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AMBIENTE

                       Álvaro de Campos
                       (pseudônimo de Fernando Pessoa)


Nenhuma época transmite à outra a sua sensibilidade.
Transmite-lhe apenas a inteligência que teve desta sensibilidade.
Pela emoção, somos nós, pela inteligência, somos alheios.
A inteligência dispersa-nos, por isso é através do que nos dispersa
que nós sobrevivemos.
Cada época entrega às seguintes apenas aquilo que não foi.


Um deus, no sentido pagão, isto é, verdadeiro, não é mais que a
inteligência que tem de si próprio, pois esta inteligência que tem de
si próprio é a forma impessoal, e por isso ideal, do que é.


Formando de nós um conceito intelectual, formamos um deus de nós
próprios.
Raros porem formam de si um conceito intelectual, porque a
inteligência é essencialmente objetiva.
Mesmo entre os grandes gênios são raros os que existiram para sí
próprios com plena objetividade.
Viver é pertencer a outrem.
Morrer é pertencer a outrem.
Viver e morrer são a mesma coisa, mas viver é pertencer a outrem
de fora e morrer é pertencer a outrem de dentro.
As duas coisas assemelham-se mas a vida é o lado de fora da morte.
Por isso a vida é a vida e a morte a morte, pois o lado de fora é
sempre mais verdadeiro que o lado de dentro, tanto que é o lado de
fora que se vê.


Toda emoção verdadeira é mentira na inteligência pois não se dá
nela.
Toda emoção verdadeira tem portanto uma expressão falsa.
Exprimir-se é dizer o que não se sente.


Os cavalos da cavalaria é que formam a cavalaria.
Sem as montadas, os cavaleiros seriam peões.
O lugar é que faz a localidade.


Estar é ser.


Fingir é conhecer-se.
Álvaro de Campos sobre sensibilidade, inteligência e emoção

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Álvaro de Campos sobre sensibilidade, inteligência e emoção

  • 1. AMBIENTE Álvaro de Campos (pseudônimo de Fernando Pessoa) Nenhuma época transmite à outra a sua sensibilidade. Transmite-lhe apenas a inteligência que teve desta sensibilidade. Pela emoção, somos nós, pela inteligência, somos alheios. A inteligência dispersa-nos, por isso é através do que nos dispersa que nós sobrevivemos. Cada época entrega às seguintes apenas aquilo que não foi. Um deus, no sentido pagão, isto é, verdadeiro, não é mais que a inteligência que tem de si próprio, pois esta inteligência que tem de si próprio é a forma impessoal, e por isso ideal, do que é. Formando de nós um conceito intelectual, formamos um deus de nós próprios. Raros porem formam de si um conceito intelectual, porque a inteligência é essencialmente objetiva. Mesmo entre os grandes gênios são raros os que existiram para sí próprios com plena objetividade.
  • 2. Viver é pertencer a outrem. Morrer é pertencer a outrem. Viver e morrer são a mesma coisa, mas viver é pertencer a outrem de fora e morrer é pertencer a outrem de dentro. As duas coisas assemelham-se mas a vida é o lado de fora da morte. Por isso a vida é a vida e a morte a morte, pois o lado de fora é sempre mais verdadeiro que o lado de dentro, tanto que é o lado de fora que se vê. Toda emoção verdadeira é mentira na inteligência pois não se dá nela. Toda emoção verdadeira tem portanto uma expressão falsa. Exprimir-se é dizer o que não se sente. Os cavalos da cavalaria é que formam a cavalaria. Sem as montadas, os cavaleiros seriam peões. O lugar é que faz a localidade. Estar é ser. Fingir é conhecer-se.