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CARACTERÍSTICAS DO ULTRA-ROMANTISMO
Tal como acontecera com o classicismo, também o romantismo sofreu uma evolução
que, levada até às últimas consequências, assinala um forte desequilíbrio.
Manifesta um predomínio da emoção, da exaltação do espírito, da melancolia que vai
levar ao tédio da vida e, consequentemente, ao desejo da morte, ao fatalismo.
A natureza é triste e vai até ao domínio do tétrico, do macabro, com fantasmas,
sepulturas, ajustando-se assim ao estado de alma do poeta. Afirma-se o gosto pelo melodrama
tão longe do equilíbrio do drama romântico.
Assiste-se a um excesso de sentimentalismo, tornando-se as poesias maçadoras,
enfadonhas, de horizontes muito limitados.
Aqui e ali, sente-se uma certa religiosidade que está, muitas vezes, ligada à magia, à
crença num regresso das almas a este mundo.
O medievalismo conduz ao predomínio de uma poesia de carácter popular mais
espontânea e de gosto arcaizante: as xácaras, os solaus, as trovas, as cantilenas.
O vocabulário é rebuscado, com termos eruditos (cerúleo, purpúreo, hircano,
gemebundo, carme…), mas pobre, com um acentuado preciosismo de linguagem encostada
aos clássicos.
A sintaxe é pobre, afectiva, de tipo feminino, com anacolutos, exclamações,
reticências. Abundam as metáforas e a versificação monótona.
A GERAÇÃO DE 70
O movimento romântico começa a esgotar-se. A tão apregoada «liberdade na arte»
acabou por ser superada pelo exagerado sentimentalismo que deu origem ao ultra-
romantismo.
Em simultâneo, surge uma sociedade que se entrega mais intensamente ao gozo dos
bens materiais, pelo que os valores espirituais, nomeadamente a religião e a arte, entram em
crise.
Renan, com o seu ateísmo, Michelet e o seu anticlericalismo, o socialismo de
Proudhomme e o positivismo de Comte vão determinar, sem dúvida, a renovação que se opera
na 2ª metade do séc. XIX. De salientar Alphonse Daudet e Zola, que cultivam o romance
naturalista e Flaubert e Balzac, com o romance realista.
Em Portugal, agitava-se o mesmo sentimento reformista porque, segundo Eça,
«Coimbra vivia então (1860/65) uma grande actividade ou antes um grande tumulto mental».
Diariamente, facilitados os meios de comunicação, os comboios despejavam no seio dessa
juventude o ideário que a França irradiava.
Preparava-se a borrasca literária que havia de arejar as ideias.
António Feliciano de Castilho encabeçava um grupo de novos poetas conservadores do
romantismo, iniciando-se o confronto literário com Antero de Quental, seu antigo discípulo.
Do lado de Castilho encontraremos, entre outros, Pinheiro Chagas e Camilo Castelo Branco,
surgindo do lado de Quental, Teófilo Braga.
A primeira manifestação importante desta rebeldia foi a Questão do Bom Senso e Bom
Gosto. Um novo lirismo, mais de cariz crítico, social e humanitário, ergueu-se contra o velho
gosto literário, mas também, mais amplamente, contra concepções políticas, históricas e
filosóficas
Foi acesa a contenda em que se escreveram algumas dezenas de panfletos. Esta é em
traços gerais a polémica literária que ficou conhecida pelo nome de «Questão Coimbrã».
Passados cinco anos, é feita nova tentativa para a entrada da escola realista entre nós.
Em Lisboa, Antero, Eça de Queirós, Teófilo Braga, Oliveira Martins e outros dão início
às «Conferências do Casino Lisbonense».
As «Conferências do Casino Lisbonense» foram uma série de conferências realizadas
em Lisboa, na Primavera de 1871, pelo grupo do Cenáculo, formado por jovens escritores e
intelectuais de vanguarda. A ideia das conferências surgiu na casa da Rua dos Prazeres onde o
Cenáculo se reunia então
Antero pronunciou a primeira conferência «Causas da Decadência dos Povos
Peninsulares nos Últimos Três Séculos, inteiramente demolidora: a imprensa, a instrução em
Portugal eram inferiores. Realizaram-se mais três dentro do mesmo comportamento. Eça falou
sobre «O Realismo como nova expressão de Arte». E, segundo ele, o Realismo é:
«… a negação da arte pela arte; é a proscrição do convencimento, do enfático e do
piegas. É a abolição da retórica considerada como arte de promover a comoção usando a
inchação do período, da epilepsia da palavra, da congestão dos tropos. É a análise com o fito
da verdade absoluta… é a anatomia do carácter. É a crítica do homem. É a arte que nos pinta a
nossos próprios olhos, para condenar o que houver de mau na nossa sociedade…»
CARACTERÍSTICAS DO REALISMO
Estava, pois, definitivamente preparado o clima para a eclosão do realismo entre nós.
Parte dos objectivos da escola vimo-los já enunciados, por Eça, na sua conferência do
Casino:
• «É a proscrição do convencional, do enfático, do piegas».
Proclama uma literatura arejada, sã, positiva, com uma natureza soalheira, viva,
matizada, aberta à observação e não propensa ao devaneio.
• «É a análise com o fito na verdade absoluta»
O espírito analítico vai aguçar o trabalho do observador que, objectivamente, tal
como o analista no laboratório, se debruça sobre os factos a explicá-los, a tentar
encontrar as respectivas causas, substituindo o «eu» subjectivo (subjectivismo)
pelo objectivo (objectivismo). A arte ao serviço da ciência, daí o naturalismo.
• «É a crítica do homem»
É a arte que vai reformar, moralizando, quando põe a nu os podres de uma
sociedade que a arte dos clássicos e o sentimentalismo dos românticos tinham
deixado camuflados. («Cacher l’imaginaire sous le réel« – Zola)
A afirmação do impessoalismo, da objectividade, da captação das impressões pelos
sentidos; daí a fuga do «eu».
A apetência pelo pormenor descritivo, com uma relevância especial ao emprego
do adjectivo, da imagem, do concreto pelo abstracto.
A rejeição do trabalho inventivo.
REALISMO/NATURALISMO
A Europa do século XIX sofre profundas alterações a todos os níveis. As grandes
revoluções científicas, técnicas e industriais são acompanhadas por uma enorme agitação
social, em grande parte resultante da segunda fase da Revolução Industrial. O idealismo
romântico, em vez de solucionar os problemas, tinha-os agravado.
Em 1857, surge, em França, Madame Bovary, de Gustave Flaubert, considerado o
primeiro romance realista da literatura universal. Dez anos depois, Emile Zola publica Thérèse
Raquin, inaugurando o romance naturalista.
Eça de Queirós, na 4ª Conferência do Casino Lisbonense, afirma que «O Realismo é
uma reacção contra o Romantismo: O Romantismo era a apoteose do sentimento; - o Realismo
é a anatomia do carácter. É a crítica do homem. É a arte que nos pinta a nossos próprios olhos
– para nos conhecermos, para que saibamos se somos verdadeiros ou falsos, para condenar o
que houver de mau na nossa sociedade».
REALISMO
O Realismo apresenta-se como uma doutrina filosófica e uma corrente estética e
literária que procura a conformação com a realidade. As suas características estão
intimamente ligadas ao momento histórico, reflectindo as novas descobertas científicas, as
evoluções tecnológicas e as ideias sociais, políticas e económicas da época.
O Realismo preocupa-se com a verdade dos factos, a realidade concreta, a
explicação lógica dos comportamentos. Procura ver a realidade de forma objectiva e surge
como reacção ao idealismo e ao subjectivismo emocional românticos. Como movimento da
arte e da literatura, procura representar o mundo exterior de uma forma fidedigna, sem
interferência de reflexões intelectuais nem preconceitos, e volta para a análise das condições
políticas, económicas e sociais.
ROMANCE REALISTA
O romance realista é de carácter documental, procurando fazer o retrato de uma
época, dando conta dos espaços sociais, normalmente da burguesia. É isso que se observa em
Os Maias de Eça de Queirós e que se depreende desde o início com o subtítulo Episódios da
Vida Romântica. Aí, através da comédia de costumes, procura observar diversos quadros
sociais e denunciar a corrupção, a frivolidade, a superficialidade, a ignorância e as
mentalidades retrógradas.
O romance realista surge orientado para a análise psicológica da sociedade,
criticando-a a partir do comportamento das personagens, nomeadamente das que se
consideram das classes dominantes, e procurando captar as condições mais miseráveis e
torpes da vida real.
NATURALISMO
O Naturalismo surge muito próximo do Realismo e chega a ser confundido com ele.
Mas, se tem semelhanças, também tem diferenças. O Naturalismo pode definir-se como uma
concepção filosófica que considera a Natureza como única realidade existente, recusando
explicações que transcendam as ciências naturais. Graças às teorias positivistas e
experimentais, passa a interessar-se pelo estudo analítico. Não lhe bastam os quadros
objectivos da realidade, mas analisa também as circunstâncias sociais que envolvem cada
personagem.
Como num laboratório de ciências médico-biológicas, a obra naturalista procura
explicar as suas personagens através da análise aos problemas e doenças hereditárias, aos
antecedentes familiares, à sua educação, ao meio social em que foram criadas e em que
desempenham as suas actividades ou a sua posição económica.
ROMANCE NATURALISTA
O romance naturalista é, em geral, de carácter experimental e cientificista, um
romance de tese que se orienta para a análise social e valorização do colectivo. Procura
mostrar o indivíduo como produto de um conjunto de factores «naturais» - meio em que vive
e sobre o qual pode agir, momento e hereditariedade psicofisiológica – geradores de
comportamentos e situações específicas.
No romance experimental naturalista, a personalidade humana é determinada ou
configurada por forças instintivas naturais que não devem ser reprimidas.
A POLÉMICA LITERÁRIA EM OS MAIAS
Em Os Maias, Eça consegue apresentar quadros que permitem uma visão da
problemática literária que envolveu ultra-românticos, realistas e naturalistas.
Um dos quadros mais representativos surge no capítulo VI, no episódio do jantar no
Hotel Central. Neste jantar, imaginado por João da Ega para homenagear o Cohen (marido da
divina Raquel), as personagens irão envolver-se em acesas discussões sobre temas diversos
(política, economia, mulheres, Pátria, alma portuguesa, literatura, etc.).
No tema literatura, irão destacar-se Tomás de Alencar e João da Ega.
Tomás de Alencar personifica o romantismo agonizante, que não vê com bons olhos o
realismo/ naturalismo por estes questionarem tudo aquilo que ele defende. Por isso, quando
se refere ao naturalismo, Alencar prefere usar expressões como «excremento», «literatura
latrinária», «torpe maré».
«Para pôr um dique definitivo à torpe maré, como ele disse em plena Academia,
escreveu dois folhetins cruéis; ninguém os leu… refugiou-se na moralidade como numa rocha
sólida… seria o paladino da Moral, o gendarme dos bons costumes…»
Ironicamente, quanto mais Alencar atacava o naturalismo/realismo, mais estes se
impunham.
Quanto ao João da Ega, profundo defensor do naturalismo, este não se cansa de atacar
o romantismo piegas de Alencar acabando os dois por se agredirem um ao outro verbalmente,
chegando por vezes a ameaças de agressões físicas.
João da Ega é uma personagem que, em certa medida, funciona como um reflexo do
próprio Eça. Ega apresenta semelhanças físicas, no cabelo, no bigode, na luneta, nas atitudes
excêntricas que assume e nas declarações provocatórias que faz. Até os nomes apresentam
grandes semelhanças: Eça/ Ega.
Assumindo um papel menos importante, encontramos Craft, que é apologista do ultra-
romantismo:
«A arte era uma idealização… que se mostrasse os tipos superiores de uma
humanidade aperfeiçoada, as formas mais belas do viver e do sentir.»
Relativamente a Carlos, a personagem principal, começa por desiludir o leitor
assumindo uma posição ambígua, acabando por atacar o realismo devido «aos seus ares pouco
científicos».
Resta ainda dar conta da posição do narrador, que faz a defesa do naturalismo: «esses
livros poderosos e vivazes… esses estilos novos, tão preciosos e dúcteis…».
Fica também clara, no decorrer desta discussão, a diferença entre o naturalismo e o
realismo, conceitos que se confundem frequentemente.
O realismo preocupa-se com a apresentação da realidade, mostrando a realidade feia,
tal como ela é, mas não faz um estudo profundo, não procura as causas fundamentais dos
males que afligem a sociedade portuguesa, nem aponta soluções para esses males sociais. É
pouco científico. É mais literário, tratando a questão com muita delicadeza, tal como um
cavalheiro com as suas «luvas de pelica».
O naturalismo vai mais longe. Não fica satisfeito apenas com a visão da realidade.
Exige uma análise profunda, procura as razões dos males sócias, faz um estudo aturado.
Pretende ser científico e objectivo, resolvendo o que está doente/ podre, tal como um
cirurgião que corta o cadáver, na mesa das autópsias, para determinar as causas da morte e
procurar a cura. Ao contrário do realismo, utiliza as «luvas de borracha do cirurgião».
A ESTRUTURA DA OBRA AO MAIAS
A obra Os Maias, de Eça de Queirós, tem um título e um subtítulo
Em 1880, surgem Os Maias ou Episódios da Vida Romântica, obra que teria levado oito
anos a ser elaborada e que parece apresentar, em intenção, duas seduções queirosianas: a
análise pretensamente objectiva da vida portuguesa (na linha de Balzac) e a problemática do
incesto.
Os Maias serão simplesmente a história de uma família da alta burguesia lisboeta,
história essa narrada essencialmente através de três gerações.
Não esquecendo, porém, o premente aviso de Eça, nova perspectiva se nos abre com o
subtítulo: «Il na faut pás oblier que le roman a un sous-titre – Episódios da Vida Romântica».
Consistirá então o livro numa série de «episódios», ou melhor, de quadros que
traduzem a «vida romântica» ou, na opinião do próprio autor, a vida como ela é pensada e
criada por uma sociedade saída do Constitucionalismo.
Os Maias -> narrativa novelesca transmitindo as peripécias de uma série de gerações
de Maias.
Episódios da Vida Romântica -> narrativa de análise de costumes da vida lisboeta do
século XIX.
Estas duas faces da obra não se opõem entre si, antes se interpenetram, formando um
todo.
ASPECTOS ESTRUTURAIS DECORRENTES DO TÍTULO
Os Maias
1 – A história de três gerações
São tratadas, fundamentalmente, três gerações da família:
a) Afonso da Maia – Absolutismo/ Liberalismo - abrange a época da reacção do
liberalismo ao absolutismo vigente; início do romantismo
b) Pedro da Maia – Regeneração - representativo da fase de instauração do
liberalismo e consequentes contradições internas; romantismo
c) Carlos da maia – Regeneração - dominada pelo sentimento de decadência das
esperanças liberais; ultra-romantismo/ realismo
Uma outra geração, cronologicamente anterior às mencionadas, apresenta
importância reduzida e função inteiramente explicativa. Trata-se do grupo constituído pelos
antecessores de Afonso, simbolizando Caetano da Maia o absolutismo agonizante que prepara
o ataque vitorioso das ideias liberais.
A 1ª e 2ª gerações ocuparão dois capítulos incompletos, abrangendo a 3ª geração todo
o resto do livro. De facto, inicia-se o romance por um conjunto de dados introdutórios à
história da época abrangida pela 3ª geração. É cortado o Cap. I pela história de Afonso que,
continuando, cede, no Cap. II, à aventura de Pedro, para dar lugar5, a partir do Cap. III, à
personagem Carlos.
Quer pelo espaço narrativo ocupado, quer pela problemática dela decorrente, é a
história de Carlos o fulcro do romance: a vida de Carlos, cuja explicação total e profunda só é
possível de ser atingida pelo reconhecimento dos seus antecedentes (Afonso e Pedro).
Contudo, Afonso não é apenas um antecedente brevemente mencionado, mas uma
presença constante: a sua passagem de perspectivador da acção a perspectivado ou simples
espectador não é total.
2 – O processo evolutivo – EQUILÍBRIO/RUPTURA
A narrativa parece processar-se linearmente segunda a técnica de passagem de um
estado de equilíbrio a um outro que implica a destruição da harmonia do primeiro.
1 – A vida de Caetano constitui um estado de perfeito equilíbrio, segundo os padrões
do absolutismo vigente. Tal situação sofre uma ruptura pela adesão de Afonso às ideias
liberais.
2 – Com o regresso de Afonso a Benfica e o advento dos novos tempos, restaura-se a
harmonia/ equilíbrio, que será novamente quebrado pela ligação de Pedro com Maria
Monforte (ruptura). A situação de estabilidade instala-se com a morte de Pedro e a ligação
afectiva entre Carlos e o avô (equilíbrio).
3 – Inicia-se, neste momento, o romance propriamente dito. A dada altura, a paixão de
Carlos por Maria Eduarda vais constituir nova destruição do equilíbrio (ruptura), sendo este
recuperado no final da obra com a reintegração de Carlos numa vida monotonamente estável,
posterior à morte de Afonso e à forçosa separação de Maria (equilíbrio).
A obra resume-se a esta constante passagem de um estado de equilíbrio a uma fase de
desequilíbrio, com posterior recuperação do primeiro.
É evidente que cada novo estádio de equilíbrio não é absolutamente idêntico ao
anterior que tinha sido destruído. Por outro lado, só na perspectiva de Afonso parece existir,
de início, uma verdadeira recuperação a nível de personagem. Pedro é destruído no processo
que visa a recuperação da harmonia. O mesmo se passa com Carlos que, através de uma
evolução semelhante, se destrói psicologicamente.
Esta diferença parece estar ligada a uma oposição de temas, cuja intenção percorre
toda a obra: razão/ sentimento. A oposição de Afonso, ainda que ligada a um exagero
sentimental de pré-romântico é, contudo, de cariz fortemente racional. A força oposicional de
Pedro e Carlos é, contrariamente, de marca sentimental e recusa, na prática, uma razão que as
personagens possam aceitar como teoricamente válida.
3 – Paralelismo estrutural entre Pedro e Carlos
No romance Os Maias, existem duas histórias que constituem a intriga secundária e a
intriga principal.
Intriga secundária – os amores infelizes de Pedro da Maia e de Maria Monforte
Intriga secundária – os amores incestuosos de Carlos da Maria e de Maria Eduarda
Intriga secundária:
Pedro, único filho de Afonso e de Maria Eduarda Runa, apaixona-se fatalmente por
Maria Monforte, mulher bela que aparece em Lisboa, acompanhada pelo pai, que enriquecera
com o tráfico de negros.
Contra a vontade de Afonso, Pedro casa com Maria Monforte e dela tem dois filhos,
Maria Eduarda e Carlos Eduardo.
O casal vive faustosamente em Lisboa, no palacete de Arroios e, um dia, Pedro traz
para casa um belo príncipe italiano com quem Maria Monforte foge, levando consigo a filha,
Maria Eduarda. Nesse mesmo dia, Pedro corre para o palacete de Benfica, reconcilia-se com o
pai, após quatro anos de separação, entrega-lhe o filho que Maria lhe deixara, e suicida-se
cobardemente.
O palacete é fechado e Afonso da maia parte com o neto para Santa Olávia.
Intriga principal:
E, 1875, Carlos Eduardo, após ter-se formado em Medicina, em Coimbra, vem viver
com o seu avô, Afonso da Maia, no Ramalhete, em Lisboa.
Carlos tenta concretizar os seus projectos profissionais, mas acaba por falhar todos os
seus planos. Entretanto integra-se na elite da capital, frequentando espaços sociais
requintados, onde priva com os importantes do Reino.
É no peristilo do Hotel Central, antes do jantar em honra do banqueiro Cohen, que
Carlos, em companhia de Craft, observa a chegada de Maria Eduarda por quem se apaixona de
imediato.
Depois de várias tentativas para conhecer pessoalmente Maria Eduarda, Carlos convive
com esta, envolvendo-se numa profunda paixão, plenamente correspondida.
É na Toca, situada nos Olivais, comprada a Craft, que os dois apaixonados cometem
involuntariamente o incesto.
O amor de Carlos por Maria Eduarda é tão forte que resiste ao facto de saber que ela
tivera um passado pouco recomendável, havendo mesmo uma filha – Rosicler. No entanto, a
felicidade de Carlos será completamente destruída pelas revelações de uma carta de Maria
Monforte, na qual Maria Eduarda é identificada como filha de Pedro da Maia (irmã de Carlos).
Apesar de conhecer a verdade, Carlos comete incesto de forma consciente e Afonso
morre de desgosto. Sentindo-se extremamente culpado e arrependido, Carlos separa-se
definitivamente de Maria Eduarda, que parte para França.
Carlos viaja para o estrangeiro com o seu amigo Ega e fica a residir em Paris,
regressando a Portugal apenas no ano de 1887.
RELAÇÃO ENTRE A INTRIGA SECUNDÁRIA E A INTRIGA PRINCIPAL
A intriga secundária é fundamental para o desenvolvimento da intriga principal.
As consequências dos amores infelizes e trágicos de Pedro da Maia e de Maria
Monforte separam os dois irmãos, que crescem sem terem conhecimento da verdade. Maria
Eduarda desconhece a identidade do pai e pensa ter tido apenas uma irmã que morrera em
pequenina. Carlos acredita que a sua mãe e a sua irmã estavam mortas; assim lho dissera
Afonso.
A intriga principal alicerça-se nos acontecimentos desse passado longínquo e no
desconhecimento da verdade, apresentando-se como consequência directa da intriga
secundária.
SEMELHANÇAS ENTRE A INTRIGA SECUNDÁRIA E A INTRIGA PRINCIPAL
A história de Pedro é uma espécie de prefiguração de reduzidas dimensões do
problema de Carlos.
