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BANSHEE
OS GUARDIÕES
TRILOGIA DA SALVAÇÃO

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+ dia das mulheres.
2014. C. A. Saltoris
Capa
Aldemir Alves
Revisão
Cirlene Doretto
Diagramação
Selo Jovem
Sindicato nacional dos editores de livros / SP
Saltoris, C.A
1. Literatura estrangeira. 2. Fantasia
2. vendas: www.selojovem.com.br
CDD: 869.93
CDU: 821.134.3(81) -3
Copyright @ 2014.
É proibida a cópia do material contido nesse exemplar sem o consentimento
da editora. Esse livro é fruto da imaginação do autor e nenhum dos personagens e acontecimentos citados nele tem qualquer equivalente na vida real.
Direitos concedidos á Selo Jovem. Publicação originalmente em língua portuguesa comercialização em todo o território nacional.
Formatos digitais e impressos publicados no Brasil
ISBN: 978-85-66701-13-5
C. A. Saltoris

BANSHEE
OS GUARDIÕES
TRILOGIA DA SALVAÇÃO

selo jovem

Ribeirão preto - São Paulo 2014.
Prólogo

Em meio a mais densa das escuridões – em algum lugar no Universo – nasceu a mais bela das estrelas. A estrela desenvolveu-se, transformando-se em um
exemplar feminino de intenso poder, e apaixonou-se por uma outra versão de
si mesma que ao sair de seu corpo, tornou-se masculina. Os seres divinos entregaram-se um ao outro e deste ato nasceu uma infinidade de faíscas de energia que se espalharam pelo Universo, e por fim formaram galáxias, planetas e
dimensões paralelas. Estes seres, que outrora nada mais eram que meros focos
de luz, desenvolveram-se dando forma às mais diversas criaturas. Mas, à medida
que essas criaturas ficavam mais inteligentes, mais elas se questionavam. Queriam saber exatamente de onde vinham, de como haviam nascido e quem seus
Deuses, realmente, eram. Um dia, um destes filhos dos Deuses descobriu quanto
poder a criatura denominada Amor, da qual os Criadores haviam nascido, trazia
dentro de si; mas muito mais que isso, ele descobriu quanto poder os Deuses
Criadores tinham ao manter o Amor sob sua proteção. Uma rebelião foi iniciada.
O filho – que um dia havia feito perguntas demais – planejava entrar em guerra
contra seus pais para tomar e dominar o ser chamado Mãe Amor. Ele nomeou
a si mesmo Sanerán e fundou Deímanon, seu próprio reino, onde ele sozinho
podia ser deus; e então ele deu-se o título de Deus das Sombras. Auxiliado por
demônios e deuses menores, Sanerán travou guerra contra seus pais. Os Criadores prepararam-se da melhor maneira para proteger Mãe Amor de Sanerán,
pois eles sabiam que a divindade que tivesse o controle sobre tal criatura teria,
também, o controle sobre tudo o que vive, sobre todo o Universo.
A prisão do Deus das Sombras e seus demônios sucedeu aos Deuses da Criação após muitos milênios marcados por batalhas onde deuses, espectros, anjos
e demônios extinguiam-se uns aos outros. Sabendo que em Nitzará – o reino
dos Criadores – Mãe Amor jamais encontraria nem descanso nem proteção, os
Deuses puseram-se a caminho de Banshee, o planeta mais honroso que deles
nascera.
Em Banshee, a Grande Rainha – uma nobre do reino das Amazonas – selou
aliança com os Deuses e prometeu proteger o Amor da ganância do Deus das
Sombras. A Grande Rainha conseguiu convencer as demais rainhas – a das amazonas, a das fadas e a dos equinos – a juntarem-se a ela e aos Deuses na tarefa
de proteger Mãe Amor, e em uma grande festa foi celebrada na bela Cillighan.
Antes de deixar o planeta, a Grande Mãe criou os seres que tornar-se-iam o
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corpo de Mãe Amor: Nephumá e Anayún, os unicórnios. Ela criou também o
Triângulo de Poder que protegeria Cillighan de ataques mágicos e a população
de se deixar seduzir pela magia de Sanerán. Para criar tal escudo, ela precisava das
criaturas mais místicas e fortes que pudesse encontrar, então ela saiu à procura.
No planeta chamado Terra, ela descobriu Udyat, o Olho de Hórus; nas densas
florestas da ilha bansheeana de Glisscoil ela encontrou os Grandes Tigres Brancos, cujos poderes naturais eram a guarda e a proteção, e assim denominou-os os
Guardiões. Juntos, os tigres, Udyat e a Grande Rainha formavam a força que enfraqueceria Sanerán. Mas os três membros deste triângulo estavam diretamente
interligados e, se um faltasse, todo o princípio declinaria.
Tudo parecia em perfeita ordem, mas no exato momento em que o Triângulo
do Poder estava sendo fechado, uma onda da tão temida magia inimiga invadiu
o ritual; a consequência da interrupção foi que o triângulo agora não somente
serviria como proteção, como também abriria o portal que mantinha Sanerán
e seu reino cativos. Quando a Deusa percebeu o irreparável erro, ela decidiu
manter o segredo para si e criar uma chave que fecharia o portal novamente
quando chegasse a hora. Mas segredos não permanecem ocultos para sempre e
logo as pessoas em Banshee ouviram sobre a maldição e entraram em pânico.
Porém eles descobriram que a Deusa havia feito uma chave que salvaria a todos,
quando o resto fracassasse. Ao saber que a Grande Mãe, após a descoberta da
maldição, havia deixado uma última saída, os bansheeanos tornaram-se ainda
mais agradecidos e devotos a ela.
Em sua casa, na Floresta dos Sete Demônios, o mais leal dos sacerdotes
de Sanerán havia criado e enviado o feitiço que desgraçara a Grande Rainha
e seu Triângulo do Poder. Este homem era o poderoso fundador da Maleficus Animus, uma irmandade que jurara fidelidade eterna a Sanerán e prometera
entregar-lhe o objeto de seu desejo: a Mãe Amor. Por anos ele treinou seu exército e esperou o momento certo de declarar guerra à Grande Rainha. Ele queria
tomar Cillighan para si, libertar seu deus e entregar-lhe Mãe Amor, e com ela, o
controle sobre o Universo. Ele não obteve sucesso, mas havia ensinado aos seus
filhos tudo o que sabia, para que um de seus descendentes tivesse a possibilidade
de pôr seus planos em prática. Este descendente era Murtagh.
O hoje senhor da Maleficus Animus continuou a obra de seus antecedentes,
mas duvidava ter qualquer chance contra Cillighan e seu exército impecavelmente
disciplinado. Mas um dia ele recebeu a inesperada, e ao mesmo tempo agradável,
visita surpresa do príncipe Niall, que não conseguia viver com o poder da irmã
mais nova: Eleanor seria coroada Grande Rainha e isso feria os sentimentos de
seu irmão mais velho e mais vaidoso. O destino de Murtagh mudou arrasadoramente, e ele agora sabia: o grande dia aproximava-se.
Niall contou ao inimigo tudo o que ele precisava saber sobre o invencível
Exército Real; os guerreiros da Maleficus Animus desenvolveram melhores es6
tratégias, encontraram o ponto fraco do adversário e com a nova tática lhes foi
possível capturar a Grande Rainha Eleanor, em batalha.
Foram muitas as tentativas de resgate. Após muitos desentendimentos, as
demais rainhas de Banshee – a das fadas, a rainha das amazonas e a dos equinos
– decidiram retirar seus exércitos do Exército Real. Elas esperavam pelo dia em
que a Grande Rainha de direito retornaria e reformaria o Triângulo de Poder.
O caos em Banshee tornou-se incontrolável; o exército da irmandade
saqueava vilarejos, matava civis e infectava os povos com doenças mágicas. A
Chave virou lenda e o planeta, que um dia chegara a ser o mais bonito do Universo, perdeu tudo o que o tornava tão especial.
Só havia uma única esperança de salvar Mãe Amor de Sanerán: a princesa
Brianna; a filha de Eleanor que fora enviada a outro planeta para viver em segurança até o dia que precisasse retornar a seu mundo. Mas a princesa Brianna
crescera na Terra, e não fazia ideia da responsabilidade que tinha.

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PARTE I
A Grande Rainha

Capítulo I
Os primeiros raios de sol iluminavam a mansão branca.
Brianna desativou o despertador antes que ele começasse a soar. Ela já estava acordada fazia tempo, encarando o teto como se ele pudesse responder-lhe,
quase exigindo que o fizesse. Levantou-se lentamente, passou a mão pelos longos cabelos escuros e suspirou, enrolou-os em um nó desajeitado. A noite havia
sido péssima. Ela levantou e, a passos pesados, foi para o banheiro.
Ela entrou no cômodo de azulejos brancos, grande e iluminado, encaminhou-se a passos lentos até sua pia, o balcão que a envolvia era de mármore
claro e estava repleto de artigos de cosméticos. Olhou-se no espelho: a imagem
não era das melhores, os olhos fundos denunciavam a ausência de descanso. Ela
abriu a torneira da banheira e as cortinas, pegou seu creme de banho, no rótulo
dizia Momentos Relaxantes, e despejou seu líquido branco na água, enquanto
observava-a subir.
– Nada melhor que a boa e velha ironia. – disse ela, desanimada, e suspirou.
Brianna entrou na banheira, a temperatura da água estava agradável. Ela esperava que tomando um banho morno pudesse colocar sua mente em ordem,
mas a culpa caiu novamente sobre si. Agora estava triste outra vez. Jamais deveria ter falado tudo aquilo.
– O que foi que eu fiz? – ela se perguntou, chateada.
Fechou os olhos. A briga da noite passada passava como um filme por seus
olhos e tatuava-se em suas lembranças como a marca do ferrete em brasa na pele
do gado, causando-lhe fortes dores de cabeça.

– Nada. Não acredito! Não pode ser! – disse Brianna, em voz alta, enquanto
dava um murro na mesa.
Cleona preparava o jantar e olhava-a de relance. A moça estava sentada em
frente ao notebook, a cabeceira da mesa de frente para ela. A tutora não gostava
quando Brianna usava coques. Com os cabelos soltos você parece muito mais
doce, dizia a mulher sempre. Mas lá estava ela, usando seu coque e olhando
com ódio para a tela do computador. Assim ela parecia tão forte, tão sensual,
tão mulher. Talvez Iollan tivesse razão, já tinha passado mesmo da hora dela
descobrir a verdade. Mas embora Cleona soubesse da importância de Brianna,
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o seu egoísmo pessoal impedia-a de contar à moça aquilo que ela já lhe deveria
ter dito há muito tempo.
A impaciência de Brianna tirou Cleona de seus pensamentos. Ela balançava a
perna velozmente, em seu nervosismo excessivo.
– O que tanto você procura, minha flor? – perguntou a mulher, calmamente,
mexendo o molho na panela.
– O de sempre: a mim mesma. – respondeu Brianna, seca.
Cleona virou-se para ela, botou uma mão na cintura e com a outra se apoiou
no balcão atrás de si.
– Não entendi. – disse a mulher, confusa e preocupada.
Brianna respirou fundo e mirou Cleona.
– Há tempos… eu fui a um detetive particular. – confessou.
– Você o que?! – perguntou Iollan, entrando na cozinha pela porta do jardim.
Seus olhos fuzilaram Cleona. – Por que?!
– Porque durante toda a minha vida eu venho perguntando a vocês sobre a
minha origem e nunca recebo uma reposta decente, porcaria!
Brianna respirou fundo e voltou a falar, desta vez clara e pausadamente. Estava cansada e triste, como se aquela procura por respostas estivesse sugando
todas as suas energias.
– Nenhum de vocês me explica qualquer coisa. Por anos eu aceitei todas
as desculpas de vocês… Mas, se vocês não perceberam, eu não sou mais uma
criança. Eu não desejo ter pais heróis. Eu quero a verdade, seja ela qual for.
A ausência de uma identidade me incomoda, por isso eu decidi procurar um
profissional. Alguém que me ajudasse a encontrar algo sobre mim, algo que
vocês sabem e me escondem! Alguém que me ajude a descobrir de onde é que
vem essa droga desse dinheiro todo, por exemplo! Seria ótimo! – ela fez uma
pausa. – Mas… ele não encontrou nada. Absolutamente nada! Miraculosamente
eu não me encaixo em nenhuma árvore genealógica do meu sobrenome. Não há
primos, tios, avós… Ninguém! Mas, como eu, por motivos óbvios, já imaginava,
eu não nasci na Irlanda.
– Como assim? – perguntou Cleona, tentando demonstrar surpresa, o que
não deu muito certo.
Brianna perdeu a paciência.
– Olha para mim! – ela apontou para o cabelo, os olhos e a cor de pele em
gestos, que se não fossem em um momento crítico, seriam cômicos.
– Você tem a pele clara…
– Eu sou morena.
– Morena clara…
– Cleona!
– Você pode ser uma mistura, hoje em dia todo mundo é misturado que nem
vira-lata!
– Já chequei. Depois disso eu mandei fazer uma busca no sul da Europa.
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Só respostas negativas até agora. Me sobra ainda a América do Sul… Mas isso
pode demorar anos! – sua voz aumentou de tom – Claro, isso considerando cor
da pele e situações mais lógicas, porque eu posso ter vindo de qualquer lugar! E
é humanamente impossível que eu não tenha nenhum parente, nem hoje nem
ontem! Nenhum! Me diz, Cleona, o que foi que aconteceu com os meus pais?
Eles desapareceram no ar, é isso? Onde eles estão enterrados? – ela soltou um
riso surpreso de deboche. – Meu Deus, agora que eu fui perceber que eu nem sei
em que cemitério eles foram enterrados! Eu começo a me perguntar se há algo
de errado com eles. Eles eram traficantes? Ou quem sabe nem morreram! Me
abandonaram simplesmente!
– Brianna, não é assim tão simples… – disse Cleona, tentando explicar, já
extremamente nervosa. O cerco se fechava.
– Ah, não? – Brianna levantou-se e voltou a gritar. – Então me diga! Me diga!
Porque vocês são as únicas pessoas na droga desse mundo inteiro que podem
me esclarecer essa história!
– Eu…
– Vamos lá, Cleona, fale! Eu não sei o porquê disso tudo! Você está vendo
que essa coisa toda me consome e não me diz nada!
– Já disse… eu conheci sua mãe… ficamos amigas… Tudo aconteceu muito
rápido!
– Você percebe isso o que você está fazendo? Me diz, você percebe essa idiotice? – o ódio em Brianna crescia. – É exatamente disso que eu estou falando!
Você me diz qualquer porcaria, que você tirou não sei de onde! O que houve
no passado, Cleona?! Me diz, eu fui sequestrada ou o que? Você me pegou em
algum lugar quando eu ainda era um bebê! E existe uma mãe lá fora procurando
desesperadamente pela filha desaparecida por todos esses anos! Foi isso o que
aconteceu, Cleona? Fala alguma coisa!
– Para com isso! – dizia Cleona, aos prantos. – Ela só queria te proteger!
Brianna sentiu vontade de pular em seu pescoço e torcê-lo como o de uma
galinha. Ela sentia como todos os músculos de seu corpo tremiam e seu rosto
queimava de puro ódio. Ela falava mais alto e ameaçadoramente.
– Me proteger de quê? O que pode ser mais cruel do que essa falta de informação? Se eu posso confiar em você, me fale a verdade!
Cleona sentou-se em uma cadeira, pôs o rosto entre as mãos e começou a
chorar alta e amargamente.
Brianna olhou para Iollan, que assistira a tudo sem nada dizer. Ele também
devia respostas a ela, mas manteve-se calado, ignorando seu olhar sedento por
respostas. Ela saiu da cozinha enfurecida.
– Eu poderia ter te defendido, mas você mereceu. Eu sei o quanto você a
ama, mas você mereceu – disse o elfo à Cleona.
Brianna estava arrasada. Levantou-se e saiu da banheira, abatida. Ela secou-se
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e vestiu um roupão branco de seda. Ainda incerta de como iniciar uma conversa
com seus tutores, ela desceu as escadas e encaminhou-se para a cozinha. Ela
sabia que lá chegando logo encontraria seus pais de criação: Cleona e Iollan, um
casal de amigos de seus pais, que não eram um casal. Quando criança, Brianna
achava estranho que eles morassem juntos e não tivessem um relacionamento
afetivo, mas eles se entendiam bem e dividiam as tarefas em sua educação como
todos os outros pais. Com o tempo, ela deixou de se incomodar com o fato de
ter uma família não convencional. Brianna era órfã desde que podia lembrar-se.
Os dois empregados eram a única família que conhecia, por isso a briga com a
mulher a machucara tanto.
Ela já podia sentir o cheiro de café fresco e erva doce. Cleona preparava seu
chá favorito e seu tão amado café, provavelmente como pedido de desculpas. As
duas não eram muito boas nisso. Que ótimo! Um a zero para você, Cleona. Parabéns... – pensou Brianna um tanto envergonhada. E agora ela sentia-se ainda
pior! Ela girou os olhos, coçou a cabeça – como sempre fazia quando estava sem
graça – bufou, e entrou hesitante na grande e moderna cozinha.
– Que horror! – exclamou Cleona ao ver a outra entrar no cômodo, evitando
olha-la nos olhos. – Parece um fantasma!
– Obrigada, agora me sinto bem melhor. – respondeu Brianna, com o humor
que lhe era peculiar, buscando coragem para tocar novamente no assunto da
noite anterior.
Era complicado para ela admitir qualquer coisa para Cleona. Brianna sabia ser, às vezes, muito estúpida, mesmo assim tinha seus problemas em pedir
desculpas. Frequentemente, ela sentia-se sufocada com o cuidado excessivo que
a mulher tinha com ela. Era cansativo. Quando criança, ela mal levava um tombo, e já vinha correndo a criatura pequena e redonda, com seus cabelos de fogo,
lágrimas nos grandes olhos verdes e um pacote de primeiro socorros nas mãos.
Contudo, Cleona era sua mãe e Brianna sempre sentia-se culpada quando
perdia o controle e berrava com a mulher.
Iollan entrou na cozinha pela porta do jardim.
– Criança! Você está com cara de quem viu o monstro do armário! – disse
ele, tentando amenizar o clima na cozinha, o que não funcionou e só tornou a
situação ainda mais constrangedora.
– É incrível a capacidade que vocês têm de fazer com que eu me anime! –
disse Brianna com um sorriso fosco nos lábios, andou até a geladeira, abriu-a,
pegou uma maçã e mordeu.
Era sempre assim, toda vez que Brianna e Cleona brigavam, ele aparecia
e acalmava os nervos. As duas eram como dois fios desencapados: quando se
encostavam, dava curto. Elas amavam-se, mas eram tão parecidas que a convivência se tornava, muitas vezes, difícil. Brianna era geniosa, Cleona chorona.
Brianna gritava, Cleona ia reclamar com Iollan; Iollan ia conversar com Brianna
e ela se acalmava. Ela era a típica menininha do papai, com a mãe ela debatia,
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com o pai ela amolecia. Em todo lugar que ele ia, ela ia atrás. Eles iam fazer
compras juntos, cuidar do jardim, iam ao banco, às aulas de boxe, de esgrima, de
hipismo. Não importava para onde, ela queria que ele fosse junto. E sofria toda
vez que ele ia visitar os parentes na Austrália e nunca a levava. Isso a deixava
com ciúmes, ela pensava se ele tinha filhos lá que lhe eram mais importante
que ela, ou pior, filhas! Iollan era a única pessoa no mundo da qual ela tinha
ciúmes. Quando era criança, ela não gostava que ele desse muita atenção para
as outras crianças, fosse nas reuniões e eventos da escola, fosse nas festinhas
de aniversário em casa; quando ela cresceu a situação só piorou, pois Iollan era
um homem que atraía olhares femininos. Na escola, eram as mães divorciadas
das amiguinhas que o rondavam como abutres ao moribundo; na faculdade,
eram as próprias amiguinhas que tentavam chamar a atenção do pai sorridente,
descolado e solteirão de Brianna, que tinha olhos verdes, corpo atlético e cabelos
louro-cinza, que lhe caíam sobre os ombros, macios como seda. E ainda ficavam
se apresentando para ele feito gataria no cio. Ela costumava levar amigas para
dormir em casa, até que quando tinha uns vinte anos, em um julho extremamente quente, pegou uma das meninas andando pela casa em caleçon e camiseta
regata – sem sutiã, obviamente – no meio da noite para ver se topava com ele pelos corredores escuros da casa ou até mesmo se encontrava seu quarto. Quando
Brianna a flagrou, ela disse ter ido beber água. Até parece! Estava mais do que
estampado na testa da sonsa que ela estava atrás de Iollan. Seu primeiro impulso
foi puxar a garota pelo cabelo e colocá-la para fora de sua casa, assim, seminua
do jeito que estava. Mas ela preferiu trancar a porta de seu quarto quando elas
voltaram para dormir, e esconder a chave embaixo de seu travesseiro. O projeto
de Lolita nunca mais foi convidado para passar a noite na mansão. E que elas
todas tirassem as patas sujas de cima dele. Afinal, ele era o primeiro homem de
importância em sua vida: seu pai!
Hoje, na idade que tinha, Brianna já não tinha mais ciúmes dele e nem ficava
tentando lhe arranjar a mulher ideal; mas ele ainda exercia sobre ela o efeito

calmante.
Ela encostou na porta da geladeira e pousou seu olhar sobre Cleona. A mulher não a fitara em nenhum momento, Brianna estava incomodada e resolveu
falar.
– Você chorou a noite toda, não é mesmo?
Cleona nada disse. Brianna foi até ela e abraçou-a. Ela sentiu os braços redondos da mulher apertarem-na com força. Seu coração doeu e a garganta apertou, mas ela preferiu não chorar. Brianna nunca gostara de chorar. Ela afastou a
mulher delicadamente de seu corpo.
– Cleona… Eu… Eu sinto muito. Não queria te machucar. Você tem sido
minha mãe por todo esse tempo... – os olhos de Brianna encheram-se com lágrimas que ela ignorou. – Mas eu me sinto perdida. O que eu estou fazendo, essa
história de procurar um detetive, é absolutamente normal. Eu quero ser uma
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pessoa segura, não foi isso que você sempre desejou de mim? Você sabe que
eu vivo entre realidade e fantasia, tendo que lutar dia após dia contra as minhas
alucinações. O fardo está pesado demais. Eu preciso de respostas. Eu preciso de
uma solução.
– Você anda tendo aqueles sonhos estranhos novamente? – perguntou Iollan, que estava sentado à mesa, tomando seu café. Ele lançou um olhar indignado para Cleona.
Brianna suspirou.
– Às vezes... São sempre os mesmos. Eu, sinceramente, não sei mais o que
fazer. Eu já não sei quando estou acordada ou ainda dentro do meu mundo de
sonhos, vocês acreditam nisso? É estranho e assustador! Tento me concentrar
em outras coisas, ocupar a minha mente de algum jeito, mas não resolve. Tomo
os meus remédios regularmente…
– Você ainda toma? – perguntou Iollan, cortando-a. – Eu já falei…
– É, eu sei, eu sei. Mas como é que você quer que eu controle a esquizofrenia, Iollan? Você tem uma ideia melhor? – ele não respondeu. – Foi o que eu
pensei. Então, a terapia não está surtindo efeito; os remédios são a única coisa
que, realmente, me ajudam! – ela deu uma última mordida na maçã, jogou o
resto no lixo e recomeçou – Além do mais, o Dr. Ackman disse que eu estou fazendo grandes progressos! Por causa dos medicamentos eu não tenho sonhado
mais com tanta frequência. O cara entende de remédios, temos que admitir. – ela
fez uma pausa. – O que eu quero dizer com esse falatório todo é que eu acredito
que o meu problema é a minha identidade, ou a falta dela. Tenho certeza que
essa história não esclarecida sobre o meu passado influencia a esquizofrenia e
piora o meu caso. Se eu soubesse de onde eu venho, quem os meus pais foram,
eu poderia talvez lutar melhor contra a doença... Ah, nem eu sei, viu!
Iollan levantou e pousou sua xícara vazia no balcão.
– Nunca mais use essa palavra, Brianna! Você não é doente!
Os olhos de Brianna brilharam com as lágrimas que ela, mais uma vez, não
deixou cair. Ela andou apaticamente até a porta do jardim, suspirou e olhou para
o céu.
– Por que é que não chove hoje? A chuva muito me convém hoje... – ela fixou
o olhar no azul acima de sua cabeça, de repente, ela entrou em transe. – Namtú
Êntí! – disse ela sem perceber. Ela girou os calcanhares e sentou-se pesadamente
em uma cadeira. – Eu não quero mais ver essas criaturas estranhas. É um saco
isso; é cansativo. Eu quero ficar saudável.
Cleona evitava o olhar de Iollan. Um barulho vindo do céu cortou o silêncio.
O trovão veio inesperadamente.
– É chuva! – disse Brianna sorrindo. – Inacreditável!
A chuva caiu pesada. Brianna correu para o telefone.
– Até quando ela vai ficar controlando o tempo? – perguntou-se Cleona.
Iollan balançou a cabeça negativamente para ela. Brianna subia a escadaria
13
com o telefone na mão.
– Alô? Anelise? Brianna. Você viu que chuva? Aquela aula ao ar livre, com
certeza, não vai rolar. Estou ligando para dizer que não vou à faculdade hoje.
Certo. Tchau.
– Você entende agora? – disse Iollan irritado à Cleona.
Cleona debruçou-se, contrariada, na pia.
– É isso que você quer? Que ela continue a achar que é doente? Ou, melhor
ainda... Você quer que ela acabe se perdendo em uma dessas viagens mentais e
nunca mais volte? Você ainda se lembra do que aconteceu há um mês?
A mulher estava calada, mergulhada em pensamentos. Claro que ela se lembrava. Aliás, jamais se esqueceria:

