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MEDICINA LEGAL
1. MEDICINA LEGAL - CONCEITO E APLICAÇÃO NO DIREITO
A Medicina Legal é uma ciência extremamente diferente de todas as demais porque,
enquanto a maioria das ciências apresenta a especialização, a Medicina Legal funciona
somando, englobando conhecimentos. Ex.: se for fazer um laudo sobre estupro vai se valer
dos conhecimentos de Ginecologia; se for sobre a capacidade vai se valer dos
conhecimentos de Psiquiatria.
A Medicina Legal é uma síntese das ciências que se somam analiticamente,
formando-a.
O Direito, em inúmeras passagens, está alicerçado em princípios eminentemente
médicos. O simples enunciado “matar alguém” envolve o diagnóstico de que alguém
morreu. Na grande maioria das áreas do direito, estão embutidos os conceitos de medicina.
1.1. Conceito
Medicina Legal é o conjunto de conhecimentos médicos, jurídicos, psíquicos e
biológicos que servem para informar a elaboração e execução de normas que dela
necessitam. Utiliza conceitos não apenas para aplicação de leis, mas também para sua
elaboração.
A Medicina Legal se relaciona com uma série de ciências: sociologia, filosofia,
botânica, zoologia e outras ciências, principalmente com o direito em todas as suas áreas.
A importância desse estudo é a repercussão da Medicina Legal na vida das pessoas.
Tudo o que se fala em Medicina Legal tem uma importância decisiva na vida das pessoas.
Outro aspecto da importância da Medicina Legal é que, enquanto a Medicina comum se
limita à vida da pessoa, a Medicina Legal não se restringe à pessoa humana enquanto viva:
começa na fecundação e não termina nunca; enquanto houver vestígios, pode-se encontrar
dados relativos à vida e à morte do indivíduo.
O campo de atuação da Medicina Legal é muito amplo, pois transcende a vida do
indivíduo, de forma geral e especial.
1.2. Medicina Geral
Estuda deontologia e diceologia, que são fundamentalmente os parâmetros de
atuação profissional do médico.
Deontologia define todos os parâmetros dos deveres profissionais e diceologia
define os direitos profissionais. Os crimes que mais crescem em porcentagem são os
chamados erros médicos. Diceologia e deontologia fundamentam direitos e deveres
profissionais. Os direitos e deveres do médico constam do Código de Ética Médica.
1.3. Medicina Especial
Estuda o homem em geral: antropologia, traumatologia, asfixiologia, tanatologia,
toxicologia, infortunística, psicologia, psiquiatria, sexologia, criminologia e vitimologia.
1.3.1. Antropologia
Estudo do ser humano, da sua forma. Ex.: pela forma do crânio pode-se saber o sexo, a raça
do indivíduo; pelo osso fêmur pode-se saber a idade do indivíduo. A antropologia visa
identificar restos, fragmentos.
1
1.3.2. Traumatologia
Estudo dos traumas. Trauma é tudo aquilo que, afetando o corpo humano, o vulnere. Pode
ser provocado por agentes mecânicos (atropelamento), físicos (calor, frio, eletricidade),
químicos (tóxicos, venenos, ácidos), mistos (bactérias), psíquicos (chantagem, ameaças que
afetam a saúde física).
1.3.3. Asfixiologia
Todas as hipóteses em que o indivíduo, submetido à uma ação exterior, tem prejudicado a
oxigenação dos tecidos.
1.3.4. Sexologia
Atentado ao pudor, sedução, infanticídio, estupro, aborto, gravidez e algumas
hipóteses de anulação do casamento.
1.3.5. Tanatologia
Estudo da morte: se acontecer, quando aconteceu e o que lhe deu causa.
1.3.6. Toxiologia
Tóxicos e venenos; estuda os casos de envenenamento.
1.3.7. Infortunística
Noções de medicina do trabalho, das doenças profissionais e dos acidentes de
trabalho.
1.3.8. Psicologia
Valor da confissão, do testemunho, da negativa, para extrair a verdade.
1.3.9. Psiquiatria
Patologia médico-forense; entendimento da teoria da imputabilidade.
1.3.10. Criminologia
Estudo do crime, do criminoso, da sociedade, da vítima e de todas as condições
capazes de explicar como e por que ocorreu o crime.
1.3.11. Vitimologia
Estudo da vítima; ninguém é totalmente isento de participação no crime que foi
cometido contra ele. Saber como, por que e quando foi cometido o crime contra
determinada vítima.
2. PERÍCIAS E PERITOS
2.1. Perícia
É o conjunto de procedimentos visando à elaboração de um documento para
demanda jurídica. É o conjunto de procedimentos executados para esclarecer fato de
interesse legal.
Quem faz a perícia são os peritos.
2
2.2. Peritos
São pessoas qualificadas para fazer as perícias. Podem ser oficiais (peritos criminais
e médicos legistas) e não oficiais (peritos nomeados pela autoridade judiciária, que têm a
liberdade de aceitar ou não a nomeação.).
Em alguns países a atividade pericial está ligada ao Poder Judiciário.
O objetivo da perícia é atender às necessidades da comunidade.
Elaborado o processo de perícia, surgem os documentos médico-legais.
3. DOCUMENTOS MÉDICO-LEGAIS
3.1. Atestado Médico
É o mais simples dos documentos médico-legais. É no atestado que o médico afirma
ou nega, sem maiores considerações, um fato médico. Gera também todos os efeitos
jurídicos, com efeito legal. O documento não exige na sua definição nenhum
esclarecimento maior, basta que o médico afirme que “fulano de tal não pode comparecer”.
Não há necessidade de nenhuma outra afirmação. O médico afirma ou nega um fato de
natureza médica.
3.2. Laudo Médico
É o documento que se elabora após a primeira perícia, descrevendo-a
detalhadamente. O laudo deve conter:
• identificação: identificação completa da pessoa ou coisa a ser periciada;
• histórico: descrição do quê, quando e como aconteceu o fato;
• exame externo: é o exame visual, macroscópico;
• exame interno: no cadáver é a autópsia; na pessoa viva pode ser biópsia, radiologia,
coleta de material etc.;
• discussão e conclusão: discute-se o que pode ou não pode ser (ex.: quantos tiros, se
houve defesa ou não) Discute-se o aspecto jurídico da lesão e dá-se a conclusão;
• respostas aos quesitos: os quesitos podem ser oficiais ou formulados pela autoridade
requisitante.
Quesitos:
• Houve morte?
• Qual a sua causa?
• Qual o instrumento ou meio que a causou?
• Foi empregada asfixia, fogo etc.?
Os quesitos podem variar de acordo com o crime. Ex: no crime de sedução, os
quesitos serão:
• É virgem a paciente?
• Era virgem a paciente?
As autoridades requisitantes freqüentemente solicitam quesitos extras após o laudo
pericial. Ex.: no exame interno é colhido material e o laudo só será completado após o
resultado desse exame dado pelo laboratório.
3.3. Auto Médico-Legal
O auto médico-legal é feito por legistas após a perícia. O auto médico-legal é
semelhante ao laudo, porém, elaborado no decorrer da perícia. Está limitado à exumação de
cadáveres. A exumação é a primeira perícia com características peculiares. O perito
3
depende muito de outra pessoa para a realização do seu trabalho. Requisitada a primeira
exumação de cadáver, marca-se dia e hora e convoca-se: Delegado de Polícia, escrivão,
pessoas interessadas, advogados, médico legista, auxiliar de autópsia, atendente de
necrotério etc. O auto médico-legal tem a mesma estrutura do laudo médico. A diferença
entre o laudo e o auto consiste na época em que é feito.
• Laudo: após a perícia.
• Auto: durante a perícia
3.4. Parecer Médico-Legal
Numa situação de dúvida ou de desencontro de perícia, podem as partes ou o
Magistrado se socorrerem de um parecer. É necessário que ele seja elaborado por alguém
que tenha certas características aceitas pelas partes, que seja uma pessoa de notável saber,
cuja sabedoria seja pertinente ao trabalho a ser realizado. Nenhum Juiz está adstrito a laudo.
No cível, um perito é indicado pelo Magistrado. As partes podem contratar
assistentes técnicos, indicando-os ao Juiz.
Ainda que contratado por uma parte, o assistente técnico está preso às regras,
deveres e direitos da função de perito.
O Código de Processo Civil dispõe que o perito, o assistente e o Juiz podem realizar
a perícia conjuntamente, elaborando um mesmo laudo, caso as partes concordem.
No campo penal faz-se necessária a existência de dois peritos.
4. ANTROPOLOGIA MÉDICO-LEGAL
Antropologia é o estudo do ser humano, suas características, seu comportamento,
seu aspecto biológico.
4.1. Identidade do Indivíduo
É o conjunto de traços e características que diferencia, que individualiza uma pessoa
ou coisa. São as características e atributos que tornam a pessoa única.
4.2. Identificação
É o conjunto de procedimentos que se faz buscando as características individuais. É
o processo, a tecnologia que se adota para se chegar à identidade, permitindo uma
comparação prática.
4.3. Praticabilidade
Procedimento que seja prático, de baixo custo e fácil.
Exemplos:
a) Classificação de ossos – Os ossos possuem canais (canais de Havers) por onde
passa o sangue. Os canais dos ossos humanos são completamente diferentes de qualquer
outro vertebrado.
b) A forma do crânio das principais raças (caucasianos, indianos, negróides,
orientais) é uma das características da raça. Pelo formato do crânio, pode-se determinar a
raça do indivíduo.
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MÓDULO II
MEDICINA LEGAL
1. IDENTIFICAÇÃO
A identificação pode ser efetuada quanto:
a) Espécie
Entre animal e ser humano. Pode-se chegar a essa classificação pela análise dos
ossos e dos canais de Havers.
b)Raça
Há cinco tipos étnicos fundamentais: caucasiano, mongólico, negróide, indiano e
australóide. A raça é identificada pelo índice cefálico (forma do crânio e ângulo facial).
c)Sexo
O sexo do indivíduo pode ser identificado das seguintes maneiras:
• sexo cromossomial: avaliação dos cromossomos. Ex.: sexo masculino: quem
tem cromossomo XY; sexo feminino: quem tem cromossomo XX;
• sexo gonadal: os indivíduos humanos que têm ovário são do sexo feminino; os
que têm testículos são do sexo masculino;
• sexo cromatímico: com a aplicação, nas células humanas, de corante que se
adere ao corpúsculo cromatino. A presença da cromatina indica o sexo feminino; sua
ausência indica o sexo masculino.
• sexo da genitália interna: quem tem útero e ovário é do sexo feminino; quem
tem próstata é do sexo masculino;
• sexo da genitália externa: quem tem vagina e clitóris é do sexo feminino; quem
tem pênis e escroto é do sexo masculino;
• sexo jurídico: é o sexo constante nos documentos do indivíduo. Pressupõe-se
que alguém constatou o sexo do indivíduo;
• sexo de identificação: é o sexo psíquico, sexo do comportamento, é a
sexualidade do indivíduo. Na maioria das vezes, tem tudo a ver com o sexo físico. É o sexo
que o indivíduo projeta no plano da sexualidade;
• sexo pericial: é o sexo de avaliação, por meio de toda uma avaliação dá-se um
laudo sopesando todos os aspectos.
Legalmente, no Brasil, o que vale é o sexo físico. O judiciário não pode autorizar a
mudança de sexo na documentação, pois poderia estar incorrendo em uma fraude.
1.1. Idade
Existem algumas faixas etárias juridicamente importantes: 13, 16, 18 e 21 anos.
Especialmente a faixa dos 18 anos, que é a faixa da imputabilidade.
Universalmente, hoje se aceita a Tabela de Grevlisch para determinar a idade das
pessoas. Grevlich, ao radiografar os ossos dos braços das pessoas, chegou a um padrão de
calcificação para determinar as faixas etárias jurídicas. Esse processo de calcificação dos
osso se encerra com 21 (vinte e um) anos. Não é possível distinguir uma radiografia de uma
pessoa com 25 (vinte e cinco) anos de outra com 35 (trinta e cinco) anos, porém, é possível
identificar, pela radiografia, um indivíduo de 20 (vinte) anos e 9 (nove) meses de outro
indivíduo de 21 (vinte e um) anos.
Os ossos do antebraço são o rádio e o úmero. Posição anatômica é a posição da
pessoa voltada para a frente, com os braços voltados para a frente e as pernas ligeiramente
afastadas. Sendo essa a posição anatômica, o rádio localiza-se no exterior do antebraço.
5
Ossos do punho: escalóide, semilunar, piramidal, psiforme, na primeira fileira. Na
segunda fileira: trapézio, trapezóide, grande osso e ganchoso ou unciforme.
Os ossos da mão são cinco e chamam-se metacarpianos.
Dedos: indicador, polegar, médio, anular e mínimo. O polegar tem dois ossos, duas
falanges, que recebem o nome de proximidal e distal. Os quatro outros dedos possuem três
falanges: proximidal, medial e distal. Além disso, existem pequenas esferas ósseas que
ajudam no processo de articulação, chamados semamóides.
Temos então 32 (trinta e dois) pontos de observação (ossos) para identificar a idade
das pessoas. É por isso que se adota essa parte do corpo para proceder a identificação: pela
quantidade de detalhes e variedade de pontos de observação.
1.2. Altura
Existem tabelas para que se possa verificar a altura do indivíduo. Ex.: se o fêmur
mede 48,6 cm, o indivíduo vivo tinha 1,80 m. A tabela pode ser aplicada sobre vários
ossos: fêmur, tíbia etc.
1.3. Outros Tipos de Identificação
Para ajudar numa identificação individual, são valiosos os seguintes sinais:
a) sinais individuais: verrugas, manchas etc.;
b) malformações: lábio leporino, desvio de coluna, consolidação viciosa de uma fratura
etc.;
c) sinais profissionais: calosidade de sapateiros, calo nos lábios de sopradores de vidro,
de músicos de instrumentos de sopro etc.;
d) cicatrizes: traumática (ação de agentes mecânicos, queimaduras), patológicas (vacinas)
ou cirúrgicas.
A identificação pelos dentes, no morto, é relevante. Porém, para que tal
identificação seja possível, seria necessário dispor de uma ficha dentária fornecida pelo
dentista da vítima. Uma cárie com restauração de determinado material, colocação de
prótese, influem na identificação do indivíduo. Deve-se levar em conta, também, as
alterações adquiridas pelos agentes mecânicos, químicos, físicos e biológicos (desgastes
dos dentes, dentes manchados de fumo etc.).
A identificação por fotografia não é um método de grande segurança. Ele será usado
quando falhar os métodos mais significativos. Consiste na superposição de fotos do
indivíduo tiradas em vida sobre a foto do esqueleto do crânio.
1.4. Identificação Jurídica
Jean de Vucetich, estudando as cristas que todo ser humano possui nas polpas
digitais (pontas dos dedos), chegou à conclusão que nenhuma pessoa possui as impressões
iguais às de outra, e também que a impressão das cristas em papel (impressão digital)
poderia mudar de tamanho conforme a idade do indivíduo, mas jamais mudaria o desenho.
Essa forma de identificação, embora fosse barata, esbarrava na dificuldade de se
encontrar determinada impressão num arquivo imenso.
Vucetich começou, então, a classificar as impressões por grupos. Essas cristas
digitais consistem em uma série de linhas, mais ou menos horizontais, as quais Vucetich
denominou de sistema basilar. No centro da polpa digital existe o sistema nuclear. Grande
parte dos indivíduos possuem também o sistema marginal.
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Vucetich verificou que certas pessoas, na confluência dos três sistemas, formam
uma figura chamada delta. O delta pode aparecer nas pessoas de diferentes maneiras: dois
deltas, ausência de delta, só do lado interno ou só do lado externo.
A figura de 2 (dois) deltas é chamada de verticilo (V). As pessoas que têm o delta
só do lado externo, chamou-se de presilha externa (E). As que têm só do lado interno,
presilha interna (I). As pessoas que não têm o delta, chamou-se de arco (A).
Para seu estudo, Vucetich resolveu colher a impressão dos dez dedos das mãos. O
sistema de letras fica restrito aos polegares; os demais dedos recebem a numeração
seguinte:
V (verticilo) = 4
E (presilha externa) = 3
I (presilha interna) = 2
A (arco) = 1
Todos os indivíduos de uma população a ser identificada que tiverem a forma
A4214, A2421 ficam arquivados em conjunto, facilitando, dessa maneira, a identificação.
As cristas não são lineares e formam inúmeros desenhos. Ex.: ao examinar
determinada impressão, se encontrados 12 (doze) pontos de coincidência, pode-se
identificar certamente o indivíduo.
A esse sistema de identificação dá-se o nome de sistema decadactilar 10 (dez)
dedos.
A ciência que se propõe a identificar as pessoas fisicamente, por meio de impressões
dos desenhos formados pelas cristas papilares, recebe o nome de datiloscopia.
2. TRAUMATOLOGIA MÉDICO LEGAL
A traumatologia estuda as formas de vulneração do corpo humano. Basicamente
tudo aquilo que ofende a saúde é um trauma. O trauma produzido por energia pode ser
físico ou psíquico.
A energia vulnerante é classificada em: mecânica, física, química, biológica e mista.
2.1. Energia Mecânica
É a energia cinética, que atua sobre um corpo (E = M x V), isto é, (Energia = Massa
x Velocidade). O que varia é a velocidade. Ex.: se colocar suavemente um tijolo sobre a
cabeça de alguém, o mesmo não produzirá nenhum trauma. Porém, se o tijolo for atirado
com força, pode provocar um corte ou até mesmo uma fratura de crânio. O tijolo (massa) é
o mesmo; o que variou foi a velocidade.
Existem alguns objetos cuja massa, por si só, já produzem energia suficiente para
provocar um trauma. Ex.: um cofre de 3.000 Kg sobre a cabeça de alguém.
O que determina a intensidade do trauma é o resultado M x V (massa x velocidade).
A energia pode atuar de várias maneiras: explosão, impacto, tração etc.
Existem três grupos de instrumentos:
• que atuam num único ponto – ex.: perfurantes;
• que atuam numa linha – ex.: cortantes;
• que atuam num plano ou superfície – ex.: contundentes.
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a) Perfurantes
São instrumentos punctórios, finos e pontiagudos. Atuam por pressão, afastando as
fibras do tecido e, raramente, secionando-as. As feridas produzidas por esse tipo de
instrumento recebem o nome de punctória ou puntiforme. Exemplo de objetos
perfurantes: agulha, prego, picador de gelo, compasso etc.
b) Cortantes
São instrumentos que agem por um gume mais ou menos afiado, por mecanismo de
deslizamento sobre os tecidos. A ferida causada por esse tipo de instrumento chama-se
incisa. É errado falar “ferida cortante”: o instrumento é cortante, a ferida é incisa. Exemplo
de objetos cortantes: faca, bisturi etc.
c) Contundentes
São instrumentos que agem por pressão, deslizamento, torção etc. Os instrumentos
são como uma superfície plana que atua sobre o corpo humano. A lesão típica provocada
por objeto contundente tem vários estágios, dependendo da força ou do objeto. Exemplo de
instrumentos contundentes: martelo, soco, balaustre, veículo, escada etc.
• Espécies de lesões contundentes
− Eritema ou rubefação
É a primeira lesão provocada por objeto contundente e a mais simples. Alguns
penalistas não aceitam o eritema como lesão corporal. Não há lesão anatômica, somente
uma mancha vermelha transitória que não deixa vestígios. É provocada por impacto de
baixa densidade, produzindo uma dilatação dos vasos sangüíneos. Enquanto existir, retrata
com fidelidade o instrumento que a causou. Ex.: tapa.
− Equimose
Se a lesão foi provocada com tal intensidade que chegou a romper alguns vasos
sangüíneos, recebe o nome de equimose. São as famosas manchas roxas provocadas por
ruptura de vasos capilares, que são vasos pouco expressivos, perto da superfície da pele.
Não há sangramento, mas pequena infiltração de sangue entre as malhas do tecido. As
manchas seguem uma evolução padronizada: mudam de cor até o décimo quinto dia,
quando então desaparecem.
− Hematoma
Ocorre quando o instrumento contundente, atuando no tecido corporal, provoca
ruptura de vasos importantes, produzindo o afastamento de tecidos; quando o instrumento
bate mais pesado e chega a romper um vaso, provocando vazamento de sangue.
− Escoriação
É a lesão superficial de atrito (ralada) que rompe a epiderme, deixando a derme a
descoberto. Não há sangramento e não deixa seqüelas. A escoriação é produzida quando o
instrumento tangencia e produz um ralamento na epiderme.
− Ferida contusa
Produzida quando o instrumento age com muita violência que é capaz de rasgar os
tecidos, formando uma lesão aberta.
2.1.1. Feridas produzidas pelos instrumentos
Com freqüência, os instrumentos misturam as seqüências da lesão. Ex.: instrumento
perfuro-cortante, produzido por uma faca de ponta.
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Existem instrumentos que por sua velocidade, mais do que por sua forma, produzem
lesões. Ex.: instrumento perfuro-contundente (projétil de arma de fogo), que atua
perfurando e contundindo.
Existe também uma combinação de instrumento que corta e que contunde:
instrumento corto-contundente. O instrumento típico corto-contundente é o machado.
Temos, então, 3 (três) instrumentos básicos (perfurantes, cortantes e contundentes) e
3 (três) formas combinadas (perfuro-cortante, perfuro-contundente e corto-contundente).
A ferida produzida pelo instrumento perfuro-cortante é denominada perfuro-incisa.
A lesão produzida pelo instrumento perfuro-contundente denomina-se perfuro-
concisa.
A lesão típica produzida pelo instrumento corto-contundente, denomina-se corto-
contusa.
Instrumentos básicos
Instrumento Característica Ferida
Perfurante Perfura Punctória
Cortante Corta Incisa
Contundente Contunde Eritema, equimose, hematoma,
escoriação, ferida contusa
Instrumentos combinados
Instrumento Característica Lesão
Perfuro-contundente Perfura e contunde Perfuro-concisa
Perfuro-cortante Perfura e corta Perfuro-incisa
Corto-contundente Corta e contunde Corto-contusa
a) Feridas punctórias (produzidas por instrumentos perfurantes)
Feridas punctórias são feridas produzidas por instrumentos perfurantes, porém
apresentam características de corte, como a casa de um botão; em razão disso, surgem três
leis a respeito das feridas punctórias:
1.ª Lei: as feridas punctórias provocam, quando retirado o instrumento, a forma de casa de
botão ou botoeira;
2.ª Lei: feridas punctórias numa mesma região de linhas de tensão ou linhas de Languer,
têm todas o mesmo sentido;
3.ª Lei: diz respeito às feridas que acontecem coincidentemente numa mesma região de
linhas de tensão, e diz respeito à forma que a lesão vai apresentar, ou seja, forma triangular.
As feridas na zona de confluência das linhas de força tomam a forma de triângulo.
A importância desses instrumentos perfurantes na Medicina Legal localiza-se no
fato de serem esses instrumentos inoculares de infecção, pois as feridas produzidas, embora
aparentemente pequenas, são profundas.
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Esses instrumentos também têm uma propriedade do sinal do acordeão, ou sinal de
Lacassagne, cuja ferida, em virtude de ser comprimida, apresenta uma extensão maior do
que o instrumento que a produziu.
b) Feridas incisas (produzidas por instrumentos cortantes)
Características das feridas incisas:
− regularidade das bordas (pois não foi rasgada);
− regularidade do fundo da lesão;
− ausência de vestígios traumáticos em torno da ferida;
− hemorragia abundante;
− predominância do comprimento sobre a profundidade;
− afastamento das bordas da ferida, se o corpo é vivo, em razão da
retratilidade da pele;
− cauda de escoriação voltada para o lado em que terminou a ação do
instrumento;
− a extensão da ferida é quase sempre menor do que aquela que realmente
foi produzida, em virtude da elasticidade dos tecidos;
− as vertentes (encostas) da lesão são emparedadas (regulares) e serão
verticais se o instrumento agiu perpendicularmente, e em forma de bizel se o instrumento
agiu inclinadamente (oblíquo);
− o centro da ferida é mais profundo que as extremidades.
Nas feridas incisas, quando existem duas lesões cruzadas, é possível determinar qual
a primeira e qual a segunda, pois a primeira foi feita sobre a pele íntegra e, na segunda, vai
haver um degrau, porque foi feita sobre a lesão anterior. A esse “degrau” dá-se o nome de
Sinal de Chavigny: angulação que se verifica na segunda ferida, na hipótese de duas feridas
se entrecortarem.
Algumas feridas incisas têm nome próprio:
1. esgorjamento: ferida incisa na região anterior do pescoço;
2. degolamento: ferida incisa no plano posterior do pescoço (nuca);
3. decapitação: ferida incisa secionando todo o pescoço (guilhotina).
c) Feridas produzidas por instrumento contundente
• Rubefação ou eritema: No período em que é visível, tem uma grande
importância, porque reproduz o instrumento que a produziu. Caracteriza-se por uma
vermelhidão no local atingido. Há uma forte corrente dizendo que a rubefação não possui
os requisitos de uma lesão corporal, pois não tem uma base anatômica e dura pouco tempo
(em média, 15 minutos).