Pedro e Carlos:
- encontram-se ligados a Afonso;
- são dominados pela sentimentalidade e pelo instinto;
- são criatura fracas, facilmente dominadas pela inércia ou pela noção deca-
dente da vanidade de todo o esforço;
- apanhados no clima irracional da paixão, acabam por sucumbir.
Pedro Carlos
1 - Vida dissoluta; - Vida dissoluta;
2 Encontro fortuito com Maria Monforte ->
PAIXÃO
Encontro fortuito com Maria Eduarda ->
PAIXÃO
3 Pedro procura encontro com Maria
Monforte
Carlos procura encontro com Maria Eduarda
4 Encontro através de Alencar/ Melo Encontro através de Dâmaso (indirecto)
5 Elemento de Oposição: a negreira ->
oposição real de Afonso
Elemento de oposição: a amante -> oposição
potencial de Afonso
6 Encontro e casamento Encontro e relações
7 Vida de casados: viagem ao estrangeiro,
vida social em Arroios, nascimento dos
filhos
Vida de relações: viagem ao estrangeiro e
casamento adiados, vida social na Toca
8 Retardamento do encontro com Afonso Retardamento por causa de Afonso
9 Elemento desencadeador do drama: o
napolitano
Elemento desencadeador da tragédia:
Guimarães
10 Infidelidade e fuga de Maria Monforte –
reacções de Pedro
Descoberta do incesto – reacções de Carlos
11 O DRAMA A IMINÊNCIA DA TRAGÉDIA
12 Regresso de Pedro ao Ramalhete,
diálogo com Afonso e suicídio de Pedro
Encontro de Carlos com Afonso, mudo, sem
diálogo e motivação para o suicídio de Carlos
13 Motivação para a morte de Afonso Morte de Afonso
A partir deste esquema fácil é verificar o paralelismo existente nas histórias de Pedro e
de Carlos. Contudo, convém destacar algumas diferenças.
Pedro, senhor de uma força romanticamente pertinaz, assume até ao fim o seu papel –
social e racionalmente fraco, emocionalmente entregue a todos os excessos.
Carlos, controlado, em parte, por uma educação positivista à inglesa, parece superar
com maior lucidez e frieza de ânimo o caos afectivo, embora talvez não totalmente (… Carlos
ficara ainda abalado… no fundo do seu coração permanecia, pesada e negra, a memória da
“semana terrível”…»)
A história de Carlos repete, desenvolvendo-a em pormenores indiciais e informativos,
a tragédia de Pedro, retirando-lhe, contudo, a força absurda e cega que conduz, sem desvios
nem falsas esperanças, à destruição completa.
A TRAGÉDIA
Rasgos estruturais da tragédia em Os Maias
1 – A personagem trágica
Carlos e Maria Eduarda destacam-se como figuras eleitas, pertencentes a uma elite,
dotados de qualidades superiores, requintados, seres de excepção, não integrados numa
sociedade grosseira, limitada e suja. Carlos e Maria Eduarda elevam-se ao nível da tragédia
amorosa, definindo-se não como meros tipos sociais, mas como símbolos de uma fatalidade
superior.
2 – A acção trágica (a fatalidade como motor de aproximação dos dois irmãos)
As duas personagens, figuras de excepção (como convém ao espírito clássico da
tragédia), são irresistivelmente levadas a um encontro e a uma união que afirmam a
supremacia do sentimento, concebido segundo um padrão elevado e ideal.
Perante os obstáculos oferecidos por Afonso e respeitados pelos próprios amantes,
assiste-se à intensificação das relações amorosas que atinge o auge da felicidade perfeita.
Quando a união se torna perfeita, quando o sentimento se eleva ao ponto superior da
sua realização, desaba a catástrofe – depara-se-nos a tragédia.
Carlos, ao tentar a recusa de uma verdade imposta pelo «implacável destino» concorre
para a sua completa realização – a efectivação de um incesto consciente.
Classicamente, o aparecimento da tragédia não corta só o desenrolar harmonioso dos
acontecimentos, como também impede a reestruturação dos mesmos. A fatalidade aniquila a
possibilidade de recuperação.
O desenlace fatal que, abruptamente, destrói o equilíbrio das personagens, vem sendo
insidiosamente preparado ao longo da acção. Diversos indícios são introduzidos de modo
discreto, ganhando todo o seu profundo significado apenas quando um pormenor do acaso se
apresenta como claramente revelador.
3 – Indícios do destino
«… Andava lendo uma novela de que era heróis o último Stuart, o romanesco príncipe
Carlos Eduardo; e, enamorada dele, das suas aventuras e desgraças, queria dar esse nome a
seu filho… Carlos Eduardo da Maia! Um tal nome parecia-lhe conter o destino de amores e
façanhas…» (cap. II)
O próprio protagonista concebe um «romance, radiante e absurdo», fora das leis
humanas, condicionado pela força do destino:
«… um sopro de paixão, mais forte que as leis humanas, condicionado pela força do
destino…»
«… Carlinhos da minha alma, é inútil que ninguém ande à busca da “sua mulher”. Cada
um tem a “sua mulher”, e necessariamente tem de a encontrar. Tu está aqui, na Cruz dos
Quatro Caminhos, ela talvez em Pequim: mas tu, aí a raspar o meu repes com o verniz dos
sapatos, e ela a orar no tempo de Confúcio, estais ambos insensivelmente, irresistivelmente,
fatalmente, marchando um para o outro!...» (cap. VI)
«… Maria Eduarda! Era a primeira vez que Carlos ouvia o nome dela, e pareceu-lhe
perfeito, condizendo bem com a sua beleza serena. Maria Eduarda, Carlos Eduardo… Havia
uma similitude nos seus nomes. Quem sabe se não pressagiava a concordância dos seus
destinos!» (cap. XI)
«Ega escutava-o, sem uma palavra, enterrado no fundo do sofá. Supusera um
romancezinho, desses que nascem e morrem entre um beijo e um bocejo: e agora, só pelo
modo como Carlos falava daquele grande amor, sentia-o profundo, absorvente, eterno, e para
bem ou para mal tornando-se daí, para sempre, o seu irreparável destino.» (cap. XII)
«Mas o velho pôs o dedo nos lábios, indicou Carlos lá dentro, que podia ouvir… E
afastou-se, todo dobrado sobre a bengala, vencido enfim por aquele implacável destino que,
depois de o ter ferido na idade da força com a desgraça do filho – o esmagava ao fim da
velhice com a desgraça do neto.» (cap. XVII)
Todos estes extractos apontam claramente o dedo subtil de uma entidade
transcendente a Carlos e Maria Eduarda que os aproxima e que os há-de destruir. E neste
aspecto a intriga escapa aos postulados dos cânones da estética naturalista que submetia
todos os processos a um feroz racionalismo.
O Destino compraz-se, assiste, atento e ciumento, à felicidade do par amoroso e,
quando nada o fazia prever, aparece abertamente, enviando o seu mensageiro na pessoa do
sr. Guimarães.
4 – Indícios da tragédia
A intriga principal tem uma estrutura trágica, assemelhando-se o seu desenvolvimento
ao de uma tragédia clássica. É fácil identificar nela os três momentos essenciais de uma
tragédia: a “peripécia” – mutação súbita dos acontecimentos, no seu contrário -, a
“anagnórise” (reconhecimento) – a revelação de um dado novo -, e a “catástrofe” – desenlace
com morte.
A peripécia verificou-se com as revelações de Guimarães a Ega sobre a identidade de
Maria Eduarda; o reconhecimento, acarretado pelas revelações de Guimarães, muda as
relações entre Carlos e Maria Eduarda em relações incestuosas, provocando a catástrofe
consumada pela morte do avô e a separação definitiva dos dois amantes.
Que a intriga era trágica, já o vinham anunciando inúmeros presságios de desgraça.
A primeira série de indícios, mais e vagos e gerais, será relacionada com a própria
família dos Maias, uma família perseguida pela fatalidade que, quase no início da obra é
consciencializada no medo supersticioso do procurador Vilaça, ao referir a lenda do
Ramalhete:
«… aludia a uma lenda, segundo a qual eram sempre fatais aos Maias as paredes do
Ramalhete…»
Pedro submete-se a esse destino trágico que o separa e o lança nos braços de Maria
Monforte que, com a sua fuga, o conduz ao suicídio. O próprio Carlos, educado num ambiente
saudável de positivismo, não escapa à influência da onda trágica que vem envolvendo a
família. Ega, ironizando, profetiza-lhe – tal com Don Juan – um fim trágico:
«… e há-de vir a acabar desgraçadamente como ele, numa tragédia infernal…»
«Ah, monsieur – exclamou a vasta ministra da Baviera, furiosa – méfieaz-vous… Vous
connaissez le proverbe; herreux au jeu…» (cap. VIII)
O facto de Carlos ter ganho o prémio das apostas, nas Corridas de Cavalos, leva a
ministra da Baviera, com mau perder, a fazer referência ao ditado popular «Sorte ao jogo, azar
ao amor». Este provérbio deixa adivinhar que Carlos não será feliz nas relações amorosas, já
que teve sorte ao jogo.
«… sobre uma estante ao lado, cheio de partituras de músicas, de jornais abertos,
pousava um vasto vaso do Japão onde murchavam três belos lírios brancos…» (cap. XI)
«Para perceber este caso, de um carácter nobre apanhado dentro de uma implacável
rede de fatalidades, seria necessário um espírito mais dúctil, mais mundano que o do avô… O
velho Afonso era um bloco de granito: não se podiam esperar dele as subtis discriminações de
casuísta moderno.» (cap. XV)
«Mas Maria Eduarda não gostou destes amarelos excessivos. Depois impressionou-se,
ao reparar num painel antigo, defumado, ressaltando em negro do fundo de todo aquele oiro
– onde apenas se distinguia uma cabeça degolada, lívida, gelada no seu sangue, dentro de um
prato de cobre. E para maior excentricidade, a um canto, de cima de uma coluna de carvalho,
uma enorme coruja empalhada fixava no leito de amor, com ar de meditação sinistra, os seus
dois olhos redondos e agoirentos…» (cap. XIII)
«- Há três anos, quando o sr. Afonso me encomendou aqui as primeiras obras, lembrei-
lhe eu que, segundo uma antiga lenda, eram sempre fatais aos Maias as paredes do
Ramalhete. O sr. Afonso da Maia riu de agouros e lendas… Pois fatais foram!» (cap. XVII)
De facto, tudo parece condenar a ligação dos dois amantes: a sociedade, o pretenso
marido de Maria Eduarda, a revelação da mentira, o «puritanismo» de Afonso e a própria
consciência dos dois amantes.
Logo aquando de um dos primeiros encontros na Rua de S. Francisco, Maria Eduarda
afirma ser portuguesa, mas recusa-se a falar do seu passado.
Carlos encontra em Maria Eduarda semelhanças com o avô.
«Foi um encanto para Carlos quando Maria o associou às suas caridades, pedindo-lhe
para ir ver a irmã da sua engomadeira, que tinha reumatismo, e o filho da srª Augusta, a velha
do patamar, que estava tísico. Carlos cumpria esses encargos com o fervor de acções
religiosas. E nestas piedades achava-lhe semelhanças com o avô.» (cap. XI)
Ela, por sua vez, refere-se à parecença dele com a sua mãe. Maria Eduarda «nascera»
em Viena; Carlos sabia da «morte» da mãe e da irmã também em Viena.
A propósito da «hipotética morte» da filha de Pedro e Maria Monforte, facilmente se
verifica que o leitor é induzido em erro e levado a pensar que essa criança morreu. Contudo, se
o leitor estiver atento, facilmente chegará à conclusão de que a criança morta não é a filha de
Maria Monforte e de Pedro, senão comparemos as descrições das respectivas crianças:
Filha de Pedro e Maria Monforte Filha de Maria Monforte, que morrera em
Londres
«… linda bebé, muito gorda loura e cor de
rosa com os belos olhos negros dos Maias…»
«… adorável retrato de criança… um cabelo
de azeviche… palidez de nácar… olhos
negros…»
A filha que morrera em Londres não poderia ser a filha de Pedro e Maria, porque essa
era loura, enquanto a outra tinha cabelos negros, como se poderá verificar através das
expressões em destaque.
É ainda extraordinária a semelhança existente entre Maria Monforte e Maria Eduarda,
parecendo que uma é a «cópia» da outra, o que irá de encontro à tese naturalista, igualmente
explorada na obra. Essa semelhança poderá ser facilmente confirmada através do paralelismo
que a seguir se apresenta. De salientar que, além das semelhanças físicas por demais
evidentes, o narrador foi ainda mais longe, tendo usado frequentemente expressões iguais (as
que se encontram em destaque) ou sinonímicas.
Maria Monforte Maria Eduarda
«… senhora loura…» «… senhora alta, loura…»
«… cabelos louros, de um ouro fulvo…» «… Reflexos de cabelos de ouro…»
«… carnação de mármore…» «… linhas ricas de mármore antigo…»
«… magnífica criatura…» «… maravilhosamente bem feita…»
«… resplandecente de jóias…» «… jóia exagerada de cocotte…»
«… vivia num ninho de sedas azul-ferrete…» «… luxo secreto e raro de rendas…»
«… um monte de meias de seda…»
«… carnação ebúrnea…» «… carnação ebúrnea…»
«… Juno loura…» «… seus esplêndidos braços de Juno…»
«… testa curta e clássica…»
«… perfil grave de estátua…»
«… imortal e superior à Terra…»
«… ideal de Renascença…»
«… esplendor de uma Ceres…»
«… ar castro e forte…»
«… imagem… de uma deusa…»
«… brilhante deusa…»
«… passo soberano de deusa…»
«… olhos maravilhosos…» «… negro profundo de dois olhos…»
De destacar ainda a importância dos nomes das personagens: Maria Eduarda Runa,
Maria Eduarda e Carlos Eduardo.
«…Maria Eduarda! Era a primeira vez que Carlos ouvia o nome dela; e pareceu-lhe
perfeito, condizendo bem com a sua beleza e serenidade. Maria Eduarda, Carlos Eduardo…
Havia uma similitude nos seus nomes. Quem sabe se não pressagiava a concordância dos seus
destinos…»
Recuando um pouco na história dos Maias, recordaremos a relação doentia entre
Pedro da Maia e a sua mãe Maria Eduarda Runa. Como consequência dessa relação doentia
nada mais natural do que Pedro querer prestar um tributo à falecida mãe e dar aos seus filhos
o nome da avó (Eduarda). O próprio narrador vai mais longe adiantando a possibilidade de
«concordância dos destinos» de Carlos e Eduarda.
As afinidades entre as duas personagens vão ao pormenor de ambas terem atribuído o
mesmo nome a duas cadelinhas que tiveram.
«… Carlos achava lindo este nome de Niniche. E era curioso, tinha tido uma galguinha
italiana que se chamava Niniche…»
Ao que parece, tudo se conjuga para aproximar as duas personagens de um modo
absolutamente inevitável, como se uma força misteriosa os atraísse irremediavelmente. Ou
então, talvez essa aproximação seja um indício da verdadeira identidade de Maria Eduarda.
O SUBTÍTULO – EPISÓDIOS DA VIDA ROMÂNTICA
A CRÓNICA DE COSTUMES
OS FIGURANTES DE OS MAIAS
Ao subtitular o seu romance, Eça apontou, desde logo, um objectivo de alcance
estrutural e social: a interligação da acção principal com uma sucessão de acontecimentos de
âmbito social que proporcionam a radiografia da sociedade lisboeta e, por extensão, de
Portugal da segunda metade do século XIX.
Cruges:
Talento não
reconhecido
Rufino:
Oratória
«balofa»
Sousa Neto:
Administra-
cão Pública
Conde de
Gouvarinho:
Política
Dâmaso:
Corrupção/
Decadência
moral
Mulheres da
sociedade;
Mulher
portuguesa
Steinbroken/
filho do Sousa
Neto:
Diplomacia
Palma
«Cavalão»/
Neves:
Jornalismo
Cohen: Alta
Finança
Eusébio:
Educação
Portuguesa
Craft:
Aristocracia
Inglesa
Alencar/ Ega:
Literatura
Portuguesa
SOCIEDADE
PORTUGUE-
SA
Os Maias são, superficialmente, um fresco caricatural da sociedade portuguesa do
século XIX em forma de crónica de costumes, com fortes características de romance
folhetinesco.
O aspecto maior da crónica de costumes é a crítica social corporizada em tipos sociais,
representantes esteriotipados de mentalidades, estéticas, costumes, políticas, etc. Estes tipos
sociais movem-se no espaço citadino de Lisboa, porque esta é o microcosmos que representa
o macrocosmos: Portugal. Ega afirma: «Lisboa é Portugal».
Ao longo do livro pululam personagens tipificadas às quais é atribuída uma função de
representantes de um grupo, profissão, defeito, ou tendência que o autor pretende esclarecer,
satirizar, destruir, através da crítica. Estes «tipos» vão surgindo em cenas, quadros, esboços de
acontecimentos que, embora relacionados com a linha narrativa da acção principal, dela se
afastam, contribuindo para o aprofundamento e complexidade da obra. A apresentação dessas
personagens não é feita de uma maneira línea.
Os Episódios da Vida Romântica constituem «flagrantes» da vida portuguesa, onde
estão representados os defeitos caracterizadores da sociedade da segunda metade do século
XIX, em múltiplos aspectos, através de figurantes.
Nos episódios observam-se as acções, as atitudes e os comportamentos do
protagonista da intriga principal – Carlos da Maia – e dos figurantes, representantes de
diferentes aspectos da sociedade portuguesa da segunda metade do século XIX.
Trata-se de uma tela viva, onde se movimentam figuras da elite portuguesa,
pertencentes a diversos sectores (Finanças, Política, Diplomacia, Administração Pública,
Jornalismo, Literatura, Aristocracia).
O leitor é conduzido por Carlos da Maia aos diversos locais frequentados pelos mais
importantes do Reino e, através do seu olhar, acede ao retrato desse Portugal medíocre,
apático, atrasado, provinciano em que, por vezes, situações e personagens atingem a categoria
de caricatura.
O narrador critica, ironiza e deforma em excesso um ou vários traços caracterizadores
da Nação, exprimindo, deste modo, a necessidade urgente de reformar os hábitos, os
costumes e sobretudo a mentalidade de uma gente tão tacanha, tão limitada, tão ridícula.
O romance Os Maias denuncia os vícios da Pátria para a qual Eça de Queirós olhava do
exterior. De facto, o afastamento de Portugal, por razões profissionais, possibilitava-lhe a
análise objectiva, por vezes impiedosa, de uma sociedade ridícula, decadente, tão distanciada
da civilização estrangeira que ele tão bem conhecia.
EPISÓDIOS
Jantar no Hotel
Central
(cap. VI)
Corridas de
Cavalos no
Hipódromo
(Cap. X)
Chás e jantar
em casa do
Conde de
Gouvarinho
(cap.s X e XII)
No jornal A
Tarde
(cap. XV)
Sarau no
Teatro da
Trindade
(cap. XVI)
Passeio final
de Carlos e Ega
(cap. XVIII)
OS EPISÓDIOS MAIS IMPORTANTES
1 - O EPISÓDIO DO JANTAR NO HOTEL CENTRAL (CAP. VI)
OBJECTIVOS:
- homenagear o banqueiro Jacob Cohen;
- proporcionar a Carlos um primeiro contacto com o meio lisboeta;
- apresentar a visão crítica de alguns problemas:
- proporcionar a Carlos a visão de Maria Eduarda.
INTERVENIENTES:
- João da Ega, promotor da homenagem e representante do Realismo/ Naturalismo;
- Cohen, o homenageado, representante das Finanças;
- Tomás de Alencar, o poeta ultra-romântico;
- Dâmaso Salcede, o novo-rico, representante dos vícios do novo-riquismo burguês;
- Carlos da Maia, o médico e o observador crítico;
- Craft, representante da cultura artística e britânica.
TEMAS DISCUTIDOS
A LITERATURA E A CRÍTICA LITERÁRIA
Tomás de Alencar:
- opositor do Realismo/ Naturalismo;
- Incoerente: condena no presente o que cantara no passado –
o estudo dos vícios da sociedade;
- Falso moralista: refugia-se na mora,, por não ter arma de
defesa: acha o realismo/ naturalismo i moral;
- Desfasado do seu tempo;
- Defensor da crítica literária de natureza académica:
preocupado com aspectos formais em detrimento da dimensão
temática; preocupado com o plágio.
João da Ega
- Defensor do Realismo/
Naturalismo;
- Exagera, defendendo o
cientificismo na literatura;
- Não distingue Ciência e Literatura.
Carlos e Craft
- Recusam o ultra-romantismo de Alencar;
- Recusam o exagero de Ega;
- Carlos acha intoleráveis os ares científicos do realismo;
- Carlos defende que os caracteres se manifestam pela acção;
- Craft defende a arte como idealização do que há de melhor na
natureza;
- Craft defende a arte pela arte
O narrador
- Recusa o ultra-romantismo de
Alencar;
- Recusa a distorção do Naturalismo
contido nas afirmações de Ega;
- Afirma uma estética próxima de
Craft: «estilos novos, tão preciosos e
tão dúcteis» - tendência parnasiana
AS FINANÇAS
- O país tem absoluta necessidade dos empréstimos ao estrangeiro;
- Cohen é calculista e cínico: tendo responsabilidades pelo cargo que desempenha, lava as mãos e
afirma alegremente que o país vai direitinho para a bancarrota.