A lua brilhava e parecia ainda maior que o normal. Noites de lua cheia preocupavam Cleona. Brianna sempre demonstrava um comportamento estranho
quando a lua estava cheia, ela ficava sempre agitada e ansiosa. Já passara muitas
noites ao lombo de seu cavalo, cavalgando pelos arredores. Mas não naquela
noite; naquela noite a moça estava cansada.
Cleona passava pela porta do quarto de Brianna quando ouviu:
– Eu não sei se devo ir…
A resposta da outra pessoa, ela não pode ouvir. Brianna voltou a falar.
– É mesmo necessário que eu vá?
Cleona encostou o ouvido na porta do quarto, ela não quis simplesmente entrar, podia ser que Brianna tivesse trazido uma amiga para passar a noite na casa,
ou poderia ser um rapaz... Ela preferiu ficar onde estava e escutar.
– Não… eu não posso ficar lá… Eu tenho coisas a fazer aqui… Como assim
eu sou mais importante lá?
Brianna falava pesada e pausadamente. Ela dormia, quanto a isso não restava
dúvidas. A mulher já imaginava quem viera fazer uma visita as tantas horas da
madrugada. Ela abriu a porta com um só movimento brusco. Lá dentro ela viu
exatamente o que esperava ver.
A noite soprava uma brisa fria para dentro do cômodo. O quarto estava intensamente iluminado pela brilhante luz azul da lua, o que lhe dava um aspecto
fantasmagórico.
O foco de luz lilás envolvia o corpo de Brianna, que levitava sobre a cama.
– Cleona, você demorou a aparecer desta vez... – disse a voz jovem feminina,
debochada.
– Deixem-na em paz. – disse Cleona em um misto de raiva e medo.
– Ela não está em paz. – respondeu a voz. – Ela conversa conosco.
– Há quanto tempo vocês voltaram a entrar nos sonhos dela? Vocês sabem
que ela está frequentando consultórios de médicos humanos de cabeça por causa
dessas aparições de vocês! Ela toma remédios!
– A culpa não é nossa! – disse a voz, mais irritada. – Você parece ignorar
14
completamente a importância da princesa Brianna para nós! Ela tem que voltar!
As coisas estão muito piores por aqui, a hora se aproxima. Precisamos fechar o
Triângulo e....
– Eu direi a ela.
– Dirá sim, claro que dirá… Mas, quando isso acontecer, já estaremos todos
perdidos!
O corpo de Brianna direcionava-se lentamente para a janela.
– O que você pensa que está fazendo, Eachna?!
– Eu vou mostrar a ela o mundo de onde veio, o mundo para o qual precisa
voltar!
– Não vai!
– Você não nos deixou escolha, Cleona!
– Eu falo com ela.
Ao ser acordado por vozes, Iollan decidiu levantar-se. Ao ver uma luz lilás
brilhar no fim do corredor, ele correu até lá. A luz vinha do quarto de Brianna,
ele entrou rapidamente e viu que sua filha fora mais uma vez enfeitiçada, e, mais
uma vez, uma feiticeira de Cillighan tinha ido até a Irlanda atrás dela.
– Iollan! – exclamou Cleona aliviada.
– Eachna… É você?
– Claro que sou eu, Iollan. Eu não costumo mudar a cor da minha luz. – disse
a voz, rindo amigavelmente.
– Há quanto tempo está na Terra? Volte antes que perca energia demais! –
disse ele, preocupado.
– Eu sou bem treinada, e além do mais... é por uma boa causa.
– Você não pretende fazer o que eu acho que você pretende fazer, ou sim? –
ele perguntou cruzando os braços sobre o peito.
– Se com isso você quer dizer que eu estou levando Brianna para Banshee,
então você tem razão.
Nesse meio tempo, Cleona já tinha corrido até Brianna e agarrado um dos
braços pendurados da moça com seus dedos redondos e rosados. Iollan olhou
para ela e sentiu pena. Cleona chorava.
– Para mim, chega. – disse a voz, brusca.
A luz colocou Brianna lentamente de pé e a moça começou a andar em direção à janela.
Cleona tentava segurá-la, mas não era possível.
– Pare com isso, Eachna!
– Nós te avisamos, Cleona.
A passos tranquilos, a moça caminhava e repetia em seu transe a frase: “Eu
preciso ir.”
Iollan fechou os olhos e respirou fundo, ele cantarolava quase que num sussurro uma canção estranha. De repente, o ar no quarto ficou mais frio, a luz
da lua perdeu o brilho e Brianna parou imediatamente de se mover. A luz lilás
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brilhava mais fraca.
– Iollan, solte-a! Eu vou trazê-la de volta para cá, só quero que ela veja Cillighan!
– Eu sinto muito, Eachna, mas não desta maneira. Brianna já tem problemas
demais.
– Vocês foram longe demais. – disse a voz com forças renovadas, e a luz voltava a brilhar com intensidade. Brianna andava novamente, em direção à janela.
– Eachna! – chamou Iollan, de seu transe, sua voz ecoava. – Eu entendo a sua
raiva e sei que está coberta de razão... Mas eu te peço: não faça isso. Esse não é
o momento. Você é sempre tão sensata!
Brianna estava quase chegando à janela. Cleona congelara de medo e não
sabia mais o que fazer.
– Está certo, Iollan. Se você acha melhor assim, que seja.
Respondeu o foco de luz e Brianna virou-se e andava agora em direção a sua
cama.
– Eu espero que o susto tenha servido para que vocês aprendam a lição. –
disse a luz e desapareceu.
Brianna deitou-se na cama e dormia, como se nada tivesse acontecido. Iollan
desfez seu feitiço e encarava Cleona com feições enraivecidas.
Lembrar daquela noite deixou Cleona em estado depressivo. Ela sabia que
todos tinham razão, mas tinha medo de contar a verdade à moça. Ela limpou as
lágrimas das bochechas e concentrou-se nos afazeres de casa.
– Nós conversaremos sobre isso depois. – disse Iollan, saindo da cozinha.
Em seu quarto, Brianna pensava na sorte que ela dera com a chuva que caía.
Ela só teria essa única aula naquele dia, e não estava com vontade nenhuma de ir
até a cidade só por isso. A chuva era um presente, era quase como se ela mesma
tivesse feito chover. Ela não estava interessada em ouvir discursos de professores entediados que falavam a um bando de universitários ainda mais entediados; e isso tudo a céu aberto. No fundo, ela pensava em trancar a matrícula da
faculdade. De novo. Ela já tinha passado por todas as profissões pelas quais já se
interessou um dia. Ela já quisera ser historiadora, jornalista, artista plástica, arqueóloga, atriz, bibliotecária, revisora, personal trainer, e por aí vai. Um diploma
ela não tinha, ela nunca terminara qualquer faculdade, a profissão certa jamais
apareceu. Ainda assim, ela era culta; ela lia muito e aprendia com as pessoas
aquilo o que elas tinham para ensinar de suas experiências de vida, tivera todo
o tipo de emprego que um jovem poderia ter tido, e ela viajava. Viajava muito;
o mundo tinha sido para ela a melhor e mais importante escola que visitara. Ela
não sentia falta de ter uma profissão. Era um luxo que ela podia permitir-se;
era o lado prático de nascer rico: ela podia fazer o que bem quisesse, quando
quisesse, só precisava aplicar bem o seu dinheiro, e isso ela sabia fazer. Ao com16
pletar a maior idade, ela assumiu as reponsabilidades de cuidar de sua fortuna.
Brianna levava jeito para finanças e sabia estar financeiramente segura até o fim
da vida. Isso porque tinha muito dinheiro. Ela tinha dinheiro demais. Ela tinha
mais dinheiro do que precisava, mais até do que poderia gastar! Brianna tinha
todos os predicados para tornar-se uma moça mimada e fútil, mas mantinha seus
pés no chão. Ela fora criada para dar valor às coisas na vida que não tem preço,
que não são compráveis. Esse foi também um dos motivos pelo qual ela trabalhara tanto, ela queria aprender o quanto era necessário suar a camisa para pagar
as contas no fim do mês. E sempre que um determinado emprego ou chefe a
irritava, ela pedia demissão, viajava e procurava outro quando voltava para casa,
já fazia isso há anos. Muitas vezes ela pensava estar roubando trabalho de quem
realmente precisava do dinheiro para viver, mas ela conhecia muitos jovens que
preguiçosos o suficiente para pôr a culpa no sistema ao invés de levantar e colocar a mão na massa, esse conhecimento lhe aliviava a consciência.
Mas Brianna não conseguia decidir-se pelo simples fato de não precisar escolher uma profissão, ela tinha a sensação de ter que cumprir um destino para
o qual havia nascido, e ela sabia que não precisava sentar em uma cadeira de
faculdade para isto. Ela tinha uma tarefa importante para cumprir na vida, isso
ela sentia, só ainda não sabia o que era.
Ela estava de pé na janela, observando as grossas gotas d’água arremessaremse com violência no chão, de dentro das nuvens cinzas, que pareciam tão fofas
quanto algodão-doce. Ela sentiu cheiro de terra molhada, ela gostava dele. Com
o canto dos olhos, ela pôde ver que seu cavalo estava lá fora e fazia de tudo para
chamar sua atenção. Brianna sorriu ao notá-lo e perguntava-se quem havia deixado o animal sair do curral naquela chuva. Ela pensou em cavalgar e seu coração
se aqueceu. Ela gostava de passar suas horas com seu cavalo: Pegasus. Não, definitivamente não havia sido a ideia mais criativa de todos os tempos chamar um
cavalo branco de Pegasus, mas ele já tinha esse nome quando ela o conhecera
e o nome permaneceu. De alguma maneira, ela achava que o nome combinava
com ele. Pegasus era um belo cavalo forte e um ótimo ouvinte; sempre que ela
tinha problemas, ela ia até ele e falava. Ela não sabia como era possível, mas ele
passava a sensação de que ele a entendia e até mesmo a consolava. Mas ela só
gostava de acreditar que era assim. Quando criança, ela desejou várias vezes que
ele pudesse falar. Agora, lá estava ele, dançando na chuva e parecendo convidá-la
para uma cavalgada. Ela sorriu novamente, trocou de roupa e desceu.
– Aonde vai? – perguntou Cleona quando Brianna entrou na cozinha.
– Pegasus precisa cavalgar.
– Com essa chuva? E onde ele está com a cabeça?
– Em cima do pescoço, onde mais? Ele é um cavalo, Cleona!
– Muito engraçado!
– Até mais tarde. Não me esperem para almoçar!
Cleona quis protestar, mas Brianna já tinha saído pela porta do jardim.
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Mais tarde, na mansão, Cleona e Iollan brigavam.
– Cleona, a hora chegou! Para falar a verdade, Brianna já é até velha demais!
E ele tinha razão. Brianna completaria vinte e sete anos em pouco tempo
e era uma jovem adulta. Contar a ela sobre Banshee nessa altura da vida seria
muito mais difícil do que quando ela tinha dez anos. Cleona sabia disso, mas
ela não queria mandar sua menininha de volta para Banshee. Ela não podia. Só
de pensar nisso, seu coração doía. Quando Cleona pensou em argumentar ou
simplesmente deixar o local, como ela, muitas vezes, fazia, eles ouviram a porta
da casa abrir-se.
– Éamonn?! – exclamaram os dois, surpresos.
O velho alto entrou na casa e seguiu, sem dizer qualquer palavra, para o escritório. Cleona e Iollan seguiram-no, o que mais eles poderiam fazer?
Éamonn gostava do escritório na mansão, ele mesmo tinha-o decorado.
Havia muitos livros no cômodo. A menina tem que ler sempre, para que um dia

aprenda que ela mesma pode definir a diferença entre o que é certo ou errado
para si. Que pode e deve! Dizia ele a Cleona toda vez que ia visitar Brianna. O
escritório tinha a aparência antiga, com suas paredes revestidas em mogno e suas
poltronas de couro. Éamonn sentou-se pesadamente em uma delas. Iollan ficou
de pé e Cleona sentou-se hesitante em uma poltrona de frente para o feiticeiro.
O velho respirou fundo e encarou os dois por alguns longos minutos. Em seguida, ele tomou a palavra.
– Cadê a nossa menina?
– Cavalgando. – respondeu Iollan, serenamente.
O velho riu e sacudiu a cabeça.
– O bom e velho Pegasus. – disse ele. – Ele jamais a deixará desprotegida.
O silêncio reinou por outros longos minutos. Calmamente, Éamonn encheu
seu cachimbo com tabaco, que ele tinha trazido em seu sobretudo. Ele acendeu
o cachimbo, deu um trago e deliciou-se por um momento com seu bom fumo.
Então ele ficou sério novamente.
– Como ela reagiu?
Iollan ficou confuso.
– Reagiu a quê?
Cleona encarava o chão e estava pálida como uma vela.
– Você não contou a ela? – perguntou Éamonn tão apavorado quanto alguém tão tranquilo pode ficar.
– Contar o quê? A quem? Cleona, o que está havendo? – perguntou Iollan,
visivelmente perturbado.
– Já entendi, você também não sabe de nada… Então, meu caro, é melhor
que você se sente. – disse o feiticeiro a Iollan, sem tirar os olhos de Cleona. –
Depois da visita mais que desastrosa de Eachna à Brianna… Acreditem, eu não
sabia o que as feiticeiras da Roda estavam fazendo nos sonhos de Brianna, eu
jamais teria autorizado tal coisa. Mas eu confio plenamente em Eachna e, se
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ela acha que esse tipo de coisa é necessário, então ela tem razão! E o direito de
tomar essas decisões ela tem de qualquer maneira, porque ela é a líder da Roda
e porque ela é responsável por Brianna, em questões mágicas, como vocês bem
sabem. Mas não é para falar sobre isso que eu estou aqui.
Ele bufou e olhou para Iollan que tinha os dois cotovelos apoiados nas pernas e o queixo apoiado numa das mãos fechadas. O elfo já imaginava o que
ouviria, mas não queria acreditar, simplesmente, não queria.
– Bem, depois que Eachna esteve aqui eu descobri que Brianna ainda não
sabe de nada! Eu descobri que vocês mentem para mim! – Iollan quis protestar,
mas o velho fez um sinal com a mão para que ele se calasse. – Vocês mentiram
para mim. Os dois! Cleona, eu sei porquê, pelo menos acho que eu sei, e você,
Iollan, eu imagino que o tenha feito porque era muito importante para Eleanor
que Cleona pessoalmente contasse à Brianna que… Bem, que contasse tudo!
Iollan concordou um tanto envergonhado com um gesto de cabeça. Cleona
parecia ter olhado nos olhos de Medusa: não se mexia, nem respirava. O velho
revirou os olhos e continuou.
– Depois disso, eu precisei tomar decisões mais drásticas: eu anunciei a chegada de Brianna em Cillighan.
E agora Cleona moveu-se, somente para virar estátua outra vez. Ela olhou
para ele, arregalou os olhos, e foi só isso.
– Cleona, não me tire a paciência, você sabia disso! – disse o velho – Aednat
me disse que entregou o meu bilhete nas suas mãos.
Iollan também arregalou os olhos e girou a cabeça lentamente na direção da
mulher. Ela não se moveu.
– Foi necessário! – disse o feiticeiro. – Vocês estão na Terra e quase não
sabem de nada do que anda acontecendo conosco. Não é fácil acalmar o Conselho. Eles querem respostas. Eles querem que uma outra pessoa governe no lugar de Brianna. Mas nenhuma outra pessoa pode governar no lugar de Brianna,
porque… Ah, pelos Deuses, eu não preciso dizer isso a vocês! Vocês conhecem
a história de frente para trás e de trás para frente. – Ele deu um trago em seu
cachimbo. – Enda está mais difícil do que nunca, e ele quer ver a princesa ainda
este mês, senão eu não sei o que ele fará. Eu ainda sou respeitado, mas isso pode
mudar rapidamente. Eu não posso mais negar Brianna a ele depois de vinte e seis
anos! Brianna é adulta e é mais do que crescida o suficiente para tornar-se rainha.
Ela precisa conhecer seu povo, e mais importante que isso: seu povo precisa
conhecê-la. Em Anurá, a filha de Eleanor já não passa de uma lenda. Por isso
ela precisa partir imediatamente para Cillighan. É assim que o Conselho quer e
eu concordo que nós não podemos adiar sua coroação ainda mais! O momento
chegou! Ela não tem muito tempo para se preparar, a pobre menina. – Ele balançou a cabeça e tragou em seu cachimbo. – Este é o motivo pelo qual estou aqui:
eu vou contar tudo à Brianna e levá-la comigo de volta para Banshee.
– Então é isso… – Brianna estava encostada na porta; nenhum deles a havia
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visto ou ouvido. Nisso ela era boa: aproximar-se de mansinho, sem ser ouvida.
Leve como um gato. Ela tentava não rir. – É assim que vocês querem me pedir
desculpas? – perguntou ela, com um tom irônico na voz.
Éamonn levantou-se e Brianna não conseguiu mais segurar o riso.
– Desculpa – disse ela, eu não queria debochar do trabalho do senhor, eu fui
pega de surpresa, só isso.
Éamonn suspirou e olhou-a nos olhos. Tão linda como a mãe, pensou o
velho, satisfeito ao estar frente a frente com a moça depois de tanto tempo.
– Brianna, eu sou Éamonn Filho de Seihdja de Cillighan, Primeiro Conselheiro Real da Grande Rainha de Cillighan, capital do continente de Anurá do
planeta Banshee.
– Há! – Brianna riu. – E o que mais o senhor é? Um feiticeiro, por acaso? –
As vestes do velho a tinham impressionado.
– Exatamente. – respondeu ele.
Brianna riu novamente. Éamonn não era exatamente a imagem de um feiticeiro poderoso de um reino distante que ela tinha em mente; ela conhecia tais
feiticeiros de livros e eles eram sempre velhos de longos cabelos grisalhos e
ainda mais longas barbas brancas, mas esse aqui, bem, era velho também, mas
era negro e tinha cabelo e barbas curtas. O que era bem ousado, porque em terra
de Dumbledore e Gandalf, Morgan Freeman era, no mínimo, estrangeiro.
Ele olhava para ela e parecia sorrir com os olhos. Ele era tão simpático e
confiável, que Brianna quase quis acreditar nele.
– Certo, gente, eu vou entrar na banheira e deixo vocês discutirem a festa em
paz, eu vou fingir que eu não sei de nada. Prometo. Eu gostei do tema dessa vez.
Eu gosto de Fantasia – ela sorriu ternamente para os pais. – Obrigada, é fofo de
vocês fazerem isso.
Éamonn olhava confuso e irritado para Iollan e Cleona.
– Brianna, por favor, sente-se. Precisamos conversar. – disse o elfo.
Brianna sentia que a situação era séria. Uma energia estranha pairava no ar,
energia essa que ela tentava ignorar. Imediatamente ela parou de rir e sentiu o
coração doer, como ele sempre doía quando ela tinha medo. Ela olhou para Éamonn novamente; ela o conhecia de algum lugar, ela não sabia de onde, mas ela
o conhecia. Sua voz, sua aura, sua energia. Ela começou a respirar mais rápido.
Alguma coisa estava errada.
– Eu não quero sentar. – ela respondeu mecanicamente e olhava para todos
ao mesmo tempo, ela tentava esconder, mas estava em pânico.
Iollan bufou e procurou as palavras certas para começar. Ele a observava: ela
estava lá, imóvel, com as roupas e os cabelos molhados, parecia mais jovem. Ele
a amava como se em suas veias corresse o mesmo sangue. Ele sentiu os olhos
encherem-se d’água. Ele a havia traído, ele era seu pai e a havia traído. Ele jamais
poderia ter deixado as coisas chegarem a tal pé. Brianna era sempre cheia de vida
e escandalosa, parecia estar sempre feliz e parecia ser forte, mas ela não era. Ela
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era destruída por dentro e solitária; ela era tratada como uma pessoa com sérios
problemas psíquicos e ele deixara isso acontecer. Ela não sabia porquê exatamente o fizera, mas agora já era tarde demais para remorso. Os grandes olhos
castanhos de Brianna brilhavam à luz fraca do escritório, seus lábios estavam
secos e tremiam um pouco, ela tremia por inteiro. Ele quase podia sentir o cheiro
do medo dela.
– Você prefere que eu conte a ela? – perguntou Éamonn, amavelmente, ao
perceber o quão difícil aquela tarefa seria para o elfo. Ele contaria à sua filha
uma história tão absurda que ela pensaria ser uma piada de mau gosto, mas ele
teria que convencê-la de que era verdade e contar com a possibilidade que ela o
odiaria por isso.
– Não. – respondeu Iollan. – Esse é nosso dever… – ele pigarreou. Doía de
olhar para Brianna, mas era necessário falar. – Nanna — o apelido que ele dera
a ela quando era pequena —, desta vez nós não estamos planejando uma festa
maluca de aniversário.
Eles faziam isso todos os anos. Uma vez eles até chegaram a “roubar” seu
carro do estacionamento da faculdade para ganhar tempo de preparar a festa antes que ela chegasse em casa. As festas já haviam tido todo o tipo de tema, desde
princesas da Disney até Thriller do Michael Jackson. Para eles, era importante
que ela não precisasse se lembrar que era uma órfã no dia de seu aniversário. E
assim, a casa enchia-se todos os anos de jovens que celebravam sua vida.
Iollan deveria saber que ela pensaria exatamente nisso quando visse Éamonn.
Havia sido uma terrível coincidência que o feiticeiro estivesse ali no momento
em que ela voltava para casa. Agora ele precisava contar a verdade e esperar que
ela o odiasse.
Iollan respirou fundo.
– Nanna… os seus pais eram os Grandes Reis de um planeta distante chamado Banshee. Eles morreram na guerra. Cleona e eu fomos enviados com você
para a Terra, até que você estivesse preparada para retornar à Banshee e tornarse a Grande Rainha.
Brianna riu um riso quase inaudível, fino e desesperado. Ela não entendia
porquê, mas todos eles pareciam, realmente, estar falando sério. Ela temia viver
uma de suas alucinações misturadas com realidade.
– Cleona, o que está acontecendo aqui? – perguntou ela à mulher que nada
dissera durante o tempo em que ela esteve no escritório.
– É verdade, meu anjo… – disse Cleona e tentava não chorar.
– Por que vocês estão fazendo isso comigo? O que isso significa? Se isso for
uma piada…
Ela os olhava nos olhos, mas ninguém dizia qualquer coisa. Ela saiu do cômodo, pegou alguns calmantes na cozinha, vestiu a jaqueta e saiu para ter com
Pegasus no curral.
Éamonn sentou-se na poltrona novamente.
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– Ela nem sequer se lembra de mim… Essa história terá graves consequências para você, Cleona. Esteja certa disso.
Brianna tentava não pensar em nada. Ela não compreendia como seus pais
podiam fazer aquilo com ela. Ou eles não fizeram nada e ela havia tido uma visão
apenas? Sentia-se confusa e algo dentro de si a dizia que aquilo tudo realmente
havia acontecido, mas seu lado racional não permitia que ela aceitasse tal possibilidade.
Ela chegou até Pegasus e abriu a porta de sua baia para que ele saísse. Ela
ainda tremia. Cavalgar era a melhor coisa que ela poderia fazer agora. Ela precisava pensar com clareza. Ela teve medo de perder o juízo por completo. Então,
ela teve um ataque de risos.
– Mas se esse circo todo tem a ver com a minha festa, então esse Éamonn é
um ator e tanto!
– Éamonn não é um ator, Brianna.
A voz firme e aveludada, soou em algum lugar acima de sua cabeça. Brianna
levou um susto.
– Quem disse isso? – gritou ela, na esperança de também assustar a pessoa
que estava fazendo aquela brincadeira nada engraçada com ela.
– Eu disse, Brianna. Eu, Pegasus!
Brianna paralisou. O cavalo galopou alguns passos e ficou de frente para ela.
Ela não conseguia se mexer. Seus membros estavam congelados.
– Brianna, ouça… – continuou o cavalo.
Brianna via a fuça do animal se mexendo e soube imediatamente que ela
precisaria se internar em uma clínica psiquiátrica. E nisso em uma fase de sua
vida onde sentia-se tão saudável, ela chegou a acreditar que tinha chances contra
sua doença.
– Você não é real! Brianna, ele não é real! Lute contra isso! – dizia a si mesma
e tentava permanecer calma.
Ela ousou dar um passo à frente, mas o cavalo lhe bloqueava o caminho.
Brianna sentia seu coração bater mais forte e seu sangue esquentar nas veias. Ela
fechou os olhos e contou até dez.
– Brianna, por favor, me escute!
Ela viu a boca de Pegasus mexer-se mais uma vez. Lentamente, ela puxou
seus calmantes do bolso da jaqueta.
– Brianna, não faça isso! Olhe para mim, por favor. – implorou o cavalo.
Ela não queria chorar, mas não conseguia se conter, o medo deixou o sangue
em suas veias paralisar; ela suava frio e tinha a sensação de não poder respirar.
Ela conseguira passar pelo cavalo e andava lenta e insegura de volta para casa.
— C’anâ Raneiím sey’darniêssá ginín alen seynja Diszumá.
Foi o que o cavalo disse. Que a Deusa te proteja em todas as suas formas, foi
o que Brianna entendeu. Ela parou.
– Sabe por que você entendeu essa frase? – perguntou o cavalo. – É porque
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essa é a sua língua nativa. Agora, por favor, vire-se para mim, olhe nos meus
olhos e você saberá que é tudo verdade.
Ela assim o fez. Como que por magia, suas pernas levaram-na para perto do
cavalo. Ela olhava-o intensamente; tocou-o. Ela decidiu dar uma chance à sua
alucinação por um minuto. Era isso ou voltar para casa e entupir-se de medicamentos. Ela preferiu ficar.
– Então… você… fala? – disse ela, hesitante.
– Falo e…
O cavalo retirou as belas asas brancas de sua pele. Brianna assustou-se e deu
dois passos para trás.
– Você voa!
Ela estava tão impressionada com as asas de Pegasus que esquecera o quão
absurdo aquilo tudo era. Involuntariamente, ela sorriu. Um tanto amedrontada,
ela tocou-as. As asas eram reais e tinham a textura das asas de um pássaro. E
eram majestosas.
– Você é um cavalo alado, eu não acredito! – e então ela se deu conta: – Não,
não, não! Você não é O Pégaso, certo? O da Mitologia?
– O símbolo da imortalidade. Aquele que nasceu do sangue de Medusa quando esta foi decapitada por Perseu. – respondeu o cavalo, como alguém que contava a mesma história pela milésima vez. Ele soava entediado.
– Mas isso é impossível…
Na escuridão, a silhueta de Éamonn começava a aparecer.
– Imagino como deve estar confusa Brianna, mas seu povo precisa de você.
– Até ontem vocês viveram sem mim e agora vocês precisam de mim? Difícil
acreditar. – respondeu Brianna, ríspida.
– Seu medo justifica a sua hostilidade, filha.
Brianna não baixou os olhos, ela encarava-o e aguardava por respostas.
– Sua mãe, com certeza, não disse à Cleona para esconder de você quem você
é. Você é importante. Para o seu povo você é essencial, e para tantas outras coisas… Mas os segredos da guerra ainda não serão revelados para você, não por
enquanto. Há muito o que você precisa aprender. O melhor é que você venha
logo amanhã de manhã para Cillighan. Lá você aprenderá tudo o que precisa
saber.
Brianna quis responder, mas o feiticeiro cortou-a.
– Eu sinto muito que tenha que descobrir as coisas desta maneira, Brianna,
mas isso é quem você é e nada que você diga ou faça mudará isso. Eu te vejo
amanhã. Ah, não leve nada, você não precisará de nada deste planeta em Cillighan. Boa noite, Pegasus.
– Boa noite, Éamonn. – respondeu o cavalo e olhou para Brianna. Agora ela
já não mais estava amedrontada, agora ela estava com raiva.

