1. O documento discute a noção de enunciado em linguística, definindo-o como um conjunto de signos que adquire uma existência singular ao ser produzido, diferente de frases ou proposições.
2. Um enunciado pertence a uma formação discursiva histórica e é regulado por um "arquivo", definido como o sistema que rege o aparecimento dos enunciados como eventos singulares em um dado período.
3. A análise dos enunciados busca revelar as formações discursivas e arquivos hist
1. O ENUNCIADO E O ARQUIVO
DOUTORADO EM PROCESSOS E MANIFESTAÇÕES CULTURAIS
ESTUDOS DO DISCURSO E PROCESSOS COMUNICACIONAIS
POLIANA LOPES
2015/1
2. • à primeira vista, ele aparece como um elemento último, indescomponível,
suscetível de ser isolado em si mesmo e capaz de entrar em um jogo de relações
com outros elementos semelhantes a ele – como um átomo do discurso ;
"Ninguém ouviu" X “É verdade que ninguém ouviu"
• duas proposições que dizem a mesma coisa não são dois enunciados iguais; elas
não são equivalentes nem intercambiáveis, não estão no mesmo lugar no plano
do discurso, não pertencem exatamente ao mesmo grupo de enunciados .
"Os critérios que permitem definir a identidade de uma
proposição, distinguir várias delas sob a unidade de uma
formulação, caracterizar sua autonomia ou sua propriedade de
ser completa, não servem para descrever a unidade singular
de um enunciado." p.92
DEFINIR O ENUNCIADO
3. O ENUNCIADO
• pode ser reconhecido em uma frase gramaticalmente isolável;
• não corresponde à estrutura linguística da frase – desconstrução ;
• existe quando se pode reconhecer e isolar um ato de formulação, quando descreve-se a
operação que foi efetuada pela própria fórmula, em sua emergência - promessa, decreto,
ordem;
Nos três casos (a partir da gramática, lógica e análise), o enunciado não é
compreendido em toda sua extensão, porque encontramos enunciados:
• sem estrutura proposicional legítima;
• onde não se reconhece nenhuma frase;
• em maior quantidade do que os atos ilocutórios que se pode isolar.
4. • a língua jamais se apresenta em si mesma e em sua totalidade;
• os signos que constituem seus elementos são formas que se impõem aos enunciados e
que os regem do interior;
• sem enunciados, a língua não existiria - mas nenhum enunciado é indispensável à
existência da língua;
• língua e enunciado não estão no mesmo nível de existência.
O ENUNCIADO E A LÍNGUA
Não é preciso uma construção linguística para formar um enunciado, mas não basta uma
realização material de elementos linguísticos ou qualquer emergência de signos no tempo e
no espaço.
5. A FUNÇÃO ENUNCIATIVA
• uma série de signos se torna um enunciado quando tem com "outra coisa"
uma relação específica que se refira a ela mesma - e não a sua causa ou
elementos;
• a relação entre o enunciado e o que ele enuncia não é a relação entre
proposição e referente ou entre a frase e seu sentido;
• a ausência de referente é o correlato do enunciado, aquilo a que se refere,
seu "tema“;
• o referencial do enunciado define as possibilidades de aparecimento e
delimitação do que dá à frase seu sentido, à proposição seu valor de
verdade. Esse conjunto caracteriza o nível enunciativo da formulação.
6. A FUNÇÃO ENUNCIATIVA
• o enunciado se distingue por manter com o sujeito um relação determinada;
• o sujeito não é necessariamente o autor da formulação. Este lugar pode ser
ocupado por indivíduos diferentes e é variável o bastante para manter-se idêntico
a si mesmo através de várias frases – ou para se modificar a cada uma;
• esse lugar do “autor” é uma dimensão que caracteriza toda formação enquanto
enunciado e constitui um dos traços que pertencem à função enunciativa e
permitem descreve-la;
• descrever essa formulação enquanto enunciado é determinar qual é a posição
que o indivíduo pode e deve ocupar para ser o sujeito.
7. A FUNÇÃO ENUNCIATIVA
• para ser tratar de um enunciado, uma frase precisa ser relacionada com um campo
adjacente;
• o enunciado tem margens povoadas de outros enunciados, as quais o tornam possível
– margens não são o contexto;
• uma sequência de elementos linguísticos só é enunciado quando imersa em um
campo enunciativo em que apareça como elemento singular;
• há sempre um enunciado fazendo parte de uma série ou conjunto, desempenhando
um papel no meio dos outros, neles se apoiando e deles se distinguindo;
• ele supõe outros, tem um campo de coexistências, efeitos de séries e de sucessão,
uma distribuição de funções e de papeis.
