1. CRIMES E INFRAÇÕES ADMINISTRATIVAS CONTRA AS FINANÇAS
PÚBLICAS
Jair Teixeira dos Reis
Auditor Fiscal do Trabalho;
Professor de Ciência Política, Licitações e Contratos e Noções Gerais de Direito
da Faculdade São Geraldo;
Doutorando em Direito pela Universidade Lusíada de Lisboa;
Autor dos livros: Manual Prático de Direito do Trabalho, Manual de Rescisão de
Contrato de Trabalho e Direitos Humanos para Provas e Concursos , Manual de Direito
Empresarial , Resumo de Direito Ambiental, Direito Coletivo do Trabalho e Direito Previdenciário.
Os crimes contra as Finanças Públicas foram introduzidos no
Ordenamento Jurídico Penal brasileiro através da Lei n° 10.028, de 19 de outubro
de 2000, ao acrescentar os art. 359-A a 359-H (Título XI, Capítulo IV) no Decreto-
Lei n° 2.848, de 07 de dezembro de 1940 (Código Penal).
As condutas típicas são: contratação de operação de crédito,
inscrição de despesas não empenhadas em restos a pagar, assunção de
obrigação no último ano de mandato ou legislatura, ordenação de despesa não
autorizada, prestação de garantia graciosa, não cancelamento de restos a
pagar, aumento de despesa total com pessoal no último ano do mandato ou
legislatura, oferta pública ou colocação de títulos no mercado.
São crimes de ação penal incondicionada e também crimes
próprios por exigir qualidade especial do sujeito ativo (agente público).
Interessante registrar que as infrações penais inseridas no
Código Penal Brasileiro pela norma em análise que trata dos crimes contra as
finanças públicas, admitem, em tese, a suspensão condicional do processo,
desde que satisfeitos os requisitos, na medida em que as penas não
ultrapassem, em seu limite mínimo, um ano de privação de liberdade, conforme
o artigo 89 da Lei nº 9.099/951
.
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Os Crimes contra as Finanças Públicas, por possuírem penas mínimas iguais ou inferiores a 01
(um) ano, também estão sujeitos a suspensão condicional do processo disposta no art. 89 (Ia Lei
n" 9.099/95, devendo o juiz, se cumpridos os demais requisitos legais e se for aceita a proposta de
suspensão, ao receber a denúncia, suspender o processo por dois a quatro anos, findo o qual
2. Para Damásio E. de JESUS (2001), a descrição dos novos crimes
representa o tratamento penal para o descumprimento das disposições da Lei
Complementar n° 101, de 4 de maio de 2000, a denominada Lei de
Responsabilidade Fiscal, que estabeleceu normas sobre finanças públicas
voltadas para a responsabilidade da gestão fiscal. Ilícitos praticados no exercício
da função pública, no que tange ao controle, aplicação e disponibilidade do erário,
ganham agora, na nova lei, status de crime.
Por fim, o art. 73 da Lei de Responsabilidade Fiscal – LRF prevê
que: As infrações dos dispositivos desta Lei Complementar serão punidas
segundo o Decreto-Lei no
2.848, de 7 de dezembro de 1940 (Código Penal); a
Lei no
1.079, de 10 de abril de 1950; o Decreto-Lei no
201, de 27 de fevereiro de
1967; a Lei no
8.429, de 2 de junho de 1992; e demais normas da legislação
pertinente. Vejamos:
Parte Especial
Titulo XI
Dos Crimes Contra a Administração Pública
Capítulo IV
Dos Crimes Contra as Finanças Públicas
Contratação de Operação de Crédito
Art. 359-A. Ordenar, autorizar ou realizar operação de crédito,
interno ou externo, sem prévia autorização legislativa:
Pena - reclusão, de 1 (um) a 2 (dois) anos.
Parágrafo único. Incide na mesma pena quem ordena, autoriza
ou realiza operação de crédito, interno ou externo:
I - com inobservância de limite, condição ou montante
estabelecido em lei ou em resolução do Senado Federal;
estará extinta a punibilidade do acusado. Ressalte-se que a reparação civil do dano decorrente do
crime é uma das principais obrigações impostas ao acusado que a aceitar.
3. II - quando o montante da divida consolidada ultrapassa o limite
máximo autorizado por lei.
O objeto da tutela penal é especificamente a probidade da
Administração Pública, no que diz respeito às operações realizadas no âmbito
das finanças públicas do Estado. Nestes termos, pune-se o desrespeito ao
princípio constitucional da legalidade administrativa, quando realizadas
condutas de contratação sem prévia autorização legislativa. Trata-se, todavia,
de crime próprio, pois se exige uma condição especial do sujeito ativo, ou
seja, o autor do crime será sempre um agente público. Não, porém, qualquer
um. Só pode cometer o crime quem possui atribuição, conferida por lei, para
emitir o ato administrativo, seja ordem, autorização para operação de crédito ou
competência para a sua realização.
Crimes próprios ou especiais são aqueles que exigem ser o
agente portador de uma capacidade especial. O tipo penal limita o círculo do
autor, que deve se encontrar numa posição jurídica, como agente público.
A figura típica incriminadora descreve três condutas: Ordenar,
Autorizar e Realizar. Trata-se de crime de conduta múltipla, ou de conteúdo
variado. E, o crime só é punível na modalidade dolosa, que consiste na
vontade livre e consciente de ordenar, autorizar ou realizar operação de crédito,
interno ou externo.
O crime atinge a consumação com a ordem, autorização ou
realização da operação de crédito. Nas modalidades ordenar e autorizar, a
tentativa é inadmissível pela impossibilidade de fracionar a conduta. A
ação penal é pública incondicionada.
Inscrição de Despesas Não Empenhadas em Restos a Pagar
Art. 359-B. Ordenar ou autorizar a inscrição em restos a pagar,
de despesa que não tenha sido previamente empenhada ou que
exceda limite estabelecido em lei:
Pena - detenção, de 6 (seis) meses a 2 (dois) anos.
4. A Lei de Responsabilidade Fiscal trata do assunto em seu art.
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, que configura o fundamento da incriminação. Não se permitindo ao
administrador assumir obrigações financeiras sem que haja recursos
disponíveis para pagamento a posteriori. Trata-se de crime próprio3
, pois, só
pode ser cometido por agente público. É sujeito ativo do crime o administrador
competente para assumir a obrigação de despesa, incluindo-a em restos a
pagar. A ação penal é pública incondicionada.
Assunção de Obrigação no Último Ano do Mandato ou
Legislatura
Art. 359-C. Ordenar ou autorizar a assunção de obrigação, nos
dois últimos quadrimestres do último ano do mandato ou
legislatura, cuja despesa não possa ser paga no mesmo
exercício financeiro ou. caso reste parcela a ser paga no
exercício seguinte, que não tenha contrapartida suficiente de
disponibilidade de caixa:
Pena - reclusão, de 1 (um) a 4 (quatro) anos.
A LRF já previa em seu parágrafo Único do art. 21 que é nulo
de pleno direito o ato de que resulte aumento da despesa com pessoal
expedido nos cento e oitenta dias anteriores ao final do mandato do titular do
respectivo Poder ou órgão.
Este tipo penal pretende proteger a regularidade e o equilíbrio
das contas públicas em relação à sucessão de administradores ou titulares de
mandato.
2
Art. 42. É vedado ao titular de Poder ou órgão referido no art. 20, nos últimos dois quadrimestres
do seu mandato, contrair obrigação de despesa que não possa ser cumprida integralmente dentro
dele, ou que tenha parcelas a serem pagas no exercício seguinte sem que haja suficiente
disponibilidade de caixa para este efeito.
3
Crime próprio é o que só pode ser cometido por uma determinada categoria de pessoas.
5. O crime de assunção de obrigação nos dois últimos
quadrimestres do mandato ou legislatura só é punível a título de dolo, ou
seja, vontade livre e consciente de assumir obrigação geradora de despesa que
acarrete cumprimento total ou parcial no exercício próximo.
Este crime é de ação penal pública incondicionada.
Ordenação de Despesa Não Autorizada
Art. 359-D. Ordenar despesa não autorizada por lei:
Pena - reclusão, de 1 (um) a 4 (quatro) anos.
Por exigir uma qualidade especial do sujeito ativo, também,
trata-se de crime próprio. Somente podem cometê-lo os agentes públicos
legalmente investidos na atribuição de gerar despesa pública.
A conduta incriminadora consiste em o agente competente
ordenar, determinar a geração de despesa, contrariando a lei. O seu elemento
subjetivo do tipo é o dolo, vontade livre e consciente de ordenar a geração de
despesa, contrariando a lei orçamentária respectiva. Sua ação penal é pública
incondicionada.
Prestação de Garantia Graciosa
Art. 359-E. Prestar garantia em operação de crédito sem que
tenha sido constituída contragarantia em valor igual ou superior
ao valor da garantia prestada, na forma da lei:
Pena - detenção, de 3 (três) meses a 1 (um) ano.
Registramos que o art. 40 da Lei Complementar n° 101/2000
determina que:
Art. 40. Os entes poderão conceder garantia em operações de crédito
internas ou externas, observados o disposto neste artigo, as normas do art.
32 e, no caso da União, também os limites e as condições estabelecidos
pelo Senado Federal.
6. § 1o
A garantia estará condicionada ao oferecimento de contragarantia,
em valor igual ou superior ao da garantia a ser concedida, e à adimplência
da entidade que a pleitear relativamente a suas obrigações junto ao
garantidor e às entidades por este controladas, observado o seguinte: (...)
O núcleo do tipo é o verbo prestar, que significa conceder, dar
ou fazer sob condições. Assim, o agente público responsável pela concessão
de garantia incorre no crime se a conceder sem prevenção de possíveis
riscos que a operação de crédito pode trazer. É inafastável a contragarantia
para a regular gestão fiscal do Estado.
Este crime atinge a consumação quando o agente público
concede a garantia em operação de crédito sem constituir a contragarantia. A
ação penal é pública incondicionada.
O sujeito ativo é o agente público competente para prestar
garantia em operação de crédito. E, por exigir essa qualidade especial do autor,
cuida-se de crime próprio.
Não Cancelamento de Restos a Pagar
Art.. 359-F. Deixar de ordenar, de autorizar ou de promover o
cancelamento do montante de restos a pagar inscrito em valor
superior ao permitido em lei:
Pena - detenção, de 6 (seis) meses a 2 (dois) anos.
Também, cuida-se de crime próprio, pois o sujeito ativo é o
agente público com a atribuição legal de corrigir o desvio no montante de restos
a pagar.
O tipo objetivo deste crime traduz-se em omissivo próprio,
demonstrado na simples conduta negativa do autor, deixando de tomar as
providências exigidas para corrigir a irregularidade de inscrição de restos a
pagar em valor superior ao permitido em lei.
7. Deixar de é abster-se, não cumprindo a obrigação. A conduta
apresenta-se sob três formas: Deixar de ordenar, deixar de autorizar, deixar
de promover.
Atinge a consumação com a simples conduta negativa. Assim, o
crime se consuma com a inércia do autor. A tentativa é inadmissível. Ação
penal pública incondicionada.
Aumento de Despesa Total com Pessoal no Último Ano do
Mandato ou Legislatura
Art. 359-G. Ordenar, autorizar ou executar ato que acarrete
aumento de despesa total com pessoal, nos Cento e oitenta
dias anteriores ao final do mandato ou da legislatura:
Pena - reclusão, de 1 (um) a 4 (quatro) anos.
A figura típica deste crime é composta de três núcleos: ordenar,
autorizar e executar. Só é punível a título de dolo, que consiste na vontade
livre e consciente de, por intermédio de ato administrativo, aumentar a despesa
com pessoal no período de 180 dias anteriores ao final de mandato ou da
legislatura.
A ação penal é pública incondicionada.
A tentativa é inadmissível nas modalidades ordenar e
autorizar. Logo, emitida a ordem ou autorização, o crime está consumado. Na
modalidade executar, é possível a ocorrência de crime tentado.
Oferta Pública ou Colocação de Títulos no Mercado
Art. 359-H. Ordenar, autorizar ou promover a oferta pública ou
a colocação no mercado financeiro de títulos da dívida pública
sem que tenham sido criados por lei ou sem que estejam
8. registrados em sistema centralizado de liquidação e de
custódia:
Pena - reclusão, de 1 (um) a 4 (quatro) anos.
Também, a tipificação das infrações administrativas contra as
leis de finanças públicas foram prescritas pelo art. 5°da Lei n°
10.028/2000. verbis:
O objeto jurídico-penal deste crime é a probidade administrativa e a
regularidade da gestão fiscal em relação à oferta ou a colocação no mercado de
títulos da dívida pública. Por exigir a qualidade especial do sujeito ativo (agente
público) refere-se a crime próprio.
Tem ação penal pública incondicionada.
Nas modalidades de Ordenar e Autorizar, o crime consuma-se com
o aperfeiçoamento do ato administrativo, não se admitindo a tentativa.
Na modalidade Promover (execução), consuma-se o delito no
momento em que o agente promove a oferta pública ou a colocação de títulos
da dívida pública no mercado financeiro. Assim, a tentativa é possível.
Art. 5º Constitui infração administrativa contra as leis de
finanças públicas:
I - deixar de divulgar ou de enviar ao Poder Legislativo e ao
Tribunal de Contas o relatório de gestão fiscal, nos prazos e condições
estabelecidos em lei;
II - propor lei de diretrizes orçamentárias anual que não contenha
as metas fiscais na forma da lei;
III - deixar de expedir ato determinando limitação de empenho e
movimentação financeira, nos casos e condições estabelecidos em lei;
IV - deixar de ordenar ou de promover, na forma e nos prazos da
lei, a execução de medida para a redução do montante da despesa total com
pessoal que houver excedido a repartição por Poder do limite máximo.
9. § 1º A infração prevista neste artigo é punida com multa de trinta
por cento dos vencimentos anuais do agente que lhe der causa, sendo o
pagamento da multa de sua responsabilidade pessoal.
§ 2º A infração a que se refere este artigo será processada e
julgada pelo Tribunal de Contas a que competir a fiscalização contábil,
financeira e orçamentária da pessoa jurídica de direito público envolvida.
(grifamos)
Além das sanções decorrentes da prática de crime contra as
finanças públicas e do cometimento de crime de responsabilidade sujeito ao
processo de impeachment, o gestor público que violar a Lei de
Responsabilidade Fiscal, também estará sujeito à prática de infração
administrativa cone a conseqüente aplicação de multa. Estabelece o art. 5° da
Lei n° 10.028/2000 as hipóteses de infrações administrativas sancionadas com
multa de 30% dos vencimentos anuais do agente que lhe der causa, sendo de
sua responsabilidade pessoal o pagamento dessa multa.
Por fim, é do Tribunal de Contas a quem competir a fiscalização contábil,
financeira e orçamentária da pessoa jurídica de direito público envolvida, a
competência para o procedimento respectivo.