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Capítulo II

As horas passavam devagar. O mundo de Brianna estava desabando. Do dia
para a noite se viu princesa de um planeta que ela julgava irreal. Tudo parecia
um de seus sonhos estranhos. Ela ainda temia que sua imaginação estivesse lhe
pregando uma peça. Ela custava a entender, e se fosse sincera consigo mesma,
ela saberia que no fundo ela desejava que tudo fosse um sonho.
O dia mal amanhecera e ela já estava de pé. Vestiu-se: uma calça jeans, uma
camisa pólo azul e botas pretas de montar.
Devagar, Brianna desceu as escadas. Ainda tinha dúvidas se o encontro com
Éamonn e as asas de Pegasus eram reais ou só um sonho. Desconfiada, ela
chegou ao jardim pela porta da cozinha. Lá fora, Pegasus a aguardava. Ela suspirou e olhou uma última vez para a mansão atrás de si.
– Minha linda, – era a voz de Cleona – me perdoe…
– Não há nada para perdoar, Cleona. Eu só quero ter certeza de que isso está
mesmo acontecendo.
Os dois só acenaram positivamente com a cabeça.
– Vocês não vêm? – perguntou Brianna, amedrontada. Mais essa agora. Sozinha em outro planeta. Que ótimo!
– Sim. – respondeu Iollan. – Éamonn vai mandar alguém para nos buscar.
Mas primeiro precisamos pôr “fim” à nossa vida terrena. – Ele piscou para ela,
com um olhar um tanto triste. Ele sentia pena dela.
As palavras de Iollan acertaram Brianna como um tapa. De repente, ficou
claro para ela que teria que deixar a Terra. Seu nível de estresse subiu. Ela respirou fundo e montou. Partiram. Pegasus aumentou sua velocidade e deu um salto.
Eles atravessaram um portal invisível e pousaram em Banshee. Tudo aconteceu
tão rápido que Brianna nem sequer se dera conta de que já se encontrava em um
outro planeta.
A mais do que curta viagem interplanetária deixou Brianna enjoada. Ela apertou os olhos, eles doíam. Estava quente em Banshee, o verão estava em seu
auge. O sol brilhava em Banshee de uma maneira diferente, mais amarelo, mais
suave, seu calor não agredia a pele como na Terra. O ar estava um pouco seco
e a brisa fresca era agradável. Brianna sentiu-se bem com o clima, ela detestava
umidade. Eles haviam descido em uma praia. Ela respirou fundo, sentiu o cheiro
da maresia e o gosto salgado das gotículas de água que vinham das ondas que
tocavam suas botas. Pegasus virou-se para o mar. Era lindo. Seu azul era intenso
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e suas águas cristalinas. Brianna pôde ver criaturas pulando da água no horizonte
e sentiu seu sangue congelar em suas veias.
– Não pode ser… – ela murmurou.
– Exatamente: sereias! – disse Pegasus. – O povo dos mares, com certeza, já
ouviram sobre sua chegada. Para ser sincero, eu acho que toda Banshee já sabe
sobre sua chegada.
Brianna tremeu. Ela olhou mais uma vez em volta. A praia estava deserta, a
areia era branca como farinha. Em algum lugar, bem longe, à sua esquerda, ela
viu um pequeno porto onde homens e mulheres trabalhavam. Ela viu pescadores aproximarem-se e entregarem as redes cheias àqueles que esperavam no
cais. Pegasus galopou lentamente para fora da praia. Brianna viu as montanhas
rochosas ao longe e os campos de plantações aos arredores daquele local que ela
não sabia como se chamava, mas ela gostava da paisagem.
– Pegasus, mas um dia você me conta melhor essa história de você ser uma
figura mitológica, faz favor? – perguntou Brianna, que já havia esquecido desse
detalhe mais que importante sobre seu melhor amigo e imaginava quantos anos
ele deveria ter.
O cavalo riu.
– Conto sim, conto sim… Os humanos são tão fáceis de manipular! E gostam de um boato, viu! Vou te contar! – ele bufou riu novamente.
Brianna foi obrigada a concordar e riu também. Por alguns minutos, ela conseguiu esquecer de seu destino e esqueceu também o seu medo de estar sonhando. Ela observava a paisagem literalmente fantástica de Anurá e começava
a admirar seu novo mundo.
– Prepare-se, Brianna. – disse Pegasus, que percebeu o quanto a moça estava
encantada com o lugar. – O que verá daqui para frente não será assim tão bonito.
– ele preferiu avisá-la.
Um frio desceu por sua espinha. Ela sentiu a mão invisível da responsabilidade, uma mão gelada, forte e violenta que envolvia sua garganta e a apertava.
Galopando devagar, Brianna pôde prestar atenção aos detalhes de seu mundo. Depois de passar por uma pequena floresta de árvores altas, ela entrou nos
domínios da cidade de Shanrúa. Uma imagem de horror encheu seus olhos: a
visão cinza das aldeias queimadas, janelas quebradas, telhados aos pedaços. A
cena a deixou petrificada. Lavouras inteiras destruídas. Homens tentavam recuperar o que sobrou delas com a expressão cansada da desesperança nos rostos.
Shanrúa era uma cidade relativamente grande, com cerca de doze mil habitantes, e era também uma das mais antigas e importantes do continente Anurá.
Sua principal fonte de renda era a comercialização da mercadoria produzida
pelos moradores da cidade, de Cillighan e pelos vilões do norte e centro-oeste
de Anurá. O mercado de Shanrúa era conhecido e disputado pelos moradores
do continente. Lá se encontravam as melhores curandeiras, os melhores tecidos
e os melhores artigos de cosméticos. Uma cidade bonita, com lagos, córregos
25
e gramados, muito alegre com suas famosas tavernas grandes e cerveja barata.
Shanrúa era também segura, com poucas guildas, que eram devidamente controladas pelos guardas enviados de Cillighan. Em Shanrúa também encontravam-se a Academia Shanruana de Magia Branca e a Academia Shanruana de
Armas e Guerra, onde muitos dos magos e soldados aprendiam suas profissões,
e onde outros estudavam para adquirir conhecimento básico e tentar uma vaga
nas academias de elite de Cillighan, a Academia Nitzariana de Magia e Alquimia,
e a Academia Nitzariana de Guerra e Armas.
Brianna preferiu não entrar em Shanrúa e sentiu-se aliviada que ninguém a
viu passar com Pegasus por detrás dos muros da cidade. Eles galoparam com
velocidade por mais ou menos uma hora. Brianna passara por lindas florestas e
vira ainda mais vilarejos destruídos ao longe.
Entrando nos domínios de Cillighan, a capital de Anurá e cidade da Grande
Rainha, ela foi obrigada a passar pelas áreas habitadas. Criaturas, algumas verdes,
outras muito pequenas, umas parecidas com seres humanos, outras com orelhas
pontiagudas, começaram a se aglomerar ao ver a moça que passava com roupas
estranhas.
– É ela! – uma mulher gritava com euforia. – É a princesa!
– Eu tinha certeza de que ela viria no tempo certo. Pelos Deuses! Como ela
parece a rainha Eleanor! – gritou uma outra, com os olhos cheios d’água.
– Princesa! – uma mulher gorda e pequena, que Brianna julgou ser um
duende, carregava uma criança vermelha nos braços. – Ajude o meu filho, alteza,
ele está doente, não sabemos que peste é essa. Por favor, princesa.
A moça não sabia o que falar nem o que fazer, estava assustada e triste com
tudo o que estava vendo. Pegasus galopava a passos incertos, tentando proteger
Brianna da população que já os cercava.
– Deixem a princesa em paz! – disse Pegasus com rispidez. – Ela visitará as
aldeias assim que puder, mas agora ela precisa descansar!
As pessoas tentavam tocar em Brianna, ela sentiu mãos agarrarem suas pernas e quis soltar um grito que lhe ficou preso na garganta. Pegasus relinchou e
assustou algumas pessoas que chegaram para o lado, ele aproveitou a oportunidade, apressou os galopes e levantou voo. Eles deixaram súditos saltitantes e
chorosos para trás. Brianna estava estática. Ela queria voltar para casa. Ela queria
que tudo fosse um sonho.
Longe de todos os curiosos, o cavalo desceu, seguindo até uma muralha colossal de pedras brancas. Os portões foram abertos às ordens de um guarda.
Foram recebidos por um homem sério que tentava esconder sua euforia. Ele fez
reverência a ela.
– Seja bem-vinda, princesa.
– Obrigada.
O cavalo entrou com a jovem, que pôde, finalmente, ver o que a esperava.
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A cidade era muito maior do que ela havia imaginado. Cillighan tinha cerca de
cento e noventa mil habitantes, era famosa por suas academias de elite, seus perfumes, pela disciplina de seus soldados e, claro, por ser o país da Grande Rainha.
Brianna viu-se em um grande pátio de entrada com caminhos de pedra clara e
algumas árvores decorativas. Haviam lâmpadas pelo caminho, tavernas, mercado
de rua, lojas e ruelas. Brianna estava cercada por prédios altos e limpos. Cillighan passava uma impressão organizada, tranquila e rica. Um pouco afastado
da entrada da cidade, sobre uma colina, estava o seu castelo. Imponente. Parecia
querer guardar a cidade. Ele era branco, tinha muitas torres e transmitia algo
acolhedor. A fachada fazia Brianna lembrar do castelo de Chambord, na França.
Brianna viu-se, novamente, cercada por súditos curiosos. Que não ousavam
soltar uma palavra sequer. Estavam quase que hipnotizados ao verem a moça de
roupas diferentes. Eles sabiam que ela era a filha de Eleanor, e ainda assim, nada
disseram. Pegasus cavalgava com a princesa em direção ao castelo, onde ela já
estava sendo esperada. Eles puderam perceber que a moça evitava seus olhares,
que ela tinha olheiras em volta dos belos olhos castanhos, que seus pulsos estavam brancos pela falta de sangue causada pela força excessiva com a qual ela
segurava as rédeas do cavalo. Ela parecia amedrontada e fingia segurança.
Brianna aproximou-se de seu castelo e uma coisa em sua fachada lhe pareceu
estranha. Algo vermelho ao redor da construção. Nem parecia fazer parte do
prédio.
Na frente do castelo, Éamonn estava à sua espera, com duas jovens aias. Ele
preferiu evitar uma comissão festiva para receber a jovem, ele sabia que ela teria
problemas em se adaptar. Brianna percebeu que as pessoas passavam por ela e
recebiam olhares ameaçadores dos soldados da guarda sempre que se aproximavam muito. A princesa era um tabu.
– Bem-vinda à Cillighan, Brianna. – disse o mago.
Ela sorriu cansada e forçadamente. Desceu do cavalo.
– Gostou de seu velho novo lar? – perguntou Éamonn, sorrindo.
– Muito. É… lindo. – ela apertou os olhos contra os raios intensos. – Só não
entendi aquela coisa vermelha e escamosa envolvendo o castelo.
Assim que a frase acabou, “a coisa vermelha e escamosa” desenrolou-se
das torres. Observando atentamente, Brianna acompanhava os movimentos da
coisa, curiosa. Ela soltou um grito ao ver a cabeça enorme e cheia de chifres
aparecer à sua frente.
– É! Eu sempre causo essa reação nas mulheres. – disse ele, com senso de
humor. – Permita que eu me apresente, princesa. Sou Bangus, seu criado.
Brianna andou dois passos para trás e encostou em Pegasus.
– Você é um… – disse Brianna, ainda ofegante.
– Dragão? Por certo que sim.
Bangus desenrolou seu corpo vermelho e pesado das pedras e pousou as
quatro patas gordas no chão à sua frente. Ele era um gigante. Abriu as asas, que
27
quase cobriram a luz do dia.
– Você é incrível! – exclamou Brianna, admirada e incrédula. – Cospe fogo?
– Só quando me esquento.
Ela riu.
– Bangus é um velho amigo, Brianna. – disse Éamonn. – Ajuda-nos a fazer
a segurança do reino há muitas gerações. Agora venha, vou te mostrar sua nova
vida. – ele olhou para as duas mocinhas demasiado entusiasmadas a seu lado. –
Essas são Dalyce e Edana, suas aias. Agora seguirei com você até seus aposentos
reais, onde poderá trocar de roupa, depois a esperarei para conversarmos sobre
tudo o que precisa saber.
– Eu também preciso descansar. – disse Pegasus. – Nos veremos em breve.
– Está certo.
Brianna beijou-o e entrou, um soldado acompanhou Pegasus até sua baia. A
princesa seguiu com Éamonn e as criadas para o interior do castelo. Brianna observava o lugar com atenção. Nos corrimões da escadaria principal, duas estátuas
de tigres brancos com a aparência espantosamente real, uma à direita e outra à
esquerda, sobre pilastras de mármore.
Um hall gigantesco, chão claro de uma pedra que Brianna não conseguiu
identificar. O teto era arqueado. Brianna subiu a escadaria coberta com um tapete vermelho. Lá em cima, ela encontrou um corredor que parecia não ter fim.
– Por aqui, princesa. – disse Dalyce, uma menina ruiva de uns quinze anos.
O parquet do corredor brilhava por debaixo dos tapetes à luz matinal.
Brianna engoliu a seco, e ainda que estivesse assustada, tudo lhe parecia estranhamente familiar. Edana sorriu-lhe amavelmente como se estivesse diante de
um ídolo. Ela tinha, aproximadamente, dezessete anos, branca, cabelos negros,
lisos e compridos. A garota era dona de um comportamento infantil e encantador que agradou a princesa.
As mocinhas abriram uma porta branca com detalhes dourados.
– Seus aposentos, alteza. – disse Éamonn.
Brianna entrou em um quarto que era muito parecido com o seu na Irlanda,
como pôde perceber. Cama de madeira, tapete vermelho no chão e as cortinas
em vinho. Só que o quarto em Cillighan era, pelo menos, quatro vezes maior que
o seu na mansão irlandesa. Ela viu uma tina de madeira posicionada no meio do
quarto, e percebeu que uma diferença relevante entre os dois era a falta de um
banheiro. Ela não achou esse fato nada engraçado.
– Brianna – disse Éamonn –, as aias te ajudarão a se banhar e se trocar.
Aguardarei você na Sala de Reuniões junto com membros do Conselho, onde
discutiremos as suas primeiras ações como princesa e a sua coroação. Nos vemos em uma hora.
Ele sorriu e saiu, fechando a porta atrás de si.
– Está certo. – respondeu Brianna, assoberbada.
– Deseja banhar-se, alteza? – perguntou Dalyce, compenetrada em sua fun28
ção.
– Claro. – respondeu Brianna, vacilante. Um banho não seria uma má ideia,
havia acordado naquela manhã e apenas entrado nas roupas, a água poderia
ajudá-la a assimilar melhor a situação.
As duas criadas começaram a despi-la, mas Brianna não gostou disso.
– Ei, ei, ei! Está tudo bem, eu posso fazer isso sozinha.
– De forma alguma, vossa alteza, – protestou Dalyce – isso é tarefa nossa.
Fomos ensinadas a…
– Entendo perfeitamente, mas há certas coisas com as quais eu não estou
familiarizada, e essa seria uma delas. Eu faço isso, pode deixar.
A menina sorriu.
– Como é a Terra, alteza? – perguntou Edana, curiosa.
– Edana! – repreendeu Dalyce, lançando um olhar furioso para a outra.
– Está tudo bem. Eu posso explicar, Dalyce. É esse seu nome, não é mesmo?
A mocinha abaixou a cabeça e acenou positivamente.
– Não precisa ser tão formal comigo. Até ontem nem sabia que era uma
princesa. Posso responder perguntas e conversar, como garotas fazem, pode ser?
No meu caso, como uma irmã mais velha.
Ainda de cabeça baixa, a menina ruborizou e sorriu de leve.
– Pois então, alteza, conte… Como é a Terra?
Edana parecia empolgada e alegre, e embora fosse mais velha que Dalyce, era
visivelmente mais imatura.
Brianna suspirou e tentou formular suas palavras. Explicar à alienígenas
como a Terra funcionava nunca esteve em seus planos. Ainda achando sua tarefa
um tanto estranha, ela quis ser educada e começou, sem saber exatamente o que
dizer:
– A Terra é um lugar estranho, sem dúvidas… Hmm… Bem, os seres humanos têm uma capacidade incrível de fazer a coisa errada. Se acham inteligentes
e evoluídos, mas estão destruindo o próprio planeta onde vivem. Criam máquinas impressionantes para chegarem a outros planetas, e nem sequer conseguem
diminuir o consumo de água. Gastam milhões em carros e joias, mas raramente
presenteiam alguém com um sorriso amigo. São egocêntricos e egoístas. Tem
também esse ou aquele terráqueo que tem um bom coração e acredita poder
melhorar a vida na Terra, e realmente faz algo para mudá-la, só que, sincera mente, eles são a minoria. Guerras e blefes também são constantes! Se matam
em conflitos religiosos e esquecem o verdadeiro significado de suas religiões. –
Ela suspirou. – É. Assim é a Terra – concluiu.
E era assim que Brianna via a Terra. Ela viajara o bastante na vida para saber
que havia mais humanidade lá onde não haviam condições, e mais condições lá
onde não havia humanidade. E isso já fora o suficiente para que ela perdesse a
fé nos homens. Ao fim de seu discurso, as meninas e ela mesma estavam em
silêncio. Elas haviam escutado que a Terra era bonita e os humanos inteligentes,
29
ou pelo menos, elas acreditavam que era isso que haviam ouvido. Talvez elas
simplesmente gostavam de acreditar que era assim, porque a Terra era o único
planeta que se parecia com Banshee e se a Terra ia bem, haveria uma boa chance
de que Banshee também ficasse bem um dia. Agora as suas esperanças estavam
abaladas.
No silêncio desconcertante provocado por suas palavras, o silêncio que tão
alto gritava em seus ouvidos, Brianna permitiu que as aias lhe despissem.
Ela ouvira histórias sobre seu mundo, enquanto as meninas lhe lavavam os
cabelos e massageavam sua pele com óleo de cheiro. Elas falavam sobre traições,
tentativas de golpe de estado, pobreza, fome, covardia e fadas. Triste, ela se deu
conta que a única coisa que a assustara nas histórias contadas por suas aias, foi
o fato de existirem fadas em Banshee. Porque o resto ela já conhecia de casa.

30
Capítulo III

– Então… Quais são as novas?
– A princesa retornou. – respondeu a voz de dentro do espelho que ele trazia
nas mãos.
– Mesmo? Interessante. E o que ela vai fazer? Tentar reunificar Banshee?
– Tudo indica que ela o fará.
– Compreendo…
O silêncio pairou por alguns segundos e ele pôde ver no rosto de seu espião
que ele estava com medo. Ele havia mudado desde que Éamonn anunciara o
retorno de Brianna.
– Agora eu preciso ir. – disse a voz.
– Está comigo, não está?
– Eu tenho outra escolha? – respondeu a voz em tom amargurado.
– Claro que sim, mas sabe das condições.
A imagem do espelho estava turva e o rosto não aparecia com clareza, ainda
assim, ele pôde ver o ódio crescer nos olhos de seu espião.
– Pode retirar-se. – disse ele finalmente.
Uma nuvem de fumaça apareceu dentro do espelho e desapareceu novamente. Agora tudo o que ele podia ver eram seus próprios olhos preocupados.
– Cass! – gritou ele.
Um homenzinho entrou correndo no Salão do Trono.
– Sim, majestade?
– Chame-me Bogart. Imediatamente.
– Como quiser, senhor.
O homenzinho fez uma rápida reverência e saiu correndo novamente pelos
corredores.
Pouco depois, um xian de quase dois metros de altura, pousou seus olhos nos
olhos do “rei” Niall.
Bogart e seu povo serviam à Maleficus Animus desde que foram rejeitados
por Nitzará e Deímanon, por serem frutos da união entre Elaniel e Lashtaróth,
um anjo e um demônio. A história desse romance inusitado teve início em meio
à guerra divina pela posse de Mãe Amor:

Os então anjos da Darinê al Teniânzará (Ordem da Salvação) lutavam in31
cansavelmente contra os demônios da Darinê al Seluranan (Ordem da Conquista), no vazio Lenarien alen Vaíquiren (Deserto das Perdições), em um planeta
não habitado, em uma galáxia distante.
De alguma maneira, durante as batalhas, Elaniel e Lashtaróth encontraramse. O que exatamente os atraíra permanecia um mistério, mas ambos acabaram
atingidos pelo sentimento pelo qual brigavam.
A paixão avassaladora promovera encontros cada vez mais arriscados; o perigo empolgante os tornava mais próximos dia após dia.
Por muito tempo conseguiram esconder o romance com sucesso, mas à medida que o amor de um pelo outro crescia, os cuidados diminuíam. E a desgraça
dos dois veio com o primeiro xian. – abreviação de xian’naró: mestiço.
No deserto, um bebê-monstro denunciara a relação de Elaniel e Lashtaróth.
Uma segunda guerra iniciara, agora pela honra de manter as raças “limpas”; o
neném bizarro foi aprisionado, e pela primeira vez, ambos os lados concordaram: a criança tinha que desaparecer. Num ímpeto de loucura, Lashtaróth
quis invadir a conferência entre os Deuses para rever seu filho. Mas acabou
sendo convencido por Elaniel a fugir. A criança foi morta. E assim que o desaparecimento de seus pais fora anunciado, os Deuses escreveram uma nova lei:
Os traidores jamais poderiam ser aceitos nem em Nitzará nem em Deímanon, e
xians deveriam ser caçados e exterminados.
Após milênios, a lei fora esquecida, – mesmo porque anjos e a raça de demônios a qual Lashtaróth pertencia foram extintos na guerra do deserto, – mas xians,
que misteriosamente continuavam aparecendo, ainda eram vítimas de preconceito. A aparência assustadora e a lenda vergonhosa de sua origem mantiveram
todos os povos afastados dos estranhos xians, até que um dia, em Banshee, sua
incrível força física foi descoberta por um membro da Maleficus Animus, que
ofereceu abrigo às solitárias criaturas em troca da aliança à irmandade.
Ao lado da Maleficus Animus, os xians sentiram-se respeitados, e decidiram
seguir os caminhos impostos por Sanerán, – ainda que soubessem que o Deus
das Sombras houvera proibido sua entrada em Deímanon. Mas o tempo cura
todas as feridas, e as lembranças que não são bem-vindas, vão sendo reprimidas.
E então, eles perdoaram seu deus.
Naturalmente, alguns xians, como Bogart, interessaram-se em descobrir o
paradeiro de seus pais e perguntar o porquê. O porquê da união bizarra. O
porquê da fuga. O porquê do abandono. Mas, assim como a esperança, as perguntas perderam um dia seu sentido. Hoje, o general Bogart lutava somente para
proteger a vida de Murtagh, com a sua própria, se necessário. Seu mestre. O
único que o aceitara com todas as imperfeições de sua aparência – um lado anjo
e outro demônio; asas negras que não voavam.
Somente para realizar os desejos do líder da irmandade, Bogart aturava Niall,
32
de quem não gostava, e em quem não confiava.
***
Em cima de sua cama, Brianna encontrou um vestido no mais fino estilo medieval. Já havia visto vestidos assim na internet e em filmes, mas jamais pensara
em usar um. Sim, ela pensara, mas acreditava que seria ridículo fazê-lo. O vestido
azul-céu realçava suas curvas arredondadas e sua cintura fina.
– É lindo. – disse ela, segurando o vestido.
Dalyce e Edana ajudaram-na a se vestir.
– Sente-se aqui, alteza. – disse Edana, sorrindo.
Brianna sentou-se em frente ao espelho. As duas jovens rapidamente pentearam-na e lhe fizeram uma trança. Ela viu que sua penteadeira estava cheia de
frascos de vidro, pegou um e abriu-o. Era perfume e cheirava tão bem quanto o
melhor dos mais cobiçados perfumes de grife que conhecia. Ela sorriu e borrifou-se com ele.
Ela levantou-se para se ver melhor no espelho. Agora posso parecer uma

princesa da Idade Média ou algo assim, de jeans ficava muito mais difícil.
– E agora… Para onde vamos?
– Venha conosco, por favor, alteza. – disse uma das jovens.
Brianna seguia pelos corredores atrás de suas aias. E tentava esconder que
tremia; que suas mãos estavam frias como gelo, que seu coração ameaçava parar
de bater a qualquer segundo. Ela respirou fundo, levantou o queixo e evitou
olhar para os guardas pelo caminho, que fingiam não observar cada um de seus
passos.
As aias abriram uma porta. A primeira pessoa que Brianna viu foi Éamonn.
Ele estava sentado à uma mesa com aproximadamente trinta cadeiras. Brianna
sentiu-se desconfortável ao perceber o tamanho do cômodo. Era decorado com
prateleiras com livros, e havia uma lareira grande ao fundo com um brasão preso
acima. Era um dourado triângulo invertido que trazia dois tigres em alto relevo.
Esses tigres de novo, pensou Brianna. Por trás deles uma flor de três pétalas e
um olho. Brianna já havia visto aquilo alguma vez, só não lembrava o que era.
– O Olho de Hórus! – disse Éamonn, e arrancou Brianna de seus pensamentos.
Brianna despertou embaraçada.
– O Olho de Hórus – continuou o feiticeiro, que havia levantando e agora
já andava em sua direção – traz proteção e ajuda a estimular a clarividência do
terceiro olho.
A princesa pareceu confusa.
– Logo entenderá. – disse o velho, docemente.
Brianna levantou os olhos e pôde ver alguns homens. Alguns estavam vestidos com túnicas, calças de couro e botas, outros usavam um longo manto,
assim como o de Éamonn. Brianna imaginou que eles deveriam ser feiticeiros.
33
Mas um dos homens, em especial, chamou a atenção da jovem. Ele tinha a pele
bronzeada devido ao intenso verão de Banshee, um rosto masculino, cabelos
curtos, escuros, os olhos castanhos, os ombros tensos e o corpo bem definido.
Mas o que mais intrigou Brianna foram as feições duras: ela as estranhou em um
rosto tão bonito.
– Alteza – disse o feiticeiro –, esses são os homens dos quais você mais
precisará. – ele apontou um homem branco, com cabelos quase grisalhos, alto,
de seus cinquenta e poucos anos. – Este é Enda, um dos conselheiros mais
importantes deste continente, que esteve junto comigo e naturalmente com os
nossos outros conselheiros, governando Cillighan, Anurá e de certo modo, toda
Banshee, nessas décadas em que ficamos à sua espera.
– Estaremos sempre aqui quando precisar, Vossa Alteza. – disse o homem,
educadamente, que não soava sincero.
Éamonn continuou:
– Esse é Lugh…
Brianna, que já estava com os pensamentos em outro lugar, levou um susto
ao ouvir o nome e engasgou-se ao tentar falar com o Éamonn. Ela tossia descontroladamente e o feiticeiro não conseguiu terminar sua frase.
– Skywalker? – disse ela, incrédula e visivelmente confusa. Ela tossia.
Todos a olhavam sem entender nem mesmo uma palavra do que ela disse.
Muitos acharam o comportamento espontâneo daquela que seria sua Grande
Rainha um tanto quanto inapropriado. Brianna percebeu que o feiticeiro ainda
estava apontando para o homem que lhe tomara a atenção minutos antes: o
capitão da guarda. Ela tentava conter o riso. Na verdade, ela estava achando a
confusão hilária.
– Ôh! – disse ela, e tentava controlar seu ataque de risos. – Você disse Lugh e
não Luke, certo? – ela respirava fundo para não rir, mas estava difícil. – É que eu
pensei… Sabe? – um silêncio constrangedor pairava no ar. – Assim, aqui é para
mim, tipo uma terra de fantasia, quando eu olho a maneira como vocês estão
vestidos… – ela só estava piorando a situação, mas continuou e seu rosto já estava vermelho tamanha força que fazia para não rir. – Aí, eu pensei… Poderia ser
que… Talvez… Eu quero dizer… Sei lá, vai que… – Brianna sentia os olhares
chocados dos presentes lhe queimarem a pele, mas ela não conseguia se segurar.
– Alguém de vocês conhece Guerra nas Estrelas? – nenhuma reação. – Claro
que não. – respondeu ela a si mesma e colocou a mão na boca, mas o tremor de
seu corpo revelava que ela ria. E quanto mais ela tentava concentrar-se para não
rir, mais engraçada ficava a situação. Seus olhos já estavam cheios de lágrimas e
a garganta arranhava. Ela respirou fundo, mas de segundo em segundo era possível ouviu o som gutural da gargalhada que queria explodir.
Os homens pareciam embaraçados e confusos. Alguns pigarreavam, outros
folheavam documentos. A situação era constrangedora. Excessivamente constrangedora.
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O único que entendera Brianna fora Éamonn. Entre as décadas de cinquenta
a oitenta, o feiticeiro havia sido um dos espiões de Banshee na Terra que visitavam o planeta algumas vezes no ano. Ele acabou por tomar gosto pelo o que
os terráqueos chamam de filme. Sempre que podia, ele vestia-se como um deles,
comprava sua pipoca doce e entrava em um cinema. Guerra nas Estrelas ele jamais esqueceu. Era fã assumido da princesa Leia. Éamonn também queria rir da
situação, mas o velho feiticeiro tinha muito mais controle sobre si que a princesa,
então ele não riu. Depois de alguns minutos, que mais pareciam horas – minutos
onde os presentes tentavam, bravamente, fingir que Brianna não estava tendo
um ataque de risos – a moça acalmou-se. Finalmente.
– Encantada… – disse Brianna a Lugh, com a voz estranhamente fina, na
qual ainda ouvia-se restos de seu ataque de risos.
O charmoso capitão Lugh fez uma leve reverência. Fora educado, porém
impessoal. Lugh tinha belos e penetrantes olhos castanhos, mas eles pareciam
infelizes.
Brianna, finalmente sentou-se. À cabeceira da mesa. Na cadeira da rainha.
– Estamos aqui, Vossa Alteza, para esclarecer à senhorita o seu novo mundo.
Mostrar-lhe os reinos e explicar a que pé a guerra se encontra. – disse, com a
velocidade de um piloto de Fórmula 1, o tenente Cahan, que era loiro, lindo,
tinha brilhantes olhos azuis e seus trinta anos. – Desculpe-me, alteza… eu sou
o Tenente Cahan. – disse um Cahan envergonhado que ao ver sua princesa
pareceu perder a noção de boas maneiras e que, também, logo ganhou olhares
fulminantes de seu capitão, que já não gostava dele.
Brianna sorriu.
– Sem tantas formalidades, por favor, tenente. Está tudo bem. Afinal, eu
também preciso de amigos por aqui, não? – e ela piscou para ele.
O jovem fez que sim com a cabeça e ruborizou. Eles sorriam um para o
outro.
Lugh revirou os olhos. Ele era, basicamente, contra tudo e qualquer coisa
que Cahan fazia. O capitão nutria um ódio inexplicável pelo seu melhor tenente.
Cahan só permaneceu no exército por ser, realmente, um excelente militar: ágil,
disciplinado e leal. Mas, se Lugh pudesse escolher, ele já teria sido expulso há
muito tempo.
O capitão Lugh fora grande nome da guerra até ali, tornando-se uma lenda
viva quando, ainda um menino, organizou os guerreiros para saírem em busca
dos reis desaparecidos, sendo posto na posição de capitão por unanimidade.
Desde que chegara em Cillighan, ainda criança, ele treinava ininterruptamente
na Academia Nitzariana de Guerras e Armas e acabou por virar mestre de armas e estratégia e o professor mais disputado dos alunos. Mesmo com toda sua
fama, Lugh era um homem amargurado por ter visto sangue demais em sua
vida; sangue esse que ele mesmo havia derramado, ou o sangue de alguém que
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ele gostava.
Eles conversavam, discutiam e discutiam por horas e horas e ele estava ali,
achando tudo um absurdo. A garota jamais aprenderia como comandar todos
aqueles homens a tempo, sem contar o treinamento em si! Ela mal saiu dos

cueiros. Até uma hora atrás vestia-se como uma humana, nem sequer deve saber
segurar uma espada! O que vou fazer com ela? – pensou, entediado.
– Lugh! – chamou Éamonn, parecendo ler seus pensamentos.
O capitão arrumou-se na cadeira, passou a mão pelo queixo e pigarreou.
Tirou uma folha enorme de papiro de um tubo preto.
– Este é o mapa de Banshee, alteza. – ele apontou para um continente. – E
aqui está Anurá.
Brianna assustou-se ao ouvir sua voz. Era doce, determinada, mas doce. Pelo
menos a voz é agradável, pensou, com os olhos fixos nele.
Lugh apontava montanhas, vales, cidades, florestas, ilhas, povoados, reinos.
Falava sem parar, mas Brianna mal prestava atenção no que ele dizia. Sua cabeça
girava em torno de tudo o que estava acontecendo. Ela nem sabia ler mapas, por
que ele estava lhe mostrando aquilo?
– E aqui é.… Princesa? Por acaso a senhorita está me ouvindo?
O tom mais forte na voz de Lugh fez Brianna acordar do transe.
– Amm… Claro, capitão. Perfeitamente. – ele a olhava desconfiado. – Você
dizia que aqui – ela apontou uma cidade no mapa – são os domínios das fadas
e que provavelmente a segurança está difícil no momento, porque a rainha e sua
conselheira não querem a ajuda da guarda real e as fadas são muito visadas pelo
inimigo. Logo, é o primeiro lugar que devemos visitar… Estou certa? – o tom
era desafiador.
Ele balançou a cabeça positivamente e a olhou nos olhos. Parecia confuso
e intrigado. E estava. Eu tinha certeza de que ela não estava entendendo nada !
– sorriu para si mesmo, achando graça da rapidez com que ela pensara e a maneira como o enfrentara. Ele era pelo menos vinte centímetros maior que ela,
visivelmente mais forte, e mesmo assim ela se impusera, sem pensar duas vezes.
Lugh sentiu uma ponta de admiração, que logo se dissipou quando observou-a melhor. Brianna era frágil e pequena. Em outras civilizações, era uma
princesa ideal, bonita, de fato; ela movia-se com elegância, era educada e sabia
como sorrir para ganhar a confiança das pessoas. Quando estava séria, parecia
audaciosa e segura de si. Ele achou-a simpática, debochada e charmosa, tinha
um nariz que ele considerou perfeito, grandes e sedutores olhos escuros. E ele
precisava admitir – ainda que o fizesse a contragosto – que ele engoliu a seco ao
vê-la entrar no cômodo; ele jamais imaginara que a moça possuísse tais atributos
femininos, e involuntariamente arregalou os olhos, quando seu olhar encontrou
– e lentamente estudou com atenção – o corpo de Brianna, para logo ficar colado hora em seus seios, hora em seu traseiro. Mas não haviam sido só os seus
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olhos que a enxergaram de tal maneira. Todos homens no local pareciam meio
embasbacados com Brianna. Carne fresca na cidade: jovem, exótica e com o
poder do mundo inteiro nas mãos. Ele já imaginava no que isso ia dar. Mas não
vinha ao caso. Ele sacudiu a cabeça para afastar seus pensamentos. O importante
era que a moça era delicada demais, suas mãos pequenas denunciavam a ausência
de força física. Ela não tinha perfil de uma rainha amazona, como uma rainha
amazona deveria ser. Ela seria um problema, para si e para os outros, e principalmente, para ele! Ele precisava tirar da cabeça de Éamonn que Brianna liderasse
as tropas. Simplesmente não estava correto!
– Éamonn…– ele quis dizer o que pensava.
Mais uma vez, o velho pareceu ler sua mente.
– Agora já chega, Lugh. Brianna precisa conhecer seu castelo, seus criados e
claro… seus Guardiões.
– Mas, Éamonn – ele insistia – você tem certeza que a princesa já pode ser
apresentada aos Guardiões. Eu digo, ela precisa…
– Capitão, eu sei a hora de uma princesa conversar com os Guardiões, e digo
que Brianna está sim preparada para falar com eles, e você estará presente.
Lugh bufou, mas não tinha autoridade contra a princesa e seu principal Conselheiro Real.
Brianna não estava gostando do comportamento do capitão da guarda. Ele
parecia pretensioso e metido. Que ótimo! Já fiz meu primeiro inimigo. Estou
vendo onde isso vai parar! – pensou, enfurecida.
– Que assim seja, então. Vamos levá-la até eles.
– Não! – disse Éamonn, levantando-se. – Eles fizeram questão de vir vê-la
aqui onde ela está.
O capitão olhou-o confuso, mas nada disse.
– Senhores, eu devo pedir que se retirem. – disse Éamonn aos demais homens.
Cahan olhou para Brianna e sorriu.
– Seja bem-vinda, princesa.
Brianna sorriu de volta.
– Obrigada, tenente Cahan.
Lugh sentiu-se estranhamente incomodado ao observar a troca de olhares
entre a princesa e o tenente. Os conselheiros saíram, mas o tal de Enda não
parecia muito satisfeito com a rapidez com a qual a reunião tinha acontecido. E
Brianna tinha razão quanto a isso. Ela sentia que ainda teria muitos problemas
com seu Conselho Real.
Lugh foi o único que permaneceu na Sala de Reuniões. E lá estava ele: sério
e rijo como uma rocha. Eu mereço! – pensou Brianna.
Uma prateleira de livros afastou-se, a parede de pedra abriu-se. Uma pas sagem secreta. Estava na cara! – Ela suspirou.
De dentro da escuridão da caverna que se abrira diante deles, brilhavam dois
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pares de olhos azuis. O cômodo parecia tremer ao ritmo de seus passos. Eles
vieram para a luz. Brianna levou um susto.
– Os tigres brancos! – disse ela para si. – Então eles são os Guardiões? – perguntou a Éamonn.
Cada um media, aproximadamente, três metros de comprimento e pesavam
muitos quilos, pensou Brianna. Tinham patas fortes, grandes olhos azuis, transparentes como vidro. Ela sentiu arrepiar-se. Brianna sempre gostara de felinos,
em geral. Eles eram fortes, ágeis, inteligentes, independentes e elegantes. Mas
alguma coisa muito forte a ligava, em especial, àqueles dois tigres à sua frente, ela
só não sabia o quê. Estava completamente fascinada com a visão, mas também
sentia um pouco de medo deles.
– Sim. – respondeu uma voz feminina. – Um macho e uma fêmea, para ser
mais exata.
Brianna estava enfeitiçada.
– Como são lindos!
– Ora, obrigado. – disse o macho. – Mas não creio que minha esposa vá
gostar muito disso.
Brianna sorriu.
– Brianna – continuou Éamonn –, esses são os Guardiões do reino: Fainche
e Feolán.
– Princesa – disse Fainche, com sua voz suave –, temos muito o que conversar.

38
Capítulo IV

O tigres falavam e Brianna tentava acompanhar seu raciocínio. As informações que ela recebia lhe soavam cada vez mais estranhas e desconexas. Pela
primeira vez ela ouviu alguém falar sobre um Triângulo de Poder , e soube
naquele instante que ela a partir de agora também teria que lidar com magia,
fato que a fascinava e aterrorizava ao mesmo tempo. Durante a conversa ela teve
mais de uma vez a sensação de já conhecer tudo aquilo: o castelo, os Guardiões,
Éamonn, e sim, até mesmo capitão Lugh. De vez em quando ela arriscava um
olhar em sua direção e perguntava-se quais segredos aquele homem caldado
guardava em si.
Perdido em seus pensamentos, Lugh passou as mãos pelos cabelos e mergulhou em suas lembranças.

Estava anoitecendo e a batalha havia sido cruel, eles haviam perdido pela
primeira vez. Muitos mortos, muitos feridos, e no meio de tudo aquilo, ele se
perdera de seus líderes. Aos quinze anos de idade, o jovem soldado era valente e
bom guerreiro, mas era um menino e estava aterrorizado. O que diria a Éamonn
e ao Conselho quando voltasse a Cillighan? Onde estavam os Grandes Reis?
De repente, ele escutou uma conversa, jogou-se no chão entre os mortos. O rei
discutia com alguém, um xian.
– Eu não sei do que você está falando! – insistia Riley.
O xian jogou Riley com violência no chão e afastou-se. O rei estava quase
sem ar, quando viu os olhos amedrontados do garoto.
– Lugh! Foram os Deuses que mandaram você aqui! – a voz dele estava
ofegante. – Filho… Ajude Brianna a encontrar a Chave antes que eles a encontrem. Por favor… Ajude-a. Quando for a hora, ela saberá como usar.
Riley perdeu as forças e deitou no chão. O menino fechou os olhos novamente e ouviu o xian levantar o rei.
– Onde está a minha mulher?
Fora a última vez que o capitão da guarda vira o rei Riley.
Tentou, em batalhas sanguinárias e ações suicidas, descobrir o paradeiro dos
reis, mas foi tudo em vão. Os reis haviam desaparecido e lhes deixado uma missão: Ajude Brianna a encontrar a Chave antes que eles a encontrem.
– Você está bem?
39
A voz de Brianna o trouxera de volta ao presente, os grandes olhos castanhos
o fitavam com ternura e preocupação.
– Sim, só uma indisposição. Obrigado.
Não era. Ele sabia de alguma coisa que ninguém mais sabia. A Chave não era
uma só uma lenda, afinal, ela existia e era importante. Mas para quê?
Ele olhou para Brianna. Tinha que contar a ela, mas primeiro precisava saber
mais sobre a Chave.
***
– Está certo. Mas como faremos isso? Cillighan é uma fortaleza! – disse o
xian.
– Encontrarei uma maneira.
A naja arrastava-se lentamente por debaixo de seu trono. Ele assustava-se
toda vez que ela o fazia, mas jamais deixaria seu medo transparecer.
– Você gosta de ser uma cobra, não é mesmo? Combina com a sua personalidade.
Ela o olhou e abaixou a cabeça.
– Isso mesmo: abaixe a cabeça quando o seu senhor falar. Devagar você está
aprendendo. – ele sorriu e piscou para ela.
A serpente levantou o corpo para dar o bote.
– Tem certeza de que fará isso? É isso mesmo o que você quer? me matar e
permanecer uma cobra para sempre? Pense bem…
Ela desceu. Não era isso que queria, ela desejava ser mulher novamente.
Como era doloroso passar os dias esfregando-se no chão frio, com aquela
aparência horripilante. Aquele feitiço fazia com que desejasse morrer, mas a
vida de seu pai dependia disso. Seu pai… Pobre homem, um camponês que fora
desgraçado por pôr no mundo uma linda filha que tinha uma dádiva perigosa.
Agora era escravo, mas mantido vivo com seu outro filho, e passava seus dias
sob constante ameaça de tortura e morte se ela não fizesse tudo o que era combinado com a irmandade. Que destino esse! – pensava ela.
Ishtar lembrava-se constantemente do dia em que fora capturada.

O vilarejo de Serién era responsável pelo fornecimento de boa parte dos
alimentos que eram comercializados em Shanrúa. Um lugar pacífico e alegre,
muito trabalho, mas boa recompensa.
A jovem Ishtar aprendera de sua já falecida mãe as Artes das Feiticeiras da
Dança. Desde criança, Ishtar fora treinada para aprender os passos da dança
um por um, com perfeição e, então usar a magia que a dança trazia consigo.
Entre outros, a magia das Feiticeiras da Dança, as danns’àlainne, tinha o poder
de hipnotizar. Qualquer um que caísse nas graças de uma dançarina, estaria sob
seu controle. Ishtar e outras moças usavam o dom da dança para ganhar ouro
extra nas tavernas de Shanrúa, onde elas aproveitavam-se do alcoolismo de seus
40
fregueses. De tudo, Ishtar era uma boa moça, alegre, prestativa, boa filha e excelente dançarina, provavelmente a melhor. Na noite em que o vilarejo de Serién
foi atacado por xians, Ishtar tinha acabado de retornar de uma apresentação de
dança que fizera em Shanrúa. Xians haviam envenenado as plantações e tacado
fogo nas casas. Pessoas tentavam fugir com o pouco que conseguiam levar. Ela
correu para casa, e ao ver o pai e seu irmão nas mãos daquela criatura, ela somou
suas forças e gritou, sem pensar:
– Eu posso ser útil a vocês! Deixe que eles vivam e eu danço para vocês,
sempre que precisarem!
– Fuja! Me deixe morrer, minha filha. Não faça nada para eles!
– Cale a boca! – gritava um bicho, que trazia o velho Aed amarrado a uma
corrente.
O seu irmão mais novo, o menino Kian, com seus nove anos, gritava desesperadamente. Um xian o amedrontou:
– Se soltar mais um chiado, eu arranco a sua língua para você aprender a ficar
quieto.
O menino engoliu o choro e os soluços, quase engasgando.
Ishtar tremia nas mãos de uma das criaturas.
– Mantenham-na viva, e tragam-na para o castelo… Ela pode, realmente,
servir para alguma coisa. Pelo menos é bonita, a feiticeirinha! – disse Bogart.
Ishtar fora levada de olhos vendados. Quando pôde ver de novo, estava em
uma sala de pedras cinzas e geladas. Não podia enxergar muita coisa, havia poucas tochas nas paredes. O cômodo era grande com uma única janela triangular
em um ponto extremamente alto, uma torre talvez.
Havia água no chão, um caldeirão longe de onde ela se encontrava, o ar estava úmido. Sentia medo, frio, fome e sede, tremia, sentada no chão. Um homem
abriu a porta de ferro.
– Aí está você…
Ele a rodeava. A menina tentava se esquivar.
– Bogart me disse que tinha trazido algo interessante para mim. – ele observou a moça. – Bem interessante, eu diria. Uma feiticeira dançarina, não é isso?
– ele tocou sua saia, ela deu um tapa em sua mão, respirando forte de medo e
nojo. – Como se chama, menina?
Ela não respondia.
– Responda! – o tapa em seu rosto doeu na alma.
Uma lágrima escorreu, mas a jovem recusava-se a falar.
– A moça se chama Ishtar, filha de Shantyê, que era uma das dançarinas mais
importantes entre as danns’àlainne, grande mestre da magia das danças. – respondeu um homem pequeno que chegava. – Essas roupas que ela está usando
são usadas em suas apresentações ou rituais, principalmente nos de hipnose.
Ele passava a mão no queixo.
– Dance!
41
Ela não se mexeu.
– Eu falei: dance!
Ele estalou os dedos e a música começou a tocar.
Ishtar se levantou, enxugou os olhos e respirou fundo. A dança era seu mundo, era o que sabia fazer de melhor, era seu poder, entregava-se a ela de corpo
e alma.
Ela começou, mas sabia que sua hipnose não funcionaria ali. Maldita Warleigh!
A longa saia deixava as pernas à mostra à medida que Ishtar se movia. A
jovem era sensual, bailava com vigor; inebriava o ar com a mais pura essência
feminina.
– Você é minha carta mais importante, menina. – ele estava sem ar, envolvido
pela beleza daquela dança. – Terei tudo o que quero e mais um pouco através de
você, danns’àlainne. – virou-se para o criado, o homem pequeno que a denunciara. – Amarre-a, Cass!
Dominada pelo medo, ela tentou correr. Cass agarrou-a pela cintura.
– Astuta! Já sei o que fazer com ela. Amarre-a.
Cass amarrou-a. Prendeu seus pés paralelos em correntes presas ao chão, e
seus braços presos às paredes.
Ishtar estava esticada, seu corpo doía, a respiração ofegante denunciava seu
pavor, o suor frio escorria pelo corpo. Em seus olhos, um medo indescritível. Ele
levantou o seu cajado. Ao lado do caldeirão, pôs-se a falar coisas ininteligíveis.
Ela viu vultos escuros que gemiam alto saírem do caldeirão. Sombras frias a
envolviam; ela nem sequer tivera tempo de gritar, caíra no chão, tonta. Abriu os
olhos devagar e pôde ver sua imagem refletida na água. O que seus olhos viram
deu um nó em sua garganta, encheu-a de tristeza, ódio, pavor e náuseas. Niall a
transformara em uma naja.