• Escoriação: Abrasão, lixamento da pele. Só é escoriação a abrasão que
se verifica na epiderme por atrito tangencial ou instrumento contundente. Quando a
abrasão se estende em profundidade, pegando a segunda camada da pele, não se trata de
escoriação. Não existe cicatriz de escoriação. Na escoriação há uma reconstrução integral
da pele. Se houver cicatriz, trata-se de uma perda de substância e não de escoriação.
• Equimose: Manchas roxas. A seqüência das cores da equimose permite
estabelecer um diagnóstico cronológico da mesma. Outra característica da equimose é que,
nos impactos, costumam haver equimoses exatamente na forma do objeto que as produziu.
• Hematomas: São provocados por objetos contundentes. Consistem no
extravasamento dos vasos sangüíneos. O sangue forma uma bolsa que caracteriza o
hematoma. Independentemente dos hematomas superficiais, os instrumentos contundentes
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podem provocar hematomas de extrema gravidade. Podem provocar uma onda de choque
que pode levar a uma lesão dentro do fígado ou do baço. Essa ruptura intra-baço, nos
primeiros momentos, não produzem graves sintomas e podem passar desapercebidos num
exame clínico. O sangue fica dentro da cápsula que envolve o baço, quando a cápsula se
rompe, ocorre a hemorragia e o indivíduo entra em choque. Chama-se hematoma em dois
tempos e é mais comum no baço e no fígado. Outra situação extremamente grave são
alguns traumatismos no crânio.
Ainda que não haja uma fratura ou ferida externa, pode ocorrer a ruptura de um
pequeno vaso na parte externa do cérebro, que vai gotejando sangue e descolando a
membrana que se expande até comprimir violentamente o cérebro, levando o indivíduo ao
coma. É um hematoma extradural em dois tempos que leva à uma compressão do cérebro.
Quando o impacto é maior e há um anteparo ósseo, prensando partes moles entre o
instrumento e o osso, pode ser que a lesão se abra. Aí recebe o nome de ferida contusa. Ex.:
soco no supercílio.
d) Feridas contusas:
É uma espécie de contusão. Suas características são:
− bordas irregulares;
− traumas nas proximidades das bordas;
− vertentes e fundo irregulares;
− entre uma lateral e outra pode haver ponte de tecido íntegro;
− sangram menos;
− são mais profundas do que compridas.
Esses são os itens que permitem diferenciar uma ferida contusa de uma ferida incisa.
As contusões podem provocar também ruptura de órgãos internos. Existem órgãos
que, por suas características, são mais sujeitos à ruptura, como o fígado e o baço.
Se o órgão é comprimido por aumento de pressão interna, ele se rompe no ápice da
curvatura. Na medida em que se aumenta a pressão interna do órgão, por compressão, ele se
rompe.
As contusões podem provocar ainda algumas lesões típicas. Ex.: martelada na
cabeça provoca uma lesão característica que recebe o nome de ferida de Strassmann. Outra
característica da pancada com martelo é o sinal de Carrara (pequenos círculos na região
afetada).
e) Empalamento
O indivíduo é amarrado e suspenso. Coloca-se uma haste e o indivíduo é descido
pela haste, que penetra na região perianal. Era uma prática utilizada como pena de morte.
Acidentalmente podem ocorrer empalações. Ex: quedas a cavaleiro; quedas no campo da
construção civil.
f) Lesões produzidas por cinto de segurança
Quando a colisão ultrapassa em energia a capacidade do cinto, ele passa a funcionar
como instrumento contundente. Hoje existem três tipos de cinto:
− pélvico: provoca lesão na bacia, luxações na coxa com relação ao
quadril;
− transverso toráxico: costumam provocar uma violenta projeção do
pescoço e da cabeça;
− cinto de três pontos: toráxico, diagonal e pélvico. Provocam o chicote
cervical que provoca luxação cervical ou fratura com morte imediata.
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MÓDULO III
MEDICINA LEGAL
1. LESÕES COMBINADAS
1.1. Feridas Perfuroincisas
Essas feridas são provocadas por instrumentos de ponta e gume, atuando por um
mecanismo misto: penetram perfurando com a ponta e cortam com a borda afiada os planos
superficiais e profundos do corpo da vítima. Agem, portanto, por pressão e por seção.
1.1.1. Faca de ponta
Na ponta da lesão há a perfuração; no trajeto, o tecido se rasga e, no fundo, há a
incisão. Regiões de defesa: braço, antebraço, mão e dorso da mão. Para alguns
doutrinadores, num ataque com faca, de acordo com as lesões provocadas nas regiões de
defesa, já se convencionou no Tribunal do Júri que não existe o ataque de surpresa, pois as
lesões comprovam a defesa e, portanto, conclui-se que não houve surpresa, desqualificando
o homicídio.
1.2. Feridas Perfurocontusas
Essas lesões são produzidas por um mecanismo de ação que perfura e contunde. Na
maioria das vezes, esses instrumentos são mais perfurantes do que contundentes. Esses
ferimentos são produzidos quase sempre por projéteis de arma de fogo; no entanto, podem
estar representados por meios semelhantes, como a ponta de um guarda-chuva.
1.2.1. Armas de fogo
Acionam cartuchos com projétil, que é um instrumento característico da ferida
perfurocontusa. Existem outros instrumentos que produzem esse tipo de ferida, mas não de
uso tão freqüentes como as armas de fogo que, são caracterizadas como instrumentos
perfurocontudente.
As armas podem ser classificadas em:
• mecânica: revólver;
• semi-automática: pistolas;
• automáticas: metralhadoras;
• curtas: pistolas, revólveres;
• longas: rifles, fuzis e cartucheiras;
• projétil único: revólver, metralhadora, rifle;
• projétil múltiplo: garrucha e cartucheira.
Calibre é o diâmetro medido na saída do cano. Essa medida é o que dá o calibre em
milímetros ou em centésimos de polegada.
Nas armas de projétil múltiplo, o calibre é dado pelo peso. Ex.: calibre 12 – o
cartucho dessa arma contém doze esferas de chumbo que, somadas, correspondem a uma
libra.
De uma maneira geral, o cartucho é composto de um cilindro com uma extremidade
fechada e outra aberta. Dentro desse cilindro há a espoleta, impregnada por mercúrio, que,
pelo atrito, produziz uma pequena chama. O cartucho é composto, ainda, de pólvora
(enxofre+carvão+salitre). Esse combustível é tamponado por papel, papelão ou tecido, que
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recebe o nome de bucha. Finalmente, encravado no cartucho, há uma peça de metal, que é o
projétil.
A arma de fogo é o aparelho que coloca em ação o cartucho. Impactada pela
espoleta, a pólvora é incendiada. A queima de uma carga padrão (calibre 38) gera gases
que, aquecidos, são capazes de saturar 800 cm³, o que aumenta a pressão do compartimento
e desentuba o projétil, imprimindo-lhe uma velocidade em torno de 600 a 800 km/h. Isso
nos projéteis chamados de baixa energia.
Quando o projétil desentuba, ocorre a explosão do cartucho. Uma parte da pólvora
não se queima, sendo lançada a uma distância de até 15cm, sob a forma de grãos. Junto
com o projétil são lançados também restos da bucha, labareda, fumaça e eventuais sujeiras,
como graxa. Atingem a ferida tudo o que estava no caminho do projétil (tecido da roupa,
botão etc.). O projétil se “enxuga” e chega limpo ao destino. Essa área chama-se área de
enxugo.
O projeto é, então, composto de:
• cartucho: estojo de latão, plástico ou papel prensado;
• espoleta: fulminato de mercúrio ou fosfato de bário;
• pólvora: carvão pulverizado, enxofre e salitre;
• bucha: disco de feltro, metal ou papelão;
• projétil: de chumbo, podendo ser revestido de níquel.
O projétil é instrumento perfurocontundente.
1.2.2. Tiros à queima-roupa
Se o alvo estiver colocado a 10 cm da arma, o projétil, além de contundir e perfurar,
queimará a pele, provocando uma zona de queimadura.
O projétil, perfurando a pele, rompe pequenos vasos, formando a zona equimótica.
O interior do cano das armas curtas, de projétil único, não é liso. A usinagem do
cano possui cristas que recebem o nome de raia. A raia produz uma rotação do projetil a
alta velocidade, o que propicia um alcance maior e uma direção mais precisa.
As raias podem ser:
• Destrogiras: imprimem um movimento no sentido horário.
• Sinistrogiras: imprimem uma rotação no sentido anti-horário.
Devido à rotação, o projétil provoca na pele uma escoriação. Onde o projétil
perfurar, haverá uma zona de escoriação. Essa zona recebe o nome de zona de Fisch.
Chegam também à ferida os detritos da bucha, que são retidos pela pele, que se
chama zona de enxugo. Nessa zona de enxugo serão encontrados tudo o que o projétil leva
pelo caminho (tecido, sujeiras etc.; coisas que estão interpostas entre o cano e a pele do
indivíduo).
A pólvora que chega junto com o projétil e que se aloja na pele, produz a zona de
tatuagem.
Por fora dessa zona, a fumaça: zona de esfumaçamento (é a mais periférica de
todas).
A característica da zona de esfumaçamento é que pode ser facilmente retirada com
uma simples limpeza no local. Se traçarmos uma linha da zona de esfumaçamento, teremos
a figura geométrica de um cone. Quanto maior a base do cone, maior a distância entre a
arma e o alvo.
É possível, a partir do exame da ferida, determinar a qual distância foi dado o tiro.
13
A zona de Fisch alongada aponta na direção de onde veio o projétil. Nos orifícios
ovais, a maior extensão da zona de Fisch indica a direção do projétil.
São características do furo de entrada nos tiros à queima-roupa:
• menor que o diâmetro do projétil, devido à elasticidade da pele;
• forma circular se o disparo for perpendicular à pele, e forma ovalar se o disparo
for tangencial;
• a borda está voltada para dentro;
• presença de orla de escoriações (zona de Fisch);
• zona de enxugo;
• zona de tatuagem;
• zona de esfumaçamento periférico;
• auréola equimótica;
• zona de queimadura - a borda é ligeiramente queimada pelo calor do projétil;
• zona de compressão de gases, vista apenas nos primeiros instantes.
1.2.3. Tiros encostados
Quando o orifício do cano está encostado à pele, não há espaço entre o cano e a
pele. Acontece uma explosão interna: gases, pólvora, fumaça, fica tudo sob a pele. Essa
ferida recebe o nome de zona de Hoffman.
Após o disparo, a zona atingida fica estufada e crepita (sinal de crepitação). A área
fica meio abaulada. Esse sinal só vale para os primeiros momentos após o disparo.
O disparo encostado produz a impressão do cano quente na pele. Essa impressão
recebe o nome de sinal de Werkgaertner.
Existe uma outra hipótese, quando o revólver não está totalmente encostado à pele.
Isso gera uma figura diferente, o sinal de Werkgaertner aparece pela metade, em forma de
meia lua.
Nos três tipos de disparos, as bordas da ferida estão voltadas para dentro. No ser
humano vivo, os orifícios de entrada são menores que o diâmetro do projétil, por causa da
elasticidade da pele.
São características das feridas produzidas por tiro encostado:
• orifício de diâmetro menor que o projétil;
• marca quente, desenhando a boca do cano na pele (sinal de Werkgaertner);
• a forma do orifício é irregular, denteada e com entalhes, devido à ação resultante
dos gases que deslocam e dilaceram o tecido (sinal de Hoffmann);
• em geral, não há zona de tatuagem e esfumaçamento, pois os elementos da carga
penetram pelo orifício da bala.
1.2.4. Tiros à distância
São características do orifício de entrada:
• forma arredondada ou ovalar, dependendo do disparo, se for perpendicular ou
oblíquo em relação à vítima;
• quando o tiro é dado em perpendicular, o diâmetro da ferida é menor que o
projétil;
• a orla de escoriações tem aspecto concêntrico nos orifícios arredondados e em
crescente ou meia lua nos orifícios ovalares;
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• presença da auréola equimótica (ruptura de pequenos vasos localizados na
vizinhança do ferimento);
• bordas para dentro.
São características de saída do projétil das feridas produzidas por arma de fogo:
• o orifício de saída é maior que o de entrada;
• a forma é de ferida estrelada (rasgada com as bordas voltadas para fora);
• nunca tem zona de Fisch, nem qualquer outra lesão de pele, pela simples razão
que em momento algum o projétil tocou a superfície da pele na saída, ele a vulnerou de
dentro para fora;
• pode haver zona de enxugo, pois o projétil pode levar tecidos, fragmentos de
osso etc.
De maneira geral, a linha reta que une o orifício de entrada e o orifício de saída
representa o trajeto do projétil dentro do corpo.
Em várias ocasiões, o projétil pode mudar de trajeto dentro do corpo, pode se
fragmentar e pode, também, mudar de ângulo.
Na cabeça, conforme o grau de impacto, pode ocorrer um fenômeno: O couro
cabeludo é móvel, e sob o couro existe um tecido mole. Algumas vezes, o projétil passa
pelo couro cabeludo e não penetra na cabeça, dando-se o nome de bala giratória. A bala faz
o trajeto entre o couro cabeludo e o tecido que envolve o crânio.
A localização do projétil de arma de fogo dentro do corpo humano é extremamente
difícil sem o auxílio do raio X, pelo fato de o projétil mudar o seu trajeto dentro do corpo.
Quando o projétil entra, forma um cone que recebe o nome de sinal de Bonnet, onde
o orifício de entrada é menor que o de saída. Tem o formato de um funil e, na entrada, o
diâmetro menor aponta a direção do projétil.
MÓDULO IV
MEDICINA LEGAL
1. ENERGIA DE ORDEM FÍSICA
Vários são os agentes físicos: som, luz, frio, calor, radioatividade etc.
1.1. Ações Físicas da Temperatura
1.1.1. Frio
Os seres humanos são homeotérmicos (temperatura constante) e resistem a uma
variação de temperatura pequena (abaixo de 42 graus centígrados e acima de 32 graus
centígrados de seu próprio corpo). Para tanto, há mecanismos termoreguladores que
mantêm a temperatura estável em aproximadamente 36 graus centígrados.
O frio sistêmico faz diminuir as funções circulatórias e cerebrais. A ação do frio leva
a alterações do sistema nervoso, sonolência, convulsões, delírios, perturbações dos
movimentos, anestesias, congestão ou isquemia das vísceras, podendo advir a morte.
Os cadáveres têm pele clara, extravasamento de sangue pelas vias respiratórias,
resfriam rapidamente e demoram mais para entrar em putrefação.
O frio pode atuar diretamente sobre o corpo. Podem ocorrer geladuras localizadas
de vários tipos:
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a) Primeiro grau
Área superficial pálida (ou rubefação), inchada e de aspecto anserino na pele. Dura
algumas horas e depois cessam os efeitos, porém a pele descasca.
b) Segundo grau
Ação mais intensa do frio, que provoca a destruição da epiderme, com formação de
bolhas de sangue que estouram e cicatrizam.
c) Terceiro grau
Quando a ação do frio é muito intensa, provocando o congelamento do local e
levando à necrose dos tecidos moles por falta de circulação. Formam-se úlceras e, às vezes,
são necessários enxertos. Causam deformidades permanentes.
d) Quarto grau
Quando o indivíduo permanece com os membros em contato direto com o frio. Um
grande segmento do corpo gangrena e vai à necrose. Chama-se de trincheira. Hoje ocorre
no alpinismo, nas indústrias com câmaras frias etc.
1.1.2. Calor
O calor pode atuar de duas formas:
a) Calor difuso
Calor sistêmico, tendo como conseqüência as temonoses:
• insolação: exposição à natureza;
• intermação: exposição a outras fontes de calor, ambiente confinado, lugares
mal arejados. Pode ocorrer a degeneração das proteínas, desidratação, convulsão e morte.
b) Calor direto
Calor local tem como conseqüência as queimaduras, que podem ser causadas por
chamas, gases, líquidos ou metais aquecidos. Os materiais em combustão são instrumentos
para essa ação. Mais do que a profundidade da queimadura, interessa a sua extensão.
Assim, queimaduras de qualquer grau que atinjam mais de 40% da superfície do corpo
determinarão a morte do indivíduo.
Em Medicina Legal, adota-se a classificação das queimaduras feita por Hoffmann:
a) Primeiro grau
Vermelhão, a pele apresenta-se inchada e quente, dolorida. Presença de eritema
(sinal de Christinson). A epiderme descasca após 3 ou 4 dias (ex.: queimadura por raios
solares).
b) Segundo grau
A superfície apresenta vesículas com líquido amarelado (sais e proteínas).
Dependendo da área afetada, pode haver abalos no mecanismo, levando à morte. As bolhas
(sinal de Chambert) podem infeccionar, produzindo manchas (ex.: queimadura em
decorrência de gases, líquidos e metais aquecidos).
c) Terceiro grau
São as queimaduras produzidas, geralmente, por chama ou sólido superaquecido e
determinam a queima da pele. A queimadura de terceiro grau incide até no plano muscular.
Forma-se uma placa dura e preta que, retirada, resulta em úlcera, sendo necessário o
enxerto. A pele fica retrátil, com cicatrizes chamadas sinéquias.
d) Quarto grau
É a carbonização do plano ósseo. Pode ser total ou generalizada.
A carbonização total é rara e difícil de ser produzida. A carbonização generalizada
reduz o volume do corpo por condensação dos tecidos. Corpos de adultos carbonizados
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chegam à estatura de 100 a 120 cm. O morto toma a posição de “boxer”, devido à retração
dos músculos. A explosão de gases causa o rompimento da cavidade abdominal e do crânio.
1.1.3. Importância médico-legal das queimaduras
A observação das queimaduras propicia saber se o indivíduo já estava morto ou não
no momento da carbonização. Se morreu no fogo, o sangue dos pulmões e coração possui
alta taxa de óxido de carbono, há fuligem e fumaça nas vias respiratórias (sinal de
Montalti); só fica na posição de “boxer” se foi carbonizado enquanto vivo ou logo após a
morte por qualquer outra causa.
Identificação do morto: é feita por meio da ausência de órgãos, disposição dos
dentes, fratura óssea antiga e por meio de material genético.
1.1.4. Temperaturas oscilantes
Oscilações bruscas de temperatura podem diminuir a resistência, a imunidade do
indivíduo (pneumonia, tuberculose etc.). Ocorrem em indivíduos que trabalham em câmara
fria.
1.2. Ações Físicas da Pressão Atmosférica
Com a diminuição da pressão atmosférica, há a diminuição de oxigênio e de gás
carbônico e o indivíduo passa mal. É o chamado mal das montanhas.
Sofrem aumento da pressão atmosférica os mergulhadores, escafandristas e outros
profissionais que trabalham debaixo d’água ou em túneis subterrâneos. Não correm só o
perigo do aumento da pressão atmosférica, mas especialmente o da descompressão brusca,
que pode causar lesões muito graves. Essa síndrome é conhecida como mal dos caixões.
A natureza jurídica desse evento é quase sempre acidental e desperta interesse no
estudo da infortunística (acidente de trabalho).
1.3. Ações Físicas da Eletricidade
A eletricidade natural e a artificial podem atuar como energia danificadora.
A eletricidade natural, quando age letalmente (quando há óbito), denomina-se
fulminação. Quando provoca apenas lesões corporais, chama-se fulguração (ex.: raios).
A eletricidade industrial é a produzida pelo homem e tem como ação uma síndrome
chamada eletroplessão. São assim chamadas todas as formas de lesões causadas por
eletricidade industrial, com ou sem morte. Há, também, a eletrocussão, que é a pena de
morte em cadeira elétrica.
Há três hipóteses de morte causada por eletricidade:
• a carga elétrica leva à contratura, podendo levar o indivíduo à asfixia
(contratura dos músculos respiratórios);
• a carga elétrica leva à desorganização dos batimentos cardíacos, provocando a
contração fibrilar do ventrículo e a morte;
• a carga elétrica leva à parada cerebral ocasionada por hemorragia das
meninges, das paredes ventriculares, do bulbo e da medula espinhal.
Na fulguração, as lesões podem ser por queimaduras ou por alterações funcionais
dos órgãos citados acima. Mas pode ser que haja resistência, levando ao calor, produzindo
queimaduras (“auto-fritura”). É o chamado efeito Jaule.
Às vezes, a morte é devida a outras causas sobrevindas de quedas ocasionadas pela
eletricidade. Ao receber o choque elétrico, a vítima é precipitada ao solo, morrendo por
ação de energia mecânica (contusão).
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2. ENERGIA DE ORDEM QUÍMICA
Existem substâncias que, por ação química, física ou biológica, são capazes de
causar danos à vida e à saúde.
Quando a ação é de ordem externa, as substâncias recebem o nome de cáusticos.
Quando a ação é de ordem interna, as substâncias recebem o nome de venenos.
2.1. Ação Externa (cáusticos)
Entre as substâncias químicas de ação externa, dois grupos são mais importantes:
alcáles e ácidos.
• Efeito coagulante: os cáusticos produzem lesão grave, afetando a pele violentamente,
formando escaras (áreas enegrecidas). A evolução mostra que essa área deve ser retirada
para que ocorra a cicatrização. O efeito coagulante desidrata os tecidos (ex.: nitrato de
prata).
• Efeito liquefaciente: a substância química atua desfazendo os tecidos. Produzem escaras
moles (ex.: soda cáustica).
• Vitriolagem: é um tipo de comportamento delinqüente, em que alguém joga sobre as
pessoas uma substância cáustica. No século XVIII, quando a química começou a
desenvolver-se, chamou a atenção dos químicos o ácido sulfúrico, que, na época, chamava-
se óleo de vitríolo, daí o nome vitriolagem, dado à atitude de alguém que joga,
dolosamente, uma substância química sobre as pessoas.
Venenos são substâncias químicas que, atuando no organismo, vão desempenhar um
efeito sistêmico. Veneno é qualquer substância que, introduzida no organismo, danifica a
vida ou a saúde. Entende-se por envenenamento, portanto, a morte violenta ou o dano grave
à saúde, ocasionados por determinadas substâncias de forma acidental, criminosa ou
voluntária.
2.2. Ação Interna (venenos)
Os venenos apresentam-se em dois grupos: organofosforados e clorados.
Tanto um grupo como o outro, principalmente os organofosforados, podem ser
causadores de envenenamento por contato com a pele, ingestão e inalação. A morte ocorre
por parada respiratória e edema pulmonar. O indivíduo fica cianótico (roxo), o que é um
sinal de que está havendo má respiração dos tecidos.
Os clorados são menos perigosos, porém podem envenenar o sistema nervoso
central (ex.: formicida, gás metano, combustíveis, dependendo da quantidade).
As noções do veneno, necessariamente, passam pela consideração de ordem
quantitativa.
Não basta, apenas, a qualidade da substância, é preciso que haja uma certa
quantidade.
Essa noção de quantidade passa a envolver praticamente todas as substâncias.
Existem substâncias que, em quantidade muito pequena, podem produzir a morte
(ex.: estricnina – 1mg pode causar convulsão, contratura e morte); porém, 1 milésimo de
miligrama pode servir como remédio.
A mesma cocaína que excita, numa quantidade maior, pode ocasionar a morte, num
efeito inverso. A variação da quantidade pode inverter o efeito da substância
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MÓDULO V
MEDICINA LEGAL
1. ASFIXIAS
Todo e qualquer mecanismo que intervenha na correta oxigenação dos tecidos
humanos constitui uma asfixia.
Asfixias são todas as formas de carência ou ausência de oxigênio, vital para o ser
humano, todas as anormalidades no processo respiratório.
• Hipóxia: situação em que está ocorrendo uma diminuição da oxigenação dos tecidos.
• Anóxia: ausência de oxigenação.
Toda e qualquer situação que interfira nas vias respiratórias, na caixa toráxica, nos
pulmões, caracteriza asfixia.
A caixa toráxica é um sistema fechado. Em seu lado inferior está localizado o
músculo do diafragma. Há um espaço entre a parede interna da caixa toráxica e o pulmão: o
espaço pleural. A pressão nesse espaço é maior que a pressão atmosférica. A lesão corporal
que perfure expressivamente a caixa toráxica vai provocar uma abrupta entrada de ar, que
recebe o nome de pneumotórax, que “cola” o pulmão e o indivíduo não consegue respirar.
O ser humano oxigena em ambiente gasoso, com determinadas características. Não
respiramos quando o meio gasoso é muito alterado, quando o ar é composto por outros
gases, nem em meio líquido e nem em meio sólido.
