A Escola Municipal Zacaria, localizada em um dos bairros mais violentos de São Paulo, conseguiu melhorar o ambiente escolar e envolver a comunidade através de projetos como o Programa de Valorização do Educador e o Projeto Aniversário, apesar de não apresentar grandes avanços em avaliações externas como o Ideb.
A escola que é uma festa: como a Escola Municipal Zacaria consegue melhorar o ambiente, envolver a comunidade e se reinventar
1. R E P O RTAG E M
A escola que
é uma festa
Localizada em um dos bairros
mais violentos de São Paulo,
a Escola Municipal Zacaria
consegue melhorar o ambiente,
envolver a comunidade e se reinventar
POR ISABELA MORAIS E TORY OLIVEIRA
N
a quadra da Escola Municipal ves Filho, 16 anos, confessa que derramou al-
Mauro Faccio Gonçalves, mais gumas lágrimas no momento em que se de-
conhecida como Zacaria, na parou com a festa: “Chorei porque vou sentir
zona sul de São Paulo, cerca de saudades da Zacaria. Aprendi muito aqui”.
cem alunos do 9º ano aguar- Há 16 anos, a situação era diferente. A es-
dam a vez para assinar um dos documentos cola fica no entroncamento de três bairros
exigidos para a formatura. O diretor, Rober- periféricos da zona sul: Parque Santo Antô-
to Wagner Carbonari, chama aluno por aluno nio, São Luiz e Chácara Santana. O primei-
em ordem alfabética. Os formandos já estão ro começou a ser ocupado na década de 1970
impacientes, quando professoras fantasiadas e abriga cerca de 270 mil moradores. Hoje,
surgem na quadra ao som de Dancin’ Days. carrega também a marca de o mais violen-
Em seguida, os professores e o diretor dan- to da capital. Dados do 92º DP, responsável
çam uma coreografia de Village People, gru- por atender o bairro, já contabilizava 52 ho-
po norte-americano dos fortões fantasiados, micídios dolosos até outubro de 2012, o maior
conhecidos pelos hits Macho Man e Y.M.C.A. contingente da cidade. Levando em conta as
Espantados, os alunos entendem o que está estatísticas dos DPs do Capão Redondo e
acontecendo: as assinaturas eram um pretex- Campo Limpo, também localizados na re-
to para reunir todos em uma festa-surpresa. gião sul da capital, o número salta para 137,
No pátio, um DJ aguarda os adolescentes por volta de 12% de todos os homicídios re-
com comidas, bebidas não alcoólicas, luzes e gistrados na capital no ano passado.
música eletrônica. Alunos, professores e fun- Rebatizada pela comunidade em 1991 de
cionários se juntam e arriscam passos na pis- Zacaria em homenagem ao comediante de
ta de dança improvisada no local onde usu- Os Trapalhões, a escola e seus alunos tinham
almente é montado o refeitório. O clima é de poucos motivos para sorrir. O espaço era de-
alegria entre a equipe e os alunos que estão gradado, cheio de pichações e marcado pe-
dando adeus à escola. Denilson Oliveira Al- la violência. “No meu primeiro mês como
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2. mismo da diretora encontrava coro entre os
professores. Dispensa de aulas, faltas e expul-
sões de alunos da sala eram comuns.
Além da violência, a falta de professores era
outro problema. O bairro, até hoje, não é de
fácil acesso e era comum que a escola servis-
se apenas como local de passagem para os do-
centes que esperavam por uma oportunidade
de trabalho melhor. “Já tive de dar aulas pa-
ra duas turmas por quase um ano inteiro.
Eu não tinha quem desse as aulas nem ha-
via previsões para a chegada de alguém”, afir-
ma o diretor. Assim, a escola tinha dificulda-
des de envolver alunos e comunidade.
O quadro começou a mudar com uma de-
cisão da equipe gestora. Ao lado da ex-coor-
denadora pedagógica Olgair, Wagner Carbo-
nari decidiu permanecer. Ele disse: “Eu sou
diretor e vim para ficar, mas a escola não é
minha”, lembra a professora Maria do Socor-
ro Lacerda, há 17 anos na Zacaria. A sala do
diretor, antes inacessível aos alunos, passou
a ficar aberta a todos. Aos poucos, espalhou-
-se, entre os estudantes, a noção de que esta-
diretor, estourou uma bomba na entrada da vam abertos ao diálogo. Mais democrática, a
PAT R Í C I A S TAV I S
GESTÃO
DEMOCRÁTICA
escola, em seguida explodiu um hidrante e, escola deu início aos projetos que existem até
Para engajar a
segundos depois, outra bomba no banheiro comunidade, escola hoje e passou a lutar por melhorias.