42
Capítulo V

No dia seguinte à sua chegada à Banshee, finalmente era o momento de iniciar suas obrigações como princesa. E o primeiro delas era visitar a Academia
Nitzariana de Guerra e Armas, onde ela teria aulas com o Capitão Lugh pessoalmente.
– Bom dia, princesa!
Era a voz de Dalyce. Ela viu Edana abrir as janelas, estava escuro ainda.
– Bom dia… – ela resmungou – É dia? Tem certeza?
A menina riu.
– Sim, princesa. É dia. Levante-se, a senhorita vai tomar café da manhã e
terá seu primeiro dia de treinamento. Ainda precisa pegar o cavalo ou uma carruagem para chegar mais rápido.
– Ahh! – Brianna afundou o rosto no travesseiro.
– Vamos, princesa. O capitão Lugh mandou informar que já está à sua espera
na Academia.
– Aquele tirano já está de pé?
Dalyce riu novamente.
– Ora, alteza, não fale assim dele. Ele é tão… bonito.
– Bonito? – Brianna levantou-se. – Ele é um insuportável, isso é o que ele é!
Bonito, onde já se viu?
Ela andou até o vasilhame com água.
– Fazem um belo par. – sugeriu Edana.
– Não, obrigada. Fica para você.
– Ah… Se ele me quisesse… – disse a mocinha aos suspiros.
Brianna, que molhava o rosto com as mãos, pegou a toalha rapidamente e
olhou para a aia. E disse, secando a face:
– Você não está falando sério… ou está?
As aias riram.
– Não… Mas a senhorita bem que ficou com ciúmes. – insinuou Edana.
– Eu? Com ciúmes dele? Ora, façam-me o favor!
Brianna bufou e suas criadas continuaram a rir. A princesa era divertida, tinha
um bom senso de humor, era espontânea e franca. Gostavam dela. Edana deu a
Brianna uma espécie de bambu, de uns quinze centímetros de comprimento. A
madeira estava envernizada e tinha em uma das pontas uma espécie de franja. A
princesa olhou confusa.
43
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A Grande Rainha retorna a Banshee