A HISTÓRIA E A POLÍTICA
João da Ega
- Aplaude as afirmações de Cohen;
- Delira com a bancarrota como determinante da
agitação revolucionária;
- Defende a invasão espanhola;
- Defende o afastamento violento da Monarquia;
- Aplaude a instalação da República;
Tomás de Alencar
- Teme a invasão espanhola: é um perigo para a
independência nacional;
- Defende o romantismo político: uma república
governada por génios; a fraternização dos povos;
- Esquece o adormecimento geral do país.
- A raça portuguesa é a mais covarde e miserável
da Europa;
- «Lisboa é Portugal! Fora de Lisboa não há
nada.».
Jacob Cohen
- Há gente séria nas camadas políticas dirigentes;
- Ega é um exagerado.
Dâmaso Salcede
- Se acontecesse a invasão espanhola, ele
«raspava-se» para Paris;
- Toda a gente fugiria como uma lebre.
CONCLUSÕES A TIRAR:
• Falta de personalidade;
- Alencar muda de opinião quando Cohen o pretende;
- Ega muda de opinião quando Cohen quer;
- Dâmaso, cuja divisa é «Sou Forte», aponta o caminho fácil da fuga.
• Incoerência: Alencar e Ega chegam a vias de facto e, momentos depois, abraçam-
se como se nada tivesse acontecido.
• Acima de tudo: a falta de cultura e de civismo domina as classes mais destacadas,
salvo Carlos e Craft.
2 - AS CORRIDAS DE CAVALOS (CAP. X)
OBJECTIVOS:
- Novo contacto de Carlos com a alta sociedade lisboeta, incluindo o próprio rei;
- Visão panorâmica dessa sociedade (masculina e feminina) sob o olhar crítico de
Carlos;
- Tentativa frustrada de igualar Lisboa às capitais europeias, sobretudo Paris;
- Cosmopolitismo (postiço) da sociedade;
- Possibilidade de Carlos encontrar aquela figura feminina que viu à entrada do Hotel
Central.
AS CORRIDAS:
- 1ª Corrida: a do prémio dos «Produtos»;
- 2ª Corrida: a do Grande Prémio Nacional;
- 3ª Corrida: a do Prémio de El-Rei;
- 4ª Corrida: a do Prémio de Consolação.
VISÃO CARICATURAL:
• O hipódromo parecia um palanque de arraial;
• As pessoas não sabiam ocupar os seus lugares;
• As senhoras traziam «vestidos sérios de missa»;
• O bufete tinha um aspecto nojento;
• A 1ª Corrida terminou numa cena de pancadaria;
• As 3ª e 4ª Corridas terminaram grotescamente.
CONCLUSÕES A TIRAR:
• Fracasso total dos objectivos das corridas;
• Radiografia perfeita do atraso da sociedade lisboeta;
• O verniz de civilização estalou completamente;
• A sorte de Carlos, ganhando todas as apostas, é indício de futura desgraça.
3 - O JANTAR DOS GOUVARINHOS
OBJECTIVOS:
- Reunir a alta burguesia e aristocracia;
- Reunir a camada dirigente do país;
- Radiografar a ignorância das classes dirigentes.
ALVOS VISADOS
CONDE DE GOUVARINHO:
- Voltado para o passado;
- Tem lapsos de memória;
- Comenta muito desfavoravelmente as
mulheres;
- Revela uma visível falta de cultura;
- Não acaba nenhum assunto;
- Não compreende a ironia sarcástica do Ega;
- Vai ser ministro.
SOUSA NETO:
- Acompanha as conversas sem intervir;
- Desconhece o sociólogo Proudhon;
- Defende a imitação do estrangeiro;
- Não entra nas discussões;
- Acata todas as opiniões alheias, mesmo
absurdas;
- defende a literatura de folhetins, de cordel;
- É deputado.
CONCLUSÕES A TIRAR:
• Superficialidade dos juízos dos mais destacados funcionários do Estado;
• Incapacidade de diálogo por manifesta falta de cultura.
4 - A IMPRENSA (CAP. XV)
OBJECTIVOS:
- Passar em revista a situação do jornalismo nacional;
- Confrontar o nível dos jornais com a situação do país.
JORNAIS ATINGIDOS
A «CORNETA DO DIABO»
- O director é o Palma «Cavalão», um imoral;
- A redacção é um antro de porcaria;
- Publica um artigo contra Carlos mediante
dinheiro;
- Vende a tiragem do número do jornal onde
saíra o artigo;
- Publica folhetinzinhos debaixo nível.
«A TARDE»
- O director é o deputado Neves;
- Recusa publicar a carta de retractação de
Dâmaso porque o confunde com um seu
correligionário;
- Desfeito o engano, serve-se da mesma carta
como meio de vingança contra o inimigo
político;
- Só publica artigos ou textos dos seus
correligionários políticos.
CONCLUSÕES A TIRAR:
• Baixo nível;
• A intriga suja;
• O compadrio político;
• Tais jornais, tal país.
5 - O SARAU DA TRINDADE (CAP. XVI)
OBJECTIVOS:
- Ajudar as vítimas das inundações do Ribatejo;
- Apresentar um tema querido da sociedade lisboeta: a oratória;
- Reunir novamente as várias camadas das classes mais destacadas, incluindo a família
real;
- Criticar o ultra-romantismo que encharcava o público;
- Contrastar a festa com a tragédia
OS ORADORES
RUFINO:
- O bacharel transmontano;
- O tema do Anjo da Esmola;
- O desfasamento entre a realidade e o
discurso;
- A falta de originalidade;
- O recurso a lugares-comuns;
- A retórica oca e balofa;
- A aclamação por parte do público tocado no
seu sentimentalismo.
ALENCAR:
- O poeta ultra-romântico
- O tema da Democracia Romântica;
- O desfasamento entre a realidade e o
discurso;
- O excessivo lirismo carregado de conotações
sociais;
- A exploração do público seduzido por
excessos estéticos estereotipados;
- A aclamação do público.
CONCLUSÕES A TIRAR:
• As classes dirigentes alheadas da realidade;
• Uma sociedade deformada pelos excessos líricos do Ultra-Romantismo;
• Tal oratória, tal país.
6 - O EPISÓDIO FINAL: O PASSEIO DE CARLOS E EGA (CAP. XVIII)
O último capítulo funciona como o epílogo do romance, dez anos depois de acabada a
intriga. O passeio final de Carlos e Ega em Lisboa ocorre dez anos depois dos episódios até
agora analisados. É semelhante aos outros nos objectivos críticos e diferente porque tem uma
dimensão ideológica e o processo de representação é de carácter simbólico. Os espaços
percorridos estão impregnados de conotações históricas e ideológicas.
Os espaços percorridos por Carlos e Ega podem agrupar-se em três conjuntos: o
primeiro domina a estátua de Camões que, triste, evoca o passado glorioso da epopeia
portuguesa (anterior a 1580) e desperta um sentimento de nostalgia. Com efeito encontra-se
perdida e envolvida por uma atmosfera de estagnação. No segundo, dominam aspectos
ligados a Portugal absolutista (anterior a 1820): é a parte antiga da cidade. Embora recusado
este tempo pela perspectiva de Carlos, não deixa de manifestar uma autenticidade nacional,
destruída pelo presente afrancesado e decadente. No terceiro domina o presente (o tempo da
Regeneração, a partir de 1851), tempo da decadência, do fracasso da restauração, da
destruição. As tentativas de recuperação não mobilizaram o país, quer porque de alcance
muito restrito (caso do monumento dos Restauradores), quer porque imitações erradas de
modelos culturais alheios (caso do francesismo).
O Ramalhete integra-se neste conjunto no sentido em que, atingido pela destruição e
pelo abandono, pode funcionar como sinédoque da cidade e do país, retirada a dimensão
individual.
Em conclusão, o plano da crónica de costumes, que constitui o espaço social de Os Maias,
possibilitou um exame profundamente crítico da alta sociedade lisboeta da segunda metade
do século XIX. Este espaço social será também precioso para detectarmos algumas
coordenadas da estética naturalista.
ENTRADA DAS PERSONAGENS EM CENA
À volta de cada uma das personagens-centro das gerações tratadas no livro desenha-
se uma série de figuras representativas de classes, grupos sociais, tendências, vícios e virtudes
nacionais.
Caetano da Maia Esposa; frei Jerónimo da Conceição; Fanny;
primas Cunhas; brigadeiro Sena; D. Miguel…
Afonso da Maia Maria Eduarda Runa; absolutistas/ liberais;
Vilaça; condessa de Runa; abade; D. Ana
Silveira; D. Eugénia; o doutor delegado;
Carlos; Conde de Steinbroken; Marquês de
Souselas; D. Diogo; Sequeira; Taveira…
Pedro da Maia Alencar; Taveira; Maria Monforte,
napolitano…
Carlos da Maia Ega; Eusebiozinho; Condes de Gouvarinho;
Cohen; Dâmaso; Teles da gama; Cruges; Craft;
Taveira…
Estes tipos vão surgindo, lenta e naturalmente, em pequenas «cenas» que reflectem
aspectos da vida social, servindo o propósito crítico do autor.
De uma maneira geral, as situações criadas obedecem à seguinte orientação comum:
- integração num ambiente de interior;
- focalização sobre uma figura ou grupo relativamente homogéneo;
- preestabelecimento da teoria ou princípio a discutir;
- multiplicidade de pontos de vista, visando uma imagem o mais completa possível;
- distribuição organizada de modo a permitir o tratamento de temas inerentes à
organização e vivência sociais: arte, literatura, política, desporto, jornalismo, educação…
Cada um destes temas vai-se consolidando ao longo da obra por diversos
aparecimentos, discretos em algumas cenas, atingindo por vezes uma maior grau de
desenvolvimento em determinado quadro que lhe parece ser destinado.
A TIPIFICAÇÃO DAS PERSONAGENS
Eça dá-nos tipos sociais (não individualidades), que requerem ser apresentados nos
diversos e particulares espaços sociais em que actuam. O escritor apresenta uma visão da
sociedade do seu tempo, onde a classe burguesa ocupa um espaço predominante.
Por sua vez, esta composição global da sociedade portuguesa é limitada, uma vez que
se centra apenas em Lisboa, ou quase só em Lisboa (resumo de todo o país).
Os vários quadros de representação social surgem como zonas de irradiação de um
núcleo espacial permanente: o Ramalhete, local de onde partem e onde regressam os
principais elementos de uma elite intelectual.
Verifica-se que:
- As personagens são apresentadas em estruturas sociais de grupo – jantares, soirées,
bailes, chás, espectáculos – onde a participação dos seus frequentadores é particularmente
activa e dialogante (domínio da caracterização indirecta);
- Tais reuniões têm um carácter acentuadamente convencional e mundano (menos o
Ramalhete) e as pessoas a elas assíduas, pela «toilette» de circunstância, pela palavra e
medida, pela pose necessária, actuam mais de jeito de representação do que de expressão
vital;
- Os locais onde os citados ajuntamentos se efectuam correspondem a áreas fechadas
(até mesmo o hipódromo);
- As instituições, classes e grupos sociais da vida portuguesa do tempo vão sendo
criticadas em quadros sucessivos, através de figuras típicas, representativas das mesmas
instituições, classes e grupos; para fechar a série, o autor organiza um quadro final mais
amplo, onde se reúne um grande grupo de figurantes já apresentados individualmente nos
quadros anteriores e que completam a panorâmica social (Sarau da Trindade);
- Eça dá-nos ainda um quadro geral de remate, o último, correspondente à descrição
da cidade de Lisboa (país), feita quando da visita de Carlos a Lisboa, 10 anos depois da sua
instalação para sempre em França. Este quadro serve de suporte à tese de Eça: concorrência
inoperante da acção de uma burguesia tacanha que governa mal e do ócio de uma elite
diletante que se mostra incapaz de governar. O final da obra faz adivinhar um futuro que, tudo
leva a crer, confirmará a degenerescência do presente, onde já nem se divisa a promessa de
uma nova elite com planos de acção, de qualquer projecto de renovação para o país. O
pessimismo desta visão final da sociedade portuguesa, que fecha Os Maias, corresponde em
parte à falência dos ideais de intervenção da própria geração de 70.
- O caso do Eusebiozinho
Fatalmente predestinado a um fracasso existencial pelo autor que, de início, o concebe
como grotesca criatura – produto de um meio ignorante e malicioso -º, a personagem não
escapa a estes limites. Como acontece à maior parte das personagens em Os Maias, o seu
fracasso afirma-se a dois níveis diferentes:
1 – No plano afectivo: recolhido às saias da mãe, considerando suprema ventura poder
dormir com ela, sempre molengão e tristonho, cada na Régua e cedo fica viúvo, aparece
fúnebre, macambúzio, procurando esconder as suas relações com uma prostituta espanhola;
novamente casado é derreado pela mulher à pancada;
2 – No plano sócio-profossional: todos os projectos da personagem, ou melhor, as
ambições que outrem tivera por ele, estão igualmente condenadas ao fracasso. O prometido
bacharel, o menino prodígio, de nariz sempre enfronhado nos livros, torna-se um reles
politiqueiro de baixa categoria, comprometendo a sua dignidade na questão suja do artigo da
«Corneta do Diabo».
Eusebiozinho surge estaticamente em vários quadros ou através de referências breves
e esporádicas do autor ou algumas das suas personagens. Não actua. Parece cumpri apenas a
função de antemão delineada de tipo-representante de erros hereditários e sociais.
A EDUCAÇÃO EM OS MAIAS
Eusebiozinho, juntamente com Pedrinho e Carlos, serve para ilustrar a educação que
se ministrava em Portugal nos finais do século XIX. De um lado, temos Eusébio e Pedro, que
vão receber a educação tradicional portuguesa, do outro lado, temos Carlos, que recebe uma
educação moderna (britânica). A tese que se pretende provar é que a educação é um factor
determinante na formação/ deformação, no sucesso/ insucesso do indivíduo.
Educação Tradicional Portuguesa Educação moderna britânica
- baseia-se na memorização simples de
conteúdos sem fins práticos;
- baseia-se na explicitação/ compreensão do
mundo que nos rodeia;
- estudam-se os autores clássicos; - estudam-se os autores actuais;
- estuda-se uma língua morta – o latim; - estuda-se uma língua viva – o inglês;
- educação religiosa austera; - educação religiosa ausente/ inexistente;
- super-protecção do indivíduo: anda ao colo
da/s criada/s/ titi/ mamã; dorme
acompanhado e com a lamparina acesa;
sempre abafado em casacos e mantas; não
sai de casa; não se pratica qualquer
actividade física;
- educação rígida: dorme sozinho e de luz
apagada; adormece e acorda cedo e a horas
certas; toma banhos de água fria; brinca na
rua, apanha sol/ chuva; corre, salta, rema, faz
ginástica; rigor na alimentação, a horas certas
e criteriosamente seleccionada;
- Inibe-se a vontade própria do indivíduo; - desenvolve-se o espírito crítico e de
iniciativa;
- Inexistência da preocupação com a cultura
física;
- preocupação em desenvolver o indivíduo
fisicamente;
- os progenitores decidem qual o destino da
criança.
- a criança toma decisões sobre o seu futuro.
Mediante estes dois tipos de educação tão contrários, é lógico que as expectativas são
completamente diferentes. Em relação ao primeiro modelo (educação tradicional portuguesa),
as expectativas são negativas. À partida, o indivíduo assim educado está condenado ao
fracasso, que é uma consequência praticamente inevitável. Daí se entender o resultado final
de Pedro (suicida-se) e de Eusébio (é obrigado a casar com uma mulher que lhe dá valentes
tareias).
Já em relação ao segundo modelo (educação moderna britânica), espera-se que o
indivíduo alcance o sucesso desejado. Contudo, Carlos acaba também por fracassar. Todos os
seus projectos caem por terra (abandona o consultório, abandona o laboratório, abandona o
projecto de escrever um livro sobre medicina, abandona o ideal de fazer alguma coisa para
tirar o país da mediocridade a que estava votado).
Igualmente no plano afectivo o fracasso é total. Depois da tragédia que se abate sobre
a família, Carlos desiste de viver e desiste de amar.
Carlos fracassa ainda como ser humano. O homem que surge, após a descoberta da
verdade identidade de Maria Eduarda, é um ser fragilizado, sem dignidade, sem honra, um ser
monstruoso e repugnante. É pensando apenas em si, agindo de modo egoísta, que Carlos
revela brutalmente a seu avô a verdade sobre Maria Eduarda, sem pensar sequer no
sofrimento daquele homem já bastante velho e maltratado pela vida.
Carlos é um homem que se deixa dominar completamente pelo coração, pelos
sentidos e pelas sensações, incapaz de enfrentar uma situação difícil. Não tem pejo em voltar a
cometer o incesto, mas já de uma forma perfeitamente consciente, e não uma vez, mas duas.
Finalmente, é um cobarde, que foge para Santa Olávia, deixando a Ega a delicada missão de
revelar toda a verdade a Maria Eduarda. É um heróis fraco e com «pés de barro».
Porque fracassa Carlos?
Pedro fracassou por causa da educação, mas Carlos fracassou apesar da educação.
Não podemos esquecer que Carlos é um português. A educação britânica não é
suficiente para o tornar diferente do resto dos portugueses. A verdade é que ele, devido á sua
personalidade latina, ao típico sentimentalismo, ao espírito pouco prático, à alma romântica,
ao gosto pelos «vocabulário mavioso» está condenado a ser mais um «vencido da vida».
A própria sociedade onde o indivíduo se insere é também responsável por esse
fracasso. Quem compreenderia Cruges, se ele compusesse uma ópera? Quem entenderia Ega,
se ele escrevesse uma obra-prima? Quem seria capaz de entender Carlos, se ele fizesse um
estudo apurado sobre a medicina? NINGUÉM!
Além disso, não se pode esquecer a força do destino, que parece perseguir a família
dos Maias e condena Carlos a um final trágico.
A LINGUAGEM SIMBÓLICA
O símbolo “é uma palavra, uma frase ou qualquer outra forma de expressão
à qual se associa um complexo de significados; neste sentido, considera-se que o símbolo tem
valores diferentes dos daquilo que é simbolizado” (Harry Shaw, Dicionário de Termos
Literários)
Em Os Maias, os símbolos estão presentes ao longo de toda a obra. Observemos
alguns:
RAMALHETE
«O nome Ramalhete provinha de certo de um revestimento quadrado de azulejos (…)
representando um grande ramo de girassóis» (cap. I)
Simbolismo: nobreza rural, ligação de família à terra
Quintal do Ramalhete:
1ª descrição: «um pobre quintal inculto, abandonado às ervas bravas com um cipreste,
um cedro, uma cascatazinha seca, um tanque entulhado, e uma estátua de mármore (onde
Monsenhor reconheceu logo Vénus de Citereia) enegrecendo a um canto na lenta humidade
das ramagens silvestres» (cap.I)
2ª descrição: «seu quintalejo (…) tinha o ar simpático com os seus girassóis perfilados
ao pé dos degraus do terraço, o cipreste e o cedro envelhecendo juntos como dois amigos
tristes, e a Vénus Citereia parecendo agora, no seu tom claro de estátua de parque, ter
chegado de Versalhes, do fundo do grande século… E desde que a água abundava a
cascatazinha era deliciosa (…) com os seus pedregulhos arranjados em despenhadeiro
bucólico» (cap.I)
3ª descrição: «em baixo o jardim, bem areado, limpo e frio na sua nudez de Inverno,
tinha a melancolia de um retiro esquecido, que já ninguém ama, uma ferrugem verde de
humidade, cobria os grossos membros de Vénus Citereia; i cipreste e o cedro envelheciam
juntos como dois amigos num ermo: e mais lento corria o prantozinho da cascata» (cap. XVIII)
SIMBOLISMO
QUINTAL
JARDIM
1ª descrição:
Tristeza
decadência
Decadência
2ª descrição:
Alegria
Recuperação
3ª descrição:
Morte
Esquecimento
VÉNUS
DE CITEREIA
1ª descrição:
Visão negativa da mulher
(Maria Monforte)
2ª descrição:
Visão positiva da mulher
(Maria Eduarda)
3ª descrição:
Corresponde à visão de
Carlos no último encontro
com Maria Eduarda
CIPRESTE
E CEDRO
1ª descrição:
Valor intemporal da
amizade incorruptível
2ª descrição:
Valor intemporal da
amizade incorruptível
3ª descrição:
Valor intemporal da
amizade incorruptível
Os móveis do escritório de Afonso
«Todos os móveis do escritório do avô desapareciam sob os largos sudários brancos.»
(cap. XVIII)
Nos diversos símbolos destacados não é difícil lermos o percurso da família dos Maias.
Desde o início, desabitado, quando Afonso vive no retiro de santa Olávia, o Ramalhete não tem
vida: em seguida, habitado, preparado para receber Carlos, torna-se símbolo da esperança e
da vida: a estátua e a cascata transformam-se. É como que um renascimento; finalmente, a
tragédia bate-se sobre a família e eis a cascata chorando, esfiando as últimas gotas de água, a
estátua coberta de ferrugem. Tudo aponta para um carácter funéreo, uma espécie de
cemitério areado e limpo, tendo como guardas o cipreste e o cedro – árvores que, pela sua
longevidade, significam a vida e a morte. Foram testemunhas das várias gerações dos Maias
que se foram.
Os móveis do escritório de Afonso estão cobertos de panos brancos que são
comparados a mortalhas com que se envolvem os cadáveres. A morte instala-se
definitivamente nesta família. E, se os Maias representarem Portugal, a morte instalou-se
neste país.
