguinte mudei para uma escola maior, não foi difícil a
adaptação, a turma manteve-se, o espaço era diferente, mas o acolhimento era
o mesmo.
O Magusto no dia de São Martinho é uma das lembranças que guardo
com saudade. Era muito divertido, cada criança levava um saco com
castanhas, e as auxiliares cosiam uma parte e assavam as restantes numa
fogueira que faziam no exterior da escola, onde nós brincávamos na hora do
recreio.
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Completei a quarta classe nesta escola, passei para o quinto ano e para
a Escola António Sérgio, que frequentei até ao oitavo ano, altura em que mudei
de casa para Massamá e consequentemente para uma nova escola, desta vez
foi a Escola secundaria de Massamá, hoje denominada de escola Miguel
Torga.
A experiência da mudança foi algo complicada para mim, sentia falta dos
meus amigos, pois tínhamos uma relação muito próxima. Depois da escola e
aos fins-de-semana estávamos sempre todos juntos, a diversão e as
traquinices estavam garantidas.
Aqui, não conhecia ninguém nem tão pouco o local, era longe de tudo,
ficava um pouco isolado. Se quisesse ir a algum lado, o meu pai tinha que me
levar de carro, ou então a caminhada ia ser grande. As estações de comboio
mais próximas eram Barcarena e Queluz, ambas distavam mais de dois
quilómetros. A urbanização era nova e ainda pouco habitada. Hoje está tudo
muito mudado, construíram uma nova estação de comboios perto da
urbanização, uma bomba de gasolina e um McDonalds, todos os sábados é dia
de feira, vem gente de todo o lado, a feira é muito concorrida, a confusão para
estacionar é enorme, tornando muito difícil a circulação automóvel, o que nos
aborrece bastante, sempre que precisamos sair de casa, é um problema.
Andei na escola secundária de Massamá até ao 9ºano, após terminá-lo,
optei por frequentar um curso técnico-profissional de restauração, que dava
equivalência ao 12ºano e uma saída profissional na área da indústria hoteleira,
na Escola Profissional de Hotelaria de Lisboa.
Certo dia, numa visita ao Hotel Méridien, depois de algumas horas em
pé, enquanto esperávamos o inicio da visita á cozinha do hotel, comecei a
sentir fortes cólicas renais, tendo mesmo que abandonar o local e regressar a
casa. A viagem pareceu-me uma eternidade, pois as dores eram tantas que eu
rebolava no banco do comboio, sem posição para estar.
Os meus pais chamaram um médico a casa que me deu uma injecção
milagrosa e aconselhou-me a ir ao médico de família, no dia seguinte. E assim
fiz, fui a uma urgência ao Centro de Saúde. A minha médica de família
mandou-me fazer várias análises e uma eco grafia renal.
O diagnóstico não foi o mais animador, porque foi-me detectada uma
insuficiência renal crónica.
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A partir deste dia, a minha vida virou um tormento, pois vejamos que não
era uma notícia e uma situação muito fácil de lidar para uma rapariga com
apenas 18 anos. Infelizmente, devido a este problema, fui forçada a abandonar
o curso no final do primeiro período e não tive ânimo para o retomar.
A partir dessa altura comecei a ser seguida no Hospital de Santa Maria
por um médico especialista em Nefrologia, o Dr. José Barbas, um médico muito
conhecido e conceituado no meio. Foi o Dr. Barbas que me explicou tudo sobre
a doença e quais os tratamentos existentes. Doença essa que tanto eu, como a
minha família desconhecíamos, e digamos que não gostámos nada de ficar a
conhecer. Desde essa altura passei a fazer uma dieta muito rigorosa (pobre em
proteínas animais) e a tomar a medicação adequada, que actuava de forma a
retardar a ruptura dos rins e consequentemente a entrada em diálise. Esta
doença é crónica, não tem cura, apenas tratamentos que além de dolorosos,
são uma prisão e o transplante renal (transplante esse que é a tábua de
salvação de muitas pessoas, mas a lista de espera é enorme).
E foi assim que os hospitais, os médicos, análises e exames passaram a
fazer parte da minha vida, com bastante regularidade. Esta situação ainda
durou aproximadamente dois anos.
Entretanto o inevitável aconteceu, chegou o dia que eu tanto receava e
consequentemente a Hemodiálise (tratamento que consiste na purificação do
sangue, que está contaminado pelas toxinas que nós ingerimos diariamente,
através dos alimentos e das bebidas, tudo isto devia ser libertado pela urina, ou
seja a função desempenhada pelos nossos rins) passou a fazer parte na rotina
da minha vida.