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  • 2. BANSHEE OS GUARDIÕES TRILOGIA DA SALVAÇÃO AMOSTRA GRÁTIS Promoção 1000 LIKES Facebook + dia das mulheres.
  • 3. 2014. C. A. Saltoris Capa Aldemir Alves Revisão Cirlene Doretto Diagramação Selo Jovem Sindicato nacional dos editores de livros / SP Saltoris, C.A 1. Literatura estrangeira. 2. Fantasia 2. vendas: www.selojovem.com.br CDD: 869.93 CDU: 821.134.3(81) -3 Copyright @ 2014. É proibida a cópia do material contido nesse exemplar sem o consentimento da editora. Esse livro é fruto da imaginação do autor e nenhum dos personagens e acontecimentos citados nele tem qualquer equivalente na vida real. Direitos concedidos á Selo Jovem. Publicação originalmente em língua portuguesa comercialização em todo o território nacional. Formatos digitais e impressos publicados no Brasil ISBN: 978-85-66701-13-5
  • 4. C. A. Saltoris BANSHEE OS GUARDIÕES TRILOGIA DA SALVAÇÃO selo jovem Ribeirão preto - São Paulo 2014.
  • 5.
  • 6. Prólogo Em meio a mais densa das escuridões – em algum lugar no Universo – nasceu a mais bela das estrelas. A estrela desenvolveu-se, transformando-se em um exemplar feminino de intenso poder, e apaixonou-se por uma outra versão de si mesma que ao sair de seu corpo, tornou-se masculina. Os seres divinos entregaram-se um ao outro e deste ato nasceu uma infinidade de faíscas de energia que se espalharam pelo Universo, e por fim formaram galáxias, planetas e dimensões paralelas. Estes seres, que outrora nada mais eram que meros focos de luz, desenvolveram-se dando forma às mais diversas criaturas. Mas, à medida que essas criaturas ficavam mais inteligentes, mais elas se questionavam. Queriam saber exatamente de onde vinham, de como haviam nascido e quem seus Deuses, realmente, eram. Um dia, um destes filhos dos Deuses descobriu quanto poder a criatura denominada Amor, da qual os Criadores haviam nascido, trazia dentro de si; mas muito mais que isso, ele descobriu quanto poder os Deuses Criadores tinham ao manter o Amor sob sua proteção. Uma rebelião foi iniciada. O filho – que um dia havia feito perguntas demais – planejava entrar em guerra contra seus pais para tomar e dominar o ser chamado Mãe Amor. Ele nomeou a si mesmo Sanerán e fundou Deímanon, seu próprio reino, onde ele sozinho podia ser deus; e então ele deu-se o título de Deus das Sombras. Auxiliado por demônios e deuses menores, Sanerán travou guerra contra seus pais. Os Criadores prepararam-se da melhor maneira para proteger Mãe Amor de Sanerán, pois eles sabiam que a divindade que tivesse o controle sobre tal criatura teria, também, o controle sobre tudo o que vive, sobre todo o Universo. A prisão do Deus das Sombras e seus demônios sucedeu aos Deuses da Criação após muitos milênios marcados por batalhas onde deuses, espectros, anjos e demônios extinguiam-se uns aos outros. Sabendo que em Nitzará – o reino dos Criadores – Mãe Amor jamais encontraria nem descanso nem proteção, os Deuses puseram-se a caminho de Banshee, o planeta mais honroso que deles nascera. Em Banshee, a Grande Rainha – uma nobre do reino das Amazonas – selou aliança com os Deuses e prometeu proteger o Amor da ganância do Deus das Sombras. A Grande Rainha conseguiu convencer as demais rainhas – a das amazonas, a das fadas e a dos equinos – a juntarem-se a ela e aos Deuses na tarefa de proteger Mãe Amor, e em uma grande festa foi celebrada na bela Cillighan. Antes de deixar o planeta, a Grande Mãe criou os seres que tornar-se-iam o 5
  • 7. corpo de Mãe Amor: Nephumá e Anayún, os unicórnios. Ela criou também o Triângulo de Poder que protegeria Cillighan de ataques mágicos e a população de se deixar seduzir pela magia de Sanerán. Para criar tal escudo, ela precisava das criaturas mais místicas e fortes que pudesse encontrar, então ela saiu à procura. No planeta chamado Terra, ela descobriu Udyat, o Olho de Hórus; nas densas florestas da ilha bansheeana de Glisscoil ela encontrou os Grandes Tigres Brancos, cujos poderes naturais eram a guarda e a proteção, e assim denominou-os os Guardiões. Juntos, os tigres, Udyat e a Grande Rainha formavam a força que enfraqueceria Sanerán. Mas os três membros deste triângulo estavam diretamente interligados e, se um faltasse, todo o princípio declinaria. Tudo parecia em perfeita ordem, mas no exato momento em que o Triângulo do Poder estava sendo fechado, uma onda da tão temida magia inimiga invadiu o ritual; a consequência da interrupção foi que o triângulo agora não somente serviria como proteção, como também abriria o portal que mantinha Sanerán e seu reino cativos. Quando a Deusa percebeu o irreparável erro, ela decidiu manter o segredo para si e criar uma chave que fecharia o portal novamente quando chegasse a hora. Mas segredos não permanecem ocultos para sempre e logo as pessoas em Banshee ouviram sobre a maldição e entraram em pânico. Porém eles descobriram que a Deusa havia feito uma chave que salvaria a todos, quando o resto fracassasse. Ao saber que a Grande Mãe, após a descoberta da maldição, havia deixado uma última saída, os bansheeanos tornaram-se ainda mais agradecidos e devotos a ela. Em sua casa, na Floresta dos Sete Demônios, o mais leal dos sacerdotes de Sanerán havia criado e enviado o feitiço que desgraçara a Grande Rainha e seu Triângulo do Poder. Este homem era o poderoso fundador da Maleficus Animus, uma irmandade que jurara fidelidade eterna a Sanerán e prometera entregar-lhe o objeto de seu desejo: a Mãe Amor. Por anos ele treinou seu exército e esperou o momento certo de declarar guerra à Grande Rainha. Ele queria tomar Cillighan para si, libertar seu deus e entregar-lhe Mãe Amor, e com ela, o controle sobre o Universo. Ele não obteve sucesso, mas havia ensinado aos seus filhos tudo o que sabia, para que um de seus descendentes tivesse a possibilidade de pôr seus planos em prática. Este descendente era Murtagh. O hoje senhor da Maleficus Animus continuou a obra de seus antecedentes, mas duvidava ter qualquer chance contra Cillighan e seu exército impecavelmente disciplinado. Mas um dia ele recebeu a inesperada, e ao mesmo tempo agradável, visita surpresa do príncipe Niall, que não conseguia viver com o poder da irmã mais nova: Eleanor seria coroada Grande Rainha e isso feria os sentimentos de seu irmão mais velho e mais vaidoso. O destino de Murtagh mudou arrasadoramente, e ele agora sabia: o grande dia aproximava-se. Niall contou ao inimigo tudo o que ele precisava saber sobre o invencível Exército Real; os guerreiros da Maleficus Animus desenvolveram melhores es6
  • 8. tratégias, encontraram o ponto fraco do adversário e com a nova tática lhes foi possível capturar a Grande Rainha Eleanor, em batalha. Foram muitas as tentativas de resgate. Após muitos desentendimentos, as demais rainhas de Banshee – a das fadas, a rainha das amazonas e a dos equinos – decidiram retirar seus exércitos do Exército Real. Elas esperavam pelo dia em que a Grande Rainha de direito retornaria e reformaria o Triângulo de Poder. O caos em Banshee tornou-se incontrolável; o exército da irmandade saqueava vilarejos, matava civis e infectava os povos com doenças mágicas. A Chave virou lenda e o planeta, que um dia chegara a ser o mais bonito do Universo, perdeu tudo o que o tornava tão especial. Só havia uma única esperança de salvar Mãe Amor de Sanerán: a princesa Brianna; a filha de Eleanor que fora enviada a outro planeta para viver em segurança até o dia que precisasse retornar a seu mundo. Mas a princesa Brianna crescera na Terra, e não fazia ideia da responsabilidade que tinha. 7
  • 9. PARTE I A Grande Rainha Capítulo I Os primeiros raios de sol iluminavam a mansão branca. Brianna desativou o despertador antes que ele começasse a soar. Ela já estava acordada fazia tempo, encarando o teto como se ele pudesse responder-lhe, quase exigindo que o fizesse. Levantou-se lentamente, passou a mão pelos longos cabelos escuros e suspirou, enrolou-os em um nó desajeitado. A noite havia sido péssima. Ela levantou e, a passos pesados, foi para o banheiro. Ela entrou no cômodo de azulejos brancos, grande e iluminado, encaminhou-se a passos lentos até sua pia, o balcão que a envolvia era de mármore claro e estava repleto de artigos de cosméticos. Olhou-se no espelho: a imagem não era das melhores, os olhos fundos denunciavam a ausência de descanso. Ela abriu a torneira da banheira e as cortinas, pegou seu creme de banho, no rótulo dizia Momentos Relaxantes, e despejou seu líquido branco na água, enquanto observava-a subir. – Nada melhor que a boa e velha ironia. – disse ela, desanimada, e suspirou. Brianna entrou na banheira, a temperatura da água estava agradável. Ela esperava que tomando um banho morno pudesse colocar sua mente em ordem, mas a culpa caiu novamente sobre si. Agora estava triste outra vez. Jamais deveria ter falado tudo aquilo. – O que foi que eu fiz? – ela se perguntou, chateada. Fechou os olhos. A briga da noite passada passava como um filme por seus olhos e tatuava-se em suas lembranças como a marca do ferrete em brasa na pele do gado, causando-lhe fortes dores de cabeça. – Nada. Não acredito! Não pode ser! – disse Brianna, em voz alta, enquanto dava um murro na mesa. Cleona preparava o jantar e olhava-a de relance. A moça estava sentada em frente ao notebook, a cabeceira da mesa de frente para ela. A tutora não gostava quando Brianna usava coques. Com os cabelos soltos você parece muito mais doce, dizia a mulher sempre. Mas lá estava ela, usando seu coque e olhando com ódio para a tela do computador. Assim ela parecia tão forte, tão sensual, tão mulher. Talvez Iollan tivesse razão, já tinha passado mesmo da hora dela descobrir a verdade. Mas embora Cleona soubesse da importância de Brianna, 8
  • 10. o seu egoísmo pessoal impedia-a de contar à moça aquilo que ela já lhe deveria ter dito há muito tempo. A impaciência de Brianna tirou Cleona de seus pensamentos. Ela balançava a perna velozmente, em seu nervosismo excessivo. – O que tanto você procura, minha flor? – perguntou a mulher, calmamente, mexendo o molho na panela. – O de sempre: a mim mesma. – respondeu Brianna, seca. Cleona virou-se para ela, botou uma mão na cintura e com a outra se apoiou no balcão atrás de si. – Não entendi. – disse a mulher, confusa e preocupada. Brianna respirou fundo e mirou Cleona. – Há tempos… eu fui a um detetive particular. – confessou. – Você o que?! – perguntou Iollan, entrando na cozinha pela porta do jardim. Seus olhos fuzilaram Cleona. – Por que?! – Porque durante toda a minha vida eu venho perguntando a vocês sobre a minha origem e nunca recebo uma reposta decente, porcaria! Brianna respirou fundo e voltou a falar, desta vez clara e pausadamente. Estava cansada e triste, como se aquela procura por respostas estivesse sugando todas as suas energias. – Nenhum de vocês me explica qualquer coisa. Por anos eu aceitei todas as desculpas de vocês… Mas, se vocês não perceberam, eu não sou mais uma criança. Eu não desejo ter pais heróis. Eu quero a verdade, seja ela qual for. A ausência de uma identidade me incomoda, por isso eu decidi procurar um profissional. Alguém que me ajudasse a encontrar algo sobre mim, algo que vocês sabem e me escondem! Alguém que me ajude a descobrir de onde é que vem essa droga desse dinheiro todo, por exemplo! Seria ótimo! – ela fez uma pausa. – Mas… ele não encontrou nada. Absolutamente nada! Miraculosamente eu não me encaixo em nenhuma árvore genealógica do meu sobrenome. Não há primos, tios, avós… Ninguém! Mas, como eu, por motivos óbvios, já imaginava, eu não nasci na Irlanda. – Como assim? – perguntou Cleona, tentando demonstrar surpresa, o que não deu muito certo. Brianna perdeu a paciência. – Olha para mim! – ela apontou para o cabelo, os olhos e a cor de pele em gestos, que se não fossem em um momento crítico, seriam cômicos. – Você tem a pele clara… – Eu sou morena. – Morena clara… – Cleona! – Você pode ser uma mistura, hoje em dia todo mundo é misturado que nem vira-lata! – Já chequei. Depois disso eu mandei fazer uma busca no sul da Europa. 9
  • 11. Só respostas negativas até agora. Me sobra ainda a América do Sul… Mas isso pode demorar anos! – sua voz aumentou de tom – Claro, isso considerando cor da pele e situações mais lógicas, porque eu posso ter vindo de qualquer lugar! E é humanamente impossível que eu não tenha nenhum parente, nem hoje nem ontem! Nenhum! Me diz, Cleona, o que foi que aconteceu com os meus pais? Eles desapareceram no ar, é isso? Onde eles estão enterrados? – ela soltou um riso surpreso de deboche. – Meu Deus, agora que eu fui perceber que eu nem sei em que cemitério eles foram enterrados! Eu começo a me perguntar se há algo de errado com eles. Eles eram traficantes? Ou quem sabe nem morreram! Me abandonaram simplesmente! – Brianna, não é assim tão simples… – disse Cleona, tentando explicar, já extremamente nervosa. O cerco se fechava. – Ah, não? – Brianna levantou-se e voltou a gritar. – Então me diga! Me diga! Porque vocês são as únicas pessoas na droga desse mundo inteiro que podem me esclarecer essa história! – Eu… – Vamos lá, Cleona, fale! Eu não sei o porquê disso tudo! Você está vendo que essa coisa toda me consome e não me diz nada! – Já disse… eu conheci sua mãe… ficamos amigas… Tudo aconteceu muito rápido! – Você percebe isso o que você está fazendo? Me diz, você percebe essa idiotice? – o ódio em Brianna crescia. – É exatamente disso que eu estou falando! Você me diz qualquer porcaria, que você tirou não sei de onde! O que houve no passado, Cleona?! Me diz, eu fui sequestrada ou o que? Você me pegou em algum lugar quando eu ainda era um bebê! E existe uma mãe lá fora procurando desesperadamente pela filha desaparecida por todos esses anos! Foi isso o que aconteceu, Cleona? Fala alguma coisa! – Para com isso! – dizia Cleona, aos prantos. – Ela só queria te proteger! Brianna sentiu vontade de pular em seu pescoço e torcê-lo como o de uma galinha. Ela sentia como todos os músculos de seu corpo tremiam e seu rosto queimava de puro ódio. Ela falava mais alto e ameaçadoramente. – Me proteger de quê? O que pode ser mais cruel do que essa falta de informação? Se eu posso confiar em você, me fale a verdade! Cleona sentou-se em uma cadeira, pôs o rosto entre as mãos e começou a chorar alta e amargamente. Brianna olhou para Iollan, que assistira a tudo sem nada dizer. Ele também devia respostas a ela, mas manteve-se calado, ignorando seu olhar sedento por respostas. Ela saiu da cozinha enfurecida. – Eu poderia ter te defendido, mas você mereceu. Eu sei o quanto você a ama, mas você mereceu – disse o elfo à Cleona. Brianna estava arrasada. Levantou-se e saiu da banheira, abatida. Ela secou-se 10
  • 12. e vestiu um roupão branco de seda. Ainda incerta de como iniciar uma conversa com seus tutores, ela desceu as escadas e encaminhou-se para a cozinha. Ela sabia que lá chegando logo encontraria seus pais de criação: Cleona e Iollan, um casal de amigos de seus pais, que não eram um casal. Quando criança, Brianna achava estranho que eles morassem juntos e não tivessem um relacionamento afetivo, mas eles se entendiam bem e dividiam as tarefas em sua educação como todos os outros pais. Com o tempo, ela deixou de se incomodar com o fato de ter uma família não convencional. Brianna era órfã desde que podia lembrar-se. Os dois empregados eram a única família que conhecia, por isso a briga com a mulher a machucara tanto. Ela já podia sentir o cheiro de café fresco e erva doce. Cleona preparava seu chá favorito e seu tão amado café, provavelmente como pedido de desculpas. As duas não eram muito boas nisso. Que ótimo! Um a zero para você, Cleona. Parabéns... – pensou Brianna um tanto envergonhada. E agora ela sentia-se ainda pior! Ela girou os olhos, coçou a cabeça – como sempre fazia quando estava sem graça – bufou, e entrou hesitante na grande e moderna cozinha. – Que horror! – exclamou Cleona ao ver a outra entrar no cômodo, evitando olha-la nos olhos. – Parece um fantasma! – Obrigada, agora me sinto bem melhor. – respondeu Brianna, com o humor que lhe era peculiar, buscando coragem para tocar novamente no assunto da noite anterior. Era complicado para ela admitir qualquer coisa para Cleona. Brianna sabia ser, às vezes, muito estúpida, mesmo assim tinha seus problemas em pedir desculpas. Frequentemente, ela sentia-se sufocada com o cuidado excessivo que a mulher tinha com ela. Era cansativo. Quando criança, ela mal levava um tombo, e já vinha correndo a criatura pequena e redonda, com seus cabelos de fogo, lágrimas nos grandes olhos verdes e um pacote de primeiro socorros nas mãos. Contudo, Cleona era sua mãe e Brianna sempre sentia-se culpada quando perdia o controle e berrava com a mulher. Iollan entrou na cozinha pela porta do jardim. – Criança! Você está com cara de quem viu o monstro do armário! – disse ele, tentando amenizar o clima na cozinha, o que não funcionou e só tornou a situação ainda mais constrangedora. – É incrível a capacidade que vocês têm de fazer com que eu me anime! – disse Brianna com um sorriso fosco nos lábios, andou até a geladeira, abriu-a, pegou uma maçã e mordeu. Era sempre assim, toda vez que Brianna e Cleona brigavam, ele aparecia e acalmava os nervos. As duas eram como dois fios desencapados: quando se encostavam, dava curto. Elas amavam-se, mas eram tão parecidas que a convivência se tornava, muitas vezes, difícil. Brianna era geniosa, Cleona chorona. Brianna gritava, Cleona ia reclamar com Iollan; Iollan ia conversar com Brianna e ela se acalmava. Ela era a típica menininha do papai, com a mãe ela debatia, 11
  • 13. com o pai ela amolecia. Em todo lugar que ele ia, ela ia atrás. Eles iam fazer compras juntos, cuidar do jardim, iam ao banco, às aulas de boxe, de esgrima, de hipismo. Não importava para onde, ela queria que ele fosse junto. E sofria toda vez que ele ia visitar os parentes na Austrália e nunca a levava. Isso a deixava com ciúmes, ela pensava se ele tinha filhos lá que lhe eram mais importante que ela, ou pior, filhas! Iollan era a única pessoa no mundo da qual ela tinha ciúmes. Quando era criança, ela não gostava que ele desse muita atenção para as outras crianças, fosse nas reuniões e eventos da escola, fosse nas festinhas de aniversário em casa; quando ela cresceu a situação só piorou, pois Iollan era um homem que atraía olhares femininos. Na escola, eram as mães divorciadas das amiguinhas que o rondavam como abutres ao moribundo; na faculdade, eram as próprias amiguinhas que tentavam chamar a atenção do pai sorridente, descolado e solteirão de Brianna, que tinha olhos verdes, corpo atlético e cabelos louro-cinza, que lhe caíam sobre os ombros, macios como seda. E ainda ficavam se apresentando para ele feito gataria no cio. Ela costumava levar amigas para dormir em casa, até que quando tinha uns vinte anos, em um julho extremamente quente, pegou uma das meninas andando pela casa em caleçon e camiseta regata – sem sutiã, obviamente – no meio da noite para ver se topava com ele pelos corredores escuros da casa ou até mesmo se encontrava seu quarto. Quando Brianna a flagrou, ela disse ter ido beber água. Até parece! Estava mais do que estampado na testa da sonsa que ela estava atrás de Iollan. Seu primeiro impulso foi puxar a garota pelo cabelo e colocá-la para fora de sua casa, assim, seminua do jeito que estava. Mas ela preferiu trancar a porta de seu quarto quando elas voltaram para dormir, e esconder a chave embaixo de seu travesseiro. O projeto de Lolita nunca mais foi convidado para passar a noite na mansão. E que elas todas tirassem as patas sujas de cima dele. Afinal, ele era o primeiro homem de importância em sua vida: seu pai! Hoje, na idade que tinha, Brianna já não tinha mais ciúmes dele e nem ficava tentando lhe arranjar a mulher ideal; mas ele ainda exercia sobre ela o efeito calmante. Ela encostou na porta da geladeira e pousou seu olhar sobre Cleona. A mulher não a fitara em nenhum momento, Brianna estava incomodada e resolveu falar. – Você chorou a noite toda, não é mesmo? Cleona nada disse. Brianna foi até ela e abraçou-a. Ela sentiu os braços redondos da mulher apertarem-na com força. Seu coração doeu e a garganta apertou, mas ela preferiu não chorar. Brianna nunca gostara de chorar. Ela afastou a mulher delicadamente de seu corpo. – Cleona… Eu… Eu sinto muito. Não queria te machucar. Você tem sido minha mãe por todo esse tempo... – os olhos de Brianna encheram-se com lágrimas que ela ignorou. – Mas eu me sinto perdida. O que eu estou fazendo, essa história de procurar um detetive, é absolutamente normal. Eu quero ser uma 12
  • 14. pessoa segura, não foi isso que você sempre desejou de mim? Você sabe que eu vivo entre realidade e fantasia, tendo que lutar dia após dia contra as minhas alucinações. O fardo está pesado demais. Eu preciso de respostas. Eu preciso de uma solução. – Você anda tendo aqueles sonhos estranhos novamente? – perguntou Iollan, que estava sentado à mesa, tomando seu café. Ele lançou um olhar indignado para Cleona. Brianna suspirou. – Às vezes... São sempre os mesmos. Eu, sinceramente, não sei mais o que fazer. Eu já não sei quando estou acordada ou ainda dentro do meu mundo de sonhos, vocês acreditam nisso? É estranho e assustador! Tento me concentrar em outras coisas, ocupar a minha mente de algum jeito, mas não resolve. Tomo os meus remédios regularmente… – Você ainda toma? – perguntou Iollan, cortando-a. – Eu já falei… – É, eu sei, eu sei. Mas como é que você quer que eu controle a esquizofrenia, Iollan? Você tem uma ideia melhor? – ele não respondeu. – Foi o que eu pensei. Então, a terapia não está surtindo efeito; os remédios são a única coisa que, realmente, me ajudam! – ela deu uma última mordida na maçã, jogou o resto no lixo e recomeçou – Além do mais, o Dr. Ackman disse que eu estou fazendo grandes progressos! Por causa dos medicamentos eu não tenho sonhado mais com tanta frequência. O cara entende de remédios, temos que admitir. – ela fez uma pausa. – O que eu quero dizer com esse falatório todo é que eu acredito que o meu problema é a minha identidade, ou a falta dela. Tenho certeza que essa história não esclarecida sobre o meu passado influencia a esquizofrenia e piora o meu caso. Se eu soubesse de onde eu venho, quem os meus pais foram, eu poderia talvez lutar melhor contra a doença... Ah, nem eu sei, viu! Iollan levantou e pousou sua xícara vazia no balcão. – Nunca mais use essa palavra, Brianna! Você não é doente! Os olhos de Brianna brilharam com as lágrimas que ela, mais uma vez, não deixou cair. Ela andou apaticamente até a porta do jardim, suspirou e olhou para o céu. – Por que é que não chove hoje? A chuva muito me convém hoje... – ela fixou o olhar no azul acima de sua cabeça, de repente, ela entrou em transe. – Namtú Êntí! – disse ela sem perceber. Ela girou os calcanhares e sentou-se pesadamente em uma cadeira. – Eu não quero mais ver essas criaturas estranhas. É um saco isso; é cansativo. Eu quero ficar saudável. Cleona evitava o olhar de Iollan. Um barulho vindo do céu cortou o silêncio. O trovão veio inesperadamente. – É chuva! – disse Brianna sorrindo. – Inacreditável! A chuva caiu pesada. Brianna correu para o telefone. – Até quando ela vai ficar controlando o tempo? – perguntou-se Cleona. Iollan balançou a cabeça negativamente para ela. Brianna subia a escadaria 13
  • 15. com o telefone na mão. – Alô? Anelise? Brianna. Você viu que chuva? Aquela aula ao ar livre, com certeza, não vai rolar. Estou ligando para dizer que não vou à faculdade hoje. Certo. Tchau. – Você entende agora? – disse Iollan irritado à Cleona. Cleona debruçou-se, contrariada, na pia. – É isso que você quer? Que ela continue a achar que é doente? Ou, melhor ainda... Você quer que ela acabe se perdendo em uma dessas viagens mentais e nunca mais volte? Você ainda se lembra do que aconteceu há um mês? A mulher estava calada, mergulhada em pensamentos. Claro que ela se lembrava. Aliás, jamais se esqueceria: A lua brilhava e parecia ainda maior que o normal. Noites de lua cheia preocupavam Cleona. Brianna sempre demonstrava um comportamento estranho quando a lua estava cheia, ela ficava sempre agitada e ansiosa. Já passara muitas noites ao lombo de seu cavalo, cavalgando pelos arredores. Mas não naquela noite; naquela noite a moça estava cansada. Cleona passava pela porta do quarto de Brianna quando ouviu: – Eu não sei se devo ir… A resposta da outra pessoa, ela não pode ouvir. Brianna voltou a falar. – É mesmo necessário que eu vá? Cleona encostou o ouvido na porta do quarto, ela não quis simplesmente entrar, podia ser que Brianna tivesse trazido uma amiga para passar a noite na casa, ou poderia ser um rapaz... Ela preferiu ficar onde estava e escutar. – Não… eu não posso ficar lá… Eu tenho coisas a fazer aqui… Como assim eu sou mais importante lá? Brianna falava pesada e pausadamente. Ela dormia, quanto a isso não restava dúvidas. A mulher já imaginava quem viera fazer uma visita as tantas horas da madrugada. Ela abriu a porta com um só movimento brusco. Lá dentro ela viu exatamente o que esperava ver. A noite soprava uma brisa fria para dentro do cômodo. O quarto estava intensamente iluminado pela brilhante luz azul da lua, o que lhe dava um aspecto fantasmagórico. O foco de luz lilás envolvia o corpo de Brianna, que levitava sobre a cama. – Cleona, você demorou a aparecer desta vez... – disse a voz jovem feminina, debochada. – Deixem-na em paz. – disse Cleona em um misto de raiva e medo. – Ela não está em paz. – respondeu a voz. – Ela conversa conosco. – Há quanto tempo vocês voltaram a entrar nos sonhos dela? Vocês sabem que ela está frequentando consultórios de médicos humanos de cabeça por causa dessas aparições de vocês! Ela toma remédios! – A culpa não é nossa! – disse a voz, mais irritada. – Você parece ignorar 14
  • 16. completamente a importância da princesa Brianna para nós! Ela tem que voltar! As coisas estão muito piores por aqui, a hora se aproxima. Precisamos fechar o Triângulo e.... – Eu direi a ela. – Dirá sim, claro que dirá… Mas, quando isso acontecer, já estaremos todos perdidos! O corpo de Brianna direcionava-se lentamente para a janela. – O que você pensa que está fazendo, Eachna?! – Eu vou mostrar a ela o mundo de onde veio, o mundo para o qual precisa voltar! – Não vai! – Você não nos deixou escolha, Cleona! – Eu falo com ela. Ao ser acordado por vozes, Iollan decidiu levantar-se. Ao ver uma luz lilás brilhar no fim do corredor, ele correu até lá. A luz vinha do quarto de Brianna, ele entrou rapidamente e viu que sua filha fora mais uma vez enfeitiçada, e, mais uma vez, uma feiticeira de Cillighan tinha ido até a Irlanda atrás dela. – Iollan! – exclamou Cleona aliviada. – Eachna… É você? – Claro que sou eu, Iollan. Eu não costumo mudar a cor da minha luz. – disse a voz, rindo amigavelmente. – Há quanto tempo está na Terra? Volte antes que perca energia demais! – disse ele, preocupado. – Eu sou bem treinada, e além do mais... é por uma boa causa. – Você não pretende fazer o que eu acho que você pretende fazer, ou sim? – ele perguntou cruzando os braços sobre o peito. – Se com isso você quer dizer que eu estou levando Brianna para Banshee, então você tem razão. Nesse meio tempo, Cleona já tinha corrido até Brianna e agarrado um dos braços pendurados da moça com seus dedos redondos e rosados. Iollan olhou para ela e sentiu pena. Cleona chorava. – Para mim, chega. – disse a voz, brusca. A luz colocou Brianna lentamente de pé e a moça começou a andar em direção à janela. Cleona tentava segurá-la, mas não era possível. – Pare com isso, Eachna! – Nós te avisamos, Cleona. A passos tranquilos, a moça caminhava e repetia em seu transe a frase: “Eu preciso ir.” Iollan fechou os olhos e respirou fundo, ele cantarolava quase que num sussurro uma canção estranha. De repente, o ar no quarto ficou mais frio, a luz da lua perdeu o brilho e Brianna parou imediatamente de se mover. A luz lilás 15
  • 17. brilhava mais fraca. – Iollan, solte-a! Eu vou trazê-la de volta para cá, só quero que ela veja Cillighan! – Eu sinto muito, Eachna, mas não desta maneira. Brianna já tem problemas demais. – Vocês foram longe demais. – disse a voz com forças renovadas, e a luz voltava a brilhar com intensidade. Brianna andava novamente, em direção à janela. – Eachna! – chamou Iollan, de seu transe, sua voz ecoava. – Eu entendo a sua raiva e sei que está coberta de razão... Mas eu te peço: não faça isso. Esse não é o momento. Você é sempre tão sensata! Brianna estava quase chegando à janela. Cleona congelara de medo e não sabia mais o que fazer. – Está certo, Iollan. Se você acha melhor assim, que seja. Respondeu o foco de luz e Brianna virou-se e andava agora em direção a sua cama. – Eu espero que o susto tenha servido para que vocês aprendam a lição. – disse a luz e desapareceu. Brianna deitou-se na cama e dormia, como se nada tivesse acontecido. Iollan desfez seu feitiço e encarava Cleona com feições enraivecidas. Lembrar daquela noite deixou Cleona em estado depressivo. Ela sabia que todos tinham razão, mas tinha medo de contar a verdade à moça. Ela limpou as lágrimas das bochechas e concentrou-se nos afazeres de casa. – Nós conversaremos sobre isso depois. – disse Iollan, saindo da cozinha. Em seu quarto, Brianna pensava na sorte que ela dera com a chuva que caía. Ela só teria essa única aula naquele dia, e não estava com vontade nenhuma de ir até a cidade só por isso. A chuva era um presente, era quase como se ela mesma tivesse feito chover. Ela não estava interessada em ouvir discursos de professores entediados que falavam a um bando de universitários ainda mais entediados; e isso tudo a céu aberto. No fundo, ela pensava em trancar a matrícula da faculdade. De novo. Ela já tinha passado por todas as profissões pelas quais já se interessou um dia. Ela já quisera ser historiadora, jornalista, artista plástica, arqueóloga, atriz, bibliotecária, revisora, personal trainer, e por aí vai. Um diploma ela não tinha, ela nunca terminara qualquer faculdade, a profissão certa jamais apareceu. Ainda assim, ela era culta; ela lia muito e aprendia com as pessoas aquilo o que elas tinham para ensinar de suas experiências de vida, tivera todo o tipo de emprego que um jovem poderia ter tido, e ela viajava. Viajava muito; o mundo tinha sido para ela a melhor e mais importante escola que visitara. Ela não sentia falta de ter uma profissão. Era um luxo que ela podia permitir-se; era o lado prático de nascer rico: ela podia fazer o que bem quisesse, quando quisesse, só precisava aplicar bem o seu dinheiro, e isso ela sabia fazer. Ao com16