•
8. A FUNÇÃO ENUNCIATIVA
• o enunciado deve ter existência material ; é, em parte, constituído
por ela ;
• ele precisa de um suporte, um lugar e uma data. Se os requisitos
mudam, ele muda de identidade;
• a enunciação é um acontecimento que não se repete, é situada e
datada; o enunciado pode ser repetido apesar da materialidade;
• a identidade do enunciado está submetida aos limites impostos pelo
conjunto dos outros enunciados em que figura - a frase “A terra é
redonda." é enunciados diferentes antes e depois de Copérnico;
• Um discurso e sua tradução simultânea são um único e mesmo
enunciado, em formas linguísticas diferentes - o conteúdo
informativo e as possibilidades de uso são as mesmas.
9. A DESCRIÇÃO DOS ENUNCIADOS
Fixar o vocabulário
• performance linguística: conjunto de signos produzidos a partir de uma língua natural;
• formulação: ato que faz surgir, em um material qualquer e segundo uma forma
determinada, esse grupo de signos;
• frase ou proposição: unidades que a gramática ou a lógica podem reconhecer em um
conjunto de signos;
• enunciado: modalidade de existência própria desse conjunto de signos, que lhe
permite ser algo diferente do uma série de traços e estar dotado de uma
materialidade repetível;
• - discurso: constituído por um conjunto de sequência de signos, enquanto enunciados
- a lei de tal série é a formação discursiva. Ou seja, é o conjunto de enunciados que se
apoia em um mesmo sistema de formação;
• descrever um enunciado é definir as condições nas quais se realizou a função que deu
origem a uma série de signos uma existência específica.
10. O enunciado é não oculto:
• caracterizada pela existência de um conjunto de signos produzidos, a análise enunciativa
só pode se referir a análise de performances verbais realizadas;
• a análise enunciativa é uma análise histórica fora de qualquer interpretação, que pergunta
como as coisas existem, o que significa para elas sua manifestação;
• dificuldade: as coisas são ditas por outras ou são esquecidas - não afeta o enunciado como
definido por Foucault;
• a polissemia se refere a uma frase ou proposição - que podem ter significações diversas -
sobre um base enunciativa que permanece idêntica.
A DESCRIÇÃO DOS ENUNCIADOS
O enunciado é não visível:
• o nível enunciativo está dentro das frases e proposições;
• a estrutura significante da linguagem remete sempre a outra coisa, ao ausente, longínquo;
• o enunciado é suposto por outras análises da linguagem sem que elas tenham que
mostra-lo;
• considerar os enunciados em si mesmos é tentar torna visível e analisável a transparência
que constitui o elemento de sua possibilidade.
• a linguagem, na instância de seu aparecimento e modo de ser, é o enunciado e como tal
se apoia em uma descrição nem transcendental nem antropológica.
11. Ajustes da descrição dos enunciados à análise das formações discursivas:
• organizar o domínio dos enunciados, seu princípio de agrupamentos, unidades
históricas que podem constituir e os métodos que permitem descreve-los;
• as dimensões próprias do enunciado são usadas na demarcação das formações
discursivas;
• a formação discursiva constitui grupos de enunciados, conjuntos de performances
verbais que não estão ligadas entre si por laços gramaticais (frases), lógicos
(proposições) ou psicológicos (formulações) - mas ligados no nível dos enunciados;
• descrever enunciados é tentar revelar o que se poderá individualizar como
formação discursiva - que é o sistema enunciativo geral ao que obedece um grupo
de performances verbais.
A DESCRIÇÃO DOS ENUNCIADOS
12. A DESCRIÇÃO DOS ENUNCIADOS
1. A demarcação das formações discursivas revela o nível específico do
enunciado - a descrição dos enunciados conduz à individualização das
formações discursivas.
2. Um enunciado pertence a uma formação discursiva, a regularidade dos
enunciados é definida por ela.
3. Chama-se de discurso um conjunto de enunciados quando eles se apoiam na
mesma formação discursiva, não sendo uma unidade retórica ou
formal, indefinidamente repetível e cujo aparecimento pode ser assinalado
na história.
4. A prática discursiva é um conjunto de regras anônimas, históricas,
determinadas no tempo e no espaço, que definiram em dada época e área
social as condições de exercício da função enunciativa .
13. RARIDADE, EXTERIORIDADE, ACÚMULO
A análise do discurso busca estabelecer uma lei de raridade:
• a raridade repousa no princípio de que nem tudo é sempre dito;
• os enunciados são estudados no limite que os separa do que não está dito, na instância
que os faz surgirem à exclusão de todos os outros e onde a formação discursiva é uma
distribuição de lacunas, de vazios, de ausências, de limites, de recortes;
• não se supõe que haja algo oculto sob enunciados manifestos; eles são analisados não
como estando no lugar de outros enunciados, pois cada enunciado ocupa um lugar que
pertence apenas a ele;
• ela explica que os enunciados não são uma transparência infinita, mas coisas que se
transmitem e se conservam que tem um valor que tentamos nos apropriar.
14. RARIDADE, EXTERIORIDADE, ACÚMULO
• analisar uma formação discursiva é procurar a lei de sua pobreza, medir e
determinar sua forma específica e pesar o valor dos enunciados.;
• o discurso deixa de ser o que é para a atitude exegética: tesouro inesgotável de
onde se podem tirar sempre as riquezas;
• a análise dos enunciados trata-os na exterioridade, ao contrário da descrição
histórica das coisas ditas, que se volta do exterior ao interior;
• pela exterioridade, a análise ocorre pela descontinuidade, apreendendo sua
irrupção no lugar e no momento de produção, reencontrando a incidência de
acontecimento;
• A exterioridade supõe que o campo dos enunciados seja aceito como local de
acontecimentos, regularidades, relacionamento, modificações determinadas, como
um domínio prático autônomo que pode se descrever em seu próprio nível.
15. RARIDADE, EXTERIORIDADE, ACÚMULO
A análise dos enunciados:
• está no nível do "diz-se“ - conjunto das coisas ditas, relações, regularidades e
transformações que podem receber o nome de um autor;
• leitura, traço, decifração, memória - termos que definem o sistema que permite arrancar
o discurso passado da inércia e reencontrar algo de sua vivacidade perdida;
• supõe que os enunciados sejam na remanência que lhes é própria, que se conservaram
graças a um certo número de suportes e técnicas materiais, segundo certos tipos de
instituições e com certas modalidades estatutárias;
• a remanência pertence ao enunciado; o esquecimento e a destruição são seu grau zero e
sob o fundo que ela constitui se desenrolam os jogos da memória e lembrança;
• supõe que se considerem os fenômenos da recorrência, pois ele compreende um campo
de elementos antecedentes em relação aos que se situa com o poder de reorganizar e
redistribuir segundo relações novas.
16. O A PRIORI HISTÓRICO E O ARQUIVO
• a positividade de um discurso caracteriza-lhe a unidade através do tempo e além
das obras individuais. Ela define um espaço limitado de comunicação, mas mais
extenso que o jogo das influências que pôde ser exercido de um autor a outro;
• toda a massa de textos de uma mesma formação discursiva comunica em seus
discursos pela forma da positividade, que desempenha o papel do que se poderia
chamar um a priori histórico - condição de realidade para enunciados;
• o discurso não tem apenas um sentido ou verdade, mas uma história que não o
reconduz às leis de um devir estranho; é um tipo de história que lhe pertence ,
mesmo em relação com outros tipos;
• a densidade das práticas discursivas tem sistemas que instauram os enunciados
como acontecimentos e coisas. São esses sistemas de enunciados que Foucault
chama de arquivo.
17. O A PRIORI HISTÓRICO E O ARQUIVO
O arquivo:
• inclui enunciados que tenham aparecido pelo jogo de relações que caracterizam
o nível discursivo, nascidos segundo regularidades específicas;
• é a lei do que pode ser dito, o sistema que rege o aparecimento dos enunciados como
acontecimentos singulares;
• agrupa as coisas ditas em figuras distintas, que se compõem segundo relações
múltiplas, que se mantenham ou esfumem por regularidades específicas;
• define, na raiz do enunciado-acontecimento e no corpo em que se dá, o sistema de
sua enunciabilidade;
• diferencia os discursos na existência múltipla e os especifica em duração própria;
• define uma prática que faz surgir uma multiplicidade de enunciados
como acontecimentos regulares e coisas oferecidas ao tratamento e à manipulação;
• entre a tradição e o esquecimento, faz surgir as regras de uma prática que permite aos
enunciados subsistirem e se modificarem regularmente - sistema geral da formação e
da transformação dos enunciados.
18. "A revelação, jamais acabada, jamais integralmente alcançada do arquivo, forma
o horizonte geral a que pertencem a descrição das formações discursivas, a
análise das positividades, a demarcação do campo enunciativo. O direito das
palavras - que não coincide com o dos filólogos - autoriza, pois, a dar a todas
essas pesquisas o título de arqueologia.
Esse termo não incita à busca de nenhum começo; não associa a análise a
nenhuma exploração ou sondagem geológica. Ele designa o tema geral de uma
descrição que interroga o já dito no nível de sua existência; da função
enunciativa que nele se exerce, da formação discursiva a que pertence, do
sistema geral de arquivo de que faz parte. A arqueologia descreve os
discursos como práticas especificadas no elemento do arquivo."
(FOUCAULT, p. 149)