que destruiu todas as lâmpadas”, lembra Car- apostou em medidas
bonari. O diretor filmou tudo e passou de sa- como diálogo aberto e Pequenos gestos
promoção de eventos
la em sala mostrando para os alunos e expli- A primeira grande mudança foi democrati-
cando que o objetivo dele não era atuar como zar as decisões no Conselho Escolar: da gra-
policial, mas que era necessário descobrir o de curricular até o gasto do dinheiro prove-
responsável. Uma aluna contou ao educador niente da Associação de Pais e Mestres, tu-
que suspeitava do irmão, aluno da oitava sé- do era decidido em conjunto. Outra inovação
rie na escola. Carbonari foi até a casa do ra- foi o Programa de Valorização do Educador
paz e afirmou que não faria boletim de ocor- (Prove), idealizado por Olgair em 1998, que
rência se o menino concordasse em conver- passou a oferecer, todos os meses, cursos de
sar com ele. “Nunca mais teve bomba, por- formação. A cada fim de ano é realizado um
que isso pegou entre as pessoas.” seminário e os professores publicam seus re-
Olgair Garcia, ex-coordenadora pedagógi- latos em uma revista editada por eles. Com o
ca da escola, também se recorda de casos de tempo, o programa foi incorporado por ou-
vandalismo. A antiga diretora, que mantinha tras escolas da região.
uma relação conflituosa com os alunos, ex- Após se aproximar da comunidade, a esco-
pulsou seis deles, considerados problemáti- la também conseguiu resolver o problema da
cos. A situação era, nas palavras da coordena- falta de professores. Direção e moradores se
dora, terrível. “Quando entrei, principalmen- mobilizaram e levaram cerca de 700 pais e
te à noite, tinha umas brigas horríveis”, diz a responsáveis até a prefeitura, no centro da ci-
educadora, ex-aluna de Paulo Freire, que saiu dade, para cobrar a contratação de docentes.
de uma universidade privada porque queria “No dia seguinte, o Diário Oficial publicou a
trabalhar na rede pública. Na época, o pessi- inscrição para professores”, afirma Wagner.
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servir a merenda: os pratos de plástico foram
trocados por outros de vidro, com garfo e faca
no lugar da colher, e os alimentos, antes ser-
vidos pelas cozinheiras, passaram a ser ofere-
cidos em um esquema de self-service. As mu-
danças tornaram o refeitório um lugar mais
limpo e menos barulhento.
Outra ação que agregou identidade à esco-
la e aproximou a instituição dos alunos foi o
Projeto Aniversário, criado em 2000. A ideia
é simples: realizar, a cada três meses, uma
festa coletiva para todos os estudantes que fa-
çam aniversário naquele período. Antes, to-
dos os professores trabalham com um deter-
minado tema em sala. No dia da comemo-
ração é servido um cardápio especial e são
ALUNOS
De acordo com o diretor, a falta de profes- apresentados os resultados do trabalho de-
TÊM VOZ sores diminuiu: “Em vista do cenário de 15 senvolvido ao longo dos meses. Como as fes-
Escola mudou anos atrás, hoje é uma maravilha. Temos até tividades são frequentes, a escola adquiriu,
a pedido dos professor substituto”, conta. Segundo dados com o dinheiro da Associação de Pais e Mes-
estudantes, e agora
merenda é servida da Secretaria Municipal de Educação, hoje a tres, máquinas de algodão-doce, sorvete, cre-
como self-service escola Zacaria abriga 911 alunos do 1º ao 9º pe, pipoqueira e um forno para pizza.
ano do Fundamental. Há também turmas de A formatura do 9º ano também foi rein-
Educação de Jovens e Adultos. ventada. Antes, os alunos pagavam por ceri-
A estrutura física da escola também mu- mônias fora da escola. A maioria não tinha
dou. A primeira alteração começou com o ba- condições financeiras para bancar e a festa
nheiro. A reforma levou em conta as reivindi- acabava restrita a poucos. Hoje, todos parti-
cações dos alunos, como a instalação de sa- cipam da formatura com suas famílias e nin-
bonete líquido e do suporte para o papel hi- guém paga nada. A festa acontece no pátio da
giênico nos boxes. Um espelho foi fixado na escola e é financiada com o dinheiro arreca-
parede, assim como ar quente para enxugar dado nos eventos realizados durante o ano.
as mãos e uma cantoneira para apoiar o ma- Há ainda um balanço avaliativo com pro-
terial escolar. O local foi arrumado, as picha- fessores, alunos e gestores. Em uma espé-
ções apagadas e assim permanece até hoje. cie de assembleia, todos se reúnem no pátio
“As pessoas entenderam que têm o direito de da escola para definir, juntos, quais serão as
possuir uma escola limpa”, explica Socorro. normas vigentes no próximo ano. “Isso cria
Os alunos também foram atendidos em ou- uma consciência de que você está num espa-
tra solicitação, aparentemente banal. A pedi- ço público, mas que é seu, que é você quem o
do dos estudantes, mudou-se a maneira de constrói”, analisa Olgair.
Incompatibilidade com as avaliações
Embora as melhorias na da rede pública paulistana, não sendo captados pelas ainda os alunos aprovados
Zacaria sejam notáveis, a no caso do 5º ano, e inferior avaliações externas. “Houve em universidades públicas
escola não apresenta um (3,7), entre os alunos do 9º uma melhora nas relações ou ganhadores de bolsas
grande avanço em (4,3). O diretor, Wagner de convivência da nas privadas, o assunto é
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avaliações externas, como o Carbonari, afirma que, comunidade com a escola debatido entre os
Prova Brasil. O desempenho apesar da insatisfação com que dificilmente se traduz professores, que cogitam
da instituição no Ideb é igual os resultados atingidos, numa nota”, defende. criar um indicador
(4,8) ao da média das escolas muitos elementos acabam Segundo o diretor, que cita próprio da escola.
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