  • 18. pletar a maior idade, ela assumiu as reponsabilidades de cuidar de sua fortuna. Brianna levava jeito para finanças e sabia estar financeiramente segura até o fim da vida. Isso porque tinha muito dinheiro. Ela tinha dinheiro demais. Ela tinha mais dinheiro do que precisava, mais até do que poderia gastar! Brianna tinha todos os predicados para tornar-se uma moça mimada e fútil, mas mantinha seus pés no chão. Ela fora criada para dar valor às coisas na vida que não tem preço, que não são compráveis. Esse foi também um dos motivos pelo qual ela trabalhara tanto, ela queria aprender o quanto era necessário suar a camisa para pagar as contas no fim do mês. E sempre que um determinado emprego ou chefe a irritava, ela pedia demissão, viajava e procurava outro quando voltava para casa, já fazia isso há anos. Muitas vezes ela pensava estar roubando trabalho de quem realmente precisava do dinheiro para viver, mas ela conhecia muitos jovens que preguiçosos o suficiente para pôr a culpa no sistema ao invés de levantar e colocar a mão na massa, esse conhecimento lhe aliviava a consciência. Mas Brianna não conseguia decidir-se pelo simples fato de não precisar escolher uma profissão, ela tinha a sensação de ter que cumprir um destino para o qual havia nascido, e ela sabia que não precisava sentar em uma cadeira de faculdade para isto. Ela tinha uma tarefa importante para cumprir na vida, isso ela sentia, só ainda não sabia o que era. Ela estava de pé na janela, observando as grossas gotas d’água arremessaremse com violência no chão, de dentro das nuvens cinzas, que pareciam tão fofas quanto algodão-doce. Ela sentiu cheiro de terra molhada, ela gostava dele. Com o canto dos olhos, ela pôde ver que seu cavalo estava lá fora e fazia de tudo para chamar sua atenção. Brianna sorriu ao notá-lo e perguntava-se quem havia deixado o animal sair do curral naquela chuva. Ela pensou em cavalgar e seu coração se aqueceu. Ela gostava de passar suas horas com seu cavalo: Pegasus. Não, definitivamente não havia sido a ideia mais criativa de todos os tempos chamar um cavalo branco de Pegasus, mas ele já tinha esse nome quando ela o conhecera e o nome permaneceu. De alguma maneira, ela achava que o nome combinava com ele. Pegasus era um belo cavalo forte e um ótimo ouvinte; sempre que ela tinha problemas, ela ia até ele e falava. Ela não sabia como era possível, mas ele passava a sensação de que ele a entendia e até mesmo a consolava. Mas ela só gostava de acreditar que era assim. Quando criança, ela desejou várias vezes que ele pudesse falar. Agora, lá estava ele, dançando na chuva e parecendo convidá-la para uma cavalgada. Ela sorriu novamente, trocou de roupa e desceu. – Aonde vai? – perguntou Cleona quando Brianna entrou na cozinha. – Pegasus precisa cavalgar. – Com essa chuva? E onde ele está com a cabeça? – Em cima do pescoço, onde mais? Ele é um cavalo, Cleona! – Muito engraçado! – Até mais tarde. Não me esperem para almoçar! Cleona quis protestar, mas Brianna já tinha saído pela porta do jardim. 17
  • 19. Mais tarde, na mansão, Cleona e Iollan brigavam. – Cleona, a hora chegou! Para falar a verdade, Brianna já é até velha demais! E ele tinha razão. Brianna completaria vinte e sete anos em pouco tempo e era uma jovem adulta. Contar a ela sobre Banshee nessa altura da vida seria muito mais difícil do que quando ela tinha dez anos. Cleona sabia disso, mas ela não queria mandar sua menininha de volta para Banshee. Ela não podia. Só de pensar nisso, seu coração doía. Quando Cleona pensou em argumentar ou simplesmente deixar o local, como ela, muitas vezes, fazia, eles ouviram a porta da casa abrir-se. – Éamonn?! – exclamaram os dois, surpresos. O velho alto entrou na casa e seguiu, sem dizer qualquer palavra, para o escritório. Cleona e Iollan seguiram-no, o que mais eles poderiam fazer? Éamonn gostava do escritório na mansão, ele mesmo tinha-o decorado. Havia muitos livros no cômodo. A menina tem que ler sempre, para que um dia aprenda que ela mesma pode definir a diferença entre o que é certo ou errado para si. Que pode e deve! Dizia ele a Cleona toda vez que ia visitar Brianna. O escritório tinha a aparência antiga, com suas paredes revestidas em mogno e suas poltronas de couro. Éamonn sentou-se pesadamente em uma delas. Iollan ficou de pé e Cleona sentou-se hesitante em uma poltrona de frente para o feiticeiro. O velho respirou fundo e encarou os dois por alguns longos minutos. Em seguida, ele tomou a palavra. – Cadê a nossa menina? – Cavalgando. – respondeu Iollan, serenamente. O velho riu e sacudiu a cabeça. – O bom e velho Pegasus. – disse ele. – Ele jamais a deixará desprotegida. O silêncio reinou por outros longos minutos. Calmamente, Éamonn encheu seu cachimbo com tabaco, que ele tinha trazido em seu sobretudo. Ele acendeu o cachimbo, deu um trago e deliciou-se por um momento com seu bom fumo. Então ele ficou sério novamente. – Como ela reagiu? Iollan ficou confuso. – Reagiu a quê? Cleona encarava o chão e estava pálida como uma vela. – Você não contou a ela? – perguntou Éamonn tão apavorado quanto alguém tão tranquilo pode ficar. – Contar o quê? A quem? Cleona, o que está havendo? – perguntou Iollan, visivelmente perturbado. – Já entendi, você também não sabe de nada… Então, meu caro, é melhor que você se sente. – disse o feiticeiro a Iollan, sem tirar os olhos de Cleona. – Depois da visita mais que desastrosa de Eachna à Brianna… Acreditem, eu não sabia o que as feiticeiras da Roda estavam fazendo nos sonhos de Brianna, eu jamais teria autorizado tal coisa. Mas eu confio plenamente em Eachna e, se 18
  • 20. ela acha que esse tipo de coisa é necessário, então ela tem razão! E o direito de tomar essas decisões ela tem de qualquer maneira, porque ela é a líder da Roda e porque ela é responsável por Brianna, em questões mágicas, como vocês bem sabem. Mas não é para falar sobre isso que eu estou aqui. Ele bufou e olhou para Iollan que tinha os dois cotovelos apoiados nas pernas e o queixo apoiado numa das mãos fechadas. O elfo já imaginava o que ouviria, mas não queria acreditar, simplesmente, não queria. – Bem, depois que Eachna esteve aqui eu descobri que Brianna ainda não sabe de nada! Eu descobri que vocês mentem para mim! – Iollan quis protestar, mas o velho fez um sinal com a mão para que ele se calasse. – Vocês mentiram para mim. Os dois! Cleona, eu sei porquê, pelo menos acho que eu sei, e você, Iollan, eu imagino que o tenha feito porque era muito importante para Eleanor que Cleona pessoalmente contasse à Brianna que… Bem, que contasse tudo! Iollan concordou um tanto envergonhado com um gesto de cabeça. Cleona parecia ter olhado nos olhos de Medusa: não se mexia, nem respirava. O velho revirou os olhos e continuou. – Depois disso, eu precisei tomar decisões mais drásticas: eu anunciei a chegada de Brianna em Cillighan. E agora Cleona moveu-se, somente para virar estátua outra vez. Ela olhou para ele, arregalou os olhos, e foi só isso. – Cleona, não me tire a paciência, você sabia disso! – disse o velho – Aednat me disse que entregou o meu bilhete nas suas mãos. Iollan também arregalou os olhos e girou a cabeça lentamente na direção da mulher. Ela não se moveu. – Foi necessário! – disse o feiticeiro. – Vocês estão na Terra e quase não sabem de nada do que anda acontecendo conosco. Não é fácil acalmar o Conselho. Eles querem respostas. Eles querem que uma outra pessoa governe no lugar de Brianna. Mas nenhuma outra pessoa pode governar no lugar de Brianna, porque… Ah, pelos Deuses, eu não preciso dizer isso a vocês! Vocês conhecem a história de frente para trás e de trás para frente. – Ele deu um trago em seu cachimbo. – Enda está mais difícil do que nunca, e ele quer ver a princesa ainda este mês, senão eu não sei o que ele fará. Eu ainda sou respeitado, mas isso pode mudar rapidamente. Eu não posso mais negar Brianna a ele depois de vinte e seis anos! Brianna é adulta e é mais do que crescida o suficiente para tornar-se rainha. Ela precisa conhecer seu povo, e mais importante que isso: seu povo precisa conhecê-la. Em Anurá, a filha de Eleanor já não passa de uma lenda. Por isso ela precisa partir imediatamente para Cillighan. É assim que o Conselho quer e eu concordo que nós não podemos adiar sua coroação ainda mais! O momento chegou! Ela não tem muito tempo para se preparar, a pobre menina. – Ele balançou a cabeça e tragou em seu cachimbo. – Este é o motivo pelo qual estou aqui: eu vou contar tudo à Brianna e levá-la comigo de volta para Banshee. – Então é isso… – Brianna estava encostada na porta; nenhum deles a havia 19
  • 21. visto ou ouvido. Nisso ela era boa: aproximar-se de mansinho, sem ser ouvida. Leve como um gato. Ela tentava não rir. – É assim que vocês querem me pedir desculpas? – perguntou ela, com um tom irônico na voz. Éamonn levantou-se e Brianna não conseguiu mais segurar o riso. – Desculpa – disse ela, eu não queria debochar do trabalho do senhor, eu fui pega de surpresa, só isso. Éamonn suspirou e olhou-a nos olhos. Tão linda como a mãe, pensou o velho, satisfeito ao estar frente a frente com a moça depois de tanto tempo. – Brianna, eu sou Éamonn Filho de Seihdja de Cillighan, Primeiro Conselheiro Real da Grande Rainha de Cillighan, capital do continente de Anurá do planeta Banshee. – Há! – Brianna riu. – E o que mais o senhor é? Um feiticeiro, por acaso? – As vestes do velho a tinham impressionado. – Exatamente. – respondeu ele. Brianna riu novamente. Éamonn não era exatamente a imagem de um feiticeiro poderoso de um reino distante que ela tinha em mente; ela conhecia tais feiticeiros de livros e eles eram sempre velhos de longos cabelos grisalhos e ainda mais longas barbas brancas, mas esse aqui, bem, era velho também, mas era negro e tinha cabelo e barbas curtas. O que era bem ousado, porque em terra de Dumbledore e Gandalf, Morgan Freeman era, no mínimo, estrangeiro. Ele olhava para ela e parecia sorrir com os olhos. Ele era tão simpático e confiável, que Brianna quase quis acreditar nele. – Certo, gente, eu vou entrar na banheira e deixo vocês discutirem a festa em paz, eu vou fingir que eu não sei de nada. Prometo. Eu gostei do tema dessa vez. Eu gosto de Fantasia – ela sorriu ternamente para os pais. – Obrigada, é fofo de vocês fazerem isso. Éamonn olhava confuso e irritado para Iollan e Cleona. – Brianna, por favor, sente-se. Precisamos conversar. – disse o elfo. Brianna sentia que a situação era séria. Uma energia estranha pairava no ar, energia essa que ela tentava ignorar. Imediatamente ela parou de rir e sentiu o coração doer, como ele sempre doía quando ela tinha medo. Ela olhou para Éamonn novamente; ela o conhecia de algum lugar, ela não sabia de onde, mas ela o conhecia. Sua voz, sua aura, sua energia. Ela começou a respirar mais rápido. Alguma coisa estava errada. – Eu não quero sentar. – ela respondeu mecanicamente e olhava para todos ao mesmo tempo, ela tentava esconder, mas estava em pânico. Iollan bufou e procurou as palavras certas para começar. Ele a observava: ela estava lá, imóvel, com as roupas e os cabelos molhados, parecia mais jovem. Ele a amava como se em suas veias corresse o mesmo sangue. Ele sentiu os olhos encherem-se d’água. Ele a havia traído, ele era seu pai e a havia traído. Ele jamais poderia ter deixado as coisas chegarem a tal pé. Brianna era sempre cheia de vida e escandalosa, parecia estar sempre feliz e parecia ser forte, mas ela não era. Ela 20
  • 22. era destruída por dentro e solitária; ela era tratada como uma pessoa com sérios problemas psíquicos e ele deixara isso acontecer. Ela não sabia porquê exatamente o fizera, mas agora já era tarde demais para remorso. Os grandes olhos castanhos de Brianna brilhavam à luz fraca do escritório, seus lábios estavam secos e tremiam um pouco, ela tremia por inteiro. Ele quase podia sentir o cheiro do medo dela. – Você prefere que eu conte a ela? – perguntou Éamonn, amavelmente, ao perceber o quão difícil aquela tarefa seria para o elfo. Ele contaria à sua filha uma história tão absurda que ela pensaria ser uma piada de mau gosto, mas ele teria que convencê-la de que era verdade e contar com a possibilidade que ela o odiaria por isso. – Não. – respondeu Iollan. – Esse é nosso dever… – ele pigarreou. Doía de olhar para Brianna, mas era necessário falar. – Nanna — o apelido que ele dera a ela quando era pequena —, desta vez nós não estamos planejando uma festa maluca de aniversário. Eles faziam isso todos os anos. Uma vez eles até chegaram a “roubar” seu carro do estacionamento da faculdade para ganhar tempo de preparar a festa antes que ela chegasse em casa. As festas já haviam tido todo o tipo de tema, desde princesas da Disney até Thriller do Michael Jackson. Para eles, era importante que ela não precisasse se lembrar que era uma órfã no dia de seu aniversário. E assim, a casa enchia-se todos os anos de jovens que celebravam sua vida. Iollan deveria saber que ela pensaria exatamente nisso quando visse Éamonn. Havia sido uma terrível coincidência que o feiticeiro estivesse ali no momento em que ela voltava para casa. Agora ele precisava contar a verdade e esperar que ela o odiasse. Iollan respirou fundo. – Nanna… os seus pais eram os Grandes Reis de um planeta distante chamado Banshee. Eles morreram na guerra. Cleona e eu fomos enviados com você para a Terra, até que você estivesse preparada para retornar à Banshee e tornarse a Grande Rainha. Brianna riu um riso quase inaudível, fino e desesperado. Ela não entendia porquê, mas todos eles pareciam, realmente, estar falando sério. Ela temia viver uma de suas alucinações misturadas com realidade. – Cleona, o que está acontecendo aqui? – perguntou ela à mulher que nada dissera durante o tempo em que ela esteve no escritório. – É verdade, meu anjo… – disse Cleona e tentava não chorar. – Por que vocês estão fazendo isso comigo? O que isso significa? Se isso for uma piada… Ela os olhava nos olhos, mas ninguém dizia qualquer coisa. Ela saiu do cômodo, pegou alguns calmantes na cozinha, vestiu a jaqueta e saiu para ter com Pegasus no curral. Éamonn sentou-se na poltrona novamente. 21
  • 23. – Ela nem sequer se lembra de mim… Essa história terá graves consequências para você, Cleona. Esteja certa disso. Brianna tentava não pensar em nada. Ela não compreendia como seus pais podiam fazer aquilo com ela. Ou eles não fizeram nada e ela havia tido uma visão apenas? Sentia-se confusa e algo dentro de si a dizia que aquilo tudo realmente havia acontecido, mas seu lado racional não permitia que ela aceitasse tal possibilidade. Ela chegou até Pegasus e abriu a porta de sua baia para que ele saísse. Ela ainda tremia. Cavalgar era a melhor coisa que ela poderia fazer agora. Ela precisava pensar com clareza. Ela teve medo de perder o juízo por completo. Então, ela teve um ataque de risos. – Mas se esse circo todo tem a ver com a minha festa, então esse Éamonn é um ator e tanto! – Éamonn não é um ator, Brianna. A voz firme e aveludada, soou em algum lugar acima de sua cabeça. Brianna levou um susto. – Quem disse isso? – gritou ela, na esperança de também assustar a pessoa que estava fazendo aquela brincadeira nada engraçada com ela. – Eu disse, Brianna. Eu, Pegasus! Brianna paralisou. O cavalo galopou alguns passos e ficou de frente para ela. Ela não conseguia se mexer. Seus membros estavam congelados. – Brianna, ouça… – continuou o cavalo. Brianna via a fuça do animal se mexendo e soube imediatamente que ela precisaria se internar em uma clínica psiquiátrica. E nisso em uma fase de sua vida onde sentia-se tão saudável, ela chegou a acreditar que tinha chances contra sua doença. – Você não é real! Brianna, ele não é real! Lute contra isso! – dizia a si mesma e tentava permanecer calma. Ela ousou dar um passo à frente, mas o cavalo lhe bloqueava o caminho. Brianna sentia seu coração bater mais forte e seu sangue esquentar nas veias. Ela fechou os olhos e contou até dez. – Brianna, por favor, me escute! Ela viu a boca de Pegasus mexer-se mais uma vez. Lentamente, ela puxou seus calmantes do bolso da jaqueta. – Brianna, não faça isso! Olhe para mim, por favor. – implorou o cavalo. Ela não queria chorar, mas não conseguia se conter, o medo deixou o sangue em suas veias paralisar; ela suava frio e tinha a sensação de não poder respirar. Ela conseguira passar pelo cavalo e andava lenta e insegura de volta para casa. — C’anâ Raneiím sey’darniêssá ginín alen seynja Diszumá. Foi o que o cavalo disse. Que a Deusa te proteja em todas as suas formas, foi o que Brianna entendeu. Ela parou. – Sabe por que você entendeu essa frase? – perguntou o cavalo. – É porque 22
  • 24. essa é a sua língua nativa. Agora, por favor, vire-se para mim, olhe nos meus olhos e você saberá que é tudo verdade. Ela assim o fez. Como que por magia, suas pernas levaram-na para perto do cavalo. Ela olhava-o intensamente; tocou-o. Ela decidiu dar uma chance à sua alucinação por um minuto. Era isso ou voltar para casa e entupir-se de medicamentos. Ela preferiu ficar. – Então… você… fala? – disse ela, hesitante. – Falo e… O cavalo retirou as belas asas brancas de sua pele. Brianna assustou-se e deu dois passos para trás. – Você voa! Ela estava tão impressionada com as asas de Pegasus que esquecera o quão absurdo aquilo tudo era. Involuntariamente, ela sorriu. Um tanto amedrontada, ela tocou-as. As asas eram reais e tinham a textura das asas de um pássaro. E eram majestosas. – Você é um cavalo alado, eu não acredito! – e então ela se deu conta: – Não, não, não! Você não é O Pégaso, certo? O da Mitologia? – O símbolo da imortalidade. Aquele que nasceu do sangue de Medusa quando esta foi decapitada por Perseu. – respondeu o cavalo, como alguém que contava a mesma história pela milésima vez. Ele soava entediado. – Mas isso é impossível… Na escuridão, a silhueta de Éamonn começava a aparecer. – Imagino como deve estar confusa Brianna, mas seu povo precisa de você. – Até ontem vocês viveram sem mim e agora vocês precisam de mim? Difícil acreditar. – respondeu Brianna, ríspida. – Seu medo justifica a sua hostilidade, filha. Brianna não baixou os olhos, ela encarava-o e aguardava por respostas. – Sua mãe, com certeza, não disse à Cleona para esconder de você quem você é. Você é importante. Para o seu povo você é essencial, e para tantas outras coisas… Mas os segredos da guerra ainda não serão revelados para você, não por enquanto. Há muito o que você precisa aprender. O melhor é que você venha logo amanhã de manhã para Cillighan. Lá você aprenderá tudo o que precisa saber. Brianna quis responder, mas o feiticeiro cortou-a. – Eu sinto muito que tenha que descobrir as coisas desta maneira, Brianna, mas isso é quem você é e nada que você diga ou faça mudará isso. Eu te vejo amanhã. Ah, não leve nada, você não precisará de nada deste planeta em Cillighan. Boa noite, Pegasus. – Boa noite, Éamonn. – respondeu o cavalo e olhou para Brianna. Agora ela já não mais estava amedrontada, agora ela estava com raiva. 23
  • 25. Capítulo II As horas passavam devagar. O mundo de Brianna estava desabando. Do dia para a noite se viu princesa de um planeta que ela julgava irreal. Tudo parecia um de seus sonhos estranhos. Ela ainda temia que sua imaginação estivesse lhe pregando uma peça. Ela custava a entender, e se fosse sincera consigo mesma, ela saberia que no fundo ela desejava que tudo fosse um sonho. O dia mal amanhecera e ela já estava de pé. Vestiu-se: uma calça jeans, uma camisa pólo azul e botas pretas de montar. Devagar, Brianna desceu as escadas. Ainda tinha dúvidas se o encontro com Éamonn e as asas de Pegasus eram reais ou só um sonho. Desconfiada, ela chegou ao jardim pela porta da cozinha. Lá fora, Pegasus a aguardava. Ela suspirou e olhou uma última vez para a mansão atrás de si. – Minha linda, – era a voz de Cleona – me perdoe… – Não há nada para perdoar, Cleona. Eu só quero ter certeza de que isso está mesmo acontecendo. Os dois só acenaram positivamente com a cabeça. – Vocês não vêm? – perguntou Brianna, amedrontada. Mais essa agora. Sozinha em outro planeta. Que ótimo! – Sim. – respondeu Iollan. – Éamonn vai mandar alguém para nos buscar. Mas primeiro precisamos pôr “fim” à nossa vida terrena. – Ele piscou para ela, com um olhar um tanto triste. Ele sentia pena dela. As palavras de Iollan acertaram Brianna como um tapa. De repente, ficou claro para ela que teria que deixar a Terra. Seu nível de estresse subiu. Ela respirou fundo e montou. Partiram. Pegasus aumentou sua velocidade e deu um salto. Eles atravessaram um portal invisível e pousaram em Banshee. Tudo aconteceu tão rápido que Brianna nem sequer se dera conta de que já se encontrava em um outro planeta. A mais do que curta viagem interplanetária deixou Brianna enjoada. Ela apertou os olhos, eles doíam. Estava quente em Banshee, o verão estava em seu auge. O sol brilhava em Banshee de uma maneira diferente, mais amarelo, mais suave, seu calor não agredia a pele como na Terra. O ar estava um pouco seco e a brisa fresca era agradável. Brianna sentiu-se bem com o clima, ela detestava umidade. Eles haviam descido em uma praia. Ela respirou fundo, sentiu o cheiro da maresia e o gosto salgado das gotículas de água que vinham das ondas que tocavam suas botas. Pegasus virou-se para o mar. Era lindo. Seu azul era intenso 24
  • 26. e suas águas cristalinas. Brianna pôde ver criaturas pulando da água no horizonte e sentiu seu sangue congelar em suas veias. – Não pode ser… – ela murmurou. – Exatamente: sereias! – disse Pegasus. – O povo dos mares, com certeza, já ouviram sobre sua chegada. Para ser sincero, eu acho que toda Banshee já sabe sobre sua chegada. Brianna tremeu. Ela olhou mais uma vez em volta. A praia estava deserta, a areia era branca como farinha. Em algum lugar, bem longe, à sua esquerda, ela viu um pequeno porto onde homens e mulheres trabalhavam. Ela viu pescadores aproximarem-se e entregarem as redes cheias àqueles que esperavam no cais. Pegasus galopou lentamente para fora da praia. Brianna viu as montanhas rochosas ao longe e os campos de plantações aos arredores daquele local que ela não sabia como se chamava, mas ela gostava da paisagem. – Pegasus, mas um dia você me conta melhor essa história de você ser uma figura mitológica, faz favor? – perguntou Brianna, que já havia esquecido desse detalhe mais que importante sobre seu melhor amigo e imaginava quantos anos ele deveria ter. O cavalo riu. – Conto sim, conto sim… Os humanos são tão fáceis de manipular! E gostam de um boato, viu! Vou te contar! – ele bufou riu novamente. Brianna foi obrigada a concordar e riu também. Por alguns minutos, ela conseguiu esquecer de seu destino e esqueceu também o seu medo de estar sonhando. Ela observava a paisagem literalmente fantástica de Anurá e começava a admirar seu novo mundo. – Prepare-se, Brianna. – disse Pegasus, que percebeu o quanto a moça estava encantada com o lugar. – O que verá daqui para frente não será assim tão bonito. – ele preferiu avisá-la. Um frio desceu por sua espinha. Ela sentiu a mão invisível da responsabilidade, uma mão gelada, forte e violenta que envolvia sua garganta e a apertava. Galopando devagar, Brianna pôde prestar atenção aos detalhes de seu mundo. Depois de passar por uma pequena floresta de árvores altas, ela entrou nos domínios da cidade de Shanrúa. Uma imagem de horror encheu seus olhos: a visão cinza das aldeias queimadas, janelas quebradas, telhados aos pedaços. A cena a deixou petrificada. Lavouras inteiras destruídas. Homens tentavam recuperar o que sobrou delas com a expressão cansada da desesperança nos rostos. Shanrúa era uma cidade relativamente grande, com cerca de doze mil habitantes, e era também uma das mais antigas e importantes do continente Anurá. Sua principal fonte de renda era a comercialização da mercadoria produzida pelos moradores da cidade, de Cillighan e pelos vilões do norte e centro-oeste de Anurá. O mercado de Shanrúa era conhecido e disputado pelos moradores do continente. Lá se encontravam as melhores curandeiras, os melhores tecidos e os melhores artigos de cosméticos. Uma cidade bonita, com lagos, córregos 25
  • 27. e gramados, muito alegre com suas famosas tavernas grandes e cerveja barata. Shanrúa era também segura, com poucas guildas, que eram devidamente controladas pelos guardas enviados de Cillighan. Em Shanrúa também encontravam-se a Academia Shanruana de Magia Branca e a Academia Shanruana de Armas e Guerra, onde muitos dos magos e soldados aprendiam suas profissões, e onde outros estudavam para adquirir conhecimento básico e tentar uma vaga nas academias de elite de Cillighan, a Academia Nitzariana de Magia e Alquimia, e a Academia Nitzariana de Guerra e Armas. Brianna preferiu não entrar em Shanrúa e sentiu-se aliviada que ninguém a viu passar com Pegasus por detrás dos muros da cidade. Eles galoparam com velocidade por mais ou menos uma hora. Brianna passara por lindas florestas e vira ainda mais vilarejos destruídos ao longe. Entrando nos domínios de Cillighan, a capital de Anurá e cidade da Grande Rainha, ela foi obrigada a passar pelas áreas habitadas. Criaturas, algumas verdes, outras muito pequenas, umas parecidas com seres humanos, outras com orelhas pontiagudas, começaram a se aglomerar ao ver a moça que passava com roupas estranhas. – É ela! – uma mulher gritava com euforia. – É a princesa! – Eu tinha certeza de que ela viria no tempo certo. Pelos Deuses! Como ela parece a rainha Eleanor! – gritou uma outra, com os olhos cheios d’água. – Princesa! – uma mulher gorda e pequena, que Brianna julgou ser um duende, carregava uma criança vermelha nos braços. – Ajude o meu filho, alteza, ele está doente, não sabemos que peste é essa. Por favor, princesa. A moça não sabia o que falar nem o que fazer, estava assustada e triste com tudo o que estava vendo. Pegasus galopava a passos incertos, tentando proteger Brianna da população que já os cercava. – Deixem a princesa em paz! – disse Pegasus com rispidez. – Ela visitará as aldeias assim que puder, mas agora ela precisa descansar! As pessoas tentavam tocar em Brianna, ela sentiu mãos agarrarem suas pernas e quis soltar um grito que lhe ficou preso na garganta. Pegasus relinchou e assustou algumas pessoas que chegaram para o lado, ele aproveitou a oportunidade, apressou os galopes e levantou voo. Eles deixaram súditos saltitantes e chorosos para trás. Brianna estava estática. Ela queria voltar para casa. Ela queria que tudo fosse um sonho. Longe de todos os curiosos, o cavalo desceu, seguindo até uma muralha colossal de pedras brancas. Os portões foram abertos às ordens de um guarda. Foram recebidos por um homem sério que tentava esconder sua euforia. Ele fez reverência a ela. – Seja bem-vinda, princesa. – Obrigada. O cavalo entrou com a jovem, que pôde, finalmente, ver o que a esperava. 26
  • 28. A cidade era muito maior do que ela havia imaginado. Cillighan tinha cerca de cento e noventa mil habitantes, era famosa por suas academias de elite, seus perfumes, pela disciplina de seus soldados e, claro, por ser o país da Grande Rainha. Brianna viu-se em um grande pátio de entrada com caminhos de pedra clara e algumas árvores decorativas. Haviam lâmpadas pelo caminho, tavernas, mercado de rua, lojas e ruelas. Brianna estava cercada por prédios altos e limpos. Cillighan passava uma impressão organizada, tranquila e rica. Um pouco afastado da entrada da cidade, sobre uma colina, estava o seu castelo. Imponente. Parecia querer guardar a cidade. Ele era branco, tinha muitas torres e transmitia algo acolhedor. A fachada fazia Brianna lembrar do castelo de Chambord, na França. Brianna viu-se, novamente, cercada por súditos curiosos. Que não ousavam soltar uma palavra sequer. Estavam quase que hipnotizados ao verem a moça de roupas diferentes. Eles sabiam que ela era a filha de Eleanor, e ainda assim, nada disseram. Pegasus cavalgava com a princesa em direção ao castelo, onde ela já estava sendo esperada. Eles puderam perceber que a moça evitava seus olhares, que ela tinha olheiras em volta dos belos olhos castanhos, que seus pulsos estavam brancos pela falta de sangue causada pela força excessiva com a qual ela segurava as rédeas do cavalo. Ela parecia amedrontada e fingia segurança. Brianna aproximou-se de seu castelo e uma coisa em sua fachada lhe pareceu estranha. Algo vermelho ao redor da construção. Nem parecia fazer parte do prédio. Na frente do castelo, Éamonn estava à sua espera, com duas jovens aias. Ele preferiu evitar uma comissão festiva para receber a jovem, ele sabia que ela teria problemas em se adaptar. Brianna percebeu que as pessoas passavam por ela e recebiam olhares ameaçadores dos soldados da guarda sempre que se aproximavam muito. A princesa era um tabu. – Bem-vinda à Cillighan, Brianna. – disse o mago. Ela sorriu cansada e forçadamente. Desceu do cavalo. – Gostou de seu velho novo lar? – perguntou Éamonn, sorrindo. – Muito. É… lindo. – ela apertou os olhos contra os raios intensos. – Só não entendi aquela coisa vermelha e escamosa envolvendo o castelo. Assim que a frase acabou, “a coisa vermelha e escamosa” desenrolou-se das torres. Observando atentamente, Brianna acompanhava os movimentos da coisa, curiosa. Ela soltou um grito ao ver a cabeça enorme e cheia de chifres aparecer à sua frente. – É! Eu sempre causo essa reação nas mulheres. – disse ele, com senso de humor. – Permita que eu me apresente, princesa. Sou Bangus, seu criado. Brianna andou dois passos para trás e encostou em Pegasus. – Você é um… – disse Brianna, ainda ofegante. – Dragão? Por certo que sim. Bangus desenrolou seu corpo vermelho e pesado das pedras e pousou as quatro patas gordas no chão à sua frente. Ele era um gigante. Abriu as asas, que 27
  • 29. quase cobriram a luz do dia. – Você é incrível! – exclamou Brianna, admirada e incrédula. – Cospe fogo? – Só quando me esquento. Ela riu. – Bangus é um velho amigo, Brianna. – disse Éamonn. – Ajuda-nos a fazer a segurança do reino há muitas gerações. Agora venha, vou te mostrar sua nova vida. – ele olhou para as duas mocinhas demasiado entusiasmadas a seu lado. – Essas são Dalyce e Edana, suas aias. Agora seguirei com você até seus aposentos reais, onde poderá trocar de roupa, depois a esperarei para conversarmos sobre tudo o que precisa saber. – Eu também preciso descansar. – disse Pegasus. – Nos veremos em breve. – Está certo. Brianna beijou-o e entrou, um soldado acompanhou Pegasus até sua baia. A princesa seguiu com Éamonn e as criadas para o interior do castelo. Brianna observava o lugar com atenção. Nos corrimões da escadaria principal, duas estátuas de tigres brancos com a aparência espantosamente real, uma à direita e outra à esquerda, sobre pilastras de mármore. Um hall gigantesco, chão claro de uma pedra que Brianna não conseguiu identificar. O teto era arqueado. Brianna subiu a escadaria coberta com um tapete vermelho. Lá em cima, ela encontrou um corredor que parecia não ter fim. – Por aqui, princesa. – disse Dalyce, uma menina ruiva de uns quinze anos. O parquet do corredor brilhava por debaixo dos tapetes à luz matinal. Brianna engoliu a seco, e ainda que estivesse assustada, tudo lhe parecia estranhamente familiar. Edana sorriu-lhe amavelmente como se estivesse diante de um ídolo. Ela tinha, aproximadamente, dezessete anos, branca, cabelos negros, lisos e compridos. A garota era dona de um comportamento infantil e encantador que agradou a princesa. As mocinhas abriram uma porta branca com detalhes dourados. – Seus aposentos, alteza. – disse Éamonn. Brianna entrou em um quarto que era muito parecido com o seu na Irlanda, como pôde perceber. Cama de madeira, tapete vermelho no chão e as cortinas em vinho. Só que o quarto em Cillighan era, pelo menos, quatro vezes maior que o seu na mansão irlandesa. Ela viu uma tina de madeira posicionada no meio do quarto, e percebeu que uma diferença relevante entre os dois era a falta de um banheiro. Ela não achou esse fato nada engraçado. – Brianna – disse Éamonn –, as aias te ajudarão a se banhar e se trocar. Aguardarei você na Sala de Reuniões junto com membros do Conselho, onde discutiremos as suas primeiras ações como princesa e a sua coroação. Nos vemos em uma hora. Ele sorriu e saiu, fechando a porta atrás de si. – Está certo. – respondeu Brianna, assoberbada. – Deseja banhar-se, alteza? – perguntou Dalyce, compenetrada em sua fun28