TOCA
«O melhor é baptizá-la definitivamente com o nome que nós lhe dávamos. Nós
chamávamos-lhe a Toca» (cap. XIII)
«só o meter a chave devagar e com uma inútil cautela na fechadura daquela morada
discreta, foi para Carlos um prazer» (cap. XIII)
«uma tarde, (…) experimentam ambos essa chave» (cap. XIV)
«Era uma alcova recebendo a claridade de uma sal forrada de tapeçarias, onde
desmaiavam, na trama de lã, os amores de Vénus e Marte» (cap. XIII)
Simbolismo: relação incestuosa entre irmãos
«painel antigo, defumado, ressaltando em negro do fundo de todo aquele oiro – onde
apenas se distinguia uma cabeça degolada, lívida, gelada no seu sangue, dentro de um prato
de cobre.» (cap. XIII)
Simbolismo: sacrifício de Afonso devido à relação incestuosa dos netos
«a um canto, de cima de uma coluna de carvalho uma enorme coruja empalhada
fixava no leito de amor, com um ar de meditação sinistra, os seus dois olhos redondos e
agoirentos…» (cap. XIII)
Simbolismo: tragédia, infelicidade, morte.
«o famoso armário, o “móvel divino” do Craft» (cap. XIII
«na base quatro guerreiros» (cap. XIII)
«a peça superior era guardada aos quatro cantos pelos quatro evangelistas» (cap. XIII)
«espigas, foices, cachos de uvas e rabiça de arados» (cap. XIII)
CASCATAZINHA
1ª descrição: ausência de
vida
2ª descrição: alegria
felicidade
3ª descrição: tristeza,
abandono, recordação
saudosa
«dois faunos, recostados em simetria, indiferentes aos heróis e aos santos» )cap. XIII)
«Mas o que mais agradou foram as faianças» (cap. III)
«era ao centro um ídolo japonês de bronze, um deus bestial» (cap. XIII)
Toca é o nome dado à habitação de certos animais, o que, desde logo, parece
simbolizar o carácter animalesco deste relacionamento amoroso. Carlos introduz a chave no
portão da Toca com todo o prazer, o que sugere não só o símbolo do poder, mas também o do
prazer das relações incestuosas (símbolo fálico); da segunda vez que se alude à chave, os dois
experimentam-na. É evidente que a chave se torna símbolo da mútua aceitação e entrega.
Os aposentos de Maria simbolizam o carácter trágico da sua relação, a profanação das
leis humanas e cristãs, a sensualidade pagã excessiva.
Os guerreiros simbolizam a heroicidade, os evangelistas, a religião e os troféus
agrícolas, o trabalho; qualidades que terão existido um dia nesta família (e em Portugal) e que
agora estão completamente arredados.
Os dois faunos simbolizam os dois amantes numa atitude hedonista e desprezadora de
tudo e de todos.
O ídolo japonês remete para a sensualidade exótica, heterodoxa, bestial desta ligação
incestuosa.
AS CORES (dominantes)
Vermelho
«ao lado de Maria com uma camélia escarlate na casada» (cap. I)
«aquela sombrinha escarlate (…) quase o envolvia, parecia envolvê-lo todo. Como uma
larga mancha de sangue» (cap. I)
«abria lentamente um grande leque negro pintado de flores vermelhas» (cap. XV)
«todas as cadeiras forradas de repes vermelhos» (cap. XI)
«transparentes novos de um escarlate estridente» (cap. VI)
Vermelho – sensualidade, paixão, consanguinidade, transgressão
A cor vermelha tem um carácter duplo: ora feminina e nocturna, de poder centrípeto,
ora masculina e feminina, de poder centrífugo. Maria Monforte e Maria Eduarda são
portadoras de um vermelho feminino, fogo que desencadeia a libido, despertando a
sensualidade à sua volta. Espalham também a morte. É que a paixão excessiva é destruidora.
Provoca o suicídio de Pedro, a morte de Afonso e o desejo da morte em Carlos. Os olhos
vermelhos do avô, caminhando para a morte, vararam Carlos de tal forma que este pensou
demoradamente na morte.
Verde – esperança, cor relacionada com a medicina, medicamentos; também pode
representar o sexo feminino
Amarelo – juventude, fertilidade; também pode anunciar declínio, abismo, morte
Dourado – poder, eternidade, amor, sabedoria
O tom amarelo e dourado está também omnipresente. O amarelo indica o carácter
ardente da paixão. É uma cor dupla: luz do ouro, de essência divina – e luz da terra, Verão e
Outono. No primeiro caso, é a cor dos deuses, veículo do poder, da juventude e da eternidade;
no segundo, é anunciadora da velhice, do Outono, da proximidade da morte. Morte
claramente prefigurada na cor negra, símbolo de uma paixão possessiva e destruidora.
Negro
«seus olhos muito negros» (cap. III)
«dois olhos maravilhosos irresistíveis» (cap. I)
Negro – morte, tristeza, sofrimento
Maria Monforte e Maria Eduarda, mãe e filha, conjugam estas três cores: cabelos de
ouro, olhos pretos e leque negro pintado de flores vermelhas, sombrinha escarlate. Elas são a
vida e a morte; o divino e o humano; a aparência e a realidade; a força que se torna fraqueza.
CARACTERIZAÇÃO DAS PERSONAGENS
PERSONAGENS DA INTRIGA
Afonso da Maia
«Afonso era um pouco baixo, maciço, de ombros quadrados e fortes: e com a sua face
larga de nariz aquilino, a pele corada, quase vermelha, o cabelo branco todo cortado à
escovinha, e a barba de neve aguda e longa» (cap. I)
Enquanto jovem, adere aos ideais do Liberalismo e é obrigado, pelo pai, a sair de casa.
Instala-se em Inglaterra, em casa de uma tia e aí vive no meio do conforto. Falecido o pai, volta
a Lisboa e casa com Maria Eduarda Runa, filha do conde de Runa. Vive muito para o neto
Carlos.
Já velho, passa o tempo em conversa com os amigos, lendo e emitindo juízos sobre a
necessidade de renovação do país. Morre de uma apoplexia quando tem conhecimento dos
amores incestuosos de seus netos, Carlos e Maria Eduarda.
É apresentado pelo narrador como o símbolo do velho Portugal, que contrasta com o
novo Portugal – o da Regeneração -, cheio de defeitos.
Era nobre, rico, ateu, de ideologia liberal, preconceituoso, austero, simpático, afável,
caridoso, culto.
Pedro da Maia
«O Pedrinho (…) ficara pequenino e nervoso como Maria Eduarda (…) a sua linda face
oval de um trigueiro cálido, os dois olhos maravilhosos e irresistíveis, prontos sempre a
humedecer-se, faziam-no assemelhar a um belo árabe (…) Era em tudo um fraco; e esse
abatimento contínuo de todo o seu ser resolvia-se a espaços em crises de melancolia negra,
que o traziam dias e dias mudo, murcho, amarelo, com as olheiras fundas e já velho. O seu
único sentimento vivo, intenso, até aí, fora a paixão pela mãe» (cap. I)
É o prolongamento físico e temperamental da mãe. É vítima do meio baixo lisboeta e
de uma educação retrógrada. Falha no casamento e falha como homem, suicidando-se.
Era instável, boémio, dado a crises de devoção.
Maria Monforte
Era bela, loira, «de um oiro fulvo», tinha a «testa curta e clássica: os olhos
maravilhosos iluminavam-na toda», «carnação de mármore», «perfil grave d estátua»,
elegante, esbelta, com toilettes excessivas «sempre decotada como em noites de gala»,
«resplandescente de jóias» (cap. I)
É sensual e vítima da literatura romântica. É uma desconhecida em Lisboa, mas causa
sensação pela sua beleza e pelo seu luxo. Pedro apaixona-se por esta mulher, com quem casa.
Foge com o napolitano Tancredo, levando consigo a filha Maria Eduarda e abandonando o
marido e o filho. Morto Tancredo num duelo, leva uma vida dissipada e morre quase na
miséria.
Era caprichosa, exigente, leviana e adúltera.
Carlos da Maia
«Era decerto um formoso e magnífico moço, alto, bem feito, de ombros largos, com
uma testa de mármore sob os anéis dos cabelos pretos e os olhos dos Maia, aqueles olhos
irresistíveis do pai, de um negro líquido, ternos como os dele e mais graves. Trazia a barba
toda, muito fina, castanho-escura, rente na face, aguçada no queixo – o que lhe dava, com o
bonito bigode arqueado aos cantos da boca, uma fisionomia de belo cavaleiro da Renascença.»
(cap. IV)
A narrativa, no que se refere a esta personagem, compreende as seguintes etapas: a
época da formação de Carlos (cap. III), os seus estudos em Coimbra (cap. IV), a vida social em
Lisboa e a sua intriga (cap.s IV – XVII), o seu regresso a Lisboa, não para se reinstalar, mas para
a apresentação de significados simbólicos e ideológicos (cap. XVIII).
Destacam-se, na sua personalidade, as características seguintes: homem viajado, culto,
de bom gosto, amante do luxo, cosmopolita, sensual, inteligente, diletante e dandy.
Falhou em parte devido ao meio onde se instalou – uma sociedade parasita, ociosa,
fútil, sem estímulos – e em parte devido a aspectos hereditários – a fraqueza e a cobardia do
pai, o egoísmo, a futilidade e o espírito boémio da mãe.
Maria Eduarda Maia
«Era uma senhora alta, loira, com meio véu muito apertado e muito escuro que
realçava o esplendor da sua carnação ebúrnea», «maravilhosamente bem feita, deixando atrás
de si como uma claridade, um reflexo de cabelos de oiro, e um aroma no ar.» (cap. VI)
Quem era esta «deusa»?
Até aos 16 anos viveu num colégio perto de Tours. Viveu depois em Paris, com o
irlandês Mac Green, de que teve a filha Rosa: Morto Mac Green na guerra contra os alemães,
conheceu o brasileiro Castro Gomes e, como esposa dele, chega a Lisboa. Esclarecida a sua
situação de amante de Castro Gomes e não de esposa, Carlos apaixona-se por Maria Eduarda.
Passam uma vida transitoriamente feliz. Guimarães destrói essa felicidade, apresentando os
documentos da sua verdadeira identidade. Parte para Paris e acaba por casar com Mr. Trelain,
casamento, segundo o ponto de vista de Carlos, de dois seres desiludidos. Pode dizer-se que é
vítima do meio pernicioso onde passa a infância, a adolescência e a juventude.
Culta, viajada, de bom gosto, mãe dedicada, caridosa, educada, sensual.
João da Ega
«Figura esgrouvinhada e seca», com «os pêlos do bigode arrebitados», «nariz adunco,
um quadrado de vidro entalado no olho direito» (cap. IV)
É a projecção literária de Eça de Queirós. É uma personagem contraditória: por um
lado, romântico e sentimental, por outro, progressista e crítica sarcástico do Portugal do
Constitucionalismo. Diletante, concebe grandes projectos literários que nunca chega a realizar.
Nos últimos capítulos, ocupa um papel de grande relevo no desenrolar da intriga. É a ela que
Guimarães entrega o cofre com os dados biográficos de Maria Eduarda. É ele que procura
Vilaça para lhe revelar a identidade de Maria Eduarda. Ele e Carlos revelam a novidade a
Afonso. É ele que revela a verdade a Maria Eduarda. É ainda ele que a acompanha ao comboio
e se despede, quando ela parte definitivamente para Paris.
Amigo íntimo de Carlos, estudante de Direito, original, ateu, demagogo, audaz,
revolucionário, boémio, satânico, rebelde, sentimental.
PERSONAGENS DA CRÓNICA DE COSTUMES
Eusebiozinho
Em criança: o morgadinho, uma «maravilha muito falada naqueles sítios» (Santa
Olávia), adoentado, macilento, «facezinha trombuda», «olhinhos vagos e azulados»,
«perninhas bambas», «vestido de escocês», apático, molengão, passivo, subornável,
melancólico. (cap. III)
Em adulto: «cabelo chato», «amarelado, despenteado, carregado de luto», «lunetas
pretas» (cap. VIII)
Viúvo, fúnebre, forreta, macambúzio.
Craft
Baixo, loiro, pele rosada e fresca, aparência fria, musculatura de atleta, vestido de
fraque, de educação britânica, modo calmo e plácido, excêntrico, viajado, rico, coleccionador
de obras de arte.
Steinbroken
Vestido de modo britânico, «olhar azul claro e frio», «cabelos de loiro de espiga»
Diplomata fino, grande entusiasta de Inglaterra, entendedor de vinhos, acrítico.
Cruges
Grenha crespa, olhinhos piscos, nariz espetado, melancólico, tímido, reservado, músico
talentoso.
Conde de Gouvarinho
Alto, de luneta de ouro, bigode encerado, pêra curta, «poseur», «um asno», «um
caloteiro», maçador, pequinhento, forreta, aborrecido, grosseiro, provinciano, voz lenta e
rotunda, desmemoriado, sem cultura histórica, deputado, pertencente ao Centro Progressista.
Condessa Gouvarinho
Trinta e três anos, «cabelos cor de brasa, «pele de cetim», «pé fino e comprido»,
«arzinho de provocação e de ataque», «aroma de verbena», requintada, burguesa adúltera e
frustrada.
Dâmaso
Rapaz baixote, gordo, bochechudo, cabelo frisado, ar provinciano, vestido de modo
ridículo, exibicionista, vaidoso, cobarde e grosseiro na expressão linguística.
Alencar
Muito alto, todo abotoado numa casaca preta, face escaveirada, nariz aquilino,
«longos, espessos, românticos bigodes grisalhos» (cap. VI), calvo na frente, grenha muito seca,
dentes estragados, teatral «em toda a sua pessoa havia alguma coisa de antiquado, de artificial
e de lúgubre» (cap. VI). Poeta ultra-romântico.
(Jacob) Cohen
Baixo, apurado, de olhos bonitos, suíças pretas e luzidias, mão com diamante, irónico,
irresponsável. Director do Banco Nacional.
Raquel Cohen
Trinta anos, alta, pálida, de saúde frágil, «cabelos negros ondeados, belos pesados», ar
lânguido, luneta de ouro presa por um fio de ouro, culta. Era considerada uma das primeiras
da elite portuguesa.
Palma «Cavalão»
Gordo, baixo, «sem pescoço», «com luneta de vidros grossos», «face larga, balofa e cor
de cidra», «face luzidia», «dedos moles e de unhas roídas» (cap. VIII), linguagem e modos
grosseiros, cobarde e materialista. Director do jornal Corneta do Diabo.
Neves
Palavroso, de grande vozeirão, grave, mal vestido, exibicionista, parcial, tendendioso,
oportunista, admirador do Conde de Gouvarinho, deputado, director do jornal A Tarde.
Sousa Neto
«Três enormes corais no peitilho da camisa», ignorante, apático, arrogante. Oficial
superior da Instrução Pública.
O TEMPO
1 - TEMPO HISTÓRICO
A Regeneração abrange aproximadamente o terceiro quartel do século. O
levantamento militar de Saldanha, em 1851, impõe o Acto Adicional à Carta, que põe termo à
discussão constitucional entre cartistas e setembristas. Em 1876, verifica-se uma grave crise
económica e celebra-se o Pacto da Granja, que cria o Partido progressista, iniciando com o
rotativismo a fase final do regime monárquico constitucional.
Dentro deste intervalo decorre o período decisivo da construção dos caminhos-de-
ferro e outros meios de transporte e comunicações, que produzem, como consequência
imediata mais importante, a unificação do mercado interno português e a integração da
agricultura no capitalismo para o que contribui a eliminação dos últimos morgadios em 1863.
Portugal continua sendo essencialmente «uma granja e um bando» mas, sob os pontos de
vista da organização financeira e da estrutura jurídica, aproveita a experiência dos países mais
adiantados e prepara-se para a sua fase de industrialização capitalista, que principiará no
último quartel do século; o número de estabelecimentos bancários sobe de três para 51 entre
1858 e 1875 e a formação de sociedades capitalistas anónimas, condicionada à autorização
governamental pelo código de 1833, torna-se livre desde 1867, existindo já 136 sociedades
dessas em 1875. Mantém-se o mesmo desequilíbrio entre o desenvolvimento do crédito
bancário e o fomento agrícola e industrial e, portanto, a tendência para a especulação
desenfreada que conduziu à crise de 1876 e ao descrédito do regime.
Mas enquanto a crise não estala, a época parece ser de regeneração, de progresso, de
melhoramentos materiais. Aos conflitos de 1834-18521, entre a grande e a pequena
burguesia, segue-se uma acalmia e uma apatia política geral.
No entanto, certas camadas da pequena burguesia, os jovens universitários, certas
profissões novas e orientadas para as coisas novas (engenheiros, tipógrafos) não deixam nunca
de fazer sentir literária e doutrinamente um descontentamento que cresce e se define ao
longo do período.
ROTEIRO DA EVOLUÇÃO POLÍTICO-PARTIDÁRIA
1851 • Triunfo da Regeneração
• Formação de dois partidos: um da ala direita (Regeneradores),
outro da ala esquerda (Históricos ou Progressistas)
1851 a 1870 • Alternância destes dois partidos no poder (1º rotativismo
partidário
1870 • Dissidência no Partido Histórico. Forma-se um novo partido: o
Partido Reformista
1876 • Reformistas e Históricos fundem-se num novo partido Progressista
(Pacto da Granja)
1876 • O Partido Progressista alterna no poder com o Partido
Regenerador (2º rotativismo partidário)
De 1876 até
ao fim do
século
• José Luciano de Castro, chefe dos Progressistas, e Hintze Ribeiro
forma os políticos mais representativos deste período
2 – TEMPO NARRATIVO (tempo da história ou cronológico de Os Maias)
A obra abrange nada menos de quatro gerações, ou seja, desenrola-se desde fins do
século XVIII, princípios do século XIX (Caetano e Afonso) até 1886 (Carlos). Os factos narrados
ocupam um período de cerca de 67 anos ( entre 1820 e 1887).
Em Os Maias há ainda a distinguir:
a) O tempo da novela;
b) O tempo do romance.
A) O tempo da novela
Novela – rápido encadeamento de factos que sucedem uns aos outros num apressado
fluir temporal. Encontramos exactamente este processo na primeira parte da obra (até ao cap.
III, inclusive).
Uma vez integrado o leitor no cenário do Ramalhete reabitado, ele é conduzido a uma
rápida viagem no tempo. Em dois capítulos passam a juventude de Afonso, a paixão trágica de
Pedro e o nascimento do último varão da família dos Maias – Carlos. Em seguida, assiste-se ao
fluir da infância/ juventude de Carlos com a mesma rapidez. Só entramos definitivamente no
romance, quando Afonso deixa Santa Olávia e Carlos regressa da sua viagem: «Chegara esse
Outono de 1875…».
B) O tempo do romance
Tempo real – Do cap. IV até ao final, vamos encontrar um ano de poucos meses da vida
de Carlos. No Outono de 1875, Carlos regressa a Lisboa, após uma linga viagem do fim de curso
e em Janeiro de 1877 Carlos parte definitivamente do Ramalhete.
Uma longa série de extensos capítulos para abarcar aproximadamente 15 meses
(Outubro de 1776 a Janeiro de 1877): é a réplica que o romance dá à novela que se ocupa, em
três capítulos, dos longos anos das três gerações.
3 – TEMPO PSICOLÓGICO
É o tempo subjectivo filtrado pelas vivências e pelas emoções das personagens.
«… É curioso! Só vivi dois anos nesta casa, e é nela que me parece estar metida a
minha existência inteira!»
No universo do romance, o tempo por vezes demora, acompanhando o fluir dos dias, o
escorrer das horas, ou pára mesmo, asfixiado pelas múltiplas descrições, pelos diversos
comentários do narrador.
No exemplo nota-se a capacidade de distorção íntima do tempo entre o tempo real
(um ano) e o tempo interior (existência inteira).
O tempo psicológico é o tempo do sonho, da procura, do projecto, que afasta as
personagens do tempo real:
- Carlos imagina uma idílica felicidade conjugal com Maria Eduarda;
- Carlos imagina uma cena de ruptura após a visita de Castro Gomes;
- Ega revive os momentos de intensidade amorosa passados com Raquel;
- Afonso envelhecido pelos amores incestuosos dos netos;
- etc.
II – O tempo de Episódios da Vida Romântica
Surge a época da 2ª metade do século XIX em que, desnorteados, os portugueses se
olham, incapazes, perante a derrocada, na prática dos ideais de um liberalismo irrealista e
constantemente deturpado.
Há crises políticas, os ministérios caem e logo novo elenco, tão igual e inútil como o
anterior, se organiza. Há discussões sobre reformas que não se realizam; belos projectos nunca
concretizados.
Novas vias de rumo não se parecem divisar e de tudo resta, símbolo trágico da
frustração que se aceita, um olhar resignado às relíquias bolorentas e sujas do velho Portugal,
representado pelo decrépito casario apegado aos outeiros da Graça e da Penha.
A um nível profundo, não existe tempo, ou antes, este não funciona. Retomam-se as
posições iniciais: perdidos na vida, os homens sem futuro, porque o presente, neste caso, mais
não é que o repisar mais profundo dos adiamentos do passado.
Pode-se afirmar que no último capítulo, voltamos a um «tempo parado», onde é feita
a caracterização de uma sociedade portuguesa frustrada, decadente e estagnada, onde «…
nada mudara…».
A ideia de estagnação é reforçada pelo uso repetitivo do determinante demonstrativo
«mesmo» («… mesma sentinela, mesmos reposteiros, mesmo ar, mesmas portas, mesmas
ombreiras…»). Após dez anos, tudo continuava igual: síntese da decadência e da inversão de
valores.