Este tratamento é feito com uma máquina própria, que tem um filtro (este
filtro tem a mesma função dos nossos rins), por onde passa o nosso sangue
para ser purificado, este sai do nosso organismo por uma agulha que é inserida
na veia, entra no filtro e através de um circuito volta a entrar no nosso
organismo, por outra agulha.
Este tratamento normalmente é feito 3 vezes por semana e tem a
duração de 4 horas cada sessão.
Ao fim de 13 anos nestas andanças, chegou uma notícia muito
desejada, que ao fim de tantos anos já não pensava vir a recebê-la.
Finalmente, no dia 27 de Novembro de 2008, por volta das 11 horas, estava eu
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a trabalhar, toca o meu telemóvel, do outro lado ouvi uma voz masculina, que
se apresentou como Prof. Dr. Fernando Nolasco do Hospital Curry Cabral. Fez-
me várias perguntas, entre elas, se eu estava bem de saúde, se não tinha
nenhum problema, etc. Após todo aquele inquérito, perguntou-me se eu queria
ser transplantada, à qual eu respondi que sim. Então, disse-me que tinha um
rim para mim, para eu ir a casa buscar uma malinha com as coisas mais
necessárias e ir imediatamente para o Hospital, porque ia ser transplantada.
Naquele momento senti o chão sair-me debaixo dos pés, as lágrimas caiam-
me, tremia imenso, não conseguia cair em mim, sem saber o que fazer. Depois
de tantos anos, a esperança já era muito pequenina e de repente aquela
notícia. Não conseguia acreditar, era um sentimento de alegria, angústia e
medo ao mesmo tempo.
Entretanto, ainda com os meus 18 anos, iniciei a minha vida no mercado
de trabalho. Comecei por trabalhar numa lojinha de brinquedos num Centro
comercial em Massamá, onde aprendi bastante.
Depois de alguns trabalhos, em 1997, comecei a trabalhar num clube de
vídeo, que tinha varias lojas, em vários locais, onde conheci o meu marido. Foi
uma situação muito engraçada, porque nós falávamos muitas vezes pelo
telefone, sem nos conhecermos. Enquanto, eu trabalhava na loja de Massamá,
ele trabalhava na loja da Amadora, contudo ele morava na praceta mesmo
atrás da loja onde eu estava. Eu gostava muito de falar com ele, e da voz dele.
Um dia, em que ele estava de folga, apareceu lá para nos conhecermos
pessoalmente.
Após esse dia, começámos a sair. Depois de vários encontros, iniciámos
o nosso namoro. Foi um namoro muito calmo que durou aproximadamente 4
anos, pois sempre nos demos muito bem. Então, começámos a pensar em
casar, e assim foi. Como todos os casais, a primeira coisa que fizemos foi
procurar casa. Não precisámos de procurar muito, e encontrámos uma casa
que ambos gostámos, mesmo ao pé da casa dos meus pais, mais
propriamente do outro lado da rua.
Por vários motivos, sempre quis ficar a morar ali. Um deles era o facto
de ser um sítio muito calmo, o outro era porque às vezes necessitava da ajuda
deles. Pois por vezes quando terminava o tratamento de Hemodiálise, ficava
um pouco debilitada.
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Entretanto, chegou mais um dia importante na nossa vida, a escritura da
nossa casa. Foi um dia muito feliz, ter na nossa mão a chave da nossa casa. É
um sentimento inexplicável, era o nosso futuro lar.
Mais tarde chegou a hora de tratarmos dos preparativos para o
casamento.
A escolha da data, a igreja, o vestido, a quinta, etc. tudo coisas bastante
difíceis de decidir, mas tudo se resolveu.
E lá chegou o grande dia, 7 de Setembro de 2002, muito nervosa, muito
cansada, mas bastante feliz. Após ter chegado do cabeleireiro, fui-me vestir e
lá veio uma das partes mais chatas, a sessão de fotos, antes da ida para a
igreja. Finalmente pusemos-mos a caminho, os carros todos enfeitados com
balõezinhos de cor Bordeaux, todos a buzinar e lá fomos nós, e a cada minuto
que passava, eu ficava mais nervosa.
Há chegada à Igreja Paroquial de Colares, onde se realizou o meu
casamento, tivemos que esperar, o casamento anterior estava bastante
atrasado. Enquanto esperava, dentro do carro, apercebi-me que a minha mãe
se tinha esquecido das alianças em casa. Se eu estava nervosa, ainda mais
nervosa fiquei, o meu pavor era imenso. Mas a minha prima com a sua calma,
pegou na minha amiga, e lá voltaram a Massamá para irem buscar as alianças.