1.1. Classificação das Asfixias
1.1.1. Por modificação do meio ambiente
• Confinamento
• Soterramento
• Afogamento
1.1.2. Por obstrução das vias aéreas
• Enforcamento
• Estrangulamento
• Esganadura
1.1.3. Por impedimento da expressão do tórax
• Sufocação indireta
• Afundamento de tórax
1.1.4. Por paralisação dos músculos respiratórios
• Paralisia espástica – eletroplessão, estricnina
• Paralisia flácida – curare
1.1.5. Por parada respiratória central ou cerebral
• Eletroplessão
• Traumatismo crânio-cefálico
1.1.6. Por paralisia central
• Depressão do sistema nervoso central – tóxicos
1.2. Sinais Gerais de Asfixia
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1.2.1. Manchas de hipóstase
O indivíduo morre e, em conseqüência da morte, o coração não bate. O sangue
contido nos pequenos vasos próximos à pele, com a morte, acumula-se, por força
gravitacional, nas regiões de maior declive. Se o morto está em pé (enforcado), o sangue
vai para as extremidades (mãos, pés, pernas). Se o morto está deitado, as manchas tendem a
se formar nas costas, se ele estiver em decúbito dorsal, ou no tórax, se ele estiver em
decúbito ventral. Nas regiões de apoio, o sangue não chega, portanto, não se formam as
manchas nessas regiões. Essas manchas começam a se formar 1 ou 2 horas depois da morte.
Nos casos de asfixia, as manchas hipostásicas são mais marcadas (pronunciadas) e mais
precoces, porque o sangue está sem oxigênio, com gás carbônico. O sangue venoso (com
gás carbônico) é mais escuro, por isso que as manchas hipostásicas são mais visíveis nos
asfixiados. São, também, mais precoces, porque, em decorrência do aumento da pressão, há
um acúmulo muito maior de sangue nas extremidades.
1.2.2. Cianose
Face, rosto, parte alta do pescoço nos asfixiados são cianóticos. Em todos os casos
de asfixia, percebe-se, na face, o sinal de cianose (roxidão).
1.2.3. Equimose
Manchas na pele e em algumas vísceras; em conseqüência do aumento da pressão,
os vasos se rompem formando as manchas equimóticas. No pulmão, recebem o nome de
Manchas de Tardieu. Alguns casos são também visíveis no coração (em crianças de pouca
idade).
1.2.4. Sangue não coagulado
O sangue tende a não coagular, a permanecer fluido.
1.2.5. Maior quantidade de sangue nos órgãos
Órgãos que normalmente contêm sangue, como o fígado, ficam muito cheios. Esse
mesmo aumento da pressão, durante a asfixia, pode provocar um aumento de sangue nos
alvéolos dos pulmões e pode ocorrer ruptura de vasos dos alvéolos; por isso é comum a
secreção sanguinolenta nos casos de asfixia.
1.3. Asfixias por Modificação do Meio Ambiente
1.3.1. Confinamento
A modalidade mais comum de confinamento é o das pessoas que, num ambiente
compartimentado, têm o sangue enriquecido por monóxido de carbono. Ex.: num comboio
de trem a carvão, fechado sem oxigênio, o indivíduo morre asfixiado.
A cor da hemoglobina é mais avermelhada. O sangue não tem a coloração forte das
outras asfixias, porque não foi asfixiado com gás carbônico, mas com monóxido de
carbono.
Confinamentos podem ocorrer com grupos de pessoas num compartimento onde
não há renovação do ar. As pessoas se asfixiam com o próprio gás carbônico: é a asfixia
clássica.
O confinamento pode se dar em ambientes em que a mistura atmosférica é pobre em
oxigênio: confinamento por inadequação da mistura oxigenatória (ex.: cabine de avião).
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O confinamento em ambiente com gás também é outra causa de asfixia.
1.3.2. Soterramento
Soterramento é a asfixia no meio terroso.
É uma asfixia clássica. Ocorre a sufocação direta, indireta, mais a imersão em meio
não respirável (sólido).
É possível , também, o soterramento em grãos (soja, trigo etc.).
1.3.3. Afogamento
Afogamento é a asfixia no meio líquido: pode ser água, tanque de coca-cola, álcool,
gasolina etc.
Num primeiro momento, o afogado tem a fase de surpresa: fica agitado e segura ao
máximo a respiração. Quando não agüenta mais, respira profundamente inundando os
pulmões de água. Entra em concussão e morte aparente. Após isso, o coração bate por mais
ou menos 9 minutos.
a) Sinais externos do afogamento
• Baixa temperatura da pele: a temperatura da pele dos afogados é precocemente mais
baixa (mais fria).
• Pele anserina: a pele tem um aspecto chamado anserino - arrepiada pelo mecanismo
pilo-eretor. Recebe o nome de Sinal de Bernt.
• Contração de determinadas partes do corpo: os mamilos, a bolsa escrotal, pênis e
clitóris são contraídos.
• Maceração da pele palmar e plantar: a pele das mãos e dos pés ficam maceradas
(enrugadas). A pele chega a descolar e permanece tão perfeita, destacada com tanta precisão
(como uma luva), que é até possível colher as impressões digitais.
• Máscara equimótica: o rosto fica preto, devido à quantidade de sangue acumulado.
• Cogumelo de espuma: espuma branca ou rosada que sai da boca e dos orifícios nasais. A
presença de cogumelo de espuma no cadáver, por si só, não confirma o diagnóstico da
morte por afogamento. Nos casos de pneumonia, também pode ocorrer o cogumelo de
espuma.
• Lesões por animais aquáticos: são comuns nos afogamentos. Os animais têm predileção
pelos lábios, pálpebras e nariz. O cadáver atacado pela fauna aquática tem um aspecto mais
ou menos uniforme. Esses sinais são bem característicos.
b) Sinais internos de afogamento
• Inundação das vias aéreas com líquido: as pessoas se afogam em vários tipos de
líquido. A presença desses líquidos não deve ser, apenas, uma constatação pericial. Por
meio do líquido pode-se analisar o meio aquático em que o indivíduo se afogou. Ex.: o
indivíduo pode ter sido morto em uma banheira e ter o seu corpo jogado no mar. A
presença do líquido serve, também, para esclarecer, exatamente, o lugar onde ocorreu o
afogamento. Mesmo se tratando de afogamento em água doce com posterior remoção do
cadáver para um rio, também de água doce, há diferenciação entre os líquidos.
• Lesão dos pulmões: apresenta um pontilhado de manchas chamadas de manchas de
Tardieu. Quando o processo de afogamento é mais demorado, essas manchas podem ser
grandes, recebendo o nome de manchas de Pautalf. Quando o indivíduo aspira uma grande
quantidade de água, rompem-se os alvéolos e o líquido passa pelo espaço intra-alveolar. Os
pulmões, então, enchem-se de água, inchando-se. Isso se chama enfisema aquoso ou sinal
de Brouardel. Nas mortes agônicas, os pulmões tornam-se extremamente estendidos. O
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pulmão adquire um volume maior, às expensas do líquido que está nas vias. A distensão
dos pulmões não se dá só em virtude do líquido que está dentro dele, mas também porque o
pulmão ainda estava cheio de ar. Forma-se, então, uma mistura borbulhante de água e ar.
Isso explica o fato de que, ao retirar o cadáver da água, forma-se um cogumelo de espuma.
A pressão atmosférica age na mistura de ar e água, formando o cogumelo.
• Presença de líquidos no aparelho digestivo: o indivíduo também engole água, além de
inspirá-la. A trompa de Eustáquio liga a faringe ao ouvido médio; nos afogamentos, há
presença de líquido no ouvido médio, que chegou até lá pela trompa de Eustáquio.
Um cadáver dentro da água, pela sua densidade, tende a afundar. Durante as
primeiras 24 horas, o cadáver fica submerso, depois disso ele vem à tona, porque o
processo da putrefação humana, na sua segunda fase, produz uma enorme quantidade de
gases (fase gasosa). Esses gases fazem com que o cadáver venha para a superfície.
Em um cadáver putrefato, a certeza de que ocorreu o afogamento é dada pela análise
comparativa do sangue da aurícula direita e esquerda do coração. O sangue com oxigênio
vai para a periferia. Num afogamento, a água passa para a pequena circulação e mistura-se
com o sangue. Se for retirado sangue do lado direito do coração e sangue do lado esquerdo,
que veio do pulmão, o sangue mais diluído será o da aurícula esquerda, que é aquele que
veio da pequena circulação. O sangue que veio da aurícula direita será mais concentrado.
Isso dará a certeza se houve ou não afogamento.
Resumindo: se o sangue da aurícula esquerda estiver mais diluído, com certeza
ocorreu o afogamento.
Pela análise do sangue, pode-se, também, dizer em qual tipo de líquido ocorreu o
afogamento.
c) Mecanismos jurídicos da morte por afogamento
Acidente, suicídio e homicídio.
A hipótese de afogamento por acidente configura a maior parte dos casos.
Tecnicamente, não existe suicídio por afogamento. É comum encontrar nesses
afogados sinais de luta pela sobrevivência. Esses casos recebem o nome de suicídio
acidental.
Permanecido na água o morto por afogamento, quando retirado, há uma
violentíssima aceleração do processo de putrefação.
Nos cadáveres cuja pele não está íntegra, não há compartimentação de gases e é
mais difícil de se encontrar o cadáver.
1.4. Asfixia por Obstrução das Vias Aéreas
1.4.1. Enforcamento
Enforcamento é a constrição do pescoço por um instrumento chamado laço e a força
que constrange é a do próprio indivíduo.
No enforcamento, a força constritiva é o próprio peso do indivíduo. 15 kg são
suficientes para que ocorra o enforcamento.
No enforcamento e no estrangulamento, o laço que circunda o pescoço, levando o
indivíduo à morte por asfixia, deixa uma marca característica, que se chama sulco. É uma
marca, em baixo relevo, do material utilizado no laço que provocou o enforcamento, que
desenha o instrumento que constringiu o pescoço, caracterizando o sulco.
Além do sulco, embaixo da pele há lesões: hemorragias e fraturas em cartilagens,
ruptura de vasos, nervos achatados e secção da artéria carótida, que recebe o nome de sinal
de Amussat.
22
Há dois tipos de enforcamento:
a) Suspensão completa
Quando há uma distância considerável entre o corpo e o chão. O corpo,
verticalizado, fica solto no espaço, sem contato com o plano de sustentação.
b) Suspensão incompleta
Quando o corpo não fica inteiramente pendurado. Ex.: amarrar o laço numa janela.
Nas asfixias por enforcamento, o mecanismo é misto, pois, além da constrição das
vias respiratórias, constringe-se, também, a circulação sanguínea e o sistema nervoso que
comanda a respiração e os batimentos cardíacos.
c) Fases da morte por enforcamento
• Fase da resistência: agitação; o indivíduo tem alucinações, visão turva, torpor, perda da
consciência (quase coma). Essa fase dura de 40 a 80 segundos.
• Fase da agitação: ausência de consciência, convulsões intensas, alterações na cor da
pele, língua protusa, olhos esoftalmos. Essa fase dura de 3 a 5 minutos.
• Fase de prostração ou morte aparente: o coração bate e essa fase pode durar até 10
minutos.
No enforcamento, o sulco é oblíquo ascendente, tem profundidade variável, é
interrompido no nó, fica por cima da cartilagem tireóidea.
1.4.2. Estrangulamento
No estrangulamento, que também é uma constrição por um laço, a força constritiva
é externa. O que constringe é o laço, acionado por uma força externa, geralmente homicida.
Para determinar se a causa da morte foi enforcamento ou estrangulamento, é
necessária a análise das características do sulco deixado pelo laço.
No estrangulamento, o sulco é horizontal, tem profundidade uniforme, não é
interrompido e fica no meio do pescoço.
1.4.3. Esganadura
Esganadura é a constrição do pescoço por um membro do corpo humano: mãos, pés,
cotovelos, joelhos.
A esganadura é sempre um homicídio, porque a força constritiva será sempre um
segmento do corpo humano.
Na esganadura, sempre há disparidade de forças entre os sujeitos.
1.5. Asfixias por Impedimento da Expansão do Tórax
1.5.1. Sufocação indireta
Diz respeito a todo e qualquer fenômeno que comprima o tórax, impedindo a sua
expansão (ex.: acidente de veículos, homicídio, estouro de pessoas contra a parede, morte
por pisoteamento contínuo entre os seres humanos).
Há uma compressão do tórax, que impede a respiração, provocando a asfixia.
1.5.2. Afundamento de tórax
Fraturas múltiplas nas costas que bloqueiam a respiração, provocando a morte por
asfixia.
1.6. Asfixias por Paralisação dos Músculos Respiratórios
1.6.1. Paralisia espástica
23
É a contratura dos músculos. Ocorre nos casos de morte por eletroplessão.
Alguns tóxicos também podem levar a esse estado.
O tétano é também outra causa da paralisia espástica.
Um veneno que leva a essa paralisia é a estricnina.
1.6.2. Paralisia flácida
A paralisia flácida é causada por substância vegetal, utilizada pelos índios da
Amazônia, de nome curare. O curare é utilizado, também, nas anestesias.
Outra hipótese remota, mas que também pode ocasionar paralisia flácida, é o
traumatismo de medula (raquimedular).
1.7. Asfixias por Parada Respiratória Central ou Cerebral
1.7.1. Traumatismo crânio-encefálico
O traumatismo crânio-encefálico pode ser ocasionado por uma pancada violenta na
cabeça, que afunda o cérebro. Esse traumatismo lesa os centros de comando e o indivíduo
pára de respirar.
1.7.2. Eletroplessão
A carga elétrica leva à parada cerebral ocasionada por hemorragia das meninges, das
paredes ventriculares, do bulbo e da medula espinhal.
1.8. Asfixias por Paralisia Central
1.8.1. Depressão do sistema nervoso central
É ocasionada por drogas que levam o sistema nervoso a parar. O modelo clássico
inclui as substâncias barbitúricas, álcool e overdose por cocaína (asfixia por depressão do
sistema nervoso central).
Outras substâncias que podem produzir esse mesmo efeito são alguns
tranqüilizantes.
MÓDULO VI
MEDICINA LEGAL
1. LESÃO CORPORAL
A lei penal distingue lesões corporais em três tipos: leves, graves e
gravíssimas.
As lesões classificam-se pelo resultado, não importando o seu lugar, o que as
produziu ou qual sua extensão. Do ponto de vista médico-legal, as lesões são classificadas
pelo resultado.
A lei dispõe “se da lesão corporal resulta (...)” e relaciona quatro resultados que
definem as lesões graves e cinco resultados que definem as lesões gravíssimas. Por
exclusão, as lesões não definidas pela lei são consideradas leves.
1.1. Lesões Corporais Graves
1.1.1. Se da lesão corporal resultar incapacidade para as habitualidades ocupacionais
por mais de trinta dias
Ocupação habitual é tudo o que a pessoa faz, desde o nascimento até a morte. É
mais do que o trabalho, embora também o inclua. O exame que comprova a incapacidade
24
deve ser realizado no 30.º dia após a lesão. A incapacidade não precisa necessariamente ser
absoluta.
1.1.2. Se da lesão corporal resultar perigo de vida
É a lesão que causa uma quase morte, que provoca uma periclitação vital. Não
existe, legalmente, a expressão “risco de vida”. Risco é prognóstico e não existe em
medicina legal. Perigo de vida é um momento, um instante, em que uma função vital
periclitou (ex.: parada cardíaca, estado de coma, parada cerebral etc.).
1.1.3. Se da lesão corporal resultar debilidade permanente de membro, sentido ou função
• Membros: são os braços, antebraços, cotovelos, mãos, dedos, coxas, pernas e
pés.
• Sentidos: são a visão, audição, olfato, paladar e tato.
• Função: é o conjunto de atividades de um ou mais órgãos, sistema ou aparelho
que conduz a uma atividade padrão (ex.: função digestiva, função respiratória).
• Debilidade: não é anulação da atividade, mas sim uma expressiva redução da
mesma.
• Permanente: quando cessam os meios habituais de tratamento ou recuperação.
Meios habituais de tratamento são os meios rotineiros.
Exemplos:
• debilidade permanente de membro: traumatismo no nervo do braço, devido ao qual o
indivíduo fica com uma expressiva diminuição da força;
• debilidade permanente de sentido: redução da audição por poluição sonora
violenta; traumatismo ocular que produza descolamento da retina e o indivíduo tenha
reduzida sua visão;
• debilidade permanente de função: espancamento no rim, que ocasiona
diminuição da função renal.
1.1.4. Se da lesão corporal resultar antecipação do parto
A lei protege o direito da mãe de gestar durante 40 semanas, ou do feto permanecer
em gestação por 40 semanas. Se provocar antecipação e, conseqüentemente, a perda desse
direito, a lesão corporal é considerada grave.
1.2. Lesões corporais gravíssimas
1.2.1. Se da lesão corporal resultar incapacidade permanente para o trabalho
Permanente é a incapacidade que sobrevém no instante em que cessam os meios
habituais de tratamento. A lei diz claramente que a incapacidade diz respeito a qualquer tipo
de trabalho, e não somente para o trabalho especificamente exercido pela vítima.
1.2.2. Se da lesão corporal resultar enfermidade incurável
Incurável é aquilo que é definitivo, em face de processos normalmente utilizados
para a cura.
Enfermidade é uma anomalia, patologia permanente, resultante de um trauma
externo (ex.: ferida penetrante no tórax que ocasiona lesão grave da pleura, produzindo uma
aderência do pulmão à caixa torácica e diminuindo, assim, a capacidade respiratória do
indivíduo). Quando resulta de fator interno, é chamada de doença.
25
1.2.3. Se da lesão corporal resultar perda ou inutilização de membro, sentido ou função
Nesse caso a graduação é maior do que na debilidade permanente (lesão grave).
Perda é o zeramento das funções de um órgão, sua retirada, amputação, extração.
Exemplos:
• perda de membro: amputação de quaisquer dos quatro membros;
• perda de sentido: enucleação (extração) do globo ocular;
• perda de função: pancada no rosto que arranca todos os dentes, perdendo a
função mastigadora;
• inutilização de membro: traumatismo sob o plexo braquial (embaixo do braço),
com secção de nervo, inutilizando o braço;
• inutilização de sentido: cegueira dos dois olhos;
• inutilização de função: traumatismo em bolsa escrotal que inutilize a função
reprodutora.
A questão da visão tem uma outra conotação. Quando o indivíduo enxerga com os
dois olhos, não apenas enxerga o que tem que enxergar, como também possui uma
especialização na função da visão, chamada de função estereostática (visão em
profundidade). Alguns peritos admitem que a cegueira total de um só olho não é somente
uma debilidade do sentido da visão, mas constituiria uma inutilização da função
estereostática. A surdez total unilateral retira do indivíduo a audição estereofônica: ele não
consegue direcionar exatamente de onde vem o som. Alguns peritos admitem que a surdez
total unilateral constitui uma inutilização da audição espacial, do sentido direcional da
audição.
No caso de órgãos duplos – mas independentes dos sentidos (como os rins) –,se
somente um deles é atingido, mesmo que resulte em extração, entende-se como lesão grave
que causa debilidade, e não como lesão gravíssima.
1.2.4. Se da lesão corporal resultar deformidade permanente
Duas coisas estão envolvidas: o caráter permanente e a aparência. O conceito
enfocado é o de gerar repugnância pela perda de harmonia e não pelo feio ou bonito. Esse
conceito varia de pessoa para pessoa, de acordo com o sexo, idade, profissão, cultura. A
questão da aparência há que ser vista no contexto cultural em que o indivíduo vive.
Cicatrizes, alterações de formas, desvios, claudicações expressivas, tudo isso poderá
constituir uma deformidade permanente, desde que seja aparente e afete o modo de vida da
pessoa. A deformidade permanente pode ter um resultado devastador na vida do indivíduo,
pois estigmatiza, deforma a personalidade, a conduta e o comportamento de seu portador.
1.2.5. Se da lesão corporal resultar aborto
Aborto é a morte fetal. Se da lesão corporal resultar aborto, independentemente da
intenção (dolo ou culpa), é lesão corporal de natureza gravíssima. Tudo aquilo que provoca
a destruição, a partir do instante da fecundação até o minuto que antecede o parto, constitui
aborto.
1.3. Concausas
Para todas as hipóteses de lesão exige-se uma clara e inequívoca relação de
causalidade entre o agente determinante e o resultado.
Nem sempre isso ocorre, podendo acontecer as concausas, que modificam o
resultado ao arrepio da vontade do autor.
26
Concausa é o conjunto de fatores, preexistentes ou supervenientes, suscetíveis de
modificar o curso natural do resultado de uma lesão.
1.3.1. Concausas preexistentes
São aquelas que já existiam antes da lesão e são capazes de modificar o resultado.
As concausas preexistentes são classificadas em anatômicas, fisiológicas e patológicas.
a) Concausas preexistentes anatômicas
São anomalias congênitas (má formação), como a patologia cistus inversus (órgãos
do lado contrário).
b) Concausas preexistentes fisiológicas
Referem-se ao estado de funcionamento, no momento da lesão, de determinado
órgão (ex.: o sujeito está com a bexiga cheia; se houver trauma pode estourar a bexiga, ao
passo que se ela estivesse vazia, esse mesmo trauma não a afetaria; mudança de resultado
em razão de uma concausa preexistente de origem fisiológica. Gravidez: no início é
impossível saber).
c) Concausas preexistentes patológicas
São os casos de hemofilia, diabetes, aneurisma etc.
1.3.2. Concausas supervenientes
Ocorrem depois, com o agravamento. Podem envolver imperícia, negligência,
imprudência, infecções etc.
MÓDULO VII
MEDICINA LEGAL
1. SEXOLOGIA CRIMINAL
Em vários pontos do Código Civil, do Código Penal ou Código de Processo Penal
aparecem alguns aspectos ligados à sexologia humana e, em muitos desses aspectos, está
embutida a questão pericial.
1.1. Conceito Médico-Legal de Mulher Virgem
Mulher virgem é aquela em relação à qual não se prova experiência sexual anterior.
Dispõe o art. 217 do Código Penal: “Seduzir mulher virgem, menor de 18 (dezoito)
anos e maior de 14 (catorze) e ter com ela conjunção carnal, aproveitando-se de sua
inexperiência ou justificável confiança. Pena – reclusão de 2 (dois) a 4 (quatro) anos”.
Inexperiência quer dizer alheamento, falta de conhecimento do que seja conjunção
carnal.
Para que haja justificável confiança, deve existir uma relação suficientemente longa
e duradoura, estável e equilibrada, sobre a qual possa ser expedida uma sensação de confiar
no parceiro a ponto de se ter com ele uma conjunção carnal.
1.2. Conjunção Carnal
Conjunção carnal é a cópula vagínica, a contactação pênis/vagina (intromissio
penis). O que envolve aspectos da libido não faz parte do crime de sedução, configurando
os atos libidinosos, que são diferentes da conjunção carnal. A prova da conjunção carnal é
definitiva para a tipificação do crime.
1.2.1. Prova da conjunção carnal
27
A prova da conjunção carnal é feita por meio da observação de ruptura ou não do
hímen.
A anatomia feminina, vista de frente, na região perineal, envolve estrutura composta
de pequenos lábios, grandes lábios, intróito vaginal, fúrcula vaginal, orifício uretral, clitóris
e, implantada na parede da vagina, a presença de uma película membranosa ou rugosa
chamada hímen. Essa membrana tem uma anatomia extremamente variável nos seres
humanos. Há desde mulheres que, congenitamente, nascem com ausência de hímen, até
mulheres que têm himens que fecham a cavidade vaginal.
Existem vários tipos de himens:
• anular: tem uma borda que se implanta na vagina, chamada borda vaginal;
• semilunar: orifício labiado, bilabiado, com duas fendas cribiformes (pequenos
orifícios).
Em cada tipo temos himens com óstio ou orifício pequeno, médio ou grande.
Na maioria das vezes a borda tem certas ondulações, de tal modo que o diâmetro do
óstio, em repouso, sem ser tracionado, é um; uma vez tracionado, ele se apresenta maior. O
diâmetro do orifício, devido a sua ondulação, apresenta-se de uma maneira; se forem
esticadas todas as ondulações, esse diâmetro se apresentará de maneira diferente.
Em 80% dos casos, nas mulheres com himens mais comuns, tendo havido uma
penetração com o pênis, há rompimento da membrana.
O diâmetro, pela ruptura, torna-se suficientemente largo, permitindo o acesso do
pênis no interior da vagina. Face às características da irrigação sanguínea do hímen, ele se
rompe e permanece roto, cicatrizando-se a borda da ruptura, mas não se refazendo. Até o
15.º dia da conjunção, as bordas sangram; após esse tempo, as bordas se cicatrizam.
O tecido vai se atrofiando até que, após algum tempo, os fragmentos são reduzidos a
meros nódulos na parede vaginal, que recebem o nome de carúnculas mirtiformes. As
rupturas estendem-se da borda ostial até a borda vaginal. Em alguns livros podemos
encontrar a terminologia “ruptura incompleta”, que significa que o hímen rompeu, mas a
ruptura não foi até a borda vaginal.