  • 30. ção. – Claro. – respondeu Brianna, vacilante. Um banho não seria uma má ideia, havia acordado naquela manhã e apenas entrado nas roupas, a água poderia ajudá-la a assimilar melhor a situação. As duas criadas começaram a despi-la, mas Brianna não gostou disso. – Ei, ei, ei! Está tudo bem, eu posso fazer isso sozinha. – De forma alguma, vossa alteza, – protestou Dalyce – isso é tarefa nossa. Fomos ensinadas a… – Entendo perfeitamente, mas há certas coisas com as quais eu não estou familiarizada, e essa seria uma delas. Eu faço isso, pode deixar. A menina sorriu. – Como é a Terra, alteza? – perguntou Edana, curiosa. – Edana! – repreendeu Dalyce, lançando um olhar furioso para a outra. – Está tudo bem. Eu posso explicar, Dalyce. É esse seu nome, não é mesmo? A mocinha abaixou a cabeça e acenou positivamente. – Não precisa ser tão formal comigo. Até ontem nem sabia que era uma princesa. Posso responder perguntas e conversar, como garotas fazem, pode ser? No meu caso, como uma irmã mais velha. Ainda de cabeça baixa, a menina ruborizou e sorriu de leve. – Pois então, alteza, conte… Como é a Terra? Edana parecia empolgada e alegre, e embora fosse mais velha que Dalyce, era visivelmente mais imatura. Brianna suspirou e tentou formular suas palavras. Explicar à alienígenas como a Terra funcionava nunca esteve em seus planos. Ainda achando sua tarefa um tanto estranha, ela quis ser educada e começou, sem saber exatamente o que dizer: – A Terra é um lugar estranho, sem dúvidas… Hmm… Bem, os seres humanos têm uma capacidade incrível de fazer a coisa errada. Se acham inteligentes e evoluídos, mas estão destruindo o próprio planeta onde vivem. Criam máquinas impressionantes para chegarem a outros planetas, e nem sequer conseguem diminuir o consumo de água. Gastam milhões em carros e joias, mas raramente presenteiam alguém com um sorriso amigo. São egocêntricos e egoístas. Tem também esse ou aquele terráqueo que tem um bom coração e acredita poder melhorar a vida na Terra, e realmente faz algo para mudá-la, só que, sincera mente, eles são a minoria. Guerras e blefes também são constantes! Se matam em conflitos religiosos e esquecem o verdadeiro significado de suas religiões. – Ela suspirou. – É. Assim é a Terra – concluiu. E era assim que Brianna via a Terra. Ela viajara o bastante na vida para saber que havia mais humanidade lá onde não haviam condições, e mais condições lá onde não havia humanidade. E isso já fora o suficiente para que ela perdesse a fé nos homens. Ao fim de seu discurso, as meninas e ela mesma estavam em silêncio. Elas haviam escutado que a Terra era bonita e os humanos inteligentes, 29
  • 31. ou pelo menos, elas acreditavam que era isso que haviam ouvido. Talvez elas simplesmente gostavam de acreditar que era assim, porque a Terra era o único planeta que se parecia com Banshee e se a Terra ia bem, haveria uma boa chance de que Banshee também ficasse bem um dia. Agora as suas esperanças estavam abaladas. No silêncio desconcertante provocado por suas palavras, o silêncio que tão alto gritava em seus ouvidos, Brianna permitiu que as aias lhe despissem. Ela ouvira histórias sobre seu mundo, enquanto as meninas lhe lavavam os cabelos e massageavam sua pele com óleo de cheiro. Elas falavam sobre traições, tentativas de golpe de estado, pobreza, fome, covardia e fadas. Triste, ela se deu conta que a única coisa que a assustara nas histórias contadas por suas aias, foi o fato de existirem fadas em Banshee. Porque o resto ela já conhecia de casa. 30
  • 32. Capítulo III – Então… Quais são as novas? – A princesa retornou. – respondeu a voz de dentro do espelho que ele trazia nas mãos. – Mesmo? Interessante. E o que ela vai fazer? Tentar reunificar Banshee? – Tudo indica que ela o fará. – Compreendo… O silêncio pairou por alguns segundos e ele pôde ver no rosto de seu espião que ele estava com medo. Ele havia mudado desde que Éamonn anunciara o retorno de Brianna. – Agora eu preciso ir. – disse a voz. – Está comigo, não está? – Eu tenho outra escolha? – respondeu a voz em tom amargurado. – Claro que sim, mas sabe das condições. A imagem do espelho estava turva e o rosto não aparecia com clareza, ainda assim, ele pôde ver o ódio crescer nos olhos de seu espião. – Pode retirar-se. – disse ele finalmente. Uma nuvem de fumaça apareceu dentro do espelho e desapareceu novamente. Agora tudo o que ele podia ver eram seus próprios olhos preocupados. – Cass! – gritou ele. Um homenzinho entrou correndo no Salão do Trono. – Sim, majestade? – Chame-me Bogart. Imediatamente. – Como quiser, senhor. O homenzinho fez uma rápida reverência e saiu correndo novamente pelos corredores. Pouco depois, um xian de quase dois metros de altura, pousou seus olhos nos olhos do “rei” Niall. Bogart e seu povo serviam à Maleficus Animus desde que foram rejeitados por Nitzará e Deímanon, por serem frutos da união entre Elaniel e Lashtaróth, um anjo e um demônio. A história desse romance inusitado teve início em meio à guerra divina pela posse de Mãe Amor: Os então anjos da Darinê al Teniânzará (Ordem da Salvação) lutavam in31
  • 33. cansavelmente contra os demônios da Darinê al Seluranan (Ordem da Conquista), no vazio Lenarien alen Vaíquiren (Deserto das Perdições), em um planeta não habitado, em uma galáxia distante. De alguma maneira, durante as batalhas, Elaniel e Lashtaróth encontraramse. O que exatamente os atraíra permanecia um mistério, mas ambos acabaram atingidos pelo sentimento pelo qual brigavam. A paixão avassaladora promovera encontros cada vez mais arriscados; o perigo empolgante os tornava mais próximos dia após dia. Por muito tempo conseguiram esconder o romance com sucesso, mas à medida que o amor de um pelo outro crescia, os cuidados diminuíam. E a desgraça dos dois veio com o primeiro xian. – abreviação de xian’naró: mestiço. No deserto, um bebê-monstro denunciara a relação de Elaniel e Lashtaróth. Uma segunda guerra iniciara, agora pela honra de manter as raças “limpas”; o neném bizarro foi aprisionado, e pela primeira vez, ambos os lados concordaram: a criança tinha que desaparecer. Num ímpeto de loucura, Lashtaróth quis invadir a conferência entre os Deuses para rever seu filho. Mas acabou sendo convencido por Elaniel a fugir. A criança foi morta. E assim que o desaparecimento de seus pais fora anunciado, os Deuses escreveram uma nova lei: Os traidores jamais poderiam ser aceitos nem em Nitzará nem em Deímanon, e xians deveriam ser caçados e exterminados. Após milênios, a lei fora esquecida, – mesmo porque anjos e a raça de demônios a qual Lashtaróth pertencia foram extintos na guerra do deserto, – mas xians, que misteriosamente continuavam aparecendo, ainda eram vítimas de preconceito. A aparência assustadora e a lenda vergonhosa de sua origem mantiveram todos os povos afastados dos estranhos xians, até que um dia, em Banshee, sua incrível força física foi descoberta por um membro da Maleficus Animus, que ofereceu abrigo às solitárias criaturas em troca da aliança à irmandade. Ao lado da Maleficus Animus, os xians sentiram-se respeitados, e decidiram seguir os caminhos impostos por Sanerán, – ainda que soubessem que o Deus das Sombras houvera proibido sua entrada em Deímanon. Mas o tempo cura todas as feridas, e as lembranças que não são bem-vindas, vão sendo reprimidas. E então, eles perdoaram seu deus. Naturalmente, alguns xians, como Bogart, interessaram-se em descobrir o paradeiro de seus pais e perguntar o porquê. O porquê da união bizarra. O porquê da fuga. O porquê do abandono. Mas, assim como a esperança, as perguntas perderam um dia seu sentido. Hoje, o general Bogart lutava somente para proteger a vida de Murtagh, com a sua própria, se necessário. Seu mestre. O único que o aceitara com todas as imperfeições de sua aparência – um lado anjo e outro demônio; asas negras que não voavam. Somente para realizar os desejos do líder da irmandade, Bogart aturava Niall, 32
  • 34. de quem não gostava, e em quem não confiava. *** Em cima de sua cama, Brianna encontrou um vestido no mais fino estilo medieval. Já havia visto vestidos assim na internet e em filmes, mas jamais pensara em usar um. Sim, ela pensara, mas acreditava que seria ridículo fazê-lo. O vestido azul-céu realçava suas curvas arredondadas e sua cintura fina. – É lindo. – disse ela, segurando o vestido. Dalyce e Edana ajudaram-na a se vestir. – Sente-se aqui, alteza. – disse Edana, sorrindo. Brianna sentou-se em frente ao espelho. As duas jovens rapidamente pentearam-na e lhe fizeram uma trança. Ela viu que sua penteadeira estava cheia de frascos de vidro, pegou um e abriu-o. Era perfume e cheirava tão bem quanto o melhor dos mais cobiçados perfumes de grife que conhecia. Ela sorriu e borrifou-se com ele. Ela levantou-se para se ver melhor no espelho. Agora posso parecer uma princesa da Idade Média ou algo assim, de jeans ficava muito mais difícil. – E agora… Para onde vamos? – Venha conosco, por favor, alteza. – disse uma das jovens. Brianna seguia pelos corredores atrás de suas aias. E tentava esconder que tremia; que suas mãos estavam frias como gelo, que seu coração ameaçava parar de bater a qualquer segundo. Ela respirou fundo, levantou o queixo e evitou olhar para os guardas pelo caminho, que fingiam não observar cada um de seus passos. As aias abriram uma porta. A primeira pessoa que Brianna viu foi Éamonn. Ele estava sentado à uma mesa com aproximadamente trinta cadeiras. Brianna sentiu-se desconfortável ao perceber o tamanho do cômodo. Era decorado com prateleiras com livros, e havia uma lareira grande ao fundo com um brasão preso acima. Era um dourado triângulo invertido que trazia dois tigres em alto relevo. Esses tigres de novo, pensou Brianna. Por trás deles uma flor de três pétalas e um olho. Brianna já havia visto aquilo alguma vez, só não lembrava o que era. – O Olho de Hórus! – disse Éamonn, e arrancou Brianna de seus pensamentos. Brianna despertou embaraçada. – O Olho de Hórus – continuou o feiticeiro, que havia levantando e agora já andava em sua direção – traz proteção e ajuda a estimular a clarividência do terceiro olho. A princesa pareceu confusa. – Logo entenderá. – disse o velho, docemente. Brianna levantou os olhos e pôde ver alguns homens. Alguns estavam vestidos com túnicas, calças de couro e botas, outros usavam um longo manto, assim como o de Éamonn. Brianna imaginou que eles deveriam ser feiticeiros. 33
  • 35. Mas um dos homens, em especial, chamou a atenção da jovem. Ele tinha a pele bronzeada devido ao intenso verão de Banshee, um rosto masculino, cabelos curtos, escuros, os olhos castanhos, os ombros tensos e o corpo bem definido. Mas o que mais intrigou Brianna foram as feições duras: ela as estranhou em um rosto tão bonito. – Alteza – disse o feiticeiro –, esses são os homens dos quais você mais precisará. – ele apontou um homem branco, com cabelos quase grisalhos, alto, de seus cinquenta e poucos anos. – Este é Enda, um dos conselheiros mais importantes deste continente, que esteve junto comigo e naturalmente com os nossos outros conselheiros, governando Cillighan, Anurá e de certo modo, toda Banshee, nessas décadas em que ficamos à sua espera. – Estaremos sempre aqui quando precisar, Vossa Alteza. – disse o homem, educadamente, que não soava sincero. Éamonn continuou: – Esse é Lugh… Brianna, que já estava com os pensamentos em outro lugar, levou um susto ao ouvir o nome e engasgou-se ao tentar falar com o Éamonn. Ela tossia descontroladamente e o feiticeiro não conseguiu terminar sua frase. – Skywalker? – disse ela, incrédula e visivelmente confusa. Ela tossia. Todos a olhavam sem entender nem mesmo uma palavra do que ela disse. Muitos acharam o comportamento espontâneo daquela que seria sua Grande Rainha um tanto quanto inapropriado. Brianna percebeu que o feiticeiro ainda estava apontando para o homem que lhe tomara a atenção minutos antes: o capitão da guarda. Ela tentava conter o riso. Na verdade, ela estava achando a confusão hilária. – Ôh! – disse ela, e tentava controlar seu ataque de risos. – Você disse Lugh e não Luke, certo? – ela respirava fundo para não rir, mas estava difícil. – É que eu pensei… Sabe? – um silêncio constrangedor pairava no ar. – Assim, aqui é para mim, tipo uma terra de fantasia, quando eu olho a maneira como vocês estão vestidos… – ela só estava piorando a situação, mas continuou e seu rosto já estava vermelho tamanha força que fazia para não rir. – Aí, eu pensei… Poderia ser que… Talvez… Eu quero dizer… Sei lá, vai que… – Brianna sentia os olhares chocados dos presentes lhe queimarem a pele, mas ela não conseguia se segurar. – Alguém de vocês conhece Guerra nas Estrelas? – nenhuma reação. – Claro que não. – respondeu ela a si mesma e colocou a mão na boca, mas o tremor de seu corpo revelava que ela ria. E quanto mais ela tentava concentrar-se para não rir, mais engraçada ficava a situação. Seus olhos já estavam cheios de lágrimas e a garganta arranhava. Ela respirou fundo, mas de segundo em segundo era possível ouviu o som gutural da gargalhada que queria explodir. Os homens pareciam embaraçados e confusos. Alguns pigarreavam, outros folheavam documentos. A situação era constrangedora. Excessivamente constrangedora. 34
  • 36. O único que entendera Brianna fora Éamonn. Entre as décadas de cinquenta a oitenta, o feiticeiro havia sido um dos espiões de Banshee na Terra que visitavam o planeta algumas vezes no ano. Ele acabou por tomar gosto pelo o que os terráqueos chamam de filme. Sempre que podia, ele vestia-se como um deles, comprava sua pipoca doce e entrava em um cinema. Guerra nas Estrelas ele jamais esqueceu. Era fã assumido da princesa Leia. Éamonn também queria rir da situação, mas o velho feiticeiro tinha muito mais controle sobre si que a princesa, então ele não riu. Depois de alguns minutos, que mais pareciam horas – minutos onde os presentes tentavam, bravamente, fingir que Brianna não estava tendo um ataque de risos – a moça acalmou-se. Finalmente. – Encantada… – disse Brianna a Lugh, com a voz estranhamente fina, na qual ainda ouvia-se restos de seu ataque de risos. O charmoso capitão Lugh fez uma leve reverência. Fora educado, porém impessoal. Lugh tinha belos e penetrantes olhos castanhos, mas eles pareciam infelizes. Brianna, finalmente sentou-se. À cabeceira da mesa. Na cadeira da rainha. – Estamos aqui, Vossa Alteza, para esclarecer à senhorita o seu novo mundo. Mostrar-lhe os reinos e explicar a que pé a guerra se encontra. – disse, com a velocidade de um piloto de Fórmula 1, o tenente Cahan, que era loiro, lindo, tinha brilhantes olhos azuis e seus trinta anos. – Desculpe-me, alteza… eu sou o Tenente Cahan. – disse um Cahan envergonhado que ao ver sua princesa pareceu perder a noção de boas maneiras e que, também, logo ganhou olhares fulminantes de seu capitão, que já não gostava dele. Brianna sorriu. – Sem tantas formalidades, por favor, tenente. Está tudo bem. Afinal, eu também preciso de amigos por aqui, não? – e ela piscou para ele. O jovem fez que sim com a cabeça e ruborizou. Eles sorriam um para o outro. Lugh revirou os olhos. Ele era, basicamente, contra tudo e qualquer coisa que Cahan fazia. O capitão nutria um ódio inexplicável pelo seu melhor tenente. Cahan só permaneceu no exército por ser, realmente, um excelente militar: ágil, disciplinado e leal. Mas, se Lugh pudesse escolher, ele já teria sido expulso há muito tempo. O capitão Lugh fora grande nome da guerra até ali, tornando-se uma lenda viva quando, ainda um menino, organizou os guerreiros para saírem em busca dos reis desaparecidos, sendo posto na posição de capitão por unanimidade. Desde que chegara em Cillighan, ainda criança, ele treinava ininterruptamente na Academia Nitzariana de Guerras e Armas e acabou por virar mestre de armas e estratégia e o professor mais disputado dos alunos. Mesmo com toda sua fama, Lugh era um homem amargurado por ter visto sangue demais em sua vida; sangue esse que ele mesmo havia derramado, ou o sangue de alguém que 35
  • 37. ele gostava. Eles conversavam, discutiam e discutiam por horas e horas e ele estava ali, achando tudo um absurdo. A garota jamais aprenderia como comandar todos aqueles homens a tempo, sem contar o treinamento em si! Ela mal saiu dos cueiros. Até uma hora atrás vestia-se como uma humana, nem sequer deve saber segurar uma espada! O que vou fazer com ela? – pensou, entediado. – Lugh! – chamou Éamonn, parecendo ler seus pensamentos. O capitão arrumou-se na cadeira, passou a mão pelo queixo e pigarreou. Tirou uma folha enorme de papiro de um tubo preto. – Este é o mapa de Banshee, alteza. – ele apontou para um continente. – E aqui está Anurá. Brianna assustou-se ao ouvir sua voz. Era doce, determinada, mas doce. Pelo menos a voz é agradável, pensou, com os olhos fixos nele. Lugh apontava montanhas, vales, cidades, florestas, ilhas, povoados, reinos. Falava sem parar, mas Brianna mal prestava atenção no que ele dizia. Sua cabeça girava em torno de tudo o que estava acontecendo. Ela nem sabia ler mapas, por que ele estava lhe mostrando aquilo? – E aqui é.… Princesa? Por acaso a senhorita está me ouvindo? O tom mais forte na voz de Lugh fez Brianna acordar do transe. – Amm… Claro, capitão. Perfeitamente. – ele a olhava desconfiado. – Você dizia que aqui – ela apontou uma cidade no mapa – são os domínios das fadas e que provavelmente a segurança está difícil no momento, porque a rainha e sua conselheira não querem a ajuda da guarda real e as fadas são muito visadas pelo inimigo. Logo, é o primeiro lugar que devemos visitar… Estou certa? – o tom era desafiador. Ele balançou a cabeça positivamente e a olhou nos olhos. Parecia confuso e intrigado. E estava. Eu tinha certeza de que ela não estava entendendo nada ! – sorriu para si mesmo, achando graça da rapidez com que ela pensara e a maneira como o enfrentara. Ele era pelo menos vinte centímetros maior que ela, visivelmente mais forte, e mesmo assim ela se impusera, sem pensar duas vezes. Lugh sentiu uma ponta de admiração, que logo se dissipou quando observou-a melhor. Brianna era frágil e pequena. Em outras civilizações, era uma princesa ideal, bonita, de fato; ela movia-se com elegância, era educada e sabia como sorrir para ganhar a confiança das pessoas. Quando estava séria, parecia audaciosa e segura de si. Ele achou-a simpática, debochada e charmosa, tinha um nariz que ele considerou perfeito, grandes e sedutores olhos escuros. E ele precisava admitir – ainda que o fizesse a contragosto – que ele engoliu a seco ao vê-la entrar no cômodo; ele jamais imaginara que a moça possuísse tais atributos femininos, e involuntariamente arregalou os olhos, quando seu olhar encontrou – e lentamente estudou com atenção – o corpo de Brianna, para logo ficar colado hora em seus seios, hora em seu traseiro. Mas não haviam sido só os seus 36
  • 38. olhos que a enxergaram de tal maneira. Todos homens no local pareciam meio embasbacados com Brianna. Carne fresca na cidade: jovem, exótica e com o poder do mundo inteiro nas mãos. Ele já imaginava no que isso ia dar. Mas não vinha ao caso. Ele sacudiu a cabeça para afastar seus pensamentos. O importante era que a moça era delicada demais, suas mãos pequenas denunciavam a ausência de força física. Ela não tinha perfil de uma rainha amazona, como uma rainha amazona deveria ser. Ela seria um problema, para si e para os outros, e principalmente, para ele! Ele precisava tirar da cabeça de Éamonn que Brianna liderasse as tropas. Simplesmente não estava correto! – Éamonn…– ele quis dizer o que pensava. Mais uma vez, o velho pareceu ler sua mente. – Agora já chega, Lugh. Brianna precisa conhecer seu castelo, seus criados e claro… seus Guardiões. – Mas, Éamonn – ele insistia – você tem certeza que a princesa já pode ser apresentada aos Guardiões. Eu digo, ela precisa… – Capitão, eu sei a hora de uma princesa conversar com os Guardiões, e digo que Brianna está sim preparada para falar com eles, e você estará presente. Lugh bufou, mas não tinha autoridade contra a princesa e seu principal Conselheiro Real. Brianna não estava gostando do comportamento do capitão da guarda. Ele parecia pretensioso e metido. Que ótimo! Já fiz meu primeiro inimigo. Estou vendo onde isso vai parar! – pensou, enfurecida. – Que assim seja, então. Vamos levá-la até eles. – Não! – disse Éamonn, levantando-se. – Eles fizeram questão de vir vê-la aqui onde ela está. O capitão olhou-o confuso, mas nada disse. – Senhores, eu devo pedir que se retirem. – disse Éamonn aos demais homens. Cahan olhou para Brianna e sorriu. – Seja bem-vinda, princesa. Brianna sorriu de volta. – Obrigada, tenente Cahan. Lugh sentiu-se estranhamente incomodado ao observar a troca de olhares entre a princesa e o tenente. Os conselheiros saíram, mas o tal de Enda não parecia muito satisfeito com a rapidez com a qual a reunião tinha acontecido. E Brianna tinha razão quanto a isso. Ela sentia que ainda teria muitos problemas com seu Conselho Real. Lugh foi o único que permaneceu na Sala de Reuniões. E lá estava ele: sério e rijo como uma rocha. Eu mereço! – pensou Brianna. Uma prateleira de livros afastou-se, a parede de pedra abriu-se. Uma pas sagem secreta. Estava na cara! – Ela suspirou. De dentro da escuridão da caverna que se abrira diante deles, brilhavam dois 37
  • 39. pares de olhos azuis. O cômodo parecia tremer ao ritmo de seus passos. Eles vieram para a luz. Brianna levou um susto. – Os tigres brancos! – disse ela para si. – Então eles são os Guardiões? – perguntou a Éamonn. Cada um media, aproximadamente, três metros de comprimento e pesavam muitos quilos, pensou Brianna. Tinham patas fortes, grandes olhos azuis, transparentes como vidro. Ela sentiu arrepiar-se. Brianna sempre gostara de felinos, em geral. Eles eram fortes, ágeis, inteligentes, independentes e elegantes. Mas alguma coisa muito forte a ligava, em especial, àqueles dois tigres à sua frente, ela só não sabia o quê. Estava completamente fascinada com a visão, mas também sentia um pouco de medo deles. – Sim. – respondeu uma voz feminina. – Um macho e uma fêmea, para ser mais exata. Brianna estava enfeitiçada. – Como são lindos! – Ora, obrigado. – disse o macho. – Mas não creio que minha esposa vá gostar muito disso. Brianna sorriu. – Brianna – continuou Éamonn –, esses são os Guardiões do reino: Fainche e Feolán. – Princesa – disse Fainche, com sua voz suave –, temos muito o que conversar. 38
  • 40. Capítulo IV O tigres falavam e Brianna tentava acompanhar seu raciocínio. As informações que ela recebia lhe soavam cada vez mais estranhas e desconexas. Pela primeira vez ela ouviu alguém falar sobre um Triângulo de Poder , e soube naquele instante que ela a partir de agora também teria que lidar com magia, fato que a fascinava e aterrorizava ao mesmo tempo. Durante a conversa ela teve mais de uma vez a sensação de já conhecer tudo aquilo: o castelo, os Guardiões, Éamonn, e sim, até mesmo capitão Lugh. De vez em quando ela arriscava um olhar em sua direção e perguntava-se quais segredos aquele homem caldado guardava em si. Perdido em seus pensamentos, Lugh passou as mãos pelos cabelos e mergulhou em suas lembranças. Estava anoitecendo e a batalha havia sido cruel, eles haviam perdido pela primeira vez. Muitos mortos, muitos feridos, e no meio de tudo aquilo, ele se perdera de seus líderes. Aos quinze anos de idade, o jovem soldado era valente e bom guerreiro, mas era um menino e estava aterrorizado. O que diria a Éamonn e ao Conselho quando voltasse a Cillighan? Onde estavam os Grandes Reis? De repente, ele escutou uma conversa, jogou-se no chão entre os mortos. O rei discutia com alguém, um xian. – Eu não sei do que você está falando! – insistia Riley. O xian jogou Riley com violência no chão e afastou-se. O rei estava quase sem ar, quando viu os olhos amedrontados do garoto. – Lugh! Foram os Deuses que mandaram você aqui! – a voz dele estava ofegante. – Filho… Ajude Brianna a encontrar a Chave antes que eles a encontrem. Por favor… Ajude-a. Quando for a hora, ela saberá como usar. Riley perdeu as forças e deitou no chão. O menino fechou os olhos novamente e ouviu o xian levantar o rei. – Onde está a minha mulher? Fora a última vez que o capitão da guarda vira o rei Riley. Tentou, em batalhas sanguinárias e ações suicidas, descobrir o paradeiro dos reis, mas foi tudo em vão. Os reis haviam desaparecido e lhes deixado uma missão: Ajude Brianna a encontrar a Chave antes que eles a encontrem. – Você está bem? 39
  • 41. A voz de Brianna o trouxera de volta ao presente, os grandes olhos castanhos o fitavam com ternura e preocupação. – Sim, só uma indisposição. Obrigado. Não era. Ele sabia de alguma coisa que ninguém mais sabia. A Chave não era uma só uma lenda, afinal, ela existia e era importante. Mas para quê? Ele olhou para Brianna. Tinha que contar a ela, mas primeiro precisava saber mais sobre a Chave. *** – Está certo. Mas como faremos isso? Cillighan é uma fortaleza! – disse o xian. – Encontrarei uma maneira. A naja arrastava-se lentamente por debaixo de seu trono. Ele assustava-se toda vez que ela o fazia, mas jamais deixaria seu medo transparecer. – Você gosta de ser uma cobra, não é mesmo? Combina com a sua personalidade. Ela o olhou e abaixou a cabeça. – Isso mesmo: abaixe a cabeça quando o seu senhor falar. Devagar você está aprendendo. – ele sorriu e piscou para ela. A serpente levantou o corpo para dar o bote. – Tem certeza de que fará isso? É isso mesmo o que você quer? me matar e permanecer uma cobra para sempre? Pense bem… Ela desceu. Não era isso que queria, ela desejava ser mulher novamente. Como era doloroso passar os dias esfregando-se no chão frio, com aquela aparência horripilante. Aquele feitiço fazia com que desejasse morrer, mas a vida de seu pai dependia disso. Seu pai… Pobre homem, um camponês que fora desgraçado por pôr no mundo uma linda filha que tinha uma dádiva perigosa. Agora era escravo, mas mantido vivo com seu outro filho, e passava seus dias sob constante ameaça de tortura e morte se ela não fizesse tudo o que era combinado com a irmandade. Que destino esse! – pensava ela. Ishtar lembrava-se constantemente do dia em que fora capturada. O vilarejo de Serién era responsável pelo fornecimento de boa parte dos alimentos que eram comercializados em Shanrúa. Um lugar pacífico e alegre, muito trabalho, mas boa recompensa. A jovem Ishtar aprendera de sua já falecida mãe as Artes das Feiticeiras da Dança. Desde criança, Ishtar fora treinada para aprender os passos da dança um por um, com perfeição e, então usar a magia que a dança trazia consigo. Entre outros, a magia das Feiticeiras da Dança, as danns’àlainne, tinha o poder de hipnotizar. Qualquer um que caísse nas graças de uma dançarina, estaria sob seu controle. Ishtar e outras moças usavam o dom da dança para ganhar ouro extra nas tavernas de Shanrúa, onde elas aproveitavam-se do alcoolismo de seus 40
  • 42. fregueses. De tudo, Ishtar era uma boa moça, alegre, prestativa, boa filha e excelente dançarina, provavelmente a melhor. Na noite em que o vilarejo de Serién foi atacado por xians, Ishtar tinha acabado de retornar de uma apresentação de dança que fizera em Shanrúa. Xians haviam envenenado as plantações e tacado fogo nas casas. Pessoas tentavam fugir com o pouco que conseguiam levar. Ela correu para casa, e ao ver o pai e seu irmão nas mãos daquela criatura, ela somou suas forças e gritou, sem pensar: – Eu posso ser útil a vocês! Deixe que eles vivam e eu danço para vocês, sempre que precisarem! – Fuja! Me deixe morrer, minha filha. Não faça nada para eles! – Cale a boca! – gritava um bicho, que trazia o velho Aed amarrado a uma corrente. O seu irmão mais novo, o menino Kian, com seus nove anos, gritava desesperadamente. Um xian o amedrontou: – Se soltar mais um chiado, eu arranco a sua língua para você aprender a ficar quieto. O menino engoliu o choro e os soluços, quase engasgando. Ishtar tremia nas mãos de uma das criaturas. – Mantenham-na viva, e tragam-na para o castelo… Ela pode, realmente, servir para alguma coisa. Pelo menos é bonita, a feiticeirinha! – disse Bogart. Ishtar fora levada de olhos vendados. Quando pôde ver de novo, estava em uma sala de pedras cinzas e geladas. Não podia enxergar muita coisa, havia poucas tochas nas paredes. O cômodo era grande com uma única janela triangular em um ponto extremamente alto, uma torre talvez. Havia água no chão, um caldeirão longe de onde ela se encontrava, o ar estava úmido. Sentia medo, frio, fome e sede, tremia, sentada no chão. Um homem abriu a porta de ferro. – Aí está você… Ele a rodeava. A menina tentava se esquivar. – Bogart me disse que tinha trazido algo interessante para mim. – ele observou a moça. – Bem interessante, eu diria. Uma feiticeira dançarina, não é isso? – ele tocou sua saia, ela deu um tapa em sua mão, respirando forte de medo e nojo. – Como se chama, menina? Ela não respondia. – Responda! – o tapa em seu rosto doeu na alma. Uma lágrima escorreu, mas a jovem recusava-se a falar. – A moça se chama Ishtar, filha de Shantyê, que era uma das dançarinas mais importantes entre as danns’àlainne, grande mestre da magia das danças. – respondeu um homem pequeno que chegava. – Essas roupas que ela está usando são usadas em suas apresentações ou rituais, principalmente nos de hipnose. Ele passava a mão no queixo. – Dance! 41
  • 43. Ela não se mexeu. – Eu falei: dance! Ele estalou os dedos e a música começou a tocar. Ishtar se levantou, enxugou os olhos e respirou fundo. A dança era seu mundo, era o que sabia fazer de melhor, era seu poder, entregava-se a ela de corpo e alma. Ela começou, mas sabia que sua hipnose não funcionaria ali. Maldita Warleigh! A longa saia deixava as pernas à mostra à medida que Ishtar se movia. A jovem era sensual, bailava com vigor; inebriava o ar com a mais pura essência feminina. – Você é minha carta mais importante, menina. – ele estava sem ar, envolvido pela beleza daquela dança. – Terei tudo o que quero e mais um pouco através de você, danns’àlainne. – virou-se para o criado, o homem pequeno que a denunciara. – Amarre-a, Cass! Dominada pelo medo, ela tentou correr. Cass agarrou-a pela cintura. – Astuta! Já sei o que fazer com ela. Amarre-a. Cass amarrou-a. Prendeu seus pés paralelos em correntes presas ao chão, e seus braços presos às paredes. Ishtar estava esticada, seu corpo doía, a respiração ofegante denunciava seu pavor, o suor frio escorria pelo corpo. Em seus olhos, um medo indescritível. Ele levantou o seu cajado. Ao lado do caldeirão, pôs-se a falar coisas ininteligíveis. Ela viu vultos escuros que gemiam alto saírem do caldeirão. Sombras frias a envolviam; ela nem sequer tivera tempo de gritar, caíra no chão, tonta. Abriu os olhos devagar e pôde ver sua imagem refletida na água. O que seus olhos viram deu um nó em sua garganta, encheu-a de tristeza, ódio, pavor e náuseas. Niall a transformara em uma naja. 42
  • 44. Capítulo V No dia seguinte à sua chegada à Banshee, finalmente era o momento de iniciar suas obrigações como princesa. E o primeiro delas era visitar a Academia Nitzariana de Guerra e Armas, onde ela teria aulas com o Capitão Lugh pessoalmente. – Bom dia, princesa! Era a voz de Dalyce. Ela viu Edana abrir as janelas, estava escuro ainda. – Bom dia… – ela resmungou – É dia? Tem certeza? A menina riu. – Sim, princesa. É dia. Levante-se, a senhorita vai tomar café da manhã e terá seu primeiro dia de treinamento. Ainda precisa pegar o cavalo ou uma carruagem para chegar mais rápido. – Ahh! – Brianna afundou o rosto no travesseiro. – Vamos, princesa. O capitão Lugh mandou informar que já está à sua espera na Academia. – Aquele tirano já está de pé? Dalyce riu novamente. – Ora, alteza, não fale assim dele. Ele é tão… bonito. – Bonito? – Brianna levantou-se. – Ele é um insuportável, isso é o que ele é! Bonito, onde já se viu? Ela andou até o vasilhame com água. – Fazem um belo par. – sugeriu Edana. – Não, obrigada. Fica para você. – Ah… Se ele me quisesse… – disse a mocinha aos suspiros. Brianna, que molhava o rosto com as mãos, pegou a toalha rapidamente e olhou para a aia. E disse, secando a face: – Você não está falando sério… ou está? As aias riram. – Não… Mas a senhorita bem que ficou com ciúmes. – insinuou Edana. – Eu? Com ciúmes dele? Ora, façam-me o favor! Brianna bufou e suas criadas continuaram a rir. A princesa era divertida, tinha um bom senso de humor, era espontânea e franca. Gostavam dela. Edana deu a Brianna uma espécie de bambu, de uns quinze centímetros de comprimento. A madeira estava envernizada e tinha em uma das pontas uma espécie de franja. A princesa olhou confusa. 43