Pior ainda do que este «tempo parado» é o «tempo corrosivo», que modifica os
homens e altera as coisas, provocando, na maior parte das vezes, alterações negativas:
- Dâmaso: «… barrigudo, nédio, mais pesado, de flor ao peito, mamando um grande
charuto, e pasmaceando, com o ar regaladamente embrutecido de um ruminante farto e
feliz…»;
- No antigo consultório de Carlos «parecia existir um pequeno atelier de modistas…»;
- Eusebiozinho: «… parecia mais fúnebre, mais tísico, dando o braço a uma senhora
muito forte, muito corada…»;
- Até os animais de tracção eram inferiores: «… fustigavam pilecas…»;
- A estátua de Camões parece entristecer-se perante a decadência e estagnação do seu
povo: «… em torno da estátua triste de Camões…».
O ESPAÇO
1 – O Espaço Físico
São múltiplos os espaços físicos referidos em Os Maias e muitos deles são
profundamente caracterizados
Lisboa ocupa a centralidade da acção, ganhando uma representatividade superior aos
outros locais. Na verdade, é na capital que decorrem os acontecimentos fundamentais das
intrigas secundária e principal.
O conhecimento profundo de Eça de Queirós, relativamente à componente geográfico-
arquitectónica de Lisboa, possibilita ao leitor reconhecer os traçados das ruas, as fachadas dos
edifícios, os monumentos referidos, os hotéis e restaurantes nomeados (grande parte deles
ainda existem, como por exemplo, a Havaneza, o Teatro da Trindade, o Tavares, etc.).
Neste espaço central, observamos a movimentação das personagens, sendo Carlos,
protagonista da intriga principal, quem nos conduz, ora para a Ruas de S. Francisco de Paula
(Ramalhete), ora para a Baixa, para o Chiado, para o Aterro, locais frequentados pela elite da
época. Também acedemos frequentemente ao interior de espaços descritos com fino
pormenor, não sendo descurado elemento algum, de modo a captar-se a interacção entre o
homem e o ambiente, concretizando uma regra da estética naturalista/realista (o meio
influencia o homem, sendo um elemento determinante no seu carácter).
São ainda importantes na obra outros espaços físicos: os arredores de Lisboa (Olivais),
Sintra, Santa Olávia, Coimbra bem como a referência a países estrangeiros.
É interessante notar as afinidades dos percursos dos elementos da família Maia.
personagem Lisboa Santa
Olávia
Inglaterra Itália França
/ Paris
Coimbra Europa Áustria
Afonso X X X
Pedro X X X X X
Carlos X X X X X X
Maria
Eduarda
X X X X
A análise do esquema permite concluir que todos os elementos da família
frequentaram Lisboa e outras cidades europeias.
Maria Eduarda nasce em Lisboa, vive na Europa, regressa à capital, por fim, radica-se
nos arredores de Orléans. Também Carlos ficará a viver em França (Paris). Os protagonistas da
intriga principal não se adaptam à mediocridade e subdesenvolvimento do país.
Por uma análise, leve que seja, concluímos a existência duma grande variedade de
espaços com predominância do espaço interior, o que está perfeitamente de acordo com as
características da obra. Efectivamente, no romance realista, o cenário tende a funcionar como
pano de fundo, fora das personagens, escrito como um universo, súmula de pormenores que
permitem reconstituir não só ambientes, mas até retratos físicos das personagens.
Em Os Maias, o espaço exterior abrange a província e a cidade: Santa Olávia, Benfica,
Inglaterra, Lisboa, Sintra, Olivais, etc.
ESPAÇOS EXTERIORES
SANTA OLÁVIA • Infância e educação de Carlos
COIMBRA • Estudos de Carlos
• Primeiras aventuras amorosas
LISBOA:
• Baixa
• Aterro
• Campo Grande
• Olivais
• Vida social de Carlos
• Local onde passa a intriga principal
• Local privilegiado para a visão crítica da
sociedade portuguesa da 2ª metade do século
XIX
ESPAÇOS INTERIORES
O RAMALHETE • Salas de convívio e de lazer
• O escritório de Afonso tem «uma severa
câmara de prelado»
• O quarto de Carlos tem um ar de «quarto de
bailarina»
• O jardim tem um valor simbólico
A VILA BALZAC • Reflecte a sensualidade de Ega
O CONSULTÓRIO DE CARLOS • Revela o dandismo de Carlos
• A predisposição para a sensualidade
A TOCA • Espaço carregado de simbolismo
• Revela amores ilícitos
ETC.
É no espaço interior, porém, que desfila numa série de pormenores requintados de
luxo que deixam transparecer o gosto aristocrático, burguês e cosmopolita de Carlos e de
quem ele se rodeia, como reflexo de uma época e de um modo de vida:
«… entregou-lhe as quatro paredes do Ramalhete, para ele ali criar, exercendo o seu
gosto, um interior confortável, de luxo inteligente e sóbrio…»
«… pôs-lhe o nome de Paço de Celas, por causa de luxos então raros na Academia, um
tapete na sala, poltronas de marroquin, panóplias de armas, e um escudeiro de libré…»
»… (consultório) Carlos mobilou-o com luxo. Numa antecâmara, guarnecida de
banquets de marroquin, devia estacionar, à francesa, um criado de libré… papel verde de
ramagens prateadas, , as plantas em vasos de Ruão, quadros de muita cor, ricas poltronas…
até um piano mostrava o seu teclado branco…»
«… um dos maiores cuidados dele, agora, era embelezar a Toca: nunca voltava de
Lisboa sem trazer alguma figurinha de Saxe, um marfim, uma faiança…»
2 – O Espaço Social
A ilusão da realidade é conseguida pela arte de individualizar os cenários exteriores,
pela identificação toponímica de uma artéria, pelo rigor da numeração de um edifício ou de
um andar, pela indicação precisa de um pormenor decorativo ou paisagístico.
O romance realista de carácter objectivo preocupa-se em localizar e caracterizar
geograficamente o espaço onde as personagens actuam ou se movimentam. Tal espaço,
observado sob uma análise rigorosa e pormenorizada, é determinante (à maneira de Taine –
para este escritor a raça, o meio físico e as condições do momento são as determinantes que
explicam o comportamento humano).
Para criar no leitor a sensação de autenticidade da sua ficção, Eça utilizou o diálogo
natural e descreveu com perícia espaços (cénicos/ naturais, habitacionais e urbanos) onde
decorre a acção dos seus romances e onde as personagens se movimentam, relacionado-se
intimamente com eles.
Episódios Ambiência Crítica
Hotel Central (cap.
VI)
Alta sociedade lisboeta caracterizada por:
• Ociosidade
• Futilidade
• Valorização do estrangeiro
À literatura e à crítica literária:
exageros do ultra-romantismo –
Alencar; distorção das teses
naturalistas – Ega; crítica literária –
Ega/ Alencar (Craveiro)
Às finanças: irresponsabilidade e
incompetência do director do
Bando Nacional – Cohen
À mentalidade retrógrada
Corrida de Cavalos
(cap. X)
Alta sociedade lisboeta, caracterizada
por:
• Inadequação do espaço
• Feição provinciana
• Falta de motivação
• Contraste entre o ser e o
parecer
À imitação do estrangeiro
Ao provincianismo
Ao mau gosto e ao «postiço»
• Inadequação dos
comportamentos
Jantar em casa do
Conde de
Gouvarinho (cap.
XII)
Alta burguesia e aristocracia,
caracterizada por:
• Futilidade
• ociosidade
À mediocridade mental
À ignorância
À falta de conhecimento sobre o
estrangeiro
À incapacidade de diálogo da
camada dirigente do País
Jornal A Tarde
(cap. XV)
Director de um jornal/ político/
deputados da província, caracterizados
por:
• macrocefalia da capital em
relação à província
Ao jornalismo político, parcial e
tendencioso
Teatro da Trindade
(cap. XVI)
Alta sociedade lisboeta caracterizada por:
• superficialidade
• valores ultra-românticos
• ignorância
Aos comportamentos postiços
À permanência dos valores ultra-
românticos
Passeio de Carlos e
de Ega (cap. XVIII)
Alta sociedade lisboeta, caracterizada
por:
• subdesenvolvimento
• ociosidade
• ridículo
À estagnação de Portugal
À falta de originalidade
À incapacidade de evoluir
3 – O Espaço Psicológico
Além do espaço físico de que, exteriormente se salienta Lisboa («Lisboa é Portugal»),
devemos referenciar ainda o espaço psicológico, isto é, o espaço dos conflitos e das
preocupações íntimas, da imaginação e da memória, das recordações e dos sonhos.
É numa bebedeira e num acesso de idealismo que Ega revela o passado da mãe de
Carlos que, nessa noite, «não pudera dormir com a ideia daquela mãe, tão outra do que lhe
tinham contado, fugindo nos braços de um desterrado…».
Ao constatar a catástrofe pela morte do avô, Carlos ficara defronte dele «… sem
chorar, perdido apenas no espanto daquele brusco fim! Imagens do avô, do avô vivo e forte,
cachimbando ao centro do fogão, regando de manhã as roseiras, passavam-lhe na alma, em
tropel, deixando-lha cada vez mais dorida e negra…».
É o espaço perspectivado pela subjectividade das personagens, por pensamentos, por
sonhos, etc.
• Sonho – «Eram três horas quando se deitou. E apenas adormecera na escuridão
dos cortinados de seda, outra vez um belo dia de Inverno morria sem a aragem,
banhado de cor-de-rosa: o banal peristilo do hotel alargava-se, claro ainda na
tarde; o escudeiro preto voltava, com a cadelinha nos braços, ; uma mulher
passava, com um casaco de veludo branco de Génova.» (cap. VI)
• Imaginação - «Agora já ela estava em Lisboa; e imaginava-a nas rendas do seu
“peignoir”, com o cabelo enrolado à pressa…» (cap. VIII)
• Memória - «Imagens do avô, do avô vivo e forte, cachimbando ao canto do fogão,
regando de manhã as roseiras, passava-lhe na alma em tropel…» (cap. XVIII)
• Reflexão - «Mas, tendo por um dia só dormido com ela, na plena consciência da
consanguinidade que os separava, poderia recomeçar a vida tranquilamente? (...)»
(cap. XVII).
Constituído pelas zonas da consciência da personagem, manifesta-se em momentos de
maior densidade dramática. É sobretudo Carlos que desvenda os meandros da sua consciência,
ocupando também Ega lugar de relevo.
CARLOS • Sonho de Carlos, no qual evoca a figura de Maria Eduarda (cap. VI)
• Nova evocação de Maria Eduarda em Sintra (cap. VIII)
• Reflexões de Carlos sobre o parentesco que o liga a Maria Eduarda
(cap. XVII)
• Visão do Ramalhete e do avô, após o incesto (cap. XVII)
• Contemplação de Afonso da Maia, morto, no jardim (cap. XVII)
EGA • Reflexões e inquietações após a descoberta da identidade de Maria
Eduarda (cap. XVI)
NARRADOR
Quanto à presença, o narrador de Os Maias é heterodiegético; narra os
acontecimentos na 3ª pessoa.
A focalização é de dois tipos: omnisciente e interna.
A focalização omnisciente predomina nos primeiros capítulos: renovação do
Ramalhete; juventude de Afonso; educação de Pedro; suicídio de Pedro; formação de Carlos
em Coimbra.
A partir do capítulo IV, predomina a focalização interna sob o ponto de vista de
algumas personagens, como Carlos e Ega, embora surja já no capítulo III sob a visão de Vilaça
quando visita Santa Olávia.
A focalização interna ganha particular significado com a visão de Carlos da maia que dá
um contributo fundamental na construção das personagens Afonso da Maia, Ega e Maria
Eduarda.
Pelos olhos críticos de Carlos são dados a conhecer grande parte dos espaços sociais
que a personagem passa a frequentar quando chega a Lisboa.
A focalização interna de Ega ganha particular relevo nos episódios do Jornal A Tarde e
no sarau do Teatro da Trindade.
LINGUAGEM E ESTILO DE EÇA DE QUEIRÓS
- Discurso indirecto livre: encontramos constantemente ao longo da obra: «O poeta
sorria, passando os dedos com complacência pelos longos bigodes românticos, que a idade
embranquecera e o cigarro amarelara. Que diabo, algumas compensações havia de ter a
velhice!»
Através do discurso indirecto livre, Eça consegue afastar a monotonia do paralelismo
do diálogo, como bem tornar mais ligeiros e amenos os monólogos interiores.
- O adjectivo: é, de todas as categorias gramaticais, a que usa com mais predilecção. O
adjectivo comunica cor, matiz, tonalidade à expressão. A adjectivação dupla é muito usada,
caracterizando os objectos, exprimindo as duas faces da realidade: a objectiva e a subjectiva.
Um dos atributos dá-nos a nota concreta e objectiva da coisa apercebida, geralmente um dado
físico, e o outro expressa a emoção concomitante que essa nota exprime. Da percepção
sensorial, parcial, passa-se a uma impressão valorativa.
- O advérbio: tem um carácter reversível como o adjectivo. A associação do advérbio
com o adjectivo surge frequentemente superlativando os atributos («magnificamente
negros»). O advérbio sue também em combinações (duplas e triplas) - «regaladamente,
lividamente»; «constantemente, irresistivelmente, imoderadamente».
- O verbo: Eça revela um gosto particular pelo gerúndio, pelo pretérito imperfeito e
pela conjugação perifrástica, o que confere aos acontecimentos relatados o sentido de
duração, de continuidade - «… que esse fantasia andara medindo e dispondo…».
- Os estrangeirismos: observa-se a utilização de muitos estrangeirismos,
particularmente os galicismos (da língua francesa) e os anglicanismos (da língua inglesa), o que
acontece por duas razões: suprir a inexistência da palavra ou da construção ajustada na língua
portuguesa; servir os objectivos críticos do autor, ridicularizando a alta sociedade lisboeta,
deslumbrada com a língua, a moda e os hábitos ingleses e franceses. (cachez-nez, robe-de-
chambre, sportsman, etc.).
- A hipálage -«mãos nervosas das senhoras» (cap. X); «cerravam filas de cabeças
embebidas, enlevadas» (cap. XVI)
- Sinestesia: tal como a hipálage, relaciona-se com a forma impressionista do artista
captar a realidade: «transparentes novos de um escarlate estridente» (cap. VI); «era um dia já
quente, azul.ferrete» (cap. X).
- A aliteração a ou harmonia imitativa: «… um rude trovão rolou, atroou a noite negra»
(cap. I). A aliteração de r e t combina-se com a harmonia imitativa das vogais fortes ( o e u),
para sugerir auditivamente o surdo retumbar do trovão.
- A ironia: tem uma representatividade muito grande, assumindo o papel de criticar:
«…vendo naqueles jóqueis à desfilada, nos chapéus que se agitavam, brilhar civilização…» (cap.
X).
- Os diminutivos: largamente utilizado, ora para exprimir carinho (Carlinhos), ora num
sentido irónico e pejorativo: «…com craniozinho calvo de sábio…» (cap. III)

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Os maias

  • 1. CARACTERÍSTICAS DO ULTRA-ROMANTISMO Tal como acontecera com o classicismo, também o romantismo sofreu uma evolução que, levada até às últimas consequências, assinala um forte desequilíbrio. Manifesta um predomínio da emoção, da exaltação do espírito, da melancolia que vai levar ao tédio da vida e, consequentemente, ao desejo da morte, ao fatalismo. A natureza é triste e vai até ao domínio do tétrico, do macabro, com fantasmas, sepulturas, ajustando-se assim ao estado de alma do poeta. Afirma-se o gosto pelo melodrama tão longe do equilíbrio do drama romântico. Assiste-se a um excesso de sentimentalismo, tornando-se as poesias maçadoras, enfadonhas, de horizontes muito limitados. Aqui e ali, sente-se uma certa religiosidade que está, muitas vezes, ligada à magia, à crença num regresso das almas a este mundo. O medievalismo conduz ao predomínio de uma poesia de carácter popular mais espontânea e de gosto arcaizante: as xácaras, os solaus, as trovas, as cantilenas. O vocabulário é rebuscado, com termos eruditos (cerúleo, purpúreo, hircano, gemebundo, carme…), mas pobre, com um acentuado preciosismo de linguagem encostada aos clássicos. A sintaxe é pobre, afectiva, de tipo feminino, com anacolutos, exclamações, reticências. Abundam as metáforas e a versificação monótona. A GERAÇÃO DE 70 O movimento romântico começa a esgotar-se. A tão apregoada «liberdade na arte» acabou por ser superada pelo exagerado sentimentalismo que deu origem ao ultra- romantismo. Em simultâneo, surge uma sociedade que se entrega mais intensamente ao gozo dos bens materiais, pelo que os valores espirituais, nomeadamente a religião e a arte, entram em crise. Renan, com o seu ateísmo, Michelet e o seu anticlericalismo, o socialismo de Proudhomme e o positivismo de Comte vão determinar, sem dúvida, a renovação que se opera na 2ª metade do séc. XIX. De salientar Alphonse Daudet e Zola, que cultivam o romance naturalista e Flaubert e Balzac, com o romance realista. Em Portugal, agitava-se o mesmo sentimento reformista porque, segundo Eça, «Coimbra vivia então (1860/65) uma grande actividade ou antes um grande tumulto mental». Diariamente, facilitados os meios de comunicação, os comboios despejavam no seio dessa juventude o ideário que a França irradiava. Preparava-se a borrasca literária que havia de arejar as ideias. António Feliciano de Castilho encabeçava um grupo de novos poetas conservadores do romantismo, iniciando-se o confronto literário com Antero de Quental, seu antigo discípulo. Do lado de Castilho encontraremos, entre outros, Pinheiro Chagas e Camilo Castelo Branco, surgindo do lado de Quental, Teófilo Braga. A primeira manifestação importante desta rebeldia foi a Questão do Bom Senso e Bom Gosto. Um novo lirismo, mais de cariz crítico, social e humanitário, ergueu-se contra o velho gosto literário, mas também, mais amplamente, contra concepções políticas, históricas e filosóficas Foi acesa a contenda em que se escreveram algumas dezenas de panfletos. Esta é em traços gerais a polémica literária que ficou conhecida pelo nome de «Questão Coimbrã». Passados cinco anos, é feita nova tentativa para a entrada da escola realista entre nós. Em Lisboa, Antero, Eça de Queirós, Teófilo Braga, Oliveira Martins e outros dão início às «Conferências do Casino Lisbonense».
  • 2. As «Conferências do Casino Lisbonense» foram uma série de conferências realizadas em Lisboa, na Primavera de 1871, pelo grupo do Cenáculo, formado por jovens escritores e intelectuais de vanguarda. A ideia das conferências surgiu na casa da Rua dos Prazeres onde o Cenáculo se reunia então Antero pronunciou a primeira conferência «Causas da Decadência dos Povos Peninsulares nos Últimos Três Séculos, inteiramente demolidora: a imprensa, a instrução em Portugal eram inferiores. Realizaram-se mais três dentro do mesmo comportamento. Eça falou sobre «O Realismo como nova expressão de Arte». E, segundo ele, o Realismo é: «… a negação da arte pela arte; é a proscrição do convencimento, do enfático e do piegas. É a abolição da retórica considerada como arte de promover a comoção usando a inchação do período, da epilepsia da palavra, da congestão dos tropos. É a análise com o fito da verdade absoluta… é a anatomia do carácter. É a crítica do homem. É a arte que nos pinta a nossos próprios olhos, para condenar o que houver de mau na nossa sociedade…» CARACTERÍSTICAS DO REALISMO Estava, pois, definitivamente preparado o clima para a eclosão do realismo entre nós. Parte dos objectivos da escola vimo-los já enunciados, por Eça, na sua conferência do Casino: • «É a proscrição do convencional, do enfático, do piegas». Proclama uma literatura arejada, sã, positiva, com uma natureza soalheira, viva, matizada, aberta à observação e não propensa ao devaneio. • «É a análise com o fito na verdade absoluta» O espírito analítico vai aguçar o trabalho do observador que, objectivamente, tal como o analista no laboratório, se debruça sobre os factos a explicá-los, a tentar encontrar as respectivas causas, substituindo o «eu» subjectivo (subjectivismo) pelo objectivo (objectivismo). A arte ao serviço da ciência, daí o naturalismo. • «É a crítica do homem» É a arte que vai reformar, moralizando, quando põe a nu os podres de uma sociedade que a arte dos clássicos e o sentimentalismo dos românticos tinham deixado camuflados. («Cacher l’imaginaire sous le réel« – Zola) A afirmação do impessoalismo, da objectividade, da captação das impressões pelos sentidos; daí a fuga do «eu». A apetência pelo pormenor descritivo, com uma relevância especial ao emprego do adjectivo, da imagem, do concreto pelo abstracto. A rejeição do trabalho inventivo. REALISMO/NATURALISMO A Europa do século XIX sofre profundas alterações a todos os níveis. As grandes revoluções científicas, técnicas e industriais são acompanhadas por uma enorme agitação social, em grande parte resultante da segunda fase da Revolução Industrial. O idealismo romântico, em vez de solucionar os problemas, tinha-os agravado.