Em algumas mulheres pode haver uma configuração do hímen que se apresenta com
o óstio bastante irregular, cujas ondulações se aproximam bastante da borda vaginal.
Quando essas ondulações são mais pronunciadas, recebem o nome de “entalhes”.
Na medida em que os entalhes se estendem até muito próximo da borda vaginal,
quando nos deparamos com rupturas himenais já totalmente cicatrizadas, poderá surgir a
necessidade de se fazer um diagnóstico diferencial entre o que é ruptura e o que é entalhe.
1.2.2. Diferenças entre entalhes e ruptura de hímen
O diagnóstico é feito de três maneiras:
• os entalhes não se estendem até as bordas da vagina, as rupturas, sim;
• as bordas da ruptura se coaptam (se encaixam); as bordas do entalhe não se coaptam
porque jamais pertenceram a um mesmo plano;
• as bordas da ruptura apresentam uma cicatriz; as bordas dos entalhes são do mesmo
tecido do hímen. Sob luz ultravioleta, as que forem bordas cicatriciais (ruptura) apresentar-
se-ão pálidas; as que forem bordas de entalhes apresentar-se-ão mais vermelhas, tendo em
vista a maior irrigação.
Essas três diferenças são fundamentais para diferenciar ruptura de entalhe.
1.2.3. Local de ruptura
28
É muito importante, num laudo pericial, que qualquer pessoa que leia o laudo possa
saber em que parte do hímen ocorreu a ruptura. Existem alguns parâmetros para identificar
em que parte do hímen se encontram as rupturas.
Antigamente, adotava-se a nomenclatura do mostrador de relógio (ex.: ruptura 2
horas). Hoje, divide-se a cavidade vaginal em quatro quadrantes – superior direito, superior
esquerdo, inferior direito e inferior esquerdo. Pelos quadrantes, tem-se oito pontos para
descrever o local da ruptura no laudo (quatro quadrantes e quatro junções).
A preocupação em descrever o local da ruptura é importante, pois, em 97% dos
casos, quando os parceiros se encontram em posição normal, as rupturas ocorrem nos
quadrantes inferiores ou na junção dos dois quadrantes inferiores.
As rupturas em quadrantes superiores, em princípio, podem ser produto de
manipulação, de trauma, ou de coitos com o parceiro em posição vertical. Rupturas por
manobras masturbatórias só ocorrem nos quadrantes superiores.
1.2.4. Tempo da ruptura
• Recentíssima: ocorreu há poucas horas, as bordas estão sangrantes.
• Recente: em cicatrização, ocorreu até 15 dias atrás.
• Não recente: ocorreu há mais de 15 dias.
1.2.5. Razões para não ocorrer a ruptura após a conjunção carnal
Até 22% das mulheres podem ter conjunção carnal sem apresentar o fenômeno da
ruptura; isso recebe o nome de complacência.
Poderá ocorrer ainda:
• Ausência de hímen (casos muito raros).
• Óstios himenais de grande diâmetro.
• Hímen dotado de muitos entalhes que, quando submetidos a uma tensão, produzem um
diâmetro significativo que permite a cópula.
• Himens dotados de extraordinária elasticidade, ainda que sem óstio grande.
• O estado de lubrificação vaginal, que aparece no estado de excitação pré-conjunção. A
lubrificação também reduz o atrito e diminui a perspectiva de ruptura do hímen. Podem
ocorrer situações em que a mulher tem uma vivência sexual ativa sem a ruptura do hímen e,
quando vítima de uma situação de estupro, pela situação de estresse causada, não havendo
lubrificação, ocorre a ruptura. O que leva à ruptura não é a violência em si, mas a ausência
de lubrificação.
• Pênis pequeno.
É importante o estudo dessas razões, visto que podem aparecer mulheres
declarando-se virgens, mas com um histórico de experiência sexual, vislumbrando a
hipótese de uma ação penal. Complacência não é um fenômeno exclusivamente do hímen,
mas “daquela” parceria. O tipo de parceria pode ser decisivo a permitir uma vivência sexual
sem ruptura, por um detalhe anatômico ligado ao órgão masculino.
1.2.6. Maneiras de diagnóstico de conjunção carnal
• Ruptura do hímen.
• Presença de espermatozóide no fundo do saco vaginal: com uma espátula, colhe-se
material no fundo da vagina e faz-se pesquisa de existência de espermatozóide. A presença
de espermatozóide gera diagnóstico de conjunção carnal, pouco importando o tipo de
hímen.
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• Presença de doenças venéreas: presença de certas doenças venéreas no fundo da vagina
que só se reproduzem por contato (ex.: cancro sifilítico, cancróides, granulomas e
condilomas presentes no fundo da vagina).
• Presença de fosfatase ácida: presença, na vagina, de enzima que só existe no líquido
espermático, mesmo nos vasectomizados.
• Gravidez: sem considerar o estado do hímen, melhor do que qualquer outra situação é o
próprio resultado da conjunção. Não existe gravidez sem conjunção carnal, pois o
espermatozóide depende do meio ácido para sobreviver, e isso só existe no ambiente
vaginal.
Em alguns países já se pesquisam as substâncias lubrificantes de alguns
preservativos, possibilitando o diagnóstico de conjunção carnal, mesmo quando o homem
utiliza preservativo.
Evidências de conjunção carnal não levam a diagnóstico (ex.: equimoses, pontos
hemorrágicos, escoriações, presença de pêlos etc. são evidências, mas não garantem um
diagnóstico).
Podem ser encontradas algumas tabelas sobre até quanto tempo após a conjunção se
pode pesquisar a presença de espermatozóides na vagina. Geralmente, as vítimas de
agressão sexual têm uma enorme tendência de, finda a agressão, limpar-se exageradamente,
como se limpassem também quaisquer vestígios de agressão, inclusive com o uso de ducha
vaginal. Para a Medicina, tal fato pode destruir a possibilidade da prova. Segundo alguns
autores, existe a possibilidade de se encontrarem vestígios de espermatozóides na vagina
até 22 dias após a conjunção. Na prática, porém, após cinco ou seis dias já ficará mais
difícil encontrá-los.
1.3. Atos Libidinosos
Entende-se por ato libidinoso o ato diverso da conjunção carnal. É todo ato
praticado com a finalidade de satisfazer o apetite sexual, o que traduz sempre uma
depravação moral.
O constrangimento não se processa apenas em quem pratica ou deixa que nele seja
praticado ato libidinoso, mas também naquele que é constrangido a presenciar ato
libidinoso diverso da conjunção carnal.
Uma mulher que, mediante violência ou grave ameaça, força um homem a praticar
com ela conjunção carnal não pratica o crime de estupro, não podendo ser considerado
atentado violento ao pudor, pois houve cópula vaginal. Configura-se, pois, o
constrangimento ilegal.
Na vida prática, encontram-se várias situações que poderiam ser caracterizadas
como ato libidinoso. Não existe prova pericial para o ato libidinoso, pois ele não deixa
vestígios que possam ser apreciados do ponto de vista pericial.
1.4. Sexualidade Anômala
É necessário que os instintos do homem se equilibrem dentro da normalidade para
que não comprometam a segurança das pessoas e da sociedade.
Toda variação da relação heterossexual normal que seja exclusiva, isto é, a própria
pessoa se satisfaz sexualmente, é uma variação anômala (ex.: a masturbação não se trata de
anomalia da sexualidade; porém, se o indivíduo usa a masturbação como substitutivo da
relação sexual normal, ela já é encarada como anomalia).
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No aspecto jurídico, principalmente no tocante à anulação do casamento, a prática
sexual anômala impede a sexualidade normal, tornando-se forma exclusiva da manifestação
sexual.
Sexualidade anômala é uma modificação qualitativa ou quantitativa do instinto
sexual, podendo existir como sintoma numa degeneração psíquica ou como intervenção de
fatores orgânicos glandulares.
A prática sexual anômala deve substituir em caráter permanente e total a prática
normal.
1.4.1. Práticas sexuais anômalas
a) Onanismo
É o impulso obsessivo à excitação dos órgãos genitais. É a prática orgásmica auto-
erótica. A masturbação é considerada anômala quando, pela duração e exclusividade,
bloqueia a prática da conjunção carnal normal.
b) Pedofilia
É a predileção sexual por crianças. Compreende desde os atos obscenos até a prática
de manifestações libidinosas.
c) Anafrodisia
Quando há diminuição do apetite sexual do homem. O sistema de ereção peniana
funciona, mas, por várias razões, deixa de existir o desejo sexual. Pode decorrer de doenças
do sistema nervoso e de outras causas externas ou internas.
d) Frigidez
É a ausência de libido na mulher. Distúrbio do instinto sexual que se caracteriza
pela diminuição do apetite sexual. Pode ter várias razões: sucessivas frustrações, situações
psíquicas (bloqueio infantil), vaginismo (psicofísica) ou outras doenças psíquicas ou
glandulares.
e) Erotismo
É o apetite sexual acentuado. Manifesta-se por meio da satiríase no homem, que é o
apetite sexual acentuado, não podendo ser confundido com o priapismo no homem (ereção
permanente) nem com a ninfomania na mulher, que é o desejo insaciável.
f) Auto-erotismo
É a manifestação da sexualidade que, para a satisfação sexual, não depende de
parceiro nem de masturbação, depende apenas da imaginação.
g) Impotência
Pode ser coeundi, que é a incapacidade para o ato sexual; generandi, que é a
incapacidade para gerar (no homem); e concipiendi, que é a incapacidade para gestar (na
mulher).
h) Erotomania
É a fixação maníaca de alta morbidez, em que o indivíduo se fixa em alguém fora
do campo de seu relacionamento. O indivíduo desenvolve uma paixão mórbida e doentia,
podendo até transformar-se num criminoso de alta periculosidade.
O indivíduo é levado por uma idéia fixa de amor e tudo nele gira em torno dessa
paixão. Normalmente são castos e virgens (amor platônico).
i) Exibicionismo
É a obsessão impulsiva de exibir-se sexualmente. O indivíduo já invade a área
infracional. O prazer do exibicionista é mostrar-se por meio de seus órgãos sexuais.
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O exibicionismo é uma das manifestações mais comuns das demências senis. Nos
idosos ocorre nos processos de demenciação senil (arteriosclerose) e na demenciação pré-
senil (mal de Alzheimer). As demências pré-senis são doenças específicas.
j) Narcisismo
É a fixação do prazer na admiração do próprio corpo. É o culto exagerado da
própria personalidade e sempre com indiferença para o outro sexo. Segundo FREUD, o
indivíduo passa por quatro fases:
• Oralidade: tudo o que toca a boca lhe dá prazer.
• Fase anal: satisfação em adquirir o controle da evacuação e da micção.
• Fase narcísica: cuidados com o aspecto. Quando essa fase se mantém além da
adolescência e impede o relacionamento com o sexo oposto, trata-se de anomalia.
• Fase heterossexual: o indivíduo expressa a sua libido com parceiros heterossexuais.
k) Mixoscopia
Popularmente chamada de voyeurismo, consiste no prazer em presenciar a relação
sexual de terceiros.
l) Fetichismo
Fetiche é a fixação da libido em objetos que ligam o indivíduo a pessoas para as
quais está direcionado. O indivíduo pervertido envolve-se apenas na excitação com uma
parte da pessoa ou com um objeto a ela pertencente. Adora determinada parte do corpo
(mãos, seios) ou objetos (calcinhas, sutiãs) pertencentes à pessoa amada.
m) Lubricidade senil
É a manifestação sexual exagerada, em desproporção com a idade. É sempre sinal
de perturbação patológica, como demência senil ou paralisia geral progressiva. Em geral, a
idade da vítima é inversa à idade do delinqüente.
n) Pluralismo
Manifesta-se pela prática sexual grupal, de que participam três ou mais pessoas.
Traduzem um elevado grau de desajustamento moral e sexual (ménage à trois etc.)
o) Gerontofilia
É a desmedida atração sexual de pessoas muito jovens por pessoas de idade
avançada. Conhecida também por cronoinversão.
p) Riparofilia
É a atração sexual por pessoas desasseadas, sujas, de baixa condição social e
higiênica. Há homens que preferem manter relação sexual com mulheres em época de
menstruação.
q) Urolagnia
É o prazer sexual pela excitação de ver alguém no ato de urinar ou apenas de ouvir o
ruído da urina.
r) Coprofilia
É a perversão em que o ato sexual se prende ao ato da defecação ou do próprio
contato com as fezes do parceiro.
s) Coprolalia
É a satisfação sexual que se expressa por meio de falar ou de escutar palavrões e
obscenidades.
t) Edipismo
É a tendência ao incesto, isto é, ao impulso do ato sexual com parentes próximos.
u) Bestialismo
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Também chamado de zoofilia, é a satisfação sexual com animais domésticos.
Indivíduos portadores dessa aberração muitas vezes são impotentes com mulheres.
v) Sadismo
É a aplicação de sofrimento ao parceiro. A satisfação sexual está em produzir
sofrimento ao parceiro. Algumas dessas aberrações podem chegar ao extremo, a tal ponto
que o orgasmo só será conseguido com o sofrimento supremo do parceiro, que é a morte.
w) Masoquismo
É o prazer sexual por meio do sofrimento físico ou moral. O masoquismo é mais
comum nas mulheres.
x) Necrofilia
É a relação sexual com cadáveres. É tão compulsivo que, na inexistência de um
cadáver, o necrofílico “fabrica” um, ou seja, mata uma pessoa para que possa ter com ela
relação sexual após a morte.
y) Pigmalionismo
É o amor anormal pelas estátuas (hoje substituídas por bonecas infláveis).
1.4.2. Homossexualismo
Tanto o homossexualismo masculino, também chamado de uranismo ou pederastia,
como o homossexualismo feminino (lesbianismo), do ponto de vista fisiológico, são
anomalias. A Organização Mundial de Saúde, entretanto, considera o homossexualismo
como doença e não como anomalia.
O homossexualismo deve ser considerado como um caso estritamente médico,
havendo necessidade de que se faça distinção entre o homossexualismo, o intersexualismo,
o transexualismo e o travestismo.
a) Intersexualismo
O indivíduo se apresenta com a genitália externa e com a genitália interna
indiferenciadas, como se a natureza não tivesse se definido quanto ao sexo.
b) Transexualismo
O indivíduo é inconformado com seu estado sexual. Geralmente não admite a
prática homossexual.
c) Travestismo
O indivíduo sente-se gratificado com o uso de vestes, maneirismos e atitudes do
sexo oposto.
2. ABORTO
O aborto define-se como morte fetal, não importando em que momento. A vida
humana inicia-se no momento da fecundação, com direitos legais (ex.: mulher viúva só
pode casar-se 10 meses após a morte do marido, para preservar os direitos sucessórios do
ser embrionário).
2.1. Técnicas de Aborto
Pode ser feito por meios mecânicos, tubos, sondas, hastes metálicas, com a intenção
de romper a bolsa e provocar a expulsão do feto, ou por meios químicos.
Em relação aos meios químicos, não existe uma substância especificamente feticida.
Existem substâncias tão tóxicas que, pela fragilidade do feto, são capazes de matá-lo e,
assim, provocar aborto. Existem drogas, como as prostaglandinas, que provocam contração
do útero, com dilatação e expulsão do feto.
33
2.2. Aspectos Legais do Aborto
O aborto legal ocorre em duas hipóteses:
• gestação proveniente de estupro;
• quando não há outra maneira de preservar a vida materna.
MÓDULO VIII
MEDICINA LEGAL
1. TANATOLOGIA I
1.1. Conceito
Tanatologia é a parte da Medicina Forense que estuda a morte, abordando os
aspectos biológicos e antropológicos.
Definir ou conceituar morte é um trabalho árduo, para alguns impossível,
considerando o atual estágio do conhecimento. Para outros, morte é a cessação da vida. No
ordenamento jurídico brasileiro, o entendimento corrente considera morte como ausência
de vida.
O conceito de morte evoluiu com o tempo, desde a “morte pulmonar” dos gregos até
a “morte encefálica” contemporânea, necessidade atual, compatível com a evolução
médica, permitindo um novo entendimento nos casos de transplantes de órgãos, passando
pela “morte cardíaca”, ainda válido, considerado conceito operacional, pois com a parada
definitiva do coração, os demais órgãos param sucessivamente, incluindo o pulmão e o
encéfalo, permitindo o diagnóstico de morte em todos os locais, sem a necessidade de
grandes recursos.
O diagnóstico de morte encefálica, ou parada definitiva da atividade encefálica, é
um procedimento complexo que exige profissionais habilitados, instrumental e centros
médicos de excelência, não existentes em todos os locais do País.
1.1.1. Diagnóstico de morte
A morte é caracterizada em nosso meio pela presença dos sinais abióticos (sinais
que indicam ausência de vida).
Logo após a parada cardíaca e o colapso e morte dos órgãos e estruturas, como o
pulmão e o encéfalo, surgem os sinais abióticos imediatos ou precoces, perda da
consciência, midríase paralítica bilateral (dilatação das pupilas), parada cardiocirculatória,
parada respiratória, imobilidade e insensibilidade. Tais sinais são considerados de
probabilidade, ou seja, indicam a possibilidade de morte e são denominados por alguns
autores como período de morte aparente, por outros são chamados de morte intermediária.
Algum tempo depois aparecem os sinais abióticos mediatos, tardios ou
consecutivos, indicativos de certeza da morte, como: livores, rigidez, hipotermia (ou
equilíbrio térmico) e opacificação da córnea. Tais sinais constituem uma tríade – livor,
rigor e algor –, ou seja, alterações de coloração, rigidez e de temperatura, indicativos de
certeza da morte (morte real).
Os livores, alterações de coloração, variam da palidez a manchas vinhosas. São
observados nas regiões de declive, devido ao acúmulo (deposição) sangüíneo por atração
gravitacional. Aparecem ½ hora após a parada cardíaca, podendo mudar de posição quando
34
ocorrer mudança na posição do corpo. Após 12 horas não mudam mais de posição,
fenômeno denominado de fixação.
A rigidez, contratura muscular, tem início na cabeça, uma hora após a parada
cardíaca, progredindo para o pescoço, tronco e extremidades, ou seja, de cima para baixo
(da cabeça para os pés). O relaxamento se faz no mesmo sentido. Tal observação é
denominada Lei de Nysten. O tempo de evolução é variável.
1.1.2. Morte encefálica
O critério de morte encefálica é um caso particular, não aplicável no dia a dia,
próprio para as situações de transplante de órgãos, em que há a necessidade de um
diagnóstico rápido e preciso, ou seja, é uma situação particular em que a morte é
diagnosticada, tida como certa, com a demonstração da parada definitiva da atividade
encefálica.
Nesses casos os órgãos de interesse são mantidos em funcionamento com o uso de
equipamentos e/ou fármacos (drogas médicas).
1.1.3. Premoriência e comoriência
Tais conceitos são importantes nas situações de mortes muito próximas, em que há
necessidade de estabelecimento de seqüência, com fins sucessórios.
Premoriência é a seqüência de morte estabelecida, ou seja, “A” morreu antes de
“B”.
Comoriência é a simultaneidade de mortes, caso mais comum, pois na maioria das
vezes não é possível a determinação da seqüência de eventos.
1.2. Tipos de Morte
Quanto ao modo, as mortes são classificadas em naturais, violentas ou suspeitas.
Alguns autores incluem outros tipos, como a morte reflexa (“congestão”), determinada por
mecanismo inibitório, como nos casos de afogados brancos, estudados em Asfixiologia. As
mortes violentas são divididas em acidentais, homicidas e suicidas.
Quanto ao tempo, as mortes são classificadas em:
• Súbita: aquela que não é precedida de nenhum quadro, que é inesperada.
• Agônica: aquela precedida de período de sobrevida. Neste item cabe lembrar das
situações de sobrevivência, em que o indivíduo realiza atos conscientes e elaborados no
período de sobrevida; por exemplo, após ter sido atingido mortalmente com um tiro no
coração, o indivíduo tem tempo para reagir e ferir ou matar o desafeto; ou então o suicida
que, após ter dado um tiro na cabeça, escreve bilhete de despedida (situações não usuais,
mas possíveis).
O diagnóstico diferencial entre as formas “súbita” e “agônica” é possível com
provas especiais, denominadas docimásticas, que estudam as células, tecidos e substâncias
presentes no organismo, como glicogênio e adrenalina.
Nas mortes naturais, regra geral, o médico deverá fornecer “Declaração de Óbito”,
documento que contém o Atestado de Óbito e que originará a Certidão de Óbito.
Nas mortes naturais, sem diagnóstico da causa básica (doença ou evento que deu
início à cadeia de eventos que culminou com a morte), há necessidade de autópsia pelos
Serviços de Verificação de Óbitos e, nas mortes violentas, as autópsias devem ser
realizadas pelos Institutos Médico-Legais.
35
2. TANATOLOGIA II
2.1. Fenômenos Cadavéricos
Microscopicamente, horas após a parada cardíaca, ocorre um processo de auto-
destruição celular denominado autólise, caracterizada por auto-digestão determinada por
enzimas presentes nos lisossomos, uma das organelas citoplasmáticas.
Macroscopicamente, o primeiro sinal de putrefação é o aparecimento da mancha
verde abdominal na região inguinal direita (porção direita, inferior do abdome). Tal mancha
é originada pela produção bacteriana de hidreto de enxofre que, por sua vez, determina a
formação de sulfohemoglobina, ou seja, na morte o enxofre “ocupa” o lugar do oxigênio ou
do dióxido de carbono na hemoglobina.
A mancha aparece de 16 a 24 horas após a parada cardíaca, progride para as outras
regiões abdominais e depois para o corpo todo, caracterizando a fase cromática da
putrefação. Nos afogados a mancha verde pode aparecer no tórax.
2.1.1. Putrefação
A putrefação é o fenômeno cadavérico mais freqüente. Tem início com a fase
cromática, como apresentado no parágrafo anterior. A segunda fase, denominada gasosa ou
enfisematosa, aparece geralmente dias após e é caracterizada pela produção de gases e de
álcool etílico.
Os gases mais freqüentes são o metano, amônia, putrescina, cadaverina e hidretos de
enxofre, fósforo e flúor.
O hidreto de enxofre determina o odor característico de carne podre. O hidreto de
fósforo, quando em combustão, origina o fenômeno denominado “fogo fátuo”.
A formação de gases determina um aumento de volume cadavérico, com língua
protrusa, cabeça grande, genitais aumentados, olhos abertos e proeminentes e braços e
pernas com aspecto pneumático. Nesse período os cadáveres dos afogados flutuam, e
ocorre o “parto pré-mortal” nas grávidas.
A terceira fase é a coliquativa, caracterizada pela “liquefação” tecidual, adquirindo
o cadáver um aspecto de pasta.
O resultado da putrefação é a redução das partes moles, restando os ossos, dentes,
cabelos, pêlos e partes densas como os tendões, caracterizando a fase terminal denominada
esqueletização.
2.1.2. Maceração
Quando ocorre alguma perturbação ambiental ou na estrutura dos restos mortais, são
observados outros fenômenos cadavéricos. A maceração é um desses fenômenos.
Ocorre quando os restos mortais ficam imersos em meio líquido, sendo
caracterizada por putrefação atípica, enrugamento tecidual e exsangüinação (saída do
sangue pela pele desnuda).
São conhecidas duas formas:
• Séptica: mais comum, ocorre geralmente nos corpos que permanecem, após a
morte, em lagos, rios e mares.
• Asséptica: observada na morte e permanência do feto intra-útero.
É um fenômeno destrutivo e não significa morte na água e sim permanência em
meio líquido.
2.1.3. Mumificação
36
São conhecidos também fenômenos conservativos.
Os cadáveres inumados em solos com alta concentração salina e em ambientes
quentes e secos, como os desertos e regiões áridas, desidratam (secam), com interrupção
das reações químicas, conservando o tegumento, determinando a conservação parcial
denominada mumificação.
Não pode ser confundida com os processos de conservação artificial, como os
embalsamamentos.
2.1.4. Saponificação
Outro fenômeno conservativo é a saponificação, caracterizado pela transformação
da gordura corporal em sabão, dando aos restos mortais um aspecto acinzentado e de
manteiga e um odor de queijo rançoso (“adipocera”). Ocorre com cadáveres de obesos e
grávidas e é facilitado por inumações em solos argilosos, úmidos e mal ventilados.
São conhecidos outros fenômenos conservativos como:
• Refrigeração: em ambientes muito frios.
• Corificação: desidratação tegumentar com aspecto de couro submetido a
tratamento industrial.
• Fossilização: fenômeno conservativo de longa duração.
• Petrificação: substituição progressiva das estruturas biológicas por minerais,
dando um aspecto de pedra com manutenção da morfologia dos restos mortais.