Chegou a hora de entrar na Igreja, e eu tremia que nem varas verdes, o
meu pai que me acompanhava até o altar, tremia ainda mais que eu, não pela
mesma razão, mas sim por ser a primeira filha a casar.
Entrei na Igreja, e a marcha nupcial começou a tocar, sentia os olhares
focados em mim, podia ouvir o murmurinho das pessoas, que comentavam o
quão bonita eu estava (não era para me gabar, mas realmente estava muito
bonita). A sensação que eu estava a sentir naquele momento era única,
indescritível, apesar da angústia pela falta das alianças.
Finalmente, cheguei ao altar e aos braços do meu amor, o meu porto de
abrigo e a minha prima nada de chegar com as alianças, a angústia cada vez
era maior.
O Sr. Padre lá deu inicio à cerimónia, o tempo foi passando, a hora da
troca das alianças chegou e nada da minha prima aparecer. Bom, quando o
padre perguntou pelas alianças, alguém se levantou e disse: As alianças, não
há! Eu nem queria acreditar no que estava a ouvir, mas naquele momento um
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anjo caiu do céu. Perante esta situação, a minha cunhada ofereceu-se para
nos emprestar as alianças dela e do marido, e foi assim que concluímos a
cerimónia. Entretanto quando íamos assinar a papelada, a minha prima chegou
com as alianças, eu pedi ao Sr. Padre para benzer as alianças, e lá
procedemos à troca das mesmas. Finalmente, toda aquela angústia acabou e
por fim, tivemos um resto de dia muito feliz. E assim foi a peripécia que
sucedeu no meu casamento.
Um certo dia, estava eu na minha casa, quando o meu marido me fez
uma surpresa maravilhosa, chegou a casa com uma bolinha coberta de pêlo,
toda pretinha, com os olhinhos azuis, ainda de leite, era a coisa mais linda e
ternurenta que eu já tinha visto na minha vida. Olhei para ela, ela olhou para
mim e foi amor à primeira vista, peguei nela e logo ela se enroscou no meu
colinho.
Depois, pensámos que nome lhe devíamos dar, após várias sugestões,
decidimos que se ia chamar “Kiara”. Ela era tão fofinha e brincalhona, que era
muito difícil de lhe resistir. Hoje, a Kiara já tem 6 anos e é um membro da
minha família, “a filha que eu não posso ter”, sou capaz de fazer tudo por ela,
sem ela não sei como seria a minha vida, é a minha companhia, a minha
eterna amiga.
Em Novembro de 2008, quando fui transplantada, estava a trabalhar
numa empresa de comercialização de produtos de limpeza e higiene industrial.
Como estive muito tempo de baixa médica, devido ao transplante, quando
regressei ao trabalho tinha uma carta de rescisão de contrato de trabalho à
minha espera, e lá fui eu para o fundo de desemprego.
Entretanto durante o tempo que estive desempregada, através do Centro
Social de Queluz de Baixo, inscrevi-me no Centro Novas Oportunidades da
Escola Secundária Camilo Castelo Branco em Carnaxide, para terminar o 12º
ano pelo processo de RVCC, pois o Centro Social tinha um acordo com o CNO,
e as formadoras, iam lá fazer as sessões de apoio ao RVCC, mas as coisas
não correram muito bem, porque eu não tinha muito jeito para a escrita e tinha
muita dificuldade em me expressar. Também aproveitei para fazer um curso de
informática (apenas para ter o diploma, pois eu já tinha experiência de trabalho
nessas área) e o curso de Inglês nível I, esse é o meu problema “o Inglês”.
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Tive quatro meses no desemprego e entre respostas a dezenas de
anúncios e entrevistas, consegui um emprego numa empresa de logística e
transportes, como administrativa. Mais um contrato de seis meses e voltei ao
desemprego novamente, a facturação estava a baixar e as despesas eram
muitas, como fui a ultima a entrar, fui a primeira a sair.
Depois de me inscrever no IEFP da Amadora, fui ao CNO a Carnaxide e
a coordenadora sugeriu-me fazer um curso de dupla certificação, pois assim
tinha a oportunidade de terminar o 12º ano e obter uma formação profissional,
que seria uma mais-valia no mercado de trabalho. E assim foi após analisar os
cursos disponíveis, decidi-me logo pelo de Técnica de Contabilidade, porque
era uma área que eu sempre gostei e também é um complemento da minha
experiência de trabalho, pois quando abandonei os estudos, a área que eu
estava a seguir era administração e comercio. E assim foi, inscrevi-me no
Citeforma, no curso de técnica de Contabilidade, passei por duas selecções, e
aqui estou eu …… com o objectivo de terminar esta dupla certificação e entrar
no mercado de trabalho, espero que numa empresa conceituada e com um
grande futuro pela frente.