  • 3. Em 1857, surge, em França, Madame Bovary, de Gustave Flaubert, considerado o primeiro romance realista da literatura universal. Dez anos depois, Emile Zola publica Thérèse Raquin, inaugurando o romance naturalista. Eça de Queirós, na 4ª Conferência do Casino Lisbonense, afirma que «O Realismo é uma reacção contra o Romantismo: O Romantismo era a apoteose do sentimento; - o Realismo é a anatomia do carácter. É a crítica do homem. É a arte que nos pinta a nossos próprios olhos – para nos conhecermos, para que saibamos se somos verdadeiros ou falsos, para condenar o que houver de mau na nossa sociedade». REALISMO O Realismo apresenta-se como uma doutrina filosófica e uma corrente estética e literária que procura a conformação com a realidade. As suas características estão intimamente ligadas ao momento histórico, reflectindo as novas descobertas científicas, as evoluções tecnológicas e as ideias sociais, políticas e económicas da época. O Realismo preocupa-se com a verdade dos factos, a realidade concreta, a explicação lógica dos comportamentos. Procura ver a realidade de forma objectiva e surge como reacção ao idealismo e ao subjectivismo emocional românticos. Como movimento da arte e da literatura, procura representar o mundo exterior de uma forma fidedigna, sem interferência de reflexões intelectuais nem preconceitos, e volta para a análise das condições políticas, económicas e sociais. ROMANCE REALISTA O romance realista é de carácter documental, procurando fazer o retrato de uma época, dando conta dos espaços sociais, normalmente da burguesia. É isso que se observa em Os Maias de Eça de Queirós e que se depreende desde o início com o subtítulo Episódios da Vida Romântica. Aí, através da comédia de costumes, procura observar diversos quadros sociais e denunciar a corrupção, a frivolidade, a superficialidade, a ignorância e as mentalidades retrógradas. O romance realista surge orientado para a análise psicológica da sociedade, criticando-a a partir do comportamento das personagens, nomeadamente das que se consideram das classes dominantes, e procurando captar as condições mais miseráveis e torpes da vida real. NATURALISMO O Naturalismo surge muito próximo do Realismo e chega a ser confundido com ele. Mas, se tem semelhanças, também tem diferenças. O Naturalismo pode definir-se como uma concepção filosófica que considera a Natureza como única realidade existente, recusando explicações que transcendam as ciências naturais. Graças às teorias positivistas e experimentais, passa a interessar-se pelo estudo analítico. Não lhe bastam os quadros objectivos da realidade, mas analisa também as circunstâncias sociais que envolvem cada personagem.
  • 4. Como num laboratório de ciências médico-biológicas, a obra naturalista procura explicar as suas personagens através da análise aos problemas e doenças hereditárias, aos antecedentes familiares, à sua educação, ao meio social em que foram criadas e em que desempenham as suas actividades ou a sua posição económica. ROMANCE NATURALISTA O romance naturalista é, em geral, de carácter experimental e cientificista, um romance de tese que se orienta para a análise social e valorização do colectivo. Procura mostrar o indivíduo como produto de um conjunto de factores «naturais» - meio em que vive e sobre o qual pode agir, momento e hereditariedade psicofisiológica – geradores de comportamentos e situações específicas. No romance experimental naturalista, a personalidade humana é determinada ou configurada por forças instintivas naturais que não devem ser reprimidas. A POLÉMICA LITERÁRIA EM OS MAIAS Em Os Maias, Eça consegue apresentar quadros que permitem uma visão da problemática literária que envolveu ultra-românticos, realistas e naturalistas. Um dos quadros mais representativos surge no capítulo VI, no episódio do jantar no Hotel Central. Neste jantar, imaginado por João da Ega para homenagear o Cohen (marido da divina Raquel), as personagens irão envolver-se em acesas discussões sobre temas diversos (política, economia, mulheres, Pátria, alma portuguesa, literatura, etc.). No tema literatura, irão destacar-se Tomás de Alencar e João da Ega. Tomás de Alencar personifica o romantismo agonizante, que não vê com bons olhos o realismo/ naturalismo por estes questionarem tudo aquilo que ele defende. Por isso, quando se refere ao naturalismo, Alencar prefere usar expressões como «excremento», «literatura latrinária», «torpe maré». «Para pôr um dique definitivo à torpe maré, como ele disse em plena Academia, escreveu dois folhetins cruéis; ninguém os leu… refugiou-se na moralidade como numa rocha sólida… seria o paladino da Moral, o gendarme dos bons costumes…» Ironicamente, quanto mais Alencar atacava o naturalismo/realismo, mais estes se impunham. Quanto ao João da Ega, profundo defensor do naturalismo, este não se cansa de atacar o romantismo piegas de Alencar acabando os dois por se agredirem um ao outro verbalmente, chegando por vezes a ameaças de agressões físicas. João da Ega é uma personagem que, em certa medida, funciona como um reflexo do próprio Eça. Ega apresenta semelhanças físicas, no cabelo, no bigode, na luneta, nas atitudes excêntricas que assume e nas declarações provocatórias que faz. Até os nomes apresentam grandes semelhanças: Eça/ Ega. Assumindo um papel menos importante, encontramos Craft, que é apologista do ultra- romantismo: «A arte era uma idealização… que se mostrasse os tipos superiores de uma humanidade aperfeiçoada, as formas mais belas do viver e do sentir.» Relativamente a Carlos, a personagem principal, começa por desiludir o leitor assumindo uma posição ambígua, acabando por atacar o realismo devido «aos seus ares pouco científicos». Resta ainda dar conta da posição do narrador, que faz a defesa do naturalismo: «esses livros poderosos e vivazes… esses estilos novos, tão preciosos e dúcteis…».
  • 5. Fica também clara, no decorrer desta discussão, a diferença entre o naturalismo e o realismo, conceitos que se confundem frequentemente. O realismo preocupa-se com a apresentação da realidade, mostrando a realidade feia, tal como ela é, mas não faz um estudo profundo, não procura as causas fundamentais dos males que afligem a sociedade portuguesa, nem aponta soluções para esses males sociais. É pouco científico. É mais literário, tratando a questão com muita delicadeza, tal como um cavalheiro com as suas «luvas de pelica». O naturalismo vai mais longe. Não fica satisfeito apenas com a visão da realidade. Exige uma análise profunda, procura as razões dos males sócias, faz um estudo aturado. Pretende ser científico e objectivo, resolvendo o que está doente/ podre, tal como um cirurgião que corta o cadáver, na mesa das autópsias, para determinar as causas da morte e procurar a cura. Ao contrário do realismo, utiliza as «luvas de borracha do cirurgião». A ESTRUTURA DA OBRA AO MAIAS A obra Os Maias, de Eça de Queirós, tem um título e um subtítulo Em 1880, surgem Os Maias ou Episódios da Vida Romântica, obra que teria levado oito anos a ser elaborada e que parece apresentar, em intenção, duas seduções queirosianas: a análise pretensamente objectiva da vida portuguesa (na linha de Balzac) e a problemática do incesto. Os Maias serão simplesmente a história de uma família da alta burguesia lisboeta, história essa narrada essencialmente através de três gerações. Não esquecendo, porém, o premente aviso de Eça, nova perspectiva se nos abre com o subtítulo: «Il na faut pás oblier que le roman a un sous-titre – Episódios da Vida Romântica». Consistirá então o livro numa série de «episódios», ou melhor, de quadros que traduzem a «vida romântica» ou, na opinião do próprio autor, a vida como ela é pensada e criada por uma sociedade saída do Constitucionalismo. Os Maias -> narrativa novelesca transmitindo as peripécias de uma série de gerações de Maias. Episódios da Vida Romântica -> narrativa de análise de costumes da vida lisboeta do século XIX. Estas duas faces da obra não se opõem entre si, antes se interpenetram, formando um todo. ASPECTOS ESTRUTURAIS DECORRENTES DO TÍTULO Os Maias 1 – A história de três gerações São tratadas, fundamentalmente, três gerações da família: a) Afonso da Maia – Absolutismo/ Liberalismo - abrange a época da reacção do liberalismo ao absolutismo vigente; início do romantismo b) Pedro da Maia – Regeneração - representativo da fase de instauração do liberalismo e consequentes contradições internas; romantismo c) Carlos da maia – Regeneração - dominada pelo sentimento de decadência das esperanças liberais; ultra-romantismo/ realismo
  • 6. Uma outra geração, cronologicamente anterior às mencionadas, apresenta importância reduzida e função inteiramente explicativa. Trata-se do grupo constituído pelos antecessores de Afonso, simbolizando Caetano da Maia o absolutismo agonizante que prepara o ataque vitorioso das ideias liberais. A 1ª e 2ª gerações ocuparão dois capítulos incompletos, abrangendo a 3ª geração todo o resto do livro. De facto, inicia-se o romance por um conjunto de dados introdutórios à história da época abrangida pela 3ª geração. É cortado o Cap. I pela história de Afonso que, continuando, cede, no Cap. II, à aventura de Pedro, para dar lugar5, a partir do Cap. III, à personagem Carlos. Quer pelo espaço narrativo ocupado, quer pela problemática dela decorrente, é a história de Carlos o fulcro do romance: a vida de Carlos, cuja explicação total e profunda só é possível de ser atingida pelo reconhecimento dos seus antecedentes (Afonso e Pedro). Contudo, Afonso não é apenas um antecedente brevemente mencionado, mas uma presença constante: a sua passagem de perspectivador da acção a perspectivado ou simples espectador não é total. 2 – O processo evolutivo – EQUILÍBRIO/RUPTURA A narrativa parece processar-se linearmente segunda a técnica de passagem de um estado de equilíbrio a um outro que implica a destruição da harmonia do primeiro. 1 – A vida de Caetano constitui um estado de perfeito equilíbrio, segundo os padrões do absolutismo vigente. Tal situação sofre uma ruptura pela adesão de Afonso às ideias liberais. 2 – Com o regresso de Afonso a Benfica e o advento dos novos tempos, restaura-se a harmonia/ equilíbrio, que será novamente quebrado pela ligação de Pedro com Maria Monforte (ruptura). A situação de estabilidade instala-se com a morte de Pedro e a ligação afectiva entre Carlos e o avô (equilíbrio). 3 – Inicia-se, neste momento, o romance propriamente dito. A dada altura, a paixão de Carlos por Maria Eduarda vais constituir nova destruição do equilíbrio (ruptura), sendo este recuperado no final da obra com a reintegração de Carlos numa vida monotonamente estável, posterior à morte de Afonso e à forçosa separação de Maria (equilíbrio). A obra resume-se a esta constante passagem de um estado de equilíbrio a uma fase de desequilíbrio, com posterior recuperação do primeiro. É evidente que cada novo estádio de equilíbrio não é absolutamente idêntico ao anterior que tinha sido destruído. Por outro lado, só na perspectiva de Afonso parece existir, de início, uma verdadeira recuperação a nível de personagem. Pedro é destruído no processo que visa a recuperação da harmonia. O mesmo se passa com Carlos que, através de uma evolução semelhante, se destrói psicologicamente. Esta diferença parece estar ligada a uma oposição de temas, cuja intenção percorre toda a obra: razão/ sentimento. A oposição de Afonso, ainda que ligada a um exagero sentimental de pré-romântico é, contudo, de cariz fortemente racional. A força oposicional de Pedro e Carlos é, contrariamente, de marca sentimental e recusa, na prática, uma razão que as personagens possam aceitar como teoricamente válida. 3 – Paralelismo estrutural entre Pedro e Carlos No romance Os Maias, existem duas histórias que constituem a intriga secundária e a intriga principal.
  • 7. Intriga secundária – os amores infelizes de Pedro da Maia e de Maria Monforte Intriga secundária – os amores incestuosos de Carlos da Maria e de Maria Eduarda Intriga secundária: Pedro, único filho de Afonso e de Maria Eduarda Runa, apaixona-se fatalmente por Maria Monforte, mulher bela que aparece em Lisboa, acompanhada pelo pai, que enriquecera com o tráfico de negros. Contra a vontade de Afonso, Pedro casa com Maria Monforte e dela tem dois filhos, Maria Eduarda e Carlos Eduardo. O casal vive faustosamente em Lisboa, no palacete de Arroios e, um dia, Pedro traz para casa um belo príncipe italiano com quem Maria Monforte foge, levando consigo a filha, Maria Eduarda. Nesse mesmo dia, Pedro corre para o palacete de Benfica, reconcilia-se com o pai, após quatro anos de separação, entrega-lhe o filho que Maria lhe deixara, e suicida-se cobardemente. O palacete é fechado e Afonso da maia parte com o neto para Santa Olávia. Intriga principal: E, 1875, Carlos Eduardo, após ter-se formado em Medicina, em Coimbra, vem viver com o seu avô, Afonso da Maia, no Ramalhete, em Lisboa. Carlos tenta concretizar os seus projectos profissionais, mas acaba por falhar todos os seus planos. Entretanto integra-se na elite da capital, frequentando espaços sociais requintados, onde priva com os importantes do Reino. É no peristilo do Hotel Central, antes do jantar em honra do banqueiro Cohen, que Carlos, em companhia de Craft, observa a chegada de Maria Eduarda por quem se apaixona de imediato. Depois de várias tentativas para conhecer pessoalmente Maria Eduarda, Carlos convive com esta, envolvendo-se numa profunda paixão, plenamente correspondida. É na Toca, situada nos Olivais, comprada a Craft, que os dois apaixonados cometem involuntariamente o incesto. O amor de Carlos por Maria Eduarda é tão forte que resiste ao facto de saber que ela tivera um passado pouco recomendável, havendo mesmo uma filha – Rosicler. No entanto, a felicidade de Carlos será completamente destruída pelas revelações de uma carta de Maria Monforte, na qual Maria Eduarda é identificada como filha de Pedro da Maia (irmã de Carlos). Apesar de conhecer a verdade, Carlos comete incesto de forma consciente e Afonso morre de desgosto. Sentindo-se extremamente culpado e arrependido, Carlos separa-se definitivamente de Maria Eduarda, que parte para França. Carlos viaja para o estrangeiro com o seu amigo Ega e fica a residir em Paris, regressando a Portugal apenas no ano de 1887. RELAÇÃO ENTRE A INTRIGA SECUNDÁRIA E A INTRIGA PRINCIPAL A intriga secundária é fundamental para o desenvolvimento da intriga principal. As consequências dos amores infelizes e trágicos de Pedro da Maia e de Maria Monforte separam os dois irmãos, que crescem sem terem conhecimento da verdade. Maria Eduarda desconhece a identidade do pai e pensa ter tido apenas uma irmã que morrera em pequenina. Carlos acredita que a sua mãe e a sua irmã estavam mortas; assim lho dissera Afonso. A intriga principal alicerça-se nos acontecimentos desse passado longínquo e no desconhecimento da verdade, apresentando-se como consequência directa da intriga secundária.
  • 8. SEMELHANÇAS ENTRE A INTRIGA SECUNDÁRIA E A INTRIGA PRINCIPAL A história de Pedro é uma espécie de prefiguração de reduzidas dimensões do problema de Carlos. Pedro e Carlos: - encontram-se ligados a Afonso; - são dominados pela sentimentalidade e pelo instinto; - são criatura fracas, facilmente dominadas pela inércia ou pela noção deca- dente da vanidade de todo o esforço; - apanhados no clima irracional da paixão, acabam por sucumbir. Pedro Carlos 1 - Vida dissoluta; - Vida dissoluta; 2 Encontro fortuito com Maria Monforte -> PAIXÃO Encontro fortuito com Maria Eduarda -> PAIXÃO 3 Pedro procura encontro com Maria Monforte Carlos procura encontro com Maria Eduarda 4 Encontro através de Alencar/ Melo Encontro através de Dâmaso (indirecto) 5 Elemento de Oposição: a negreira -> oposição real de Afonso Elemento de oposição: a amante -> oposição potencial de Afonso 6 Encontro e casamento Encontro e relações 7 Vida de casados: viagem ao estrangeiro, vida social em Arroios, nascimento dos filhos Vida de relações: viagem ao estrangeiro e casamento adiados, vida social na Toca 8 Retardamento do encontro com Afonso Retardamento por causa de Afonso 9 Elemento desencadeador do drama: o napolitano Elemento desencadeador da tragédia: Guimarães 10 Infidelidade e fuga de Maria Monforte – reacções de Pedro Descoberta do incesto – reacções de Carlos 11 O DRAMA A IMINÊNCIA DA TRAGÉDIA 12 Regresso de Pedro ao Ramalhete, diálogo com Afonso e suicídio de Pedro Encontro de Carlos com Afonso, mudo, sem diálogo e motivação para o suicídio de Carlos 13 Motivação para a morte de Afonso Morte de Afonso A partir deste esquema fácil é verificar o paralelismo existente nas histórias de Pedro e de Carlos. Contudo, convém destacar algumas diferenças. Pedro, senhor de uma força romanticamente pertinaz, assume até ao fim o seu papel – social e racionalmente fraco, emocionalmente entregue a todos os excessos. Carlos, controlado, em parte, por uma educação positivista à inglesa, parece superar com maior lucidez e frieza de ânimo o caos afectivo, embora talvez não totalmente (… Carlos ficara ainda abalado… no fundo do seu coração permanecia, pesada e negra, a memória da “semana terrível”…») A história de Carlos repete, desenvolvendo-a em pormenores indiciais e informativos, a tragédia de Pedro, retirando-lhe, contudo, a força absurda e cega que conduz, sem desvios nem falsas esperanças, à destruição completa.
  • 9. A TRAGÉDIA Rasgos estruturais da tragédia em Os Maias 1 – A personagem trágica Carlos e Maria Eduarda destacam-se como figuras eleitas, pertencentes a uma elite, dotados de qualidades superiores, requintados, seres de excepção, não integrados numa sociedade grosseira, limitada e suja. Carlos e Maria Eduarda elevam-se ao nível da tragédia amorosa, definindo-se não como meros tipos sociais, mas como símbolos de uma fatalidade superior. 2 – A acção trágica (a fatalidade como motor de aproximação dos dois irmãos) As duas personagens, figuras de excepção (como convém ao espírito clássico da tragédia), são irresistivelmente levadas a um encontro e a uma união que afirmam a supremacia do sentimento, concebido segundo um padrão elevado e ideal. Perante os obstáculos oferecidos por Afonso e respeitados pelos próprios amantes, assiste-se à intensificação das relações amorosas que atinge o auge da felicidade perfeita. Quando a união se torna perfeita, quando o sentimento se eleva ao ponto superior da sua realização, desaba a catástrofe – depara-se-nos a tragédia. Carlos, ao tentar a recusa de uma verdade imposta pelo «implacável destino» concorre para a sua completa realização – a efectivação de um incesto consciente. Classicamente, o aparecimento da tragédia não corta só o desenrolar harmonioso dos acontecimentos, como também impede a reestruturação dos mesmos. A fatalidade aniquila a possibilidade de recuperação. O desenlace fatal que, abruptamente, destrói o equilíbrio das personagens, vem sendo insidiosamente preparado ao longo da acção. Diversos indícios são introduzidos de modo discreto, ganhando todo o seu profundo significado apenas quando um pormenor do acaso se apresenta como claramente revelador. 3 – Indícios do destino «… Andava lendo uma novela de que era heróis o último Stuart, o romanesco príncipe Carlos Eduardo; e, enamorada dele, das suas aventuras e desgraças, queria dar esse nome a seu filho… Carlos Eduardo da Maia! Um tal nome parecia-lhe conter o destino de amores e façanhas…» (cap. II) O próprio protagonista concebe um «romance, radiante e absurdo», fora das leis humanas, condicionado pela força do destino: «… um sopro de paixão, mais forte que as leis humanas, condicionado pela força do destino…» «… Carlinhos da minha alma, é inútil que ninguém ande à busca da “sua mulher”. Cada um tem a “sua mulher”, e necessariamente tem de a encontrar. Tu está aqui, na Cruz dos Quatro Caminhos, ela talvez em Pequim: mas tu, aí a raspar o meu repes com o verniz dos sapatos, e ela a orar no tempo de Confúcio, estais ambos insensivelmente, irresistivelmente, fatalmente, marchando um para o outro!...» (cap. VI) «… Maria Eduarda! Era a primeira vez que Carlos ouvia o nome dela, e pareceu-lhe perfeito, condizendo bem com a sua beleza serena. Maria Eduarda, Carlos Eduardo… Havia
  • 10. uma similitude nos seus nomes. Quem sabe se não pressagiava a concordância dos seus destinos!» (cap. XI) «Ega escutava-o, sem uma palavra, enterrado no fundo do sofá. Supusera um romancezinho, desses que nascem e morrem entre um beijo e um bocejo: e agora, só pelo modo como Carlos falava daquele grande amor, sentia-o profundo, absorvente, eterno, e para bem ou para mal tornando-se daí, para sempre, o seu irreparável destino.» (cap. XII) «Mas o velho pôs o dedo nos lábios, indicou Carlos lá dentro, que podia ouvir… E afastou-se, todo dobrado sobre a bengala, vencido enfim por aquele implacável destino que, depois de o ter ferido na idade da força com a desgraça do filho – o esmagava ao fim da velhice com a desgraça do neto.» (cap. XVII) Todos estes extractos apontam claramente o dedo subtil de uma entidade transcendente a Carlos e Maria Eduarda que os aproxima e que os há-de destruir. E neste aspecto a intriga escapa aos postulados dos cânones da estética naturalista que submetia todos os processos a um feroz racionalismo. O Destino compraz-se, assiste, atento e ciumento, à felicidade do par amoroso e, quando nada o fazia prever, aparece abertamente, enviando o seu mensageiro na pessoa do sr. Guimarães. 4 – Indícios da tragédia A intriga principal tem uma estrutura trágica, assemelhando-se o seu desenvolvimento ao de uma tragédia clássica. É fácil identificar nela os três momentos essenciais de uma tragédia: a “peripécia” – mutação súbita dos acontecimentos, no seu contrário -, a “anagnórise” (reconhecimento) – a revelação de um dado novo -, e a “catástrofe” – desenlace com morte. A peripécia verificou-se com as revelações de Guimarães a Ega sobre a identidade de Maria Eduarda; o reconhecimento, acarretado pelas revelações de Guimarães, muda as relações entre Carlos e Maria Eduarda em relações incestuosas, provocando a catástrofe consumada pela morte do avô e a separação definitiva dos dois amantes. Que a intriga era trágica, já o vinham anunciando inúmeros presságios de desgraça. A primeira série de indícios, mais e vagos e gerais, será relacionada com a própria família dos Maias, uma família perseguida pela fatalidade que, quase no início da obra é consciencializada no medo supersticioso do procurador Vilaça, ao referir a lenda do Ramalhete: «… aludia a uma lenda, segundo a qual eram sempre fatais aos Maias as paredes do Ramalhete…» Pedro submete-se a esse destino trágico que o separa e o lança nos braços de Maria Monforte que, com a sua fuga, o conduz ao suicídio. O próprio Carlos, educado num ambiente saudável de positivismo, não escapa à influência da onda trágica que vem envolvendo a família. Ega, ironizando, profetiza-lhe – tal com Don Juan – um fim trágico: «… e há-de vir a acabar desgraçadamente como ele, numa tragédia infernal…» «Ah, monsieur – exclamou a vasta ministra da Baviera, furiosa – méfieaz-vous… Vous connaissez le proverbe; herreux au jeu…» (cap. VIII)
  • 11. O facto de Carlos ter ganho o prémio das apostas, nas Corridas de Cavalos, leva a ministra da Baviera, com mau perder, a fazer referência ao ditado popular «Sorte ao jogo, azar ao amor». Este provérbio deixa adivinhar que Carlos não será feliz nas relações amorosas, já que teve sorte ao jogo. «… sobre uma estante ao lado, cheio de partituras de músicas, de jornais abertos, pousava um vasto vaso do Japão onde murchavam três belos lírios brancos…» (cap. XI) «Para perceber este caso, de um carácter nobre apanhado dentro de uma implacável rede de fatalidades, seria necessário um espírito mais dúctil, mais mundano que o do avô… O velho Afonso era um bloco de granito: não se podiam esperar dele as subtis discriminações de casuísta moderno.» (cap. XV) «Mas Maria Eduarda não gostou destes amarelos excessivos. Depois impressionou-se, ao reparar num painel antigo, defumado, ressaltando em negro do fundo de todo aquele oiro – onde apenas se distinguia uma cabeça degolada, lívida, gelada no seu sangue, dentro de um prato de cobre. E para maior excentricidade, a um canto, de cima de uma coluna de carvalho, uma enorme coruja empalhada fixava no leito de amor, com ar de meditação sinistra, os seus dois olhos redondos e agoirentos…» (cap. XIII) «- Há três anos, quando o sr. Afonso me encomendou aqui as primeiras obras, lembrei- lhe eu que, segundo uma antiga lenda, eram sempre fatais aos Maias as paredes do Ramalhete. O sr. Afonso da Maia riu de agouros e lendas… Pois fatais foram!» (cap. XVII) De facto, tudo parece condenar a ligação dos dois amantes: a sociedade, o pretenso marido de Maria Eduarda, a revelação da mentira, o «puritanismo» de Afonso e a própria consciência dos dois amantes. Logo aquando de um dos primeiros encontros na Rua de S. Francisco, Maria Eduarda afirma ser portuguesa, mas recusa-se a falar do seu passado. Carlos encontra em Maria Eduarda semelhanças com o avô. «Foi um encanto para Carlos quando Maria o associou às suas caridades, pedindo-lhe para ir ver a irmã da sua engomadeira, que tinha reumatismo, e o filho da srª Augusta, a velha do patamar, que estava tísico. Carlos cumpria esses encargos com o fervor de acções religiosas. E nestas piedades achava-lhe semelhanças com o avô.» (cap. XI) Ela, por sua vez, refere-se à parecença dele com a sua mãe. Maria Eduarda «nascera» em Viena; Carlos sabia da «morte» da mãe e da irmã também em Viena. A propósito da «hipotética morte» da filha de Pedro e Maria Monforte, facilmente se verifica que o leitor é induzido em erro e levado a pensar que essa criança morreu. Contudo, se o leitor estiver atento, facilmente chegará à conclusão de que a criança morta não é a filha de Maria Monforte e de Pedro, senão comparemos as descrições das respectivas crianças: Filha de Pedro e Maria Monforte Filha de Maria Monforte, que morrera em Londres «… linda bebé, muito gorda loura e cor de rosa com os belos olhos negros dos Maias…» «… adorável retrato de criança… um cabelo de azeviche… palidez de nácar… olhos negros…»
  • 12. A filha que morrera em Londres não poderia ser a filha de Pedro e Maria, porque essa era loura, enquanto a outra tinha cabelos negros, como se poderá verificar através das expressões em destaque. É ainda extraordinária a semelhança existente entre Maria Monforte e Maria Eduarda, parecendo que uma é a «cópia» da outra, o que irá de encontro à tese naturalista, igualmente explorada na obra. Essa semelhança poderá ser facilmente confirmada através do paralelismo que a seguir se apresenta. De salientar que, além das semelhanças físicas por demais evidentes, o narrador foi ainda mais longe, tendo usado frequentemente expressões iguais (as que se encontram em destaque) ou sinonímicas. Maria Monforte Maria Eduarda «… senhora loura…» «… senhora alta, loura…» «… cabelos louros, de um ouro fulvo…» «… Reflexos de cabelos de ouro…» «… carnação de mármore…» «… linhas ricas de mármore antigo…» «… magnífica criatura…» «… maravilhosamente bem feita…» «… resplandecente de jóias…» «… jóia exagerada de cocotte…» «… vivia num ninho de sedas azul-ferrete…» «… luxo secreto e raro de rendas…» «… um monte de meias de seda…» «… carnação ebúrnea…» «… carnação ebúrnea…» «… Juno loura…» «… seus esplêndidos braços de Juno…» «… testa curta e clássica…» «… perfil grave de estátua…» «… imortal e superior à Terra…» «… ideal de Renascença…» «… esplendor de uma Ceres…» «… ar castro e forte…» «… imagem… de uma deusa…» «… brilhante deusa…» «… passo soberano de deusa…» «… olhos maravilhosos…» «… negro profundo de dois olhos…» De destacar ainda a importância dos nomes das personagens: Maria Eduarda Runa, Maria Eduarda e Carlos Eduardo. «…Maria Eduarda! Era a primeira vez que Carlos ouvia o nome dela; e pareceu-lhe perfeito, condizendo bem com a sua beleza e serenidade. Maria Eduarda, Carlos Eduardo… Havia uma similitude nos seus nomes. Quem sabe se não pressagiava a concordância dos seus destinos…» Recuando um pouco na história dos Maias, recordaremos a relação doentia entre Pedro da Maia e a sua mãe Maria Eduarda Runa. Como consequência dessa relação doentia nada mais natural do que Pedro querer prestar um tributo à falecida mãe e dar aos seus filhos o nome da avó (Eduarda). O próprio narrador vai mais longe adiantando a possibilidade de «concordância dos destinos» de Carlos e Eduarda. As afinidades entre as duas personagens vão ao pormenor de ambas terem atribuído o mesmo nome a duas cadelinhas que tiveram. «… Carlos achava lindo este nome de Niniche. E era curioso, tinha tido uma galguinha italiana que se chamava Niniche…»
  • 13. Ao que parece, tudo se conjuga para aproximar as duas personagens de um modo absolutamente inevitável, como se uma força misteriosa os atraísse irremediavelmente. Ou então, talvez essa aproximação seja um indício da verdadeira identidade de Maria Eduarda. O SUBTÍTULO – EPISÓDIOS DA VIDA ROMÂNTICA A CRÓNICA DE COSTUMES OS FIGURANTES DE OS MAIAS Ao subtitular o seu romance, Eça apontou, desde logo, um objectivo de alcance estrutural e social: a interligação da acção principal com uma sucessão de acontecimentos de âmbito social que proporcionam a radiografia da sociedade lisboeta e, por extensão, de Portugal da segunda metade do século XIX. Cruges: Talento não reconhecido Rufino: Oratória «balofa» Sousa Neto: Administra- cão Pública Conde de Gouvarinho: Política Dâmaso: Corrupção/ Decadência moral Mulheres da sociedade; Mulher portuguesa Steinbroken/ filho do Sousa Neto: Diplomacia Palma «Cavalão»/ Neves: Jornalismo Cohen: Alta Finança Eusébio: Educação Portuguesa Craft: Aristocracia Inglesa Alencar/ Ega: Literatura Portuguesa SOCIEDADE PORTUGUE- SA
  • 14. Os Maias são, superficialmente, um fresco caricatural da sociedade portuguesa do século XIX em forma de crónica de costumes, com fortes características de romance folhetinesco. O aspecto maior da crónica de costumes é a crítica social corporizada em tipos sociais, representantes esteriotipados de mentalidades, estéticas, costumes, políticas, etc. Estes tipos sociais movem-se no espaço citadino de Lisboa, porque esta é o microcosmos que representa o macrocosmos: Portugal. Ega afirma: «Lisboa é Portugal». Ao longo do livro pululam personagens tipificadas às quais é atribuída uma função de representantes de um grupo, profissão, defeito, ou tendência que o autor pretende esclarecer, satirizar, destruir, através da crítica. Estes «tipos» vão surgindo em cenas, quadros, esboços de acontecimentos que, embora relacionados com a linha narrativa da acção principal, dela se afastam, contribuindo para o aprofundamento e complexidade da obra. A apresentação dessas personagens não é feita de uma maneira línea. Os Episódios da Vida Romântica constituem «flagrantes» da vida portuguesa, onde estão representados os defeitos caracterizadores da sociedade da segunda metade do século XIX, em múltiplos aspectos, através de figurantes. Nos episódios observam-se as acções, as atitudes e os comportamentos do protagonista da intriga principal – Carlos da Maia – e dos figurantes, representantes de diferentes aspectos da sociedade portuguesa da segunda metade do século XIX. Trata-se de uma tela viva, onde se movimentam figuras da elite portuguesa, pertencentes a diversos sectores (Finanças, Política, Diplomacia, Administração Pública, Jornalismo, Literatura, Aristocracia). O leitor é conduzido por Carlos da Maia aos diversos locais frequentados pelos mais importantes do Reino e, através do seu olhar, acede ao retrato desse Portugal medíocre, apático, atrasado, provinciano em que, por vezes, situações e personagens atingem a categoria de caricatura. O narrador critica, ironiza e deforma em excesso um ou vários traços caracterizadores da Nação, exprimindo, deste modo, a necessidade urgente de reformar os hábitos, os costumes e sobretudo a mentalidade de uma gente tão tacanha, tão limitada, tão ridícula. O romance Os Maias denuncia os vícios da Pátria para a qual Eça de Queirós olhava do exterior. De facto, o afastamento de Portugal, por razões profissionais, possibilitava-lhe a análise objectiva, por vezes impiedosa, de uma sociedade ridícula, decadente, tão distanciada da civilização estrangeira que ele tão bem conhecia. EPISÓDIOS Jantar no Hotel Central (cap. VI) Corridas de Cavalos no Hipódromo (Cap. X) Chás e jantar em casa do Conde de Gouvarinho (cap.s X e XII) No jornal A Tarde (cap. XV) Sarau no Teatro da Trindade (cap. XVI) Passeio final de Carlos e Ega (cap. XVIII)
  • 15. OS EPISÓDIOS MAIS IMPORTANTES 1 - O EPISÓDIO DO JANTAR NO HOTEL CENTRAL (CAP. VI) OBJECTIVOS: - homenagear o banqueiro Jacob Cohen; - proporcionar a Carlos um primeiro contacto com o meio lisboeta; - apresentar a visão crítica de alguns problemas: - proporcionar a Carlos a visão de Maria Eduarda. INTERVENIENTES: - João da Ega, promotor da homenagem e representante do Realismo/ Naturalismo; - Cohen, o homenageado, representante das Finanças; - Tomás de Alencar, o poeta ultra-romântico; - Dâmaso Salcede, o novo-rico, representante dos vícios do novo-riquismo burguês; - Carlos da Maia, o médico e o observador crítico; - Craft, representante da cultura artística e britânica. TEMAS DISCUTIDOS A LITERATURA E A CRÍTICA LITERÁRIA Tomás de Alencar: - opositor do Realismo/ Naturalismo; - Incoerente: condena no presente o que cantara no passado – o estudo dos vícios da sociedade; - Falso moralista: refugia-se na mora,, por não ter arma de defesa: acha o realismo/ naturalismo i moral; - Desfasado do seu tempo; - Defensor da crítica literária de natureza académica: preocupado com aspectos formais em detrimento da dimensão temática; preocupado com o plágio. João da Ega - Defensor do Realismo/ Naturalismo; - Exagera, defendendo o cientificismo na literatura; - Não distingue Ciência e Literatura. Carlos e Craft - Recusam o ultra-romantismo de Alencar; - Recusam o exagero de Ega; - Carlos acha intoleráveis os ares científicos do realismo; - Carlos defende que os caracteres se manifestam pela acção; - Craft defende a arte como idealização do que há de melhor na natureza; - Craft defende a arte pela arte O narrador - Recusa o ultra-romantismo de Alencar; - Recusa a distorção do Naturalismo contido nas afirmações de Ega; - Afirma uma estética próxima de Craft: «estilos novos, tão preciosos e tão dúcteis» - tendência parnasiana AS FINANÇAS - O país tem absoluta necessidade dos empréstimos ao estrangeiro; - Cohen é calculista e cínico: tendo responsabilidades pelo cargo que desempenha, lava as mãos e afirma alegremente que o país vai direitinho para a bancarrota. A HISTÓRIA E A POLÍTICA João da Ega - Aplaude as afirmações de Cohen; - Delira com a bancarrota como determinante da agitação revolucionária; - Defende a invasão espanhola; - Defende o afastamento violento da Monarquia; - Aplaude a instalação da República; Tomás de Alencar - Teme a invasão espanhola: é um perigo para a independência nacional; - Defende o romantismo político: uma república governada por génios; a fraternização dos povos; - Esquece o adormecimento geral do país.
  • 16. - A raça portuguesa é a mais covarde e miserável da Europa; - «Lisboa é Portugal! Fora de Lisboa não há nada.». Jacob Cohen - Há gente séria nas camadas políticas dirigentes; - Ega é um exagerado. Dâmaso Salcede - Se acontecesse a invasão espanhola, ele «raspava-se» para Paris; - Toda a gente fugiria como uma lebre. CONCLUSÕES A TIRAR: • Falta de personalidade; - Alencar muda de opinião quando Cohen o pretende; - Ega muda de opinião quando Cohen quer; - Dâmaso, cuja divisa é «Sou Forte», aponta o caminho fácil da fuga. • Incoerência: Alencar e Ega chegam a vias de facto e, momentos depois, abraçam- se como se nada tivesse acontecido. • Acima de tudo: a falta de cultura e de civismo domina as classes mais destacadas, salvo Carlos e Craft. 2 - AS CORRIDAS DE CAVALOS (CAP. X) OBJECTIVOS: - Novo contacto de Carlos com a alta sociedade lisboeta, incluindo o próprio rei; - Visão panorâmica dessa sociedade (masculina e feminina) sob o olhar crítico de Carlos; - Tentativa frustrada de igualar Lisboa às capitais europeias, sobretudo Paris; - Cosmopolitismo (postiço) da sociedade; - Possibilidade de Carlos encontrar aquela figura feminina que viu à entrada do Hotel Central. AS CORRIDAS: - 1ª Corrida: a do prémio dos «Produtos»; - 2ª Corrida: a do Grande Prémio Nacional; - 3ª Corrida: a do Prémio de El-Rei; - 4ª Corrida: a do Prémio de Consolação. VISÃO CARICATURAL: • O hipódromo parecia um palanque de arraial; • As pessoas não sabiam ocupar os seus lugares; • As senhoras traziam «vestidos sérios de missa»; • O bufete tinha um aspecto nojento; • A 1ª Corrida terminou numa cena de pancadaria; • As 3ª e 4ª Corridas terminaram grotescamente. CONCLUSÕES A TIRAR: • Fracasso total dos objectivos das corridas; • Radiografia perfeita do atraso da sociedade lisboeta; • O verniz de civilização estalou completamente; • A sorte de Carlos, ganhando todas as apostas, é indício de futura desgraça.
  • 17. 3 - O JANTAR DOS GOUVARINHOS OBJECTIVOS: - Reunir a alta burguesia e aristocracia; - Reunir a camada dirigente do país; - Radiografar a ignorância das classes dirigentes. ALVOS VISADOS CONDE DE GOUVARINHO: - Voltado para o passado; - Tem lapsos de memória; - Comenta muito desfavoravelmente as mulheres; - Revela uma visível falta de cultura; - Não acaba nenhum assunto; - Não compreende a ironia sarcástica do Ega; - Vai ser ministro. SOUSA NETO: - Acompanha as conversas sem intervir; - Desconhece o sociólogo Proudhon; - Defende a imitação do estrangeiro; - Não entra nas discussões; - Acata todas as opiniões alheias, mesmo absurdas; - defende a literatura de folhetins, de cordel; - É deputado. CONCLUSÕES A TIRAR: • Superficialidade dos juízos dos mais destacados funcionários do Estado; • Incapacidade de diálogo por manifesta falta de cultura. 4 - A IMPRENSA (CAP. XV) OBJECTIVOS: - Passar em revista a situação do jornalismo nacional; - Confrontar o nível dos jornais com a situação do país. JORNAIS ATINGIDOS A «CORNETA DO DIABO» - O director é o Palma «Cavalão», um imoral; - A redacção é um antro de porcaria; - Publica um artigo contra Carlos mediante dinheiro; - Vende a tiragem do número do jornal onde saíra o artigo; - Publica folhetinzinhos debaixo nível. «A TARDE» - O director é o deputado Neves; - Recusa publicar a carta de retractação de Dâmaso porque o confunde com um seu correligionário; - Desfeito o engano, serve-se da mesma carta como meio de vingança contra o inimigo político; - Só publica artigos ou textos dos seus correligionários políticos. CONCLUSÕES A TIRAR: • Baixo nível; • A intriga suja; • O compadrio político; • Tais jornais, tal país.
  • 18. 5 - O SARAU DA TRINDADE (CAP. XVI) OBJECTIVOS: - Ajudar as vítimas das inundações do Ribatejo; - Apresentar um tema querido da sociedade lisboeta: a oratória; - Reunir novamente as várias camadas das classes mais destacadas, incluindo a família real; - Criticar o ultra-romantismo que encharcava o público; - Contrastar a festa com a tragédia OS ORADORES RUFINO: - O bacharel transmontano; - O tema do Anjo da Esmola; - O desfasamento entre a realidade e o discurso; - A falta de originalidade; - O recurso a lugares-comuns; - A retórica oca e balofa; - A aclamação por parte do público tocado no seu sentimentalismo. ALENCAR: - O poeta ultra-romântico - O tema da Democracia Romântica; - O desfasamento entre a realidade e o discurso; - O excessivo lirismo carregado de conotações sociais; - A exploração do público seduzido por excessos estéticos estereotipados; - A aclamação do público. CONCLUSÕES A TIRAR: • As classes dirigentes alheadas da realidade; • Uma sociedade deformada pelos excessos líricos do Ultra-Romantismo; • Tal oratória, tal país. 6 - O EPISÓDIO FINAL: O PASSEIO DE CARLOS E EGA (CAP. XVIII) O último capítulo funciona como o epílogo do romance, dez anos depois de acabada a intriga. O passeio final de Carlos e Ega em Lisboa ocorre dez anos depois dos episódios até agora analisados. É semelhante aos outros nos objectivos críticos e diferente porque tem uma dimensão ideológica e o processo de representação é de carácter simbólico. Os espaços percorridos estão impregnados de conotações históricas e ideológicas. Os espaços percorridos por Carlos e Ega podem agrupar-se em três conjuntos: o primeiro domina a estátua de Camões que, triste, evoca o passado glorioso da epopeia portuguesa (anterior a 1580) e desperta um sentimento de nostalgia. Com efeito encontra-se perdida e envolvida por uma atmosfera de estagnação. No segundo, dominam aspectos ligados a Portugal absolutista (anterior a 1820): é a parte antiga da cidade. Embora recusado este tempo pela perspectiva de Carlos, não deixa de manifestar uma autenticidade nacional, destruída pelo presente afrancesado e decadente. No terceiro domina o presente (o tempo da Regeneração, a partir de 1851), tempo da decadência, do fracasso da restauração, da destruição. As tentativas de recuperação não mobilizaram o país, quer porque de alcance muito restrito (caso do monumento dos Restauradores), quer porque imitações erradas de modelos culturais alheios (caso do francesismo). O Ramalhete integra-se neste conjunto no sentido em que, atingido pela destruição e pelo abandono, pode funcionar como sinédoque da cidade e do país, retirada a dimensão individual.
  • 19. Em conclusão, o plano da crónica de costumes, que constitui o espaço social de Os Maias, possibilitou um exame profundamente crítico da alta sociedade lisboeta da segunda metade do século XIX. Este espaço social será também precioso para detectarmos algumas coordenadas da estética naturalista. ENTRADA DAS PERSONAGENS EM CENA À volta de cada uma das personagens-centro das gerações tratadas no livro desenha- se uma série de figuras representativas de classes, grupos sociais, tendências, vícios e virtudes nacionais. Caetano da Maia Esposa; frei Jerónimo da Conceição; Fanny; primas Cunhas; brigadeiro Sena; D. Miguel… Afonso da Maia Maria Eduarda Runa; absolutistas/ liberais; Vilaça; condessa de Runa; abade; D. Ana Silveira; D. Eugénia; o doutor delegado; Carlos; Conde de Steinbroken; Marquês de Souselas; D. Diogo; Sequeira; Taveira… Pedro da Maia Alencar; Taveira; Maria Monforte, napolitano… Carlos da Maia Ega; Eusebiozinho; Condes de Gouvarinho; Cohen; Dâmaso; Teles da gama; Cruges; Craft; Taveira… Estes tipos vão surgindo, lenta e naturalmente, em pequenas «cenas» que reflectem aspectos da vida social, servindo o propósito crítico do autor. De uma maneira geral, as situações criadas obedecem à seguinte orientação comum: - integração num ambiente de interior; - focalização sobre uma figura ou grupo relativamente homogéneo; - preestabelecimento da teoria ou princípio a discutir; - multiplicidade de pontos de vista, visando uma imagem o mais completa possível; - distribuição organizada de modo a permitir o tratamento de temas inerentes à organização e vivência sociais: arte, literatura, política, desporto, jornalismo, educação… Cada um destes temas vai-se consolidando ao longo da obra por diversos aparecimentos, discretos em algumas cenas, atingindo por vezes uma maior grau de desenvolvimento em determinado quadro que lhe parece ser destinado. A TIPIFICAÇÃO DAS PERSONAGENS Eça dá-nos tipos sociais (não individualidades), que requerem ser apresentados nos diversos e particulares espaços sociais em que actuam. O escritor apresenta uma visão da sociedade do seu tempo, onde a classe burguesa ocupa um espaço predominante. Por sua vez, esta composição global da sociedade portuguesa é limitada, uma vez que se centra apenas em Lisboa, ou quase só em Lisboa (resumo de todo o país). Os vários quadros de representação social surgem como zonas de irradiação de um núcleo espacial permanente: o Ramalhete, local de onde partem e onde regressam os principais elementos de uma elite intelectual.
  • 20. Verifica-se que: - As personagens são apresentadas em estruturas sociais de grupo – jantares, soirées, bailes, chás, espectáculos – onde a participação dos seus frequentadores é particularmente activa e dialogante (domínio da caracterização indirecta); - Tais reuniões têm um carácter acentuadamente convencional e mundano (menos o Ramalhete) e as pessoas a elas assíduas, pela «toilette» de circunstância, pela palavra e medida, pela pose necessária, actuam mais de jeito de representação do que de expressão vital; - Os locais onde os citados ajuntamentos se efectuam correspondem a áreas fechadas (até mesmo o hipódromo); - As instituições, classes e grupos sociais da vida portuguesa do tempo vão sendo criticadas em quadros sucessivos, através de figuras típicas, representativas das mesmas instituições, classes e grupos; para fechar a série, o autor organiza um quadro final mais amplo, onde se reúne um grande grupo de figurantes já apresentados individualmente nos quadros anteriores e que completam a panorâmica social (Sarau da Trindade); - Eça dá-nos ainda um quadro geral de remate, o último, correspondente à descrição da cidade de Lisboa (país), feita quando da visita de Carlos a Lisboa, 10 anos depois da sua instalação para sempre em França. Este quadro serve de suporte à tese de Eça: concorrência inoperante da acção de uma burguesia tacanha que governa mal e do ócio de uma elite diletante que se mostra incapaz de governar. O final da obra faz adivinhar um futuro que, tudo leva a crer, confirmará a degenerescência do presente, onde já nem se divisa a promessa de uma nova elite com planos de acção, de qualquer projecto de renovação para o país. O pessimismo desta visão final da sociedade portuguesa, que fecha Os Maias, corresponde em parte à falência dos ideais de intervenção da própria geração de 70. - O caso do Eusebiozinho Fatalmente predestinado a um fracasso existencial pelo autor que, de início, o concebe como grotesca criatura – produto de um meio ignorante e malicioso -º, a personagem não escapa a estes limites. Como acontece à maior parte das personagens em Os Maias, o seu fracasso afirma-se a dois níveis diferentes: 1 – No plano afectivo: recolhido às saias da mãe, considerando suprema ventura poder dormir com ela, sempre molengão e tristonho, cada na Régua e cedo fica viúvo, aparece fúnebre, macambúzio, procurando esconder as suas relações com uma prostituta espanhola; novamente casado é derreado pela mulher à pancada; 2 – No plano sócio-profossional: todos os projectos da personagem, ou melhor, as ambições que outrem tivera por ele, estão igualmente condenadas ao fracasso. O prometido bacharel, o menino prodígio, de nariz sempre enfronhado nos livros, torna-se um reles politiqueiro de baixa categoria, comprometendo a sua dignidade na questão suja do artigo da «Corneta do Diabo». Eusebiozinho surge estaticamente em vários quadros ou através de referências breves e esporádicas do autor ou algumas das suas personagens. Não actua. Parece cumpri apenas a função de antemão delineada de tipo-representante de erros hereditários e sociais. A EDUCAÇÃO EM OS MAIAS Eusebiozinho, juntamente com Pedrinho e Carlos, serve para ilustrar a educação que se ministrava em Portugal nos finais do século XIX. De um lado, temos Eusébio e Pedro, que
  • 21. vão receber a educação tradicional portuguesa, do outro lado, temos Carlos, que recebe uma educação moderna (britânica). A tese que se pretende provar é que a educação é um factor determinante na formação/ deformação, no sucesso/ insucesso do indivíduo. Educação Tradicional Portuguesa Educação moderna britânica - baseia-se na memorização simples de conteúdos sem fins práticos; - baseia-se na explicitação/ compreensão do mundo que nos rodeia; - estudam-se os autores clássicos; - estudam-se os autores actuais; - estuda-se uma língua morta – o latim; - estuda-se uma língua viva – o inglês; - educação religiosa austera; - educação religiosa ausente/ inexistente; - super-protecção do indivíduo: anda ao colo da/s criada/s/ titi/ mamã; dorme acompanhado e com a lamparina acesa; sempre abafado em casacos e mantas; não sai de casa; não se pratica qualquer actividade física; - educação rígida: dorme sozinho e de luz apagada; adormece e acorda cedo e a horas certas; toma banhos de água fria; brinca na rua, apanha sol/ chuva; corre, salta, rema, faz ginástica; rigor na alimentação, a horas certas e criteriosamente seleccionada; - Inibe-se a vontade própria do indivíduo; - desenvolve-se o espírito crítico e de iniciativa; - Inexistência da preocupação com a cultura física; - preocupação em desenvolver o indivíduo fisicamente; - os progenitores decidem qual o destino da criança. - a criança toma decisões sobre o seu futuro. Mediante estes dois tipos de educação tão contrários, é lógico que as expectativas são completamente diferentes. Em relação ao primeiro modelo (educação tradicional portuguesa), as expectativas são negativas. À partida, o indivíduo assim educado está condenado ao fracasso, que é uma consequência praticamente inevitável. Daí se entender o resultado final de Pedro (suicida-se) e de Eusébio (é obrigado a casar com uma mulher que lhe dá valentes tareias). Já em relação ao segundo modelo (educação moderna britânica), espera-se que o indivíduo alcance o sucesso desejado. Contudo, Carlos acaba também por fracassar. Todos os seus projectos caem por terra (abandona o consultório, abandona o laboratório, abandona o projecto de escrever um livro sobre medicina, abandona o ideal de fazer alguma coisa para tirar o país da mediocridade a que estava votado). Igualmente no plano afectivo o fracasso é total. Depois da tragédia que se abate sobre a família, Carlos desiste de viver e desiste de amar. Carlos fracassa ainda como ser humano. O homem que surge, após a descoberta da verdade identidade de Maria Eduarda, é um ser fragilizado, sem dignidade, sem honra, um ser monstruoso e repugnante. É pensando apenas em si, agindo de modo egoísta, que Carlos revela brutalmente a seu avô a verdade sobre Maria Eduarda, sem pensar sequer no sofrimento daquele homem já bastante velho e maltratado pela vida. Carlos é um homem que se deixa dominar completamente pelo coração, pelos sentidos e pelas sensações, incapaz de enfrentar uma situação difícil. Não tem pejo em voltar a cometer o incesto, mas já de uma forma perfeitamente consciente, e não uma vez, mas duas. Finalmente, é um cobarde, que foge para Santa Olávia, deixando a Ega a delicada missão de revelar toda a verdade a Maria Eduarda. É um heróis fraco e com «pés de barro». Porque fracassa Carlos? Pedro fracassou por causa da educação, mas Carlos fracassou apesar da educação. Não podemos esquecer que Carlos é um português. A educação britânica não é suficiente para o tornar diferente do resto dos portugueses. A verdade é que ele, devido á sua
  • 22. personalidade latina, ao típico sentimentalismo, ao espírito pouco prático, à alma romântica, ao gosto pelos «vocabulário mavioso» está condenado a ser mais um «vencido da vida». A própria sociedade onde o indivíduo se insere é também responsável por esse fracasso. Quem compreenderia Cruges, se ele compusesse uma ópera? Quem entenderia Ega, se ele escrevesse uma obra-prima? Quem seria capaz de entender Carlos, se ele fizesse um estudo apurado sobre a medicina? NINGUÉM! Além disso, não se pode esquecer a força do destino, que parece perseguir a família dos Maias e condena Carlos a um final trágico. A LINGUAGEM SIMBÓLICA O símbolo “é uma palavra, uma frase ou qualquer outra forma de expressão à qual se associa um complexo de significados; neste sentido, considera-se que o símbolo tem valores diferentes dos daquilo que é simbolizado” (Harry Shaw, Dicionário de Termos Literários) Em Os Maias, os símbolos estão presentes ao longo de toda a obra. Observemos alguns: RAMALHETE «O nome Ramalhete provinha de certo de um revestimento quadrado de azulejos (…) representando um grande ramo de girassóis» (cap. I) Simbolismo: nobreza rural, ligação de família à terra Quintal do Ramalhete: 1ª descrição: «um pobre quintal inculto, abandonado às ervas bravas com um cipreste, um cedro, uma cascatazinha seca, um tanque entulhado, e uma estátua de mármore (onde Monsenhor reconheceu logo Vénus de Citereia) enegrecendo a um canto na lenta humidade das ramagens silvestres» (cap.I) 2ª descrição: «seu quintalejo (…) tinha o ar simpático com os seus girassóis perfilados ao pé dos degraus do terraço, o cipreste e o cedro envelhecendo juntos como dois amigos tristes, e a Vénus Citereia parecendo agora, no seu tom claro de estátua de parque, ter chegado de Versalhes, do fundo do grande século… E desde que a água abundava a cascatazinha era deliciosa (…) com os seus pedregulhos arranjados em despenhadeiro bucólico» (cap.I) 3ª descrição: «em baixo o jardim, bem areado, limpo e frio na sua nudez de Inverno, tinha a melancolia de um retiro esquecido, que já ninguém ama, uma ferrugem verde de humidade, cobria os grossos membros de Vénus Citereia; i cipreste e o cedro envelheciam juntos como dois amigos num ermo: e mais lento corria o prantozinho da cascata» (cap. XVIII)
  • 23. SIMBOLISMO QUINTAL JARDIM 1ª descrição: Tristeza decadência Decadência 2ª descrição: Alegria Recuperação 3ª descrição: Morte Esquecimento VÉNUS DE CITEREIA 1ª descrição: Visão negativa da mulher (Maria Monforte) 2ª descrição: Visão positiva da mulher (Maria Eduarda) 3ª descrição: Corresponde à visão de Carlos no último encontro com Maria Eduarda CIPRESTE E CEDRO 1ª descrição: Valor intemporal da amizade incorruptível 2ª descrição: Valor intemporal da amizade incorruptível 3ª descrição: Valor intemporal da amizade incorruptível
  • 24. Os móveis do escritório de Afonso «Todos os móveis do escritório do avô desapareciam sob os largos sudários brancos.» (cap. XVIII) Nos diversos símbolos destacados não é difícil lermos o percurso da família dos Maias. Desde o início, desabitado, quando Afonso vive no retiro de santa Olávia, o Ramalhete não tem vida: em seguida, habitado, preparado para receber Carlos, torna-se símbolo da esperança e da vida: a estátua e a cascata transformam-se. É como que um renascimento; finalmente, a tragédia bate-se sobre a família e eis a cascata chorando, esfiando as últimas gotas de água, a estátua coberta de ferrugem. Tudo aponta para um carácter funéreo, uma espécie de cemitério areado e limpo, tendo como guardas o cipreste e o cedro – árvores que, pela sua longevidade, significam a vida e a morte. Foram testemunhas das várias gerações dos Maias que se foram. Os móveis do escritório de Afonso estão cobertos de panos brancos que são comparados a mortalhas com que se envolvem os cadáveres. A morte instala-se definitivamente nesta família. E, se os Maias representarem Portugal, a morte instalou-se neste país. TOCA «O melhor é baptizá-la definitivamente com o nome que nós lhe dávamos. Nós chamávamos-lhe a Toca» (cap. XIII) «só o meter a chave devagar e com uma inútil cautela na fechadura daquela morada discreta, foi para Carlos um prazer» (cap. XIII) «uma tarde, (…) experimentam ambos essa chave» (cap. XIV) «Era uma alcova recebendo a claridade de uma sal forrada de tapeçarias, onde desmaiavam, na trama de lã, os amores de Vénus e Marte» (cap. XIII) Simbolismo: relação incestuosa entre irmãos «painel antigo, defumado, ressaltando em negro do fundo de todo aquele oiro – onde apenas se distinguia uma cabeça degolada, lívida, gelada no seu sangue, dentro de um prato de cobre.» (cap. XIII) Simbolismo: sacrifício de Afonso devido à relação incestuosa dos netos «a um canto, de cima de uma coluna de carvalho uma enorme coruja empalhada fixava no leito de amor, com um ar de meditação sinistra, os seus dois olhos redondos e agoirentos…» (cap. XIII) Simbolismo: tragédia, infelicidade, morte. «o famoso armário, o “móvel divino” do Craft» (cap. XIII «na base quatro guerreiros» (cap. XIII) «a peça superior era guardada aos quatro cantos pelos quatro evangelistas» (cap. XIII) «espigas, foices, cachos de uvas e rabiça de arados» (cap. XIII) CASCATAZINHA 1ª descrição: ausência de vida 2ª descrição: alegria felicidade 3ª descrição: tristeza, abandono, recordação saudosa
  • 25. «dois faunos, recostados em simetria, indiferentes aos heróis e aos santos» )cap. XIII) «Mas o que mais agradou foram as faianças» (cap. III) «era ao centro um ídolo japonês de bronze, um deus bestial» (cap. XIII) Toca é o nome dado à habitação de certos animais, o que, desde logo, parece simbolizar o carácter animalesco deste relacionamento amoroso. Carlos introduz a chave no portão da Toca com todo o prazer, o que sugere não só o símbolo do poder, mas também o do prazer das relações incestuosas (símbolo fálico); da segunda vez que se alude à chave, os dois experimentam-na. É evidente que a chave se torna símbolo da mútua aceitação e entrega. Os aposentos de Maria simbolizam o carácter trágico da sua relação, a profanação das leis humanas e cristãs, a sensualidade pagã excessiva. Os guerreiros simbolizam a heroicidade, os evangelistas, a religião e os troféus agrícolas, o trabalho; qualidades que terão existido um dia nesta família (e em Portugal) e que agora estão completamente arredados. Os dois faunos simbolizam os dois amantes numa atitude hedonista e desprezadora de tudo e de todos. O ídolo japonês remete para a sensualidade exótica, heterodoxa, bestial desta ligação incestuosa. AS CORES (dominantes) Vermelho «ao lado de Maria com uma camélia escarlate na casada» (cap. I) «aquela sombrinha escarlate (…) quase o envolvia, parecia envolvê-lo todo. Como uma larga mancha de sangue» (cap. I) «abria lentamente um grande leque negro pintado de flores vermelhas» (cap. XV) «todas as cadeiras forradas de repes vermelhos» (cap. XI) «transparentes novos de um escarlate estridente» (cap. VI) Vermelho – sensualidade, paixão, consanguinidade, transgressão A cor vermelha tem um carácter duplo: ora feminina e nocturna, de poder centrípeto, ora masculina e feminina, de poder centrífugo. Maria Monforte e Maria Eduarda são portadoras de um vermelho feminino, fogo que desencadeia a libido, despertando a sensualidade à sua volta. Espalham também a morte. É que a paixão excessiva é destruidora. Provoca o suicídio de Pedro, a morte de Afonso e o desejo da morte em Carlos. Os olhos vermelhos do avô, caminhando para a morte, vararam Carlos de tal forma que este pensou demoradamente na morte. Verde – esperança, cor relacionada com a medicina, medicamentos; também pode representar o sexo feminino Amarelo – juventude, fertilidade; também pode anunciar declínio, abismo, morte Dourado – poder, eternidade, amor, sabedoria O tom amarelo e dourado está também omnipresente. O amarelo indica o carácter ardente da paixão. É uma cor dupla: luz do ouro, de essência divina – e luz da terra, Verão e Outono. No primeiro caso, é a cor dos deuses, veículo do poder, da juventude e da eternidade; no segundo, é anunciadora da velhice, do Outono, da proximidade da morte. Morte claramente prefigurada na cor negra, símbolo de uma paixão possessiva e destruidora. Negro «seus olhos muito negros» (cap. III) «dois olhos maravilhosos irresistíveis» (cap. I) Negro – morte, tristeza, sofrimento
  • 26. Maria Monforte e Maria Eduarda, mãe e filha, conjugam estas três cores: cabelos de ouro, olhos pretos e leque negro pintado de flores vermelhas, sombrinha escarlate. Elas são a vida e a morte; o divino e o humano; a aparência e a realidade; a força que se torna fraqueza. CARACTERIZAÇÃO DAS PERSONAGENS PERSONAGENS DA INTRIGA Afonso da Maia «Afonso era um pouco baixo, maciço, de ombros quadrados e fortes: e com a sua face larga de nariz aquilino, a pele corada, quase vermelha, o cabelo branco todo cortado à escovinha, e a barba de neve aguda e longa» (cap. I) Enquanto jovem, adere aos ideais do Liberalismo e é obrigado, pelo pai, a sair de casa. Instala-se em Inglaterra, em casa de uma tia e aí vive no meio do conforto. Falecido o pai, volta a Lisboa e casa com Maria Eduarda Runa, filha do conde de Runa. Vive muito para o neto Carlos. Já velho, passa o tempo em conversa com os amigos, lendo e emitindo juízos sobre a necessidade de renovação do país. Morre de uma apoplexia quando tem conhecimento dos amores incestuosos de seus netos, Carlos e Maria Eduarda. É apresentado pelo narrador como o símbolo do velho Portugal, que contrasta com o novo Portugal – o da Regeneração -, cheio de defeitos. Era nobre, rico, ateu, de ideologia liberal, preconceituoso, austero, simpático, afável, caridoso, culto. Pedro da Maia «O Pedrinho (…) ficara pequenino e nervoso como Maria Eduarda (…) a sua linda face oval de um trigueiro cálido, os dois olhos maravilhosos e irresistíveis, prontos sempre a humedecer-se, faziam-no assemelhar a um belo árabe (…) Era em tudo um fraco; e esse abatimento contínuo de todo o seu ser resolvia-se a espaços em crises de melancolia negra, que o traziam dias e dias mudo, murcho, amarelo, com as olheiras fundas e já velho. O seu único sentimento vivo, intenso, até aí, fora a paixão pela mãe» (cap. I) É o prolongamento físico e temperamental da mãe. É vítima do meio baixo lisboeta e de uma educação retrógrada. Falha no casamento e falha como homem, suicidando-se. Era instável, boémio, dado a crises de devoção. Maria Monforte Era bela, loira, «de um oiro fulvo», tinha a «testa curta e clássica: os olhos maravilhosos iluminavam-na toda», «carnação de mármore», «perfil grave d estátua», elegante, esbelta, com toilettes excessivas «sempre decotada como em noites de gala», «resplandescente de jóias» (cap. I) É sensual e vítima da literatura romântica. É uma desconhecida em Lisboa, mas causa sensação pela sua beleza e pelo seu luxo. Pedro apaixona-se por esta mulher, com quem casa. Foge com o napolitano Tancredo, levando consigo a filha Maria Eduarda e abandonando o marido e o filho. Morto Tancredo num duelo, leva uma vida dissipada e morre quase na miséria. Era caprichosa, exigente, leviana e adúltera. Carlos da Maia «Era decerto um formoso e magnífico moço, alto, bem feito, de ombros largos, com uma testa de mármore sob os anéis dos cabelos pretos e os olhos dos Maia, aqueles olhos irresistíveis do pai, de um negro líquido, ternos como os dele e mais graves. Trazia a barba
  • 27. toda, muito fina, castanho-escura, rente na face, aguçada no queixo – o que lhe dava, com o bonito bigode arqueado aos cantos da boca, uma fisionomia de belo cavaleiro da Renascença.» (cap. IV) A narrativa, no que se refere a esta personagem, compreende as seguintes etapas: a época da formação de Carlos (cap. III), os seus estudos em Coimbra (cap. IV), a vida social em Lisboa e a sua intriga (cap.s IV – XVII), o seu regresso a Lisboa, não para se reinstalar, mas para a apresentação de significados simbólicos e ideológicos (cap. XVIII). Destacam-se, na sua personalidade, as características seguintes: homem viajado, culto, de bom gosto, amante do luxo, cosmopolita, sensual, inteligente, diletante e dandy. Falhou em parte devido ao meio onde se instalou – uma sociedade parasita, ociosa, fútil, sem estímulos – e em parte devido a aspectos hereditários – a fraqueza e a cobardia do pai, o egoísmo, a futilidade e o espírito boémio da mãe. Maria Eduarda Maia «Era uma senhora alta, loira, com meio véu muito apertado e muito escuro que realçava o esplendor da sua carnação ebúrnea», «maravilhosamente bem feita, deixando atrás de si como uma claridade, um reflexo de cabelos de oiro, e um aroma no ar.» (cap. VI) Quem era esta