Resumindo, após a parada cardíaca e dos demais órgãos, como o pulmão e o
encéfalo, ocorre o período de morte aparente ou intermediária, seguido do período de morte
real.
As estruturas orgânicas são progressivamente reduzidas a substâncias mais simples,
que farão parte dos ciclos da Natureza.
Inicialmente ocorre autólise, seguida da putrefação, com suas quatro fases:
cromática, gasosa ou enfisematosa, coliquativa e esqueletização. Essa seqüência é
preferencial.
Tais fenômenos, ditos cadavéricos, são transformativos. Conhecemos dois tipos:
destrutivos e conservativos. Os destrutivos são a putrefação e a maceração e, os
conservativos, a mumificação e a saponificação.
MÓDULO IX
MEDICINA LEGAL
Psicopatologia Forense
C. Delmonte Printes
1. INTRODUÇÃO
A Psicopatologia Forense pode ser entendida como sendo o segmento do
conhecimento médico que estuda as desordens do psiquismo, relacionando a personalidade
anormal com fins médico legais, dentre outras finalidades. Também é chamada Psiquiatria
Forense e Psiquiatria Médico-Legal.
O estudo da psique com fins jurídicos é complexo e controverso, permitindo muitas
interpretações e modificações temporais. Entre os itens programáticos, é considerado de
importância menor, ou seja, as questões sobre o tema não estão presentes em todos os
exames (concursos), e essas são, via de regra, conceituais. Em função do exposto,
considerando o volume de matéria de maior relevância como Tanatologia, Traumatologia,
37
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  • 1. MEDICINA LEGAL 1. MEDICINA LEGAL - CONCEITO E APLICAÇÃO NO DIREITO A Medicina Legal é uma ciência extremamente diferente de todas as demais porque, enquanto a maioria das ciências apresenta a especialização, a Medicina Legal funciona somando, englobando conhecimentos. Ex.: se for fazer um laudo sobre estupro vai se valer dos conhecimentos de Ginecologia; se for sobre a capacidade vai se valer dos conhecimentos de Psiquiatria. A Medicina Legal é uma síntese das ciências que se somam analiticamente, formando-a. O Direito, em inúmeras passagens, está alicerçado em princípios eminentemente médicos. O simples enunciado “matar alguém” envolve o diagnóstico de que alguém morreu. Na grande maioria das áreas do direito, estão embutidos os conceitos de medicina. 1.1. Conceito Medicina Legal é o conjunto de conhecimentos médicos, jurídicos, psíquicos e biológicos que servem para informar a elaboração e execução de normas que dela necessitam. Utiliza conceitos não apenas para aplicação de leis, mas também para sua elaboração. A Medicina Legal se relaciona com uma série de ciências: sociologia, filosofia, botânica, zoologia e outras ciências, principalmente com o direito em todas as suas áreas. A importância desse estudo é a repercussão da Medicina Legal na vida das pessoas. Tudo o que se fala em Medicina Legal tem uma importância decisiva na vida das pessoas. Outro aspecto da importância da Medicina Legal é que, enquanto a Medicina comum se limita à vida da pessoa, a Medicina Legal não se restringe à pessoa humana enquanto viva: começa na fecundação e não termina nunca; enquanto houver vestígios, pode-se encontrar dados relativos à vida e à morte do indivíduo. O campo de atuação da Medicina Legal é muito amplo, pois transcende a vida do indivíduo, de forma geral e especial. 1.2. Medicina Geral Estuda deontologia e diceologia, que são fundamentalmente os parâmetros de atuação profissional do médico. Deontologia define todos os parâmetros dos deveres profissionais e diceologia define os direitos profissionais. Os crimes que mais crescem em porcentagem são os chamados erros médicos. Diceologia e deontologia fundamentam direitos e deveres profissionais. Os direitos e deveres do médico constam do Código de Ética Médica. 1.3. Medicina Especial Estuda o homem em geral: antropologia, traumatologia, asfixiologia, tanatologia, toxicologia, infortunística, psicologia, psiquiatria, sexologia, criminologia e vitimologia. 1.3.1. Antropologia Estudo do ser humano, da sua forma. Ex.: pela forma do crânio pode-se saber o sexo, a raça do indivíduo; pelo osso fêmur pode-se saber a idade do indivíduo. A antropologia visa identificar restos, fragmentos. 1
  • 2. 1.3.2. Traumatologia Estudo dos traumas. Trauma é tudo aquilo que, afetando o corpo humano, o vulnere. Pode ser provocado por agentes mecânicos (atropelamento), físicos (calor, frio, eletricidade), químicos (tóxicos, venenos, ácidos), mistos (bactérias), psíquicos (chantagem, ameaças que afetam a saúde física). 1.3.3. Asfixiologia Todas as hipóteses em que o indivíduo, submetido à uma ação exterior, tem prejudicado a oxigenação dos tecidos. 1.3.4. Sexologia Atentado ao pudor, sedução, infanticídio, estupro, aborto, gravidez e algumas hipóteses de anulação do casamento. 1.3.5. Tanatologia Estudo da morte: se acontecer, quando aconteceu e o que lhe deu causa. 1.3.6. Toxiologia Tóxicos e venenos; estuda os casos de envenenamento. 1.3.7. Infortunística Noções de medicina do trabalho, das doenças profissionais e dos acidentes de trabalho. 1.3.8. Psicologia Valor da confissão, do testemunho, da negativa, para extrair a verdade. 1.3.9. Psiquiatria Patologia médico-forense; entendimento da teoria da imputabilidade. 1.3.10. Criminologia Estudo do crime, do criminoso, da sociedade, da vítima e de todas as condições capazes de explicar como e por que ocorreu o crime. 1.3.11. Vitimologia Estudo da vítima; ninguém é totalmente isento de participação no crime que foi cometido contra ele. Saber como, por que e quando foi cometido o crime contra determinada vítima. 2. PERÍCIAS E PERITOS 2.1. Perícia É o conjunto de procedimentos visando à elaboração de um documento para demanda jurídica. É o conjunto de procedimentos executados para esclarecer fato de interesse legal. Quem faz a perícia são os peritos. 2
  • 3. 2.2. Peritos São pessoas qualificadas para fazer as perícias. Podem ser oficiais (peritos criminais e médicos legistas) e não oficiais (peritos nomeados pela autoridade judiciária, que têm a liberdade de aceitar ou não a nomeação.). Em alguns países a atividade pericial está ligada ao Poder Judiciário. O objetivo da perícia é atender às necessidades da comunidade. Elaborado o processo de perícia, surgem os documentos médico-legais. 3. DOCUMENTOS MÉDICO-LEGAIS 3.1. Atestado Médico É o mais simples dos documentos médico-legais. É no atestado que o médico afirma ou nega, sem maiores considerações, um fato médico. Gera também todos os efeitos jurídicos, com efeito legal. O documento não exige na sua definição nenhum esclarecimento maior, basta que o médico afirme que “fulano de tal não pode comparecer”. Não há necessidade de nenhuma outra afirmação. O médico afirma ou nega um fato de natureza médica. 3.2. Laudo Médico É o documento que se elabora após a primeira perícia, descrevendo-a detalhadamente. O laudo deve conter: • identificação: identificação completa da pessoa ou coisa a ser periciada; • histórico: descrição do quê, quando e como aconteceu o fato; • exame externo: é o exame visual, macroscópico; • exame interno: no cadáver é a autópsia; na pessoa viva pode ser biópsia, radiologia, coleta de material etc.; • discussão e conclusão: discute-se o que pode ou não pode ser (ex.: quantos tiros, se houve defesa ou não) Discute-se o aspecto jurídico da lesão e dá-se a conclusão; • respostas aos quesitos: os quesitos podem ser oficiais ou formulados pela autoridade requisitante. Quesitos: • Houve morte? • Qual a sua causa? • Qual o instrumento ou meio que a causou? • Foi empregada asfixia, fogo etc.? Os quesitos podem variar de acordo com o crime. Ex: no crime de sedução, os quesitos serão: • É virgem a paciente? • Era virgem a paciente? As autoridades requisitantes freqüentemente solicitam quesitos extras após o laudo pericial. Ex.: no exame interno é colhido material e o laudo só será completado após o resultado desse exame dado pelo laboratório. 3.3. Auto Médico-Legal O auto médico-legal é feito por legistas após a perícia. O auto médico-legal é semelhante ao laudo, porém, elaborado no decorrer da perícia. Está limitado à exumação de cadáveres. A exumação é a primeira perícia com características peculiares. O perito 3
  • 4. depende muito de outra pessoa para a realização do seu trabalho. Requisitada a primeira exumação de cadáver, marca-se dia e hora e convoca-se: Delegado de Polícia, escrivão, pessoas interessadas, advogados, médico legista, auxiliar de autópsia, atendente de necrotério etc. O auto médico-legal tem a mesma estrutura do laudo médico. A diferença entre o laudo e o auto consiste na época em que é feito. • Laudo: após a perícia. • Auto: durante a perícia 3.4. Parecer Médico-Legal Numa situação de dúvida ou de desencontro de perícia, podem as partes ou o Magistrado se socorrerem de um parecer. É necessário que ele seja elaborado por alguém que tenha certas características aceitas pelas partes, que seja uma pessoa de notável saber, cuja sabedoria seja pertinente ao trabalho a ser realizado. Nenhum Juiz está adstrito a laudo. No cível, um perito é indicado pelo Magistrado. As partes podem contratar assistentes técnicos, indicando-os ao Juiz. Ainda que contratado por uma parte, o assistente técnico está preso às regras, deveres e direitos da função de perito. O Código de Processo Civil dispõe que o perito, o assistente e o Juiz podem realizar a perícia conjuntamente, elaborando um mesmo laudo, caso as partes concordem. No campo penal faz-se necessária a existência de dois peritos. 4. ANTROPOLOGIA MÉDICO-LEGAL Antropologia é o estudo do ser humano, suas características, seu comportamento, seu aspecto biológico. 4.1. Identidade do Indivíduo É o conjunto de traços e características que diferencia, que individualiza uma pessoa ou coisa. São as características e atributos que tornam a pessoa única. 4.2. Identificação É o conjunto de procedimentos que se faz buscando as características individuais. É o processo, a tecnologia que se adota para se chegar à identidade, permitindo uma comparação prática. 4.3. Praticabilidade Procedimento que seja prático, de baixo custo e fácil. Exemplos: a) Classificação de ossos – Os ossos possuem canais (canais de Havers) por onde passa o sangue. Os canais dos ossos humanos são completamente diferentes de qualquer outro vertebrado. b) A forma do crânio das principais raças (caucasianos, indianos, negróides, orientais) é uma das características da raça. Pelo formato do crânio, pode-se determinar a raça do indivíduo. 4
  • 5. MÓDULO II MEDICINA LEGAL 1. IDENTIFICAÇÃO A identificação pode ser efetuada quanto: a) Espécie Entre animal e ser humano. Pode-se chegar a essa classificação pela análise dos ossos e dos canais de Havers. b)Raça Há cinco tipos étnicos fundamentais: caucasiano, mongólico, negróide, indiano e australóide. A raça é identificada pelo índice cefálico (forma do crânio e ângulo facial). c)Sexo O sexo do indivíduo pode ser identificado das seguintes maneiras: • sexo cromossomial: avaliação dos cromossomos. Ex.: sexo masculino: quem tem cromossomo XY; sexo feminino: quem tem cromossomo XX; • sexo gonadal: os indivíduos humanos que têm ovário são do sexo feminino; os que têm testículos são do sexo masculino; • sexo cromatímico: com a aplicação, nas células humanas, de corante que se adere ao corpúsculo cromatino. A presença da cromatina indica o sexo feminino; sua ausência indica o sexo masculino. • sexo da genitália interna: quem tem útero e ovário é do sexo feminino; quem tem próstata é do sexo masculino; • sexo da genitália externa: quem tem vagina e clitóris é do sexo feminino; quem tem pênis e escroto é do sexo masculino; • sexo jurídico: é o sexo constante nos documentos do indivíduo. Pressupõe-se que alguém constatou o sexo do indivíduo; • sexo de identificação: é o sexo psíquico, sexo do comportamento, é a sexualidade do indivíduo. Na maioria das vezes, tem tudo a ver com o sexo físico. É o sexo que o indivíduo projeta no plano da sexualidade; • sexo pericial: é o sexo de avaliação, por meio de toda uma avaliação dá-se um laudo sopesando todos os aspectos. Legalmente, no Brasil, o que vale é o sexo físico. O judiciário não pode autorizar a mudança de sexo na documentação, pois poderia estar incorrendo em uma fraude. 1.1. Idade Existem algumas faixas etárias juridicamente importantes: 13, 16, 18 e 21 anos. Especialmente a faixa dos 18 anos, que é a faixa da imputabilidade. Universalmente, hoje se aceita a Tabela de Grevlisch para determinar a idade das pessoas. Grevlich, ao radiografar os ossos dos braços das pessoas, chegou a um padrão de calcificação para determinar as faixas etárias jurídicas. Esse processo de calcificação dos osso se encerra com 21 (vinte e um) anos. Não é possível distinguir uma radiografia de uma pessoa com 25 (vinte e cinco) anos de outra com 35 (trinta e cinco) anos, porém, é possível identificar, pela radiografia, um indivíduo de 20 (vinte) anos e 9 (nove) meses de outro indivíduo de 21 (vinte e um) anos. Os ossos do antebraço são o rádio e o úmero. Posição anatômica é a posição da pessoa voltada para a frente, com os braços voltados para a frente e as pernas ligeiramente afastadas. Sendo essa a posição anatômica, o rádio localiza-se no exterior do antebraço. 5
  • 6. Ossos do punho: escalóide, semilunar, piramidal, psiforme, na primeira fileira. Na segunda fileira: trapézio, trapezóide, grande osso e ganchoso ou unciforme. Os ossos da mão são cinco e chamam-se metacarpianos. Dedos: indicador, polegar, médio, anular e mínimo. O polegar tem dois ossos, duas falanges, que recebem o nome de proximidal e distal. Os quatro outros dedos possuem três falanges: proximidal, medial e distal. Além disso, existem pequenas esferas ósseas que ajudam no processo de articulação, chamados semamóides. Temos então 32 (trinta e dois) pontos de observação (ossos) para identificar a idade das pessoas. É por isso que se adota essa parte do corpo para proceder a identificação: pela quantidade de detalhes e variedade de pontos de observação. 1.2. Altura Existem tabelas para que se possa verificar a altura do indivíduo. Ex.: se o fêmur mede 48,6 cm, o indivíduo vivo tinha 1,80 m. A tabela pode ser aplicada sobre vários ossos: fêmur, tíbia etc. 1.3. Outros Tipos de Identificação Para ajudar numa identificação individual, são valiosos os seguintes sinais: a) sinais individuais: verrugas, manchas etc.; b) malformações: lábio leporino, desvio de coluna, consolidação viciosa de uma fratura etc.; c) sinais profissionais: calosidade de sapateiros, calo nos lábios de sopradores de vidro, de músicos de instrumentos de sopro etc.; d) cicatrizes: traumática (ação de agentes mecânicos, queimaduras), patológicas (vacinas) ou cirúrgicas. A identificação pelos dentes, no morto, é relevante. Porém, para que tal identificação seja possível, seria necessário dispor de uma ficha dentária fornecida pelo dentista da vítima. Uma cárie com restauração de determinado material, colocação de prótese, influem na identificação do indivíduo. Deve-se levar em conta, também, as alterações adquiridas pelos agentes mecânicos, químicos, físicos e biológicos (desgastes dos dentes, dentes manchados de fumo etc.). A identificação por fotografia não é um método de grande segurança. Ele será usado quando falhar os métodos mais significativos. Consiste na superposição de fotos do indivíduo tiradas em vida sobre a foto do esqueleto do crânio. 1.4. Identificação Jurídica Jean de Vucetich, estudando as cristas que todo ser humano possui nas polpas digitais (pontas dos dedos), chegou à conclusão que nenhuma pessoa possui as impressões iguais às de outra, e também que a impressão das cristas em papel (impressão digital) poderia mudar de tamanho conforme a idade do indivíduo, mas jamais mudaria o desenho. Essa forma de identificação, embora fosse barata, esbarrava na dificuldade de se encontrar determinada impressão num arquivo imenso. Vucetich começou, então, a classificar as impressões por grupos. Essas cristas digitais consistem em uma série de linhas, mais ou menos horizontais, as quais Vucetich denominou de sistema basilar. No centro da polpa digital existe o sistema nuclear. Grande parte dos indivíduos possuem também o sistema marginal. 6
  • 7. Vucetich verificou que certas pessoas, na confluência dos três sistemas, formam uma figura chamada delta. O delta pode aparecer nas pessoas de diferentes maneiras: dois deltas, ausência de delta, só do lado interno ou só do lado externo. A figura de 2 (dois) deltas é chamada de verticilo (V). As pessoas que têm o delta só do lado externo, chamou-se de presilha externa (E). As que têm só do lado interno, presilha interna (I). As pessoas que não têm o delta, chamou-se de arco (A). Para seu estudo, Vucetich resolveu colher a impressão dos dez dedos das mãos. O sistema de letras fica restrito aos polegares; os demais dedos recebem a numeração seguinte: V (verticilo) = 4 E (presilha externa) = 3 I (presilha interna) = 2 A (arco) = 1 Todos os indivíduos de uma população a ser identificada que tiverem a forma A4214, A2421 ficam arquivados em conjunto, facilitando, dessa maneira, a identificação. As cristas não são lineares e formam inúmeros desenhos. Ex.: ao examinar determinada impressão, se encontrados 12 (doze) pontos de coincidência, pode-se identificar certamente o indivíduo. A esse sistema de identificação dá-se o nome de sistema decadactilar 10 (dez) dedos. A ciência que se propõe a identificar as pessoas fisicamente, por meio de impressões dos desenhos formados pelas cristas papilares, recebe o nome de datiloscopia. 2. TRAUMATOLOGIA MÉDICO LEGAL A traumatologia estuda as formas de vulneração do corpo humano. Basicamente tudo aquilo que ofende a saúde é um trauma. O trauma produzido por energia pode ser físico ou psíquico. A energia vulnerante é classificada em: mecânica, física, química, biológica e mista. 2.1. Energia Mecânica É a energia cinética, que atua sobre um corpo (E = M x V), isto é, (Energia = Massa x Velocidade). O que varia é a velocidade. Ex.: se colocar suavemente um tijolo sobre a cabeça de alguém, o mesmo não produzirá nenhum trauma. Porém, se o tijolo for atirado com força, pode provocar um corte ou até mesmo uma fratura de crânio. O tijolo (massa) é o mesmo; o que variou foi a velocidade. Existem alguns objetos cuja massa, por si só, já produzem energia suficiente para provocar um trauma. Ex.: um cofre de 3.000 Kg sobre a cabeça de alguém. O que determina a intensidade do trauma é o resultado M x V (massa x velocidade). A energia pode atuar de várias maneiras: explosão, impacto, tração etc. Existem três grupos de instrumentos: • que atuam num único ponto – ex.: perfurantes; • que atuam numa linha – ex.: cortantes; • que atuam num plano ou superfície – ex.: contundentes. 7
  • 8. a) Perfurantes São instrumentos punctórios, finos e pontiagudos. Atuam por pressão, afastando as fibras do tecido e, raramente, secionando-as. As feridas produzidas por esse tipo de instrumento recebem o nome de punctória ou puntiforme. Exemplo de objetos perfurantes: agulha, prego, picador de gelo, compasso etc. b) Cortantes São instrumentos que agem por um gume mais ou menos afiado, por mecanismo de deslizamento sobre os tecidos. A ferida causada por esse tipo de instrumento chama-se incisa. É errado falar “ferida cortante”: o instrumento é cortante, a ferida é incisa. Exemplo de objetos cortantes: faca, bisturi etc. c) Contundentes São instrumentos que agem por pressão, deslizamento, torção etc. Os instrumentos são como uma superfície plana que atua sobre o corpo humano. A lesão típica provocada por objeto contundente tem vários estágios, dependendo da força ou do objeto. Exemplo de instrumentos contundentes: martelo, soco, balaustre, veículo, escada etc. • Espécies de lesões contundentes − Eritema ou rubefação É a primeira lesão provocada por objeto contundente e a mais simples. Alguns penalistas não aceitam o eritema como lesão corporal. Não há lesão anatômica, somente uma mancha vermelha transitória que não deixa vestígios. É provocada por impacto de baixa densidade, produzindo uma dilatação dos vasos sangüíneos. Enquanto existir, retrata com fidelidade o instrumento que a causou. Ex.: tapa. − Equimose Se a lesão foi provocada com tal intensidade que chegou a romper alguns vasos sangüíneos, recebe o nome de equimose. São as famosas manchas roxas provocadas por ruptura de vasos capilares, que são vasos pouco expressivos, perto da superfície da pele. Não há sangramento, mas pequena infiltração de sangue entre as malhas do tecido. As manchas seguem uma evolução padronizada: mudam de cor até o décimo quinto dia, quando então desaparecem. − Hematoma Ocorre quando o instrumento contundente, atuando no tecido corporal, provoca ruptura de vasos importantes, produzindo o afastamento de tecidos; quando o instrumento bate mais pesado e chega a romper um vaso, provocando vazamento de sangue. − Escoriação É a lesão superficial de atrito (ralada) que rompe a epiderme, deixando a derme a descoberto. Não há sangramento e não deixa seqüelas. A escoriação é produzida quando o instrumento tangencia e produz um ralamento na epiderme. − Ferida contusa Produzida quando o instrumento age com muita violência que é capaz de rasgar os tecidos, formando uma lesão aberta. 2.1.1. Feridas produzidas pelos instrumentos Com freqüência, os instrumentos misturam as seqüências da lesão. Ex.: instrumento perfuro-cortante, produzido por uma faca de ponta. 8
  • 9. Existem instrumentos que por sua velocidade, mais do que por sua forma, produzem lesões. Ex.: instrumento perfuro-contundente (projétil de arma de fogo), que atua perfurando e contundindo. Existe também uma combinação de instrumento que corta e que contunde: instrumento corto-contundente. O instrumento típico corto-contundente é o machado. Temos, então, 3 (três) instrumentos básicos (perfurantes, cortantes e contundentes) e 3 (três) formas combinadas (perfuro-cortante, perfuro-contundente e corto-contundente). A ferida produzida pelo instrumento perfuro-cortante é denominada perfuro-incisa. A lesão produzida pelo instrumento perfuro-contundente denomina-se perfuro- concisa. A lesão típica produzida pelo instrumento corto-contundente, denomina-se corto- contusa. Instrumentos básicos Instrumento Característica Ferida Perfurante Perfura Punctória Cortante Corta Incisa Contundente Contunde Eritema, equimose, hematoma, escoriação, ferida contusa Instrumentos combinados Instrumento Característica Lesão Perfuro-contundente Perfura e contunde Perfuro-concisa Perfuro-cortante Perfura e corta Perfuro-incisa Corto-contundente Corta e contunde Corto-contusa a) Feridas punctórias (produzidas por instrumentos perfurantes) Feridas punctórias são feridas produzidas por instrumentos perfurantes, porém apresentam características de corte, como a casa de um botão; em razão disso, surgem três leis a respeito das feridas punctórias: 1.ª Lei: as feridas punctórias provocam, quando retirado o instrumento, a forma de casa de botão ou botoeira; 2.ª Lei: feridas punctórias numa mesma região de linhas de tensão ou linhas de Languer, têm todas o mesmo sentido; 3.ª Lei: diz respeito às feridas que acontecem coincidentemente numa mesma região de linhas de tensão, e diz respeito à forma que a lesão vai apresentar, ou seja, forma triangular. As feridas na zona de confluência das linhas de força tomam a forma de triângulo. A importância desses instrumentos perfurantes na Medicina Legal localiza-se no fato de serem esses instrumentos inoculares de infecção, pois as feridas produzidas, embora aparentemente pequenas, são profundas. 9
  • 10. Esses instrumentos também têm uma propriedade do sinal do acordeão, ou sinal de Lacassagne, cuja ferida, em virtude de ser comprimida, apresenta uma extensão maior do que o instrumento que a produziu. b) Feridas incisas (produzidas por instrumentos cortantes) Características das feridas incisas: − regularidade das bordas (pois não foi rasgada); − regularidade do fundo da lesão; − ausência de vestígios traumáticos em torno da ferida; − hemorragia abundante; − predominância do comprimento sobre a profundidade; − afastamento das bordas da ferida, se o corpo é vivo, em razão da retratilidade da pele; − cauda de escoriação voltada para o lado em que terminou a ação do instrumento; − a extensão da ferida é quase sempre menor do que aquela que realmente foi produzida, em virtude da elasticidade dos tecidos; − as vertentes (encostas) da lesão são emparedadas (regulares) e serão verticais se o instrumento agiu perpendicularmente, e em forma de bizel se o instrumento agiu inclinadamente (oblíquo); − o centro da ferida é mais profundo que as extremidades. Nas feridas incisas, quando existem duas lesões cruzadas, é possível determinar qual a primeira e qual a segunda, pois a primeira foi feita sobre a pele íntegra e, na segunda, vai haver um degrau, porque foi feita sobre a lesão anterior. A esse “degrau” dá-se o nome de Sinal de Chavigny: angulação que se verifica na segunda ferida, na hipótese de duas feridas se entrecortarem. Algumas feridas incisas têm nome próprio: 1. esgorjamento: ferida incisa na região anterior do pescoço; 2. degolamento: ferida incisa no plano posterior do pescoço (nuca); 3. decapitação: ferida incisa secionando todo o pescoço (guilhotina). c) Feridas produzidas por instrumento contundente • Rubefação ou eritema: No período em que é visível, tem uma grande importância, porque reproduz o instrumento que a produziu. Caracteriza-se por uma vermelhidão no local atingido. Há uma forte corrente dizendo que a rubefação não possui os requisitos de uma lesão corporal, pois não tem uma base anatômica e dura pouco tempo (em média, 15 minutos). • Escoriação: Abrasão, lixamento da pele. Só é escoriação a abrasão que se verifica na epiderme por atrito tangencial ou instrumento contundente. Quando a abrasão se estende em profundidade, pegando a segunda camada da pele, não se trata de escoriação. Não existe cicatriz de escoriação. Na escoriação há uma reconstrução integral da pele. Se houver cicatriz, trata-se de uma perda de substância e não de escoriação. • Equimose: Manchas roxas. A seqüência das cores da equimose permite estabelecer um diagnóstico cronológico da mesma. Outra característica da equimose é que, nos impactos, costumam haver equimoses exatamente na forma do objeto que as produziu. • Hematomas: São provocados por objetos contundentes. Consistem no extravasamento dos vasos sangüíneos. O sangue forma uma bolsa que caracteriza o hematoma. Independentemente dos hematomas superficiais, os instrumentos contundentes 10
  • 11. podem provocar hematomas de extrema gravidade. Podem provocar uma onda de choque que pode levar a uma lesão dentro do fígado ou do baço. Essa ruptura intra-baço, nos primeiros momentos, não produzem graves sintomas e podem passar desapercebidos num exame clínico. O sangue fica dentro da cápsula que envolve o baço, quando a cápsula se rompe, ocorre a hemorragia e o indivíduo entra em choque. Chama-se hematoma em dois tempos e é mais comum no baço e no fígado. Outra situação extremamente grave são alguns traumatismos no crânio. Ainda que não haja uma fratura ou ferida externa, pode ocorrer a ruptura de um pequeno vaso na parte externa do cérebro, que vai gotejando sangue e descolando a membrana que se expande até comprimir violentamente o cérebro, levando o indivíduo ao coma. É um hematoma extradural em dois tempos que leva à uma compressão do cérebro. Quando o impacto é maior e há um anteparo ósseo, prensando partes moles entre o instrumento e o osso, pode ser que a lesão se abra. Aí recebe o nome de ferida contusa. Ex.: soco no supercílio. d) Feridas contusas: É uma espécie de contusão. Suas características são: − bordas irregulares; − traumas nas proximidades das bordas; − vertentes e fundo irregulares; − entre uma lateral e outra pode haver ponte de tecido íntegro; − sangram menos; − são mais profundas do que compridas. Esses são os itens que permitem diferenciar uma ferida contusa de uma ferida incisa. As contusões podem provocar também ruptura de órgãos internos. Existem órgãos que, por suas características, são mais sujeitos à ruptura, como o fígado e o baço. Se o órgão é comprimido por aumento de pressão interna, ele se rompe no ápice da curvatura. Na medida em que se aumenta a pressão interna do órgão, por compressão, ele se rompe. As contusões podem provocar ainda algumas lesões típicas. Ex.: martelada na cabeça provoca uma lesão característica que recebe o nome de ferida de Strassmann. Outra característica da pancada com martelo é o sinal de Carrara (pequenos círculos na região afetada). e) Empalamento O indivíduo é amarrado e suspenso. Coloca-se uma haste e o indivíduo é descido pela haste, que penetra na região perianal. Era uma prática utilizada como pena de morte. Acidentalmente podem ocorrer empalações. Ex: quedas a cavaleiro; quedas no campo da construção civil. f) Lesões produzidas por cinto de segurança Quando a colisão ultrapassa em energia a capacidade do cinto, ele passa a funcionar como instrumento contundente. Hoje existem três tipos de cinto: − pélvico: provoca lesão na bacia, luxações na coxa com relação ao quadril; − transverso toráxico: costumam provocar uma violenta projeção do pescoço e da cabeça; − cinto de três pontos: toráxico, diagonal e pélvico. Provocam o chicote cervical que provoca luxação cervical ou fratura com morte imediata. 11
  • 12. MÓDULO III MEDICINA LEGAL 1. LESÕES COMBINADAS 1.1. Feridas Perfuroincisas Essas feridas são provocadas por instrumentos de ponta e gume, atuando por um mecanismo misto: penetram perfurando com a ponta e cortam com a borda afiada os planos superficiais e profundos do corpo da vítima. Agem, portanto, por pressão e por seção. 1.1.1. Faca de ponta Na ponta da lesão há a perfuração; no trajeto, o tecido se rasga e, no fundo, há a incisão. Regiões de defesa: braço, antebraço, mão e dorso da mão. Para alguns doutrinadores, num ataque com faca, de acordo com as lesões provocadas nas regiões de defesa, já se convencionou no Tribunal do Júri que não existe o ataque de surpresa, pois as lesões comprovam a defesa e, portanto, conclui-se que não houve surpresa, desqualificando o homicídio. 1.2. Feridas Perfurocontusas Essas lesões são produzidas por um mecanismo de ação que perfura e contunde. Na maioria das vezes, esses instrumentos são mais perfurantes do que contundentes. Esses ferimentos são produzidos quase sempre por projéteis de arma de fogo; no entanto, podem estar representados por meios semelhantes, como a ponta de um guarda-chuva. 1.2.1. Armas de fogo Acionam cartuchos com projétil, que é um instrumento característico da ferida perfurocontusa. Existem outros instrumentos que produzem esse tipo de ferida, mas não de uso tão freqüentes como as armas de fogo que, são caracterizadas como instrumentos perfurocontudente. As armas podem ser classificadas em: • mecânica: revólver; • semi-automática: pistolas; • automáticas: metralhadoras; • curtas: pistolas, revólveres; • longas: rifles, fuzis e cartucheiras; • projétil único: revólver, metralhadora, rifle; • projétil múltiplo: garrucha e cartucheira. Calibre é o diâmetro medido na saída do cano. Essa medida é o que dá o calibre em milímetros ou em centésimos de polegada. Nas armas de projétil múltiplo, o calibre é dado pelo peso. Ex.: calibre 12 – o cartucho dessa arma contém doze esferas de chumbo que, somadas, correspondem a uma libra. De uma maneira geral, o cartucho é composto de um cilindro com uma extremidade fechada e outra aberta. Dentro desse cilindro há a espoleta, impregnada por mercúrio, que, pelo atrito, produziz uma pequena chama. O cartucho é composto, ainda, de pólvora (enxofre+carvão+salitre). Esse combustível é tamponado por papel, papelão ou tecido, que 12
  • 13. recebe o nome de bucha. Finalmente, encravado no cartucho, há uma peça de metal, que é o projétil. A arma de fogo é o aparelho que coloca em ação o cartucho. Impactada pela espoleta, a pólvora é incendiada. A queima de uma carga padrão (calibre 38) gera gases que, aquecidos, são capazes de saturar 800 cm³, o que aumenta a pressão do compartimento e desentuba o projétil, imprimindo-lhe uma velocidade em torno de 600 a 800 km/h. Isso nos projéteis chamados de baixa energia. Quando o projétil desentuba, ocorre a explosão do cartucho. Uma parte da pólvora não se queima, sendo lançada a uma distância de até 15cm, sob a forma de grãos. Junto com o projétil são lançados também restos da bucha, labareda, fumaça e eventuais sujeiras, como graxa. Atingem a ferida tudo o que estava no caminho do projétil (tecido da roupa, botão etc.). O projétil se “enxuga” e chega limpo ao destino. Essa área chama-se área de enxugo. O projeto é, então, composto de: • cartucho: estojo de latão, plástico ou papel prensado; • espoleta: fulminato de mercúrio ou fosfato de bário; • pólvora: carvão pulverizado, enxofre e salitre; • bucha: disco de feltro, metal ou papelão; • projétil: de chumbo, podendo ser revestido de níquel. O projétil é instrumento perfurocontundente. 1.2.2. Tiros à queima-roupa Se o alvo estiver colocado a 10 cm da arma, o projétil, além de contundir e perfurar, queimará a pele, provocando uma zona de queimadura. O projétil, perfurando a pele, rompe pequenos vasos, formando a zona equimótica. O interior do cano das armas curtas, de projétil único, não é liso. A usinagem do cano possui cristas que recebem o nome de raia. A raia produz uma rotação do projetil a alta velocidade, o que propicia um alcance maior e uma direção mais precisa. As raias podem ser: • Destrogiras: imprimem um movimento no sentido horário. • Sinistrogiras: imprimem uma rotação no sentido anti-horário. Devido à rotação, o projétil provoca na pele uma escoriação. Onde o projétil perfurar, haverá uma zona de escoriação. Essa zona recebe o nome de zona de Fisch. Chegam também à ferida os detritos da bucha, que são retidos pela pele, que se chama zona de enxugo. Nessa zona de enxugo serão encontrados tudo o que o projétil leva pelo caminho (tecido, sujeiras etc.; coisas que estão interpostas entre o cano e a pele do indivíduo). A pólvora que chega junto com o projétil e que se aloja na pele, produz a zona de tatuagem. Por fora dessa zona, a fumaça: zona de esfumaçamento (é a mais periférica de todas). A característica da zona de esfumaçamento é que pode ser facilmente retirada com uma simples limpeza no local. Se traçarmos uma linha da zona de esfumaçamento, teremos a figura geométrica de um cone. Quanto maior a base do cone, maior a distância entre a arma e o alvo. É possível, a partir do exame da ferida, determinar a qual distância foi dado o tiro. 13
  • 14. A zona de Fisch alongada aponta na direção de onde veio o projétil. Nos orifícios ovais, a maior extensão da zona de Fisch indica a direção do projétil. São características do furo de entrada nos tiros à queima-roupa: • menor que o diâmetro do projétil, devido à elasticidade da pele; • forma circular se o disparo for perpendicular à pele, e forma ovalar se o disparo for tangencial; • a borda está voltada para dentro; • presença de orla de escoriações (zona de Fisch); • zona de enxugo; • zona de tatuagem; • zona de esfumaçamento periférico; • auréola equimótica; • zona de queimadura - a borda é ligeiramente queimada pelo calor do projétil; • zona de compressão de gases, vista apenas nos primeiros instantes. 1.2.3. Tiros encostados Quando o orifício do cano está encostado à pele, não há espaço entre o cano e a pele. Acontece uma explosão interna: gases, pólvora, fumaça, fica tudo sob a pele. Essa ferida recebe o nome de zona de Hoffman. Após o disparo, a zona atingida fica estufada e crepita (sinal de crepitação). A área fica meio abaulada. Esse sinal só vale para os primeiros momentos após o disparo. O disparo encostado produz a impressão do cano quente na pele. Essa impressão recebe o nome de sinal de Werkgaertner. Existe uma outra hipótese, quando o revólver não está totalmente encostado à pele. Isso gera uma figura diferente, o sinal de Werkgaertner aparece pela metade, em forma de meia lua. Nos três tipos de disparos, as bordas da ferida estão voltadas para dentro. No ser humano vivo, os orifícios de entrada são menores que o diâmetro do projétil, por causa da elasticidade da pele. São características das feridas produzidas por tiro encostado: • orifício de diâmetro menor que o projétil; • marca quente, desenhando a boca do cano na pele (sinal de Werkgaertner); • a forma do orifício é irregular, denteada e com entalhes, devido à ação resultante dos gases que deslocam e dilaceram o tecido (sinal de Hoffmann); • em geral, não há zona de tatuagem e esfumaçamento, pois os elementos da carga penetram pelo orifício da bala. 1.2.4. Tiros à distância São características do orifício de entrada: • forma arredondada ou ovalar, dependendo do disparo, se for perpendicular ou oblíquo em relação à vítima; • quando o tiro é dado em perpendicular, o diâmetro da ferida é menor que o projétil; • a orla de escoriações tem aspecto concêntrico nos orifícios arredondados e em crescente ou meia lua nos orifícios ovalares; 14
  • 15. • presença da auréola equimótica (ruptura de pequenos vasos localizados na vizinhança do ferimento); • bordas para dentro. São características de saída do projétil das feridas produzidas por arma de fogo: • o orifício de saída é maior que o de entrada; • a forma é de ferida estrelada (rasgada com as bordas voltadas para fora); • nunca tem zona de Fisch, nem qualquer outra lesão de pele, pela simples razão que em momento algum o projétil tocou a superfície da pele na saída, ele a vulnerou de dentro para fora; • pode haver zona de enxugo, pois o projétil pode levar tecidos, fragmentos de osso etc. De maneira geral, a linha reta que une o orifício de entrada e o orifício de saída representa o trajeto do projétil dentro do corpo. Em várias ocasiões, o projétil pode mudar de trajeto dentro do corpo, pode se fragmentar e pode, também, mudar de ângulo. Na cabeça, conforme o grau de impacto, pode ocorrer um fenômeno: O couro cabeludo é móvel, e sob o couro existe um tecido mole. Algumas vezes, o projétil passa pelo couro cabeludo e não penetra na cabeça, dando-se o nome de bala giratória. A bala faz o trajeto entre o couro cabeludo e o tecido que envolve o crânio. A localização do projétil de arma de fogo dentro do corpo humano é extremamente difícil sem o auxílio do raio X, pelo fato de o projétil mudar o seu trajeto dentro do corpo. Quando o projétil entra, forma um cone que recebe o nome de sinal de Bonnet, onde o orifício de entrada é menor que o de saída. Tem o formato de um funil e, na entrada, o diâmetro menor aponta a direção do projétil. MÓDULO IV MEDICINA LEGAL 1. ENERGIA DE ORDEM FÍSICA Vários são os agentes físicos: som, luz, frio, calor, radioatividade etc. 1.1. Ações Físicas da Temperatura 1.1.1. Frio Os seres humanos são homeotérmicos (temperatura constante) e resistem a uma variação de temperatura pequena (abaixo de 42 graus centígrados e acima de 32 graus centígrados de seu próprio corpo). Para tanto, há mecanismos termoreguladores que mantêm a temperatura estável em aproximadamente 36 graus centígrados. O frio sistêmico faz diminuir as funções circulatórias e cerebrais. A ação do frio leva a alterações do sistema nervoso, sonolência, convulsões, delírios, perturbações dos movimentos, anestesias, congestão ou isquemia das vísceras, podendo advir a morte. Os cadáveres têm pele clara, extravasamento de sangue pelas vias respiratórias, resfriam rapidamente e demoram mais para entrar em putrefação. O frio pode atuar diretamente sobre o corpo. Podem ocorrer geladuras localizadas de vários tipos: 15
  • 16. a) Primeiro grau Área superficial pálida (ou rubefação), inchada e de aspecto anserino na pele. Dura algumas horas e depois cessam os efeitos, porém a pele descasca. b) Segundo grau Ação mais intensa do frio, que provoca a destruição da epiderme, com formação de bolhas de sangue que estouram e cicatrizam. c) Terceiro grau Quando a ação do frio é muito intensa, provocando o congelamento do local e levando à necrose dos tecidos moles por falta de circulação. Formam-se úlceras e, às vezes, são necessários enxertos. Causam deformidades permanentes. d) Quarto grau Quando o indivíduo permanece com os membros em contato direto com o frio. Um grande segmento do corpo gangrena e vai à necrose. Chama-se de trincheira. Hoje ocorre no alpinismo, nas indústrias com câmaras frias etc. 1.1.2. Calor O calor pode atuar de duas formas: a) Calor difuso Calor sistêmico, tendo como conseqüência as temonoses: • insolação: exposição à natureza; • intermação: exposição a outras fontes de calor, ambiente confinado, lugares mal arejados. Pode ocorrer a degeneração das proteínas, desidratação, convulsão e morte. b) Calor direto Calor local tem como conseqüência as queimaduras, que podem ser causadas por chamas, gases, líquidos ou metais aquecidos. Os materiais em combustão são instrumentos para essa ação. Mais do que a profundidade da queimadura, interessa a sua extensão. Assim, queimaduras de qualquer grau que atinjam mais de 40% da superfície do corpo determinarão a morte do indivíduo. Em Medicina Legal, adota-se a classificação das queimaduras feita por Hoffmann: a) Primeiro grau Vermelhão, a pele apresenta-se inchada e quente, dolorida. Presença de eritema (sinal de Christinson). A epiderme descasca após 3 ou 4 dias (ex.: queimadura por raios solares). b) Segundo grau A superfície apresenta vesículas com líquido amarelado (sais e proteínas). Dependendo da área afetada, pode haver abalos no mecanismo, levando à morte. As bolhas (sinal de Chambert) podem infeccionar, produzindo manchas (ex.: queimadura em decorrência de gases, líquidos e metais aquecidos). c) Terceiro grau São as queimaduras produzidas, geralmente, por chama ou sólido superaquecido e determinam a queima da pele. A queimadura de terceiro grau incide até no plano muscular. Forma-se uma placa dura e preta que, retirada, resulta em úlcera, sendo necessário o enxerto. A pele fica retrátil, com cicatrizes chamadas sinéquias. d) Quarto grau É a carbonização do plano ósseo. Pode ser total ou generalizada. A carbonização total é rara e difícil de ser produzida. A carbonização generalizada reduz o volume do corpo por condensação dos tecidos. Corpos de adultos carbonizados 16
  • 17. chegam à estatura de 100 a 120 cm. O morto toma a posição de “boxer”, devido à retração dos músculos. A explosão de gases causa o rompimento da cavidade abdominal e do crânio. 1.1.3. Importância médico-legal das queimaduras A observação das queimaduras propicia saber se o indivíduo já estava morto ou não no momento da carbonização. Se morreu no fogo, o sangue dos pulmões e coração possui alta taxa de óxido de carbono, há fuligem e fumaça nas vias respiratórias (sinal de Montalti); só fica na posição de “boxer” se foi carbonizado enquanto vivo ou logo após a morte por qualquer outra causa. Identificação do morto: é feita por meio da ausência de órgãos, disposição dos dentes, fratura óssea antiga e por meio de material genético. 1.1.4. Temperaturas oscilantes Oscilações bruscas de temperatura podem diminuir a resistência, a imunidade do indivíduo (pneumonia, tuberculose etc.). Ocorrem em indivíduos que trabalham em câmara fria. 1.2. Ações Físicas da Pressão Atmosférica Com a diminuição da pressão atmosférica, há a diminuição de oxigênio e de gás carbônico e o indivíduo passa mal. É o chamado mal das montanhas. Sofrem aumento da pressão atmosférica os mergulhadores, escafandristas e outros profissionais que trabalham debaixo d’água ou em túneis subterrâneos. Não correm só o perigo do aumento da pressão atmosférica, mas especialmente o da descompressão brusca, que pode causar lesões muito graves. Essa síndrome é conhecida como mal dos caixões. A natureza jurídica desse evento é quase sempre acidental e desperta interesse no estudo da infortunística (acidente de trabalho). 1.3. Ações Físicas da Eletricidade A eletricidade natural e a artificial podem atuar como energia danificadora. A eletricidade natural, quando age letalmente (quando há óbito), denomina-se fulminação. Quando provoca apenas lesões corporais, chama-se fulguração (ex.: raios). A eletricidade industrial é a produzida pelo homem e tem como ação uma síndrome chamada eletroplessão. São assim chamadas todas as formas de lesões causadas por eletricidade industrial, com ou sem morte. Há, também, a eletrocussão, que é a pena de morte em cadeira elétrica. Há três hipóteses de morte causada por eletricidade: • a carga elétrica leva à contratura, podendo levar o indivíduo à asfixia (contratura dos músculos respiratórios); • a carga elétrica leva à desorganização dos batimentos cardíacos, provocando a contração fibrilar do ventrículo e a morte; • a carga elétrica leva à parada cerebral ocasionada por hemorragia das meninges, das paredes ventriculares, do bulbo e da medula espinhal. Na fulguração, as lesões podem ser por queimaduras ou por alterações funcionais dos órgãos citados acima. Mas pode ser que haja resistência, levando ao calor, produzindo queimaduras (“auto-fritura”). É o chamado efeito Jaule. Às vezes, a morte é devida a outras causas sobrevindas de quedas ocasionadas pela eletricidade. Ao receber o choque elétrico, a vítima é precipitada ao solo, morrendo por ação de energia mecânica (contusão). 17
  • 18. 2. ENERGIA DE ORDEM QUÍMICA Existem substâncias que, por ação química, física ou biológica, são capazes de causar danos à vida e à saúde. Quando a ação é de ordem externa, as substâncias recebem o nome de cáusticos. Quando a ação é de ordem interna, as substâncias recebem o nome de venenos. 2.1. Ação Externa (cáusticos) Entre as substâncias químicas de ação externa, dois grupos são mais importantes: alcáles e ácidos. • Efeito coagulante: os cáusticos produzem lesão grave, afetando a pele violentamente, formando escaras (áreas enegrecidas). A evolução mostra que essa área deve ser retirada para que ocorra a cicatrização. O efeito coagulante desidrata os tecidos (ex.: nitrato de prata). • Efeito liquefaciente: a substância química atua desfazendo os tecidos. Produzem escaras moles (ex.: soda cáustica). • Vitriolagem: é um tipo de comportamento delinqüente, em que alguém joga sobre as pessoas uma substância cáustica. No século XVIII, quando a química começou a desenvolver-se, chamou a atenção dos químicos o ácido sulfúrico, que, na época, chamava- se óleo de vitríolo, daí o nome vitriolagem, dado à atitude de alguém que joga, dolosamente, uma substância química sobre as pessoas. Venenos são substâncias químicas que, atuando no organismo, vão desempenhar um efeito sistêmico. Veneno é qualquer substância que, introduzida no organismo, danifica a vida ou a saúde. Entende-se por envenenamento, portanto, a morte violenta ou o dano grave à saúde, ocasionados por determinadas substâncias de forma acidental, criminosa ou voluntária. 2.2. Ação Interna (venenos) Os venenos apresentam-se em dois grupos: organofosforados e clorados. Tanto um grupo como o outro, principalmente os organofosforados, podem ser causadores de envenenamento por contato com a pele, ingestão e inalação. A morte ocorre por parada respiratória e edema pulmonar. O indivíduo fica cianótico (roxo), o que é um sinal de que está havendo má respiração dos tecidos. Os clorados são menos perigosos, porém podem envenenar o sistema nervoso central (ex.: formicida, gás metano, combustíveis, dependendo da quantidade). As noções do veneno, necessariamente, passam pela consideração de ordem quantitativa. Não basta, apenas, a qualidade da substância, é preciso que haja uma certa quantidade. Essa noção de quantidade passa a envolver praticamente todas as substâncias. Existem substâncias que, em quantidade muito pequena, podem produzir a morte (ex.: estricnina – 1mg pode causar convulsão, contratura e morte); porém, 1 milésimo de miligrama pode servir como remédio. A mesma cocaína que excita, numa quantidade maior, pode ocasionar a morte, num efeito inverso. A variação da quantidade pode inverter o efeito da substância 18
  • 19. MÓDULO V MEDICINA LEGAL 1. ASFIXIAS Todo e qualquer mecanismo que intervenha na correta oxigenação dos tecidos humanos constitui uma asfixia. Asfixias são todas as formas de carência ou ausência de oxigênio, vital para o ser humano, todas as anormalidades no processo respiratório. • Hipóxia: situação em que está ocorrendo uma diminuição da oxigenação dos tecidos. • Anóxia: ausência de oxigenação. Toda e qualquer situação que interfira nas vias respiratórias, na caixa toráxica, nos pulmões, caracteriza asfixia. A caixa toráxica é um sistema fechado. Em seu lado inferior está localizado o músculo do diafragma. Há um espaço entre a parede interna da caixa toráxica e o pulmão: o espaço pleural. A pressão nesse espaço é maior que a pressão atmosférica. A lesão corporal que perfure expressivamente a caixa toráxica vai provocar uma abrupta entrada de ar, que recebe o nome de pneumotórax, que “cola” o pulmão e o indivíduo não consegue respirar. O ser humano oxigena em ambiente gasoso, com determinadas características. Não respiramos quando o meio gasoso é muito alterado, quando o ar é composto por outros gases, nem em meio líquido e nem em meio sólido. 1.1. Classificação das Asfixias 1.1.1. Por modificação do meio ambiente • Confinamento • Soterramento • Afogamento 1.1.2. Por obstrução das vias aéreas • Enforcamento • Estrangulamento • Esganadura 1.1.3. Por impedimento da expressão do tórax • Sufocação indireta • Afundamento de tórax 1.1.4. Por paralisação dos músculos respiratórios • Paralisia espástica – eletroplessão, estricnina • Paralisia flácida – curare 1.1.5. Por parada respiratória central ou cerebral • Eletroplessão • Traumatismo crânio-cefálico 1.1.6. Por paralisia central • Depressão do sistema nervoso central – tóxicos 1.2. Sinais Gerais de Asfixia 19
  • 20. 1.2.1. Manchas de hipóstase O indivíduo morre e, em conseqüência da morte, o coração não bate. O sangue contido nos pequenos vasos próximos à pele, com a morte, acumula-se, por força gravitacional, nas regiões de maior declive. Se o morto está em pé (enforcado), o sangue vai para as extremidades (mãos, pés, pernas). Se o morto está deitado, as manchas tendem a se formar nas costas, se ele estiver em decúbito dorsal, ou no tórax, se ele estiver em decúbito ventral. Nas regiões de apoio, o sangue não chega, portanto, não se formam as manchas nessas regiões. Essas manchas começam a se formar 1 ou 2 horas depois da morte. Nos casos de asfixia, as manchas hipostásicas são mais marcadas (pronunciadas) e mais precoces, porque o sangue está sem oxigênio, com gás carbônico. O sangue venoso (com gás carbônico) é mais escuro, por isso que as manchas hipostásicas são mais visíveis nos asfixiados. São, também, mais precoces, porque, em decorrência do aumento da pressão, há um acúmulo muito maior de sangue nas extremidades. 1.2.2. Cianose Face, rosto, parte alta do pescoço nos asfixiados são cianóticos. Em todos os casos de asfixia, percebe-se, na face, o sinal de cianose (roxidão). 1.2.3. Equimose Manchas na pele e em algumas vísceras; em conseqüência do aumento da pressão, os vasos se rompem formando as manchas equimóticas. No pulmão, recebem o nome de Manchas de Tardieu. Alguns casos são também visíveis no coração (em crianças de pouca idade). 1.2.4. Sangue não coagulado O sangue tende a não coagular, a permanecer fluido. 1.2.5. Maior quantidade de sangue nos órgãos Órgãos que normalmente contêm sangue, como o fígado, ficam muito cheios. Esse mesmo aumento da pressão, durante a asfixia, pode provocar um aumento de sangue nos alvéolos dos pulmões e pode ocorrer ruptura de vasos dos alvéolos; por isso é comum a secreção sanguinolenta nos casos de asfixia. 1.3. Asfixias por Modificação do Meio Ambiente 1.3.1. Confinamento A modalidade mais comum de confinamento é o das pessoas que, num ambiente compartimentado, têm o sangue enriquecido por monóxido de carbono. Ex.: num comboio de trem a carvão, fechado sem oxigênio, o indivíduo morre asfixiado. A cor da hemoglobina é mais avermelhada. O sangue não tem a coloração forte das outras asfixias, porque não foi asfixiado com gás carbônico, mas com monóxido de carbono. Confinamentos podem ocorrer com grupos de pessoas num compartimento onde não há renovação do ar. As pessoas se asfixiam com o próprio gás carbônico: é a asfixia clássica. O confinamento pode se dar em ambientes em que a mistura atmosférica é pobre em oxigênio: confinamento por inadequação da mistura oxigenatória (ex.: cabine de avião). 20
  • 21. O confinamento em ambiente com gás também é outra causa de asfixia. 1.3.2. Soterramento Soterramento é a asfixia no meio terroso. É uma asfixia clássica. Ocorre a sufocação direta, indireta, mais a imersão em meio não respirável (sólido). É possível , também, o soterramento em grãos (soja, trigo etc.). 1.3.3. Afogamento Afogamento é a asfixia no meio líquido: pode ser água, tanque de coca-cola, álcool, gasolina etc. Num primeiro momento, o afogado tem a fase de surpresa: fica agitado e segura ao máximo a respiração. Quando não agüenta mais, respira profundamente inundando os pulmões de água. Entra em concussão e morte aparente. Após isso, o coração bate por mais ou menos 9 minutos. a) Sinais externos do afogamento • Baixa temperatura da pele: a temperatura da pele dos afogados é precocemente mais baixa (mais fria). • Pele anserina: a pele tem um aspecto chamado anserino - arrepiada pelo mecanismo pilo-eretor. Recebe o nome de Sinal de Bernt. • Contração de determinadas partes do corpo: os mamilos, a bolsa escrotal, pênis e clitóris são contraídos. • Maceração da pele palmar e plantar: a pele das mãos e dos pés ficam maceradas (enrugadas). A pele chega a descolar e permanece tão perfeita, destacada com tanta precisão (como uma luva), que é até possível colher as impressões digitais. • Máscara equimótica: o rosto fica preto, devido à quantidade de sangue acumulado. • Cogumelo de espuma: espuma branca ou rosada que sai da boca e dos orifícios nasais. A presença de cogumelo de espuma no cadáver, por si só, não confirma o diagnóstico da morte por afogamento. Nos casos de pneumonia, também pode ocorrer o cogumelo de espuma. • Lesões por animais aquáticos: são comuns nos afogamentos. Os animais têm predileção pelos lábios, pálpebras e nariz. O cadáver atacado pela fauna aquática tem um aspecto mais ou menos uniforme. Esses sinais são bem característicos. b) Sinais internos de afogamento • Inundação das vias aéreas com líquido: as pessoas se afogam em vários tipos de líquido. A presença desses líquidos não deve ser, apenas, uma constatação pericial. Por meio do líquido pode-se analisar o meio aquático em que o indivíduo se afogou. Ex.: o indivíduo pode ter sido morto em uma banheira e ter o seu corpo jogado no mar. A presença do líquido serve, também, para esclarecer, exatamente, o lugar onde ocorreu o afogamento. Mesmo se tratando de afogamento em água doce com posterior remoção do cadáver para um rio, também de água doce, há diferenciação entre os líquidos. • Lesão dos pulmões: apresenta um pontilhado de manchas chamadas de manchas de Tardieu. Quando o processo de afogamento é mais demorado, essas manchas podem ser grandes, recebendo o nome de manchas de Pautalf. Quando o indivíduo aspira uma grande quantidade de água, rompem-se os alvéolos e o líquido passa pelo espaço intra-alveolar. Os pulmões, então, enchem-se de água, inchando-se. Isso se chama enfisema aquoso ou sinal de Brouardel. Nas mortes agônicas, os pulmões tornam-se extremamente estendidos. O 21
  • 22. pulmão adquire um volume maior, às expensas do líquido que está nas vias. A distensão dos pulmões não se dá só em virtude do líquido que está dentro dele, mas também porque o pulmão ainda estava cheio de ar. Forma-se, então, uma mistura borbulhante de água e ar. Isso explica o fato de que, ao retirar o cadáver da água, forma-se um cogumelo de espuma. A pressão atmosférica age na mistura de ar e água, formando o cogumelo. • Presença de líquidos no aparelho digestivo: o indivíduo também engole água, além de inspirá-la. A trompa de Eustáquio liga a faringe ao ouvido médio; nos afogamentos, há presença de líquido no ouvido médio, que chegou até lá pela trompa de Eustáquio. Um cadáver dentro da água, pela sua densidade, tende a afundar. Durante as primeiras 24 horas, o cadáver fica submerso, depois disso ele vem à tona, porque o processo da putrefação humana, na sua segunda fase, produz uma enorme quantidade de gases (fase gasosa). Esses gases fazem com que o cadáver venha para a superfície. Em um cadáver putrefato, a certeza de que ocorreu o afogamento é dada pela análise comparativa do sangue da aurícula direita e esquerda do coração. O sangue com oxigênio vai para a periferia. Num afogamento, a água passa para a pequena circulação e mistura-se com o sangue. Se for retirado sangue do lado direito do coração e sangue do lado esquerdo, que veio do pulmão, o sangue mais diluído será o da aurícula esquerda, que é aquele que veio da pequena circulação. O sangue que veio da aurícula direita será mais concentrado. Isso dará a certeza se houve ou não afogamento. Resumindo: se o sangue da aurícula esquerda estiver mais diluído, com certeza ocorreu o afogamento. Pela análise do sangue, pode-se, também, dizer em qual tipo de líquido ocorreu o afogamento. c) Mecanismos jurídicos da morte por afogamento Acidente, suicídio e homicídio. A hipótese de afogamento por acidente configura a maior parte dos casos. Tecnicamente, não existe suicídio por afogamento. É comum encontrar nesses afogados sinais de luta pela sobrevivência. Esses casos recebem o nome de suicídio acidental. Permanecido na água o morto por afogamento, quando retirado, há uma violentíssima aceleração do processo de putrefação. Nos cadáveres cuja pele não está íntegra, não há compartimentação de gases e é mais difícil de se encontrar o cadáver. 1.4. Asfixia por Obstrução das Vias Aéreas 1.4.1. Enforcamento Enforcamento é a constrição do pescoço por um instrumento chamado laço e a força que constrange é a do próprio indivíduo. No enforcamento, a força constritiva é o próprio peso do indivíduo. 15 kg são suficientes para que ocorra o enforcamento. No enforcamento e no estrangulamento, o laço que circunda o pescoço, levando o indivíduo à morte por asfixia, deixa uma marca característica, que se chama sulco. É uma marca, em baixo relevo, do material utilizado no laço que provocou o enforcamento, que desenha o instrumento que constringiu o pescoço, caracterizando o sulco. Além do sulco, embaixo da pele há lesões: hemorragias e fraturas em cartilagens, ruptura de vasos, nervos achatados e secção da artéria carótida, que recebe o nome de sinal de Amussat. 22
  • 23. Há dois tipos de enforcamento: a) Suspensão completa Quando há uma distância considerável entre o corpo e o chão. O corpo, verticalizado, fica solto no espaço, sem contato com o plano de sustentação. b) Suspensão incompleta Quando o corpo não fica inteiramente pendurado. Ex.: amarrar o laço numa janela. Nas asfixias por enforcamento, o mecanismo é misto, pois, além da constrição das vias respiratórias, constringe-se, também, a circulação sanguínea e o sistema nervoso que comanda a respiração e os batimentos cardíacos. c) Fases da morte por enforcamento • Fase da resistência: agitação; o indivíduo tem alucinações, visão turva, torpor, perda da consciência (quase coma). Essa fase dura de 40 a 80 segundos. • Fase da agitação: ausência de consciência, convulsões intensas, alterações na cor da pele, língua protusa, olhos esoftalmos. Essa fase dura de 3 a 5 minutos. • Fase de prostração ou morte aparente: o coração bate e essa fase pode durar até 10 minutos. No enforcamento, o sulco é oblíquo ascendente, tem profundidade variável, é interrompido no nó, fica por cima da cartilagem tireóidea. 1.4.2. Estrangulamento No estrangulamento, que também é uma constrição por um laço, a força constritiva é externa. O que constringe é o laço, acionado por uma força externa, geralmente homicida. Para determinar se a causa da morte foi enforcamento ou estrangulamento, é necessária a análise das características do sulco deixado pelo laço. No estrangulamento, o sulco é horizontal, tem profundidade uniforme, não é interrompido e fica no meio do pescoço. 1.4.3. Esganadura Esganadura é a constrição do pescoço por um membro do corpo humano: mãos, pés, cotovelos, joelhos. A esganadura é sempre um homicídio, porque a força constritiva será sempre um segmento do corpo humano. Na esganadura, sempre há disparidade de forças entre os sujeitos. 1.5. Asfixias por Impedimento da Expansão do Tórax 1.5.1. Sufocação indireta Diz respeito a todo e qualquer fenômeno que comprima o tórax, impedindo a sua expansão (ex.: acidente de veículos, homicídio, estouro de pessoas contra a parede, morte por pisoteamento contínuo entre os seres humanos). Há uma compressão do tórax, que impede a respiração, provocando a asfixia. 1.5.2. Afundamento de tórax Fraturas múltiplas nas costas que bloqueiam a respiração, provocando a morte por asfixia. 1.6. Asfixias por Paralisação dos Músculos Respiratórios 1.6.1. Paralisia espástica 23
  • 24. É a contratura dos músculos. Ocorre nos casos de morte por eletroplessão. Alguns tóxicos também podem levar a esse estado. O tétano é também outra causa da paralisia espástica. Um veneno que leva a essa paralisia é a estricnina. 1.6.2. Paralisia flácida A paralisia flácida é causada por substância vegetal, utilizada pelos índios da Amazônia, de nome curare. O curare é utilizado, também, nas anestesias. Outra hipótese remota, mas que também pode ocasionar paralisia flácida, é o traumatismo de medula (raquimedular). 1.7. Asfixias por Parada Respiratória Central ou Cerebral 1.7.1. Traumatismo crânio-encefálico O traumatismo crânio-encefálico pode ser ocasionado por uma pancada violenta na cabeça, que afunda o cérebro. Esse traumatismo lesa os centros de comando e o indivíduo pára de respirar. 1.7.2. Eletroplessão A carga elétrica leva à parada cerebral ocasionada por hemorragia das meninges, das paredes ventriculares, do bulbo e da medula espinhal. 1.8. Asfixias por Paralisia Central 1.8.1. Depressão do sistema nervoso central É ocasionada por drogas que levam o sistema nervoso a parar. O modelo clássico inclui as substâncias barbitúricas, álcool e overdose por cocaína (asfixia por depressão do sistema nervoso central). Outras substâncias que podem produzir esse mesmo efeito são alguns tranqüilizantes. MÓDULO VI MEDICINA LEGAL 1. LESÃO CORPORAL A lei penal distingue lesões corporais em três tipos: leves, graves e gravíssimas. As lesões classificam-se pelo resultado, não importando o seu lugar, o que as produziu ou qual sua extensão. Do ponto de vista médico-legal, as lesões são classificadas pelo resultado. A lei dispõe “se da lesão corporal resulta (...)” e relaciona quatro resultados que definem as lesões graves e cinco resultados que definem as lesões gravíssimas. Por exclusão, as lesões não definidas pela lei são consideradas leves. 1.1. Lesões Corporais Graves 1.1.1. Se da lesão corporal resultar incapacidade para as habitualidades ocupacionais por mais de trinta dias Ocupação habitual é tudo o que a pessoa faz, desde o nascimento até a morte. É mais do que o trabalho, embora também o inclua. O exame que comprova a incapacidade 24
  • 25. deve ser realizado no 30.º dia após a lesão. A incapacidade não precisa necessariamente ser absoluta. 1.1.2. Se da lesão corporal resultar perigo de vida É a lesão que causa uma quase morte, que provoca uma periclitação vital. Não existe, legalmente, a expressão “risco de vida”. Risco é prognóstico e não existe em medicina legal. Perigo de vida é um momento, um instante, em que uma função vital periclitou (ex.: parada cardíaca, estado de coma, parada cerebral etc.). 1.1.3. Se da lesão corporal resultar debilidade permanente de membro, sentido ou função • Membros: são os braços, antebraços, cotovelos, mãos, dedos, coxas, pernas e pés. • Sentidos: são a visão, audição, olfato, paladar e tato. • Função: é o conjunto de atividades de um ou mais órgãos, sistema ou aparelho que conduz a uma atividade padrão (ex.: função digestiva, função respiratória). • Debilidade: não é anulação da atividade, mas sim uma expressiva redução da mesma. • Permanente: quando cessam os meios habituais de tratamento ou recuperação. Meios habituais de tratamento são os meios rotineiros. Exemplos: • debilidade permanente de membro: traumatismo no nervo do braço, devido ao qual o indivíduo fica com uma expressiva diminuição da força; • debilidade permanente de sentido: redução da audição por poluição sonora violenta; traumatismo ocular que produza descolamento da retina e o indivíduo tenha reduzida sua visão; • debilidade permanente de função: espancamento no rim, que ocasiona diminuição da função renal. 1.1.4. Se da lesão corporal resultar antecipação do parto A lei protege o direito da mãe de gestar durante 40 semanas, ou do feto permanecer em gestação por 40 semanas. Se provocar antecipação e, conseqüentemente, a perda desse direito, a lesão corporal é considerada grave. 1.2. Lesões corporais gravíssimas 1.2.1. Se da lesão corporal resultar incapacidade permanente para o trabalho Permanente é a incapacidade que sobrevém no instante em que cessam os meios habituais de tratamento. A lei diz claramente que a incapacidade diz respeito a qualquer tipo de trabalho, e não somente para o trabalho especificamente exercido pela vítima. 1.2.2. Se da lesão corporal resultar enfermidade incurável Incurável é aquilo que é definitivo, em face de processos normalmente utilizados para a cura. Enfermidade é uma anomalia, patologia permanente, resultante de um trauma externo (ex.: ferida penetrante no tórax que ocasiona lesão grave da pleura, produzindo uma aderência do pulmão à caixa torácica e diminuindo, assim, a capacidade respiratória do indivíduo). Quando resulta de fator interno, é chamada de doença. 25
  • 26. 1.2.3. Se da lesão corporal resultar perda ou inutilização de membro, sentido ou função Nesse caso a graduação é maior do que na debilidade permanente (lesão grave). Perda é o zeramento das funções de um órgão, sua retirada, amputação, extração. Exemplos: • perda de membro: amputação de quaisquer dos quatro membros; • perda de sentido: enucleação (extração) do globo ocular; • perda de função: pancada no rosto que arranca todos os dentes, perdendo a função mastigadora; • inutilização de membro: traumatismo sob o plexo braquial (embaixo do braço), com secção de nervo, inutilizando o braço; • inutilização de sentido: cegueira dos dois olhos; • inutilização de função: traumatismo em bolsa escrotal que inutilize a função reprodutora. A questão da visão tem uma outra conotação. Quando o indivíduo enxerga com os dois olhos, não apenas enxerga o que tem que enxergar, como também possui uma especialização na função da visão, chamada de função estereostática (visão em profundidade). Alguns peritos admitem que a cegueira total de um só olho não é somente uma debilidade do sentido da visão, mas constituiria uma inutilização da função estereostática. A surdez total unilateral retira do indivíduo a audição estereofônica: ele não consegue direcionar exatamente de onde vem o som. Alguns peritos admitem que a surdez total unilateral constitui uma inutilização da audição espacial, do sentido direcional da audição. No caso de órgãos duplos – mas independentes dos sentidos (como os rins) –,se somente um deles é atingido, mesmo que resulte em extração, entende-se como lesão grave que causa debilidade, e não como lesão gravíssima. 1.2.4. Se da lesão corporal resultar deformidade permanente Duas coisas estão envolvidas: o caráter permanente e a aparência. O conceito enfocado é o de gerar repugnância pela perda de harmonia e não pelo feio ou bonito. Esse conceito varia de pessoa para pessoa, de acordo com o sexo, idade, profissão, cultura. A questão da aparência há que ser vista no contexto cultural em que o indivíduo vive. Cicatrizes, alterações de formas, desvios, claudicações expressivas, tudo isso poderá constituir uma deformidade permanente, desde que seja aparente e afete o modo de vida da pessoa. A deformidade permanente pode ter um resultado devastador na vida do indivíduo, pois estigmatiza, deforma a personalidade, a conduta e o comportamento de seu portador. 1.2.5. Se da lesão corporal resultar aborto Aborto é a morte fetal. Se da lesão corporal resultar aborto, independentemente da intenção (dolo ou culpa), é lesão corporal de natureza gravíssima. Tudo aquilo que provoca a destruição, a partir do instante da fecundação até o minuto que antecede o parto, constitui aborto. 1.3. Concausas Para todas as hipóteses de lesão exige-se uma clara e inequívoca relação de causalidade entre o agente determinante e o resultado. Nem sempre isso ocorre, podendo acontecer as concausas, que modificam o resultado ao arrepio da vontade do autor. 26
  • 27. Concausa é o conjunto de fatores, preexistentes ou supervenientes, suscetíveis de modificar o curso natural do resultado de uma lesão. 1.3.1. Concausas preexistentes São aquelas que já existiam antes da lesão e são capazes de modificar o resultado. As concausas preexistentes são classificadas em anatômicas, fisiológicas e patológicas. a) Concausas preexistentes anatômicas São anomalias congênitas (má formação), como a patologia cistus inversus (órgãos do lado contrário). b) Concausas preexistentes fisiológicas Referem-se ao estado de funcionamento, no momento da lesão, de determinado órgão (ex.: o sujeito está com a bexiga cheia; se houver trauma pode estourar a bexiga, ao passo que se ela estivesse vazia, esse mesmo trauma não a afetaria; mudança de resultado em razão de uma concausa preexistente de origem fisiológica. Gravidez: no início é impossível saber). c) Concausas preexistentes patológicas São os casos de hemofilia, diabetes, aneurisma etc. 1.3.2. Concausas supervenientes Ocorrem depois, com o agravamento. Podem envolver imperícia, negligência, imprudência, infecções etc. MÓDULO VII MEDICINA LEGAL 1. SEXOLOGIA CRIMINAL Em vários pontos do Código Civil, do Código Penal ou Código de Processo Penal aparecem alguns aspectos ligados à sexologia humana e, em muitos desses aspectos, está embutida a questão pericial. 1.1. Conceito Médico-Legal de Mulher Virgem Mulher virgem é aquela em relação à qual não se prova experiência sexual anterior. Dispõe o art. 217 do Código Penal: “Seduzir mulher virgem, menor de 18 (dezoito) anos e maior de 14 (catorze) e ter com ela conjunção carnal, aproveitando-se de sua inexperiência ou justificável confiança. Pena – reclusão de 2 (dois) a 4 (quatro) anos”. Inexperiência quer dizer alheamento, falta de conhecimento do que seja conjunção carnal. Para que haja justificável confiança, deve existir uma relação suficientemente longa e duradoura, estável e equilibrada, sobre a qual possa ser expedida uma sensação de confiar no parceiro a ponto de se ter com ele uma conjunção carnal. 1.2. Conjunção Carnal Conjunção carnal é a cópula vagínica, a contactação pênis/vagina (intromissio penis). O que envolve aspectos da libido não faz parte do crime de sedução, configurando os atos libidinosos, que são diferentes da conjunção carnal. A prova da conjunção carnal é definitiva para a tipificação do crime. 1.2.1. Prova da conjunção carnal 27
  • 28. A prova da conjunção carnal é feita por meio da observação de ruptura ou não do hímen. A anatomia feminina, vista de frente, na região perineal, envolve estrutura composta de pequenos lábios, grandes lábios, intróito vaginal, fúrcula vaginal, orifício uretral, clitóris e, implantada na parede da vagina, a presença de uma película membranosa ou rugosa chamada hímen. Essa membrana tem uma anatomia extremamente variável nos seres humanos. Há desde mulheres que, congenitamente, nascem com ausência de hímen, até mulheres que têm himens que fecham a cavidade vaginal. Existem vários tipos de himens: • anular: tem uma borda que se implanta na vagina, chamada borda vaginal; • semilunar: orifício labiado, bilabiado, com duas fendas cribiformes (pequenos orifícios). Em cada tipo temos himens com óstio ou orifício pequeno, médio ou grande. Na maioria das vezes a borda tem certas ondulações, de tal modo que o diâmetro do óstio, em repouso, sem ser tracionado, é um; uma vez tracionado, ele se apresenta maior. O diâmetro do orifício, devido a sua ondulação, apresenta-se de uma maneira; se forem esticadas todas as ondulações, esse diâmetro se apresentará de maneira diferente. Em 80% dos casos, nas mulheres com himens mais comuns, tendo havido uma penetração com o pênis, há rompimento da membrana. O diâmetro, pela ruptura, torna-se suficientemente largo, permitindo o acesso do pênis no interior da vagina. Face às características da irrigação sanguínea do hímen, ele se rompe e permanece roto, cicatrizando-se a borda da ruptura, mas não se refazendo. Até o 15.º dia da conjunção, as bordas sangram; após esse tempo, as bordas se cicatrizam. O tecido vai se atrofiando até que, após algum tempo, os fragmentos são reduzidos a meros nódulos na parede vaginal, que recebem o nome de carúnculas mirtiformes. As rupturas estendem-se da borda ostial até a borda vaginal. Em alguns livros podemos encontrar a terminologia “ruptura incompleta”, que significa que o hímen rompeu, mas a ruptura não foi até a borda vaginal. Em algumas mulheres pode haver uma configuração do hímen que se apresenta com o óstio bastante irregular, cujas ondulações se aproximam bastante da borda vaginal. Quando essas ondulações são mais pronunciadas, recebem o nome de “entalhes”. Na medida em que os entalhes se estendem até muito próximo da borda vaginal, quando nos deparamos com rupturas himenais já totalmente cicatrizadas, poderá surgir a necessidade de se fazer um diagnóstico diferencial entre o que é ruptura e o que é entalhe. 1.2.2. Diferenças entre entalhes e ruptura de hímen O diagnóstico é feito de três maneiras: • os entalhes não se estendem até as bordas da vagina, as rupturas, sim; • as bordas da ruptura se coaptam (se encaixam); as bordas do entalhe não se coaptam porque jamais pertenceram a um mesmo plano; • as bordas da ruptura apresentam uma cicatriz; as bordas dos entalhes são do mesmo tecido do hímen. Sob luz ultravioleta, as que forem bordas cicatriciais (ruptura) apresentar- se-ão pálidas; as que forem bordas de entalhes apresentar-se-ão mais vermelhas, tendo em vista a maior irrigação. Essas três diferenças são fundamentais para diferenciar ruptura de entalhe. 1.2.3. Local de ruptura 28
  • 29. É muito importante, num laudo pericial, que qualquer pessoa que leia o laudo possa saber em que parte do hímen ocorreu a ruptura. Existem alguns parâmetros para identificar em que parte do hímen se encontram as rupturas. Antigamente, adotava-se a nomenclatura do mostrador de relógio (ex.: ruptura 2 horas). Hoje, divide-se a cavidade vaginal em quatro quadrantes – superior direito, superior esquerdo, inferior direito e inferior esquerdo. Pelos quadrantes, tem-se oito pontos para descrever o local da ruptura no laudo (quatro quadrantes e quatro junções). A preocupação em descrever o local da ruptura é importante, pois, em 97% dos casos, quando os parceiros se encontram em posição normal, as rupturas ocorrem nos quadrantes inferiores ou na junção dos dois quadrantes inferiores. As rupturas em quadrantes superiores, em princípio, podem ser produto de manipulação, de trauma, ou de coitos com o parceiro em posição vertical. Rupturas por manobras masturbatórias só ocorrem nos quadrantes superiores. 1.2.4. Tempo da ruptura • Recentíssima: ocorreu há poucas horas, as bordas estão sangrantes. • Recente: em cicatrização, ocorreu até 15 dias atrás. • Não recente: ocorreu há mais de 15 dias. 1.2.5. Razões para não ocorrer a ruptura após a conjunção carnal Até 22% das mulheres podem ter conjunção carnal sem apresentar o fenômeno da ruptura; isso recebe o nome de complacência. Poderá ocorrer ainda: • Ausência de hímen (casos muito raros). • Óstios himenais de grande diâmetro. • Hímen dotado de muitos entalhes que, quando submetidos a uma tensão, produzem um diâmetro significativo que permite a cópula. • Himens dotados de extraordinária elasticidade, ainda que sem óstio grande. • O estado de lubrificação vaginal, que aparece no estado de excitação pré-conjunção. A lubrificação também reduz o atrito e diminui a perspectiva de ruptura do hímen. Podem ocorrer situações em que a mulher tem uma vivência sexual ativa sem a ruptura do hímen e, quando vítima de uma situação de estupro, pela situação de estresse causada, não havendo lubrificação, ocorre a ruptura. O que leva à ruptura não é a violência em si, mas a ausência de lubrificação. • Pênis pequeno. É importante o estudo dessas razões, visto que podem aparecer mulheres declarando-se virgens, mas com um histórico de experiência sexual, vislumbrando a hipótese de uma ação penal. Complacência não é um fenômeno exclusivamente do hímen, mas “daquela” parceria. O tipo de parceria pode ser decisivo a permitir uma vivência sexual sem ruptura, por um detalhe anatômico ligado ao órgão masculino. 1.2.6. Maneiras de diagnóstico de conjunção carnal • Ruptura do hímen. • Presença de espermatozóide no fundo do saco vaginal: com uma espátula, colhe-se material no fundo da vagina e faz-se pesquisa de existência de espermatozóide. A presença de espermatozóide gera diagnóstico de conjunção carnal, pouco importando o tipo de hímen. 29
  • 30. • Presença de doenças venéreas: presença de certas doenças venéreas no fundo da vagina que só se reproduzem por contato (ex.: cancro sifilítico, cancróides, granulomas e condilomas presentes no fundo da vagina). • Presença de fosfatase ácida: presença, na vagina, de enzima que só existe no líquido espermático, mesmo nos vasectomizados. • Gravidez: sem considerar o estado do hímen, melhor do que qualquer outra situação é o próprio resultado da conjunção. Não existe gravidez sem conjunção carnal, pois o espermatozóide depende do meio ácido para sobreviver, e isso só existe no ambiente vaginal. Em alguns países já se pesquisam as substâncias lubrificantes de alguns preservativos, possibilitando o diagnóstico de conjunção carnal, mesmo quando o homem utiliza preservativo. Evidências de conjunção carnal não levam a diagnóstico (ex.: equimoses, pontos hemorrágicos, escoriações, presença de pêlos etc. são evidências, mas não garantem um diagnóstico). Podem ser encontradas algumas tabelas sobre até quanto tempo após a conjunção se pode pesquisar a presença de espermatozóides na vagina. Geralmente, as vítimas de agressão sexual têm uma enorme tendência de, finda a agressão, limpar-se exageradamente, como se limpassem também quaisquer vestígios de agressão, inclusive com o uso de ducha vaginal. Para a Medicina, tal fato pode destruir a possibilidade da prova. Segundo alguns autores, existe a possibilidade de se encontrarem vestígios de espermatozóides na vagina até 22 dias após a conjunção. Na prática, porém, após cinco ou seis dias já ficará mais difícil encontrá-los. 1.3. Atos Libidinosos Entende-se por ato libidinoso o ato diverso da conjunção carnal. É todo ato praticado com a finalidade de satisfazer o apetite sexual, o que traduz sempre uma depravação moral. O constrangimento não se processa apenas em quem pratica ou deixa que nele seja praticado ato libidinoso, mas também naquele que é constrangido a presenciar ato libidinoso diverso da conjunção carnal. Uma mulher que, mediante violência ou grave ameaça, força um homem a praticar com ela conjunção carnal não pratica o crime de estupro, não podendo ser considerado atentado violento ao pudor, pois houve cópula vaginal. Configura-se, pois, o constrangimento ilegal. Na vida prática, encontram-se várias situações que poderiam ser caracterizadas como ato libidinoso. Não existe prova pericial para o ato libidinoso, pois ele não deixa vestígios que possam ser apreciados do ponto de vista pericial. 1.4. Sexualidade Anômala É necessário que os instintos do homem se equilibrem dentro da normalidade para que não comprometam a segurança das pessoas e da sociedade. Toda variação da relação heterossexual normal que seja exclusiva, isto é, a própria pessoa se satisfaz sexualmente, é uma variação anômala (ex.: a masturbação não se trata de anomalia da sexualidade; porém, se o indivíduo usa a masturbação como substitutivo da relação sexual normal, ela já é encarada como anomalia). 30
  • 31. No aspecto jurídico, principalmente no tocante à anulação do casamento, a prática sexual anômala impede a sexualidade normal, tornando-se forma exclusiva da manifestação sexual. Sexualidade anômala é uma modificação qualitativa ou quantitativa do instinto sexual, podendo existir como sintoma numa degeneração psíquica ou como intervenção de fatores orgânicos glandulares. A prática sexual anômala deve substituir em caráter permanente e total a prática normal. 1.4.1. Práticas sexuais anômalas a) Onanismo É o impulso obsessivo à excitação dos órgãos genitais. É a prática orgásmica auto- erótica. A masturbação é considerada anômala quando, pela duração e exclusividade, bloqueia a prática da conjunção carnal normal. b) Pedofilia É a predileção sexual por crianças. Compreende desde os atos obscenos até a prática de manifestações libidinosas. c) Anafrodisia Quando há diminuição do apetite sexual do homem. O sistema de ereção peniana funciona, mas, por várias razões, deixa de existir o desejo sexual. Pode decorrer de doenças do sistema nervoso e de outras causas externas ou internas. d) Frigidez É a ausência de libido na mulher. Distúrbio do instinto sexual que se caracteriza pela diminuição do apetite sexual. Pode ter várias razões: sucessivas frustrações, situações psíquicas (bloqueio infantil), vaginismo (psicofísica) ou outras doenças psíquicas ou glandulares. e) Erotismo É o apetite sexual acentuado. Manifesta-se por meio da satiríase no homem, que é o apetite sexual acentuado, não podendo ser confundido com o priapismo no homem (ereção permanente) nem com a ninfomania na mulher, que é o desejo insaciável. f) Auto-erotismo É a manifestação da sexualidade que, para a satisfação sexual, não depende de parceiro nem de masturbação, depende apenas da imaginação. g) Impotência Pode ser coeundi, que é a incapacidade para o ato sexual; generandi, que é a incapacidade para gerar (no homem); e concipiendi, que é a incapacidade para gestar (na mulher). h) Erotomania É a fixação maníaca de alta morbidez, em que o indivíduo se fixa em alguém fora do campo de seu relacionamento. O indivíduo desenvolve uma paixão mórbida e doentia, podendo até transformar-se num criminoso de alta periculosidade. O indivíduo é levado por uma idéia fixa de amor e tudo nele gira em torno dessa paixão. Normalmente são castos e virgens (amor platônico). i) Exibicionismo É a obsessão impulsiva de exibir-se sexualmente. O indivíduo já invade a área infracional. O prazer do exibicionista é mostrar-se por meio de seus órgãos sexuais. 31
  • 32. O exibicionismo é uma das manifestações mais comuns das demências senis. Nos idosos ocorre nos processos de demenciação senil (arteriosclerose) e na demenciação pré- senil (mal de Alzheimer). As demências pré-senis são doenças específicas. j) Narcisismo É a fixação do prazer na admiração do próprio corpo. É o culto exagerado da própria personalidade e sempre com indiferença para o outro sexo. Segundo FREUD, o indivíduo passa por quatro fases: • Oralidade: tudo o que toca a boca lhe dá prazer. • Fase anal: satisfação em adquirir o controle da evacuação e da micção. • Fase narcísica: cuidados com o aspecto. Quando essa fase se mantém além da adolescência e impede o relacionamento com o sexo oposto, trata-se de anomalia. • Fase heterossexual: o indivíduo expressa a sua libido com parceiros heterossexuais. k) Mixoscopia Popularmente chamada de voyeurismo, consiste no prazer em presenciar a relação sexual de terceiros. l) Fetichismo Fetiche é a fixação da libido em objetos que ligam o indivíduo a pessoas para as quais está direcionado. O indivíduo pervertido envolve-se apenas na excitação com uma parte da pessoa ou com um objeto a ela pertencente. Adora determinada parte do corpo (mãos, seios) ou objetos (calcinhas, sutiãs) pertencentes à pessoa amada. m) Lubricidade senil É a manifestação sexual exagerada, em desproporção com a idade. É sempre sinal de perturbação patológica, como demência senil ou paralisia geral progressiva. Em geral, a idade da vítima é inversa à idade do delinqüente. n) Pluralismo Manifesta-se pela prática sexual grupal, de que participam três ou mais pessoas. Traduzem um elevado grau de desajustamento moral e sexual (ménage à trois etc.) o) Gerontofilia É a desmedida atração sexual de pessoas muito jovens por pessoas de idade avançada. Conhecida também por cronoinversão. p) Riparofilia É a atração sexual por pessoas desasseadas, sujas, de baixa condição social e higiênica. Há homens que preferem manter relação sexual com mulheres em época de menstruação. q) Urolagnia É o prazer sexual pela excitação de ver alguém no ato de urinar ou apenas de ouvir o ruído da urina. r) Coprofilia É a perversão em que o ato sexual se prende ao ato da defecação ou do próprio contato com as fezes do parceiro. s) Coprolalia É a satisfação sexual que se expressa por meio de falar ou de escutar palavrões e obscenidades. t) Edipismo É a tendência ao incesto, isto é, ao impulso do ato sexual com parentes próximos. u) Bestialismo 32
  • 33. Também chamado de zoofilia, é a satisfação sexual com animais domésticos. Indivíduos portadores dessa aberração muitas vezes são impotentes com mulheres. v) Sadismo É a aplicação de sofrimento ao parceiro. A satisfação sexual está em produzir sofrimento ao parceiro. Algumas dessas aberrações podem chegar ao extremo, a tal ponto que o orgasmo só será conseguido com o sofrimento supremo do parceiro, que é a morte. w) Masoquismo É o prazer sexual por meio do sofrimento físico ou moral. O masoquismo é mais comum nas mulheres. x) Necrofilia É a relação sexual com cadáveres. É tão compulsivo que, na inexistência de um cadáver, o necrofílico “fabrica” um, ou seja, mata uma pessoa para que possa ter com ela relação sexual após a morte. y) Pigmalionismo É o amor anormal pelas estátuas (hoje substituídas por bonecas infláveis). 1.4.2. Homossexualismo Tanto o homossexualismo masculino, também chamado de uranismo ou pederastia, como o homossexualismo feminino (lesbianismo), do ponto de vista fisiológico, são anomalias. A Organização Mundial de Saúde, entretanto, considera o homossexualismo como doença e não como anomalia. O homossexualismo deve ser considerado como um caso estritamente médico, havendo necessidade de que se faça distinção entre o homossexualismo, o intersexualismo, o transexualismo e o travestismo. a) Intersexualismo O indivíduo se apresenta com a genitália externa e com a genitália interna indiferenciadas, como se a natureza não tivesse se definido quanto ao sexo. b) Transexualismo O indivíduo é inconformado com seu estado sexual. Geralmente não admite a prática homossexual. c) Travestismo O indivíduo sente-se gratificado com o uso de vestes, maneirismos e atitudes do sexo oposto. 2. ABORTO O aborto define-se como morte fetal, não importando em que momento. A vida humana inicia-se no momento da fecundação, com direitos legais (ex.: mulher viúva só pode casar-se 10 meses após a morte do marido, para preservar os direitos sucessórios do ser embrionário). 2.1. Técnicas de Aborto Pode ser feito por meios mecânicos, tubos, sondas, hastes metálicas, com a intenção de romper a bolsa e provocar a expulsão do feto, ou por meios químicos. Em relação aos meios químicos, não existe uma substância especificamente feticida. Existem substâncias tão tóxicas que, pela fragilidade do feto, são capazes de matá-lo e, assim, provocar aborto. Existem drogas, como as prostaglandinas, que provocam contração do útero, com dilatação e expulsão do feto. 33
  • 34. 2.2. Aspectos Legais do Aborto O aborto legal ocorre em duas hipóteses: • gestação proveniente de estupro; • quando não há outra maneira de preservar a vida materna. MÓDULO VIII MEDICINA LEGAL 1. TANATOLOGIA I 1.1. Conceito Tanatologia é a parte da Medicina Forense que estuda a morte, abordando os aspectos biológicos e antropológicos. Definir ou conceituar morte é um trabalho árduo, para alguns impossível, considerando o atual estágio do conhecimento. Para outros, morte é a cessação da vida. No ordenamento jurídico brasileiro, o entendimento corrente considera morte como ausência de vida. O conceito de morte evoluiu com o tempo, desde a “morte pulmonar” dos gregos até a “morte encefálica” contemporânea, necessidade atual, compatível com a evolução médica, permitindo um novo entendimento nos casos de transplantes de órgãos, passando pela “morte cardíaca”, ainda válido, considerado conceito operacional, pois com a parada definitiva do coração, os demais órgãos param sucessivamente, incluindo o pulmão e o encéfalo, permitindo o diagnóstico de morte em todos os locais, sem a necessidade de grandes recursos. O diagnóstico de morte encefálica, ou parada definitiva da atividade encefálica, é um procedimento complexo que exige profissionais habilitados, instrumental e centros médicos de excelência, não existentes em todos os locais do País. 1.1.1. Diagnóstico de morte A morte é caracterizada em nosso meio pela presença dos sinais abióticos (sinais que indicam ausência de vida). Logo após a parada cardíaca e o colapso e morte dos órgãos e estruturas, como o pulmão e o encéfalo, surgem os sinais abióticos imediatos ou precoces, perda da consciência, midríase paralítica bilateral (dilatação das pupilas), parada cardiocirculatória, parada respiratória, imobilidade e insensibilidade. Tais sinais são considerados de probabilidade, ou seja, indicam a possibilidade de morte e são denominados por alguns autores como período de morte aparente, por outros são chamados de morte intermediária. Algum tempo depois aparecem os sinais abióticos mediatos, tardios ou consecutivos, indicativos de certeza da morte, como: livores, rigidez, hipotermia (ou equilíbrio térmico) e opacificação da córnea. Tais sinais constituem uma tríade – livor, rigor e algor –, ou seja, alterações de coloração, rigidez e de temperatura, indicativos de certeza da morte (morte real). Os livores, alterações de coloração, variam da palidez a manchas vinhosas. São observados nas regiões de declive, devido ao acúmulo (deposição) sangüíneo por atração gravitacional. Aparecem ½ hora após a parada cardíaca, podendo mudar de posição quando 34
  • 35. ocorrer mudança na posição do corpo. Após 12 horas não mudam mais de posição, fenômeno denominado de fixação. A rigidez, contratura muscular, tem início na cabeça, uma hora após a parada cardíaca, progredindo para o pescoço, tronco e extremidades, ou seja, de cima para baixo (da cabeça para os pés). O relaxamento se faz no mesmo sentido. Tal observação é denominada Lei de Nysten. O tempo de evolução é variável. 1.1.2. Morte encefálica O critério de morte encefálica é um caso particular, não aplicável no dia a dia, próprio para as situações de transplante de órgãos, em que há a necessidade de um diagnóstico rápido e preciso, ou seja, é uma situação particular em que a morte é diagnosticada, tida como certa, com a demonstração da parada definitiva da atividade encefálica. Nesses casos os órgãos de interesse são mantidos em funcionamento com o uso de equipamentos e/ou fármacos (drogas médicas). 1.1.3. Premoriência e comoriência Tais conceitos são importantes nas situações de mortes muito próximas, em que há necessidade de estabelecimento de seqüência, com fins sucessórios. Premoriência é a seqüência de morte estabelecida, ou seja, “A” morreu antes de “B”. Comoriência é a simultaneidade de mortes, caso mais comum, pois na maioria das vezes não é possível a determinação da seqüência de eventos. 1.2. Tipos de Morte Quanto ao modo, as mortes são classificadas em naturais, violentas ou suspeitas. Alguns autores incluem outros tipos, como a morte reflexa (“congestão”), determinada por mecanismo inibitório, como nos casos de afogados brancos, estudados em Asfixiologia. As mortes violentas são divididas em acidentais, homicidas e suicidas. Quanto ao tempo, as mortes são classificadas em: • Súbita: aquela que não é precedida de nenhum quadro, que é inesperada. • Agônica: aquela precedida de período de sobrevida. Neste item cabe lembrar das situações de sobrevivência, em que o indivíduo realiza atos conscientes e elaborados no período de sobrevida; por exemplo, após ter sido atingido mortalmente com um tiro no coração, o indivíduo tem tempo para reagir e ferir ou matar o desafeto; ou então o suicida que, após ter dado um tiro na cabeça, escreve bilhete de despedida (situações não usuais, mas possíveis). O diagnóstico diferencial entre as formas “súbita” e “agônica” é possível com provas especiais, denominadas docimásticas, que estudam as células, tecidos e substâncias presentes no organismo, como glicogênio e adrenalina. Nas mortes naturais, regra geral, o médico deverá fornecer “Declaração de Óbito”, documento que contém o Atestado de Óbito e que originará a Certidão de Óbito. Nas mortes naturais, sem diagnóstico da causa básica (doença ou evento que deu início à cadeia de eventos que culminou com a morte), há necessidade de autópsia pelos Serviços de Verificação de Óbitos e, nas mortes violentas, as autópsias devem ser realizadas pelos Institutos Médico-Legais. 35
  • 36. 2. TANATOLOGIA II 2.1. Fenômenos Cadavéricos Microscopicamente, horas após a parada cardíaca, ocorre um processo de auto- destruição celular denominado autólise, caracterizada por auto-digestão determinada por enzimas presentes nos lisossomos, uma das organelas citoplasmáticas. Macroscopicamente, o primeiro sinal de putrefação é o aparecimento da mancha verde abdominal na região inguinal direita (porção direita, inferior do abdome). Tal mancha é originada pela produção bacteriana de hidreto de enxofre que, por sua vez, determina a formação de sulfohemoglobina, ou seja, na morte o enxofre “ocupa” o lugar do oxigênio ou do dióxido de carbono na hemoglobina. A mancha aparece de 16 a 24 horas após a parada cardíaca, progride para as outras regiões abdominais e depois para o corpo todo, caracterizando a fase cromática da putrefação. Nos afogados a mancha verde pode aparecer no tórax. 2.1.1. Putrefação A putrefação é o fenômeno cadavérico mais freqüente. Tem início com a fase cromática, como apresentado no parágrafo anterior. A segunda fase, denominada gasosa ou enfisematosa, aparece geralmente dias após e é caracterizada pela produção de gases e de álcool etílico. Os gases mais freqüentes são o metano, amônia, putrescina, cadaverina e hidretos de enxofre, fósforo e flúor. O hidreto de enxofre determina o odor característico de carne podre. O hidreto de fósforo, quando em combustão, origina o fenômeno denominado “fogo fátuo”. A formação de gases determina um aumento de volume cadavérico, com língua protrusa, cabeça grande, genitais aumentados, olhos abertos e proeminentes e braços e pernas com aspecto pneumático. Nesse período os cadáveres dos afogados flutuam, e ocorre o “parto pré-mortal” nas grávidas. A terceira fase é a coliquativa, caracterizada pela “liquefação” tecidual, adquirindo o cadáver um aspecto de pasta. O resultado da putrefação é a redução das partes moles, restando os ossos, dentes, cabelos, pêlos e partes densas como os tendões, caracterizando a fase terminal denominada esqueletização. 2.1.2. Maceração Quando ocorre alguma perturbação ambiental ou na estrutura dos restos mortais, são observados outros fenômenos cadavéricos. A maceração é um desses fenômenos. Ocorre quando os restos mortais ficam imersos em meio líquido, sendo caracterizada por putrefação atípica, enrugamento tecidual e exsangüinação (saída do sangue pela pele desnuda). São conhecidas duas formas: • Séptica: mais comum, ocorre geralmente nos corpos que permanecem, após a morte, em lagos, rios e mares. • Asséptica: observada na morte e permanência do feto intra-útero. É um fenômeno destrutivo e não significa morte na água e sim permanência em meio líquido. 2.1.3. Mumificação 36
  • 37. São conhecidos também fenômenos conservativos. Os cadáveres inumados em solos com alta concentração salina e em ambientes quentes e secos, como os desertos e regiões áridas, desidratam (secam), com interrupção das reações químicas, conservando o tegumento, determinando a conservação parcial denominada mumificação. Não pode ser confundida com os processos de conservação artificial, como os embalsamamentos. 2.1.4. Saponificação Outro fenômeno conservativo é a saponificação, caracterizado pela transformação da gordura corporal em sabão, dando aos restos mortais um aspecto acinzentado e de manteiga e um odor de queijo rançoso (“adipocera”). Ocorre com cadáveres de obesos e grávidas e é facilitado por inumações em solos argilosos, úmidos e mal ventilados. São conhecidos outros fenômenos conservativos como: • Refrigeração: em ambientes muito frios. • Corificação: desidratação tegumentar com aspecto de couro submetido a tratamento industrial. • Fossilização: fenômeno conservativo de longa duração. • Petrificação: substituição progressiva das estruturas biológicas por minerais, dando um aspecto de pedra com manutenção da morfologia dos restos mortais. Resumindo, após a parada cardíaca e dos demais órgãos, como o pulmão e o encéfalo, ocorre o período de morte aparente ou intermediária, seguido do período de morte real. As estruturas orgânicas são progressivamente reduzidas a substâncias mais simples, que farão parte dos ciclos da Natureza. Inicialmente ocorre autólise, seguida da putrefação, com suas quatro fases: cromática, gasosa ou enfisematosa, coliquativa e esqueletização. Essa seqüência é preferencial. Tais fenômenos, ditos cadavéricos, são transformativos. Conhecemos dois tipos: destrutivos e conservativos. Os destrutivos são a putrefação e a maceração e, os conservativos, a mumificação e a saponificação. MÓDULO IX MEDICINA LEGAL Psicopatologia Forense C. Delmonte Printes 1. INTRODUÇÃO A Psicopatologia Forense pode ser entendida como sendo o segmento do conhecimento médico que estuda as desordens do psiquismo, relacionando a personalidade anormal com fins médico legais, dentre outras finalidades. Também é chamada Psiquiatria Forense e Psiquiatria Médico-Legal. O estudo da psique com fins jurídicos é complexo e controverso, permitindo muitas interpretações e modificações temporais. Entre os itens programáticos, é considerado de importância menor, ou seja, as questões sobre o tema não estão presentes em todos os exames (concursos), e essas são, via de regra, conceituais. Em função do exposto, considerando o volume de matéria de maior relevância como Tanatologia, Traumatologia, 37