O documento descreve o Brasil como o "menino-da-porteira" que não toma ações para conter o desmatamento e as queimadas causadas pela pecuária extensiva na Amazônia. A pecuária é responsável por mais de 3/4 das queimadas anuais e 4/5 do desmatamento, mas o governo brasileiro não propõe soluções para controlá-la. O autor argumenta que o Brasil precisa assumir responsabilidade e propor alternativas sustentáveis para gerar emprego e renda na Amazônia.
1. 08/12/2009 - 10h12
No faroeste mundial o Brasil é o menino-da-porteira
Por João Meirelles Filho, do Instituto Peabiru
O Brasil é o menino-da-porteira. O menino-da-porteira vai a Copenhague. A
boiada passa, a fumaça aumenta, e o Brasil nada faz. Quando tratamos de
índices de desmatamento e queimadas estamos apenas medindo a febre do
doente, e nada mais. Não atacamos as causas.
Para Copenhague o Brasil leva a fumaça e números incompreensíveis (porque
não se baseiam na realidade). A causa do desmatamento da Amazônia e da
contribuição do setor agrícola: a pecuária bovina extensiva, desmatadora e
queimadora não está na pauta, não há propostas para conte-la.
E este é o Brasil que quer adquirir o status de líder mundial. O
menino-da-porteira. Não tem coragem de fechar a porteira da Amazônia e
do que ainda resta do Cerrado e da Caatinga. Não quer sair de cima da
porteira, prefere ficar com seu estilingue açoitando os passantes.
Neste Brasil-do-faz-de-conta as contas são aquelas da sopa de pedras de Pedro Malazartes! Faz de conta que ninguém vê a boiada
pastando no que era floresta. Faz de conta que as 80 milhões de cabeças de gado pastando sobre o que um dia foi floresta
amazônica não afetam o nosso clima, o nosso bolso, o nosso brio.
Boiada é o que se pode chamar o aumento do rebanho bovino da Amazônia, de 1 milhão para 80 milhões de cabeças, em menos de
quatro décadas. E isto, com índices de produtividade próximos de 1 unidade animal por hectare! (Pior: mesmo que esta eficiência
dobrasse, continuaria ineficiente, ou seja, seriam precisos 50 anos para sermos eficientes e não dispomos deste tempo, o planeta
não dispõe deste tempo).
Menino, veja que a pecuária é o setor da porteira aberta, onde tudo pode. Pode desmatar. Pode ter gado ilegal – e na Amazônia tem
pra lá de 5 milhões de bois piratas; pode matar boi no mato – e 2/3 da carne bovina que a própria Amazônia consome é ilegal!
Fica fácil entender o desmatamento: 4/5 está associado à boiada. E a tendência é o rebanho alcançar pra lá de 200 milhões de
cabeças em duas décadas .É o Brasil-grande!
O que o Brasil propõe em relação a isto: nada! Pelo contrário, os governos locais são pró-pecuária, a legislação tributária é
magnânima com o pecuarista, o BNDES e o Banco da Amazônia continuam a financiar a pecuária (e demnostram grande dificuldade
em financiar o que é sustentável) e, no total, o poder público financiou R$ 34 bilhões à pecuária (Amigos da Terra, abril, 2009 – Os
Donos do Gado).
O que não fica fácil é entender porque o assunto na está na mala do Brasil quando vai para Copenhague ou alhures. O Brasil pode
definir o percentual que for, pode até transformar em lei, mas será sempre sem sentido: por que o Brasil está com a porteira
aberta!
Por que o Brasil não diz com todas as letras, grafita em todas as porteiras: “nós vamos retirar o gado da Amazônia. Nós erramos.
Ainda dá tempo. Mundo: ajudem-nos com recursos e apoio.”
Mas não. O assunto não está em pauta. Para muita gente que vive desta mesquinhez que a pecuária dá, o melhor é ficar como
está, sem dados claros, porque afinal ela é uma reserva de valor, ela legitima a ocupação de terras públicas, ela pouco paga
impostos...
A pecuária bovina extensiva ocupa ¼ do Brasil. São 210 milhões de cabeças de gado (mais de 1/3 na Amazônia) pastando sobre o
filé do Brasil - 200 milhões de hectares. A pecuária é responsável por mais de ¾ das queimadas anuais. São milhões de hectares,
o governo não consegue calcular esta área. Sessenta milhões? Oitenta milhões de hectares anuais queimados? Ninguém ousa
calcular. Isto causaria um tremendo impacto nas contas do Brasil, seria difícil de explicar.
Veja o Marajó, maior que 5 estados brasileiros, a área mais pobre da Amazônia, com IDH igual ao do sub-Sahara. Ninguém sabe qual
o rebanho de búfalos ou de bois. Ninguém sabe quem é dono do que. Há muito roubo de gado, gado clandestino, abate clandestino,
informalidade em tudo...
Como então apresentar números confiáveis se não há uma base de dados. E mais, como relacionar a emissão do carbono (e de
metano e outros gases) da Amazônia e das atividades agropecuárias ao próprio consumo do brasileiro? Isto porque, no caso da
carne de boi, historicamente, mais de 90% se destina ao consumo interno. E quanto à agricultura, boa parte também é para o
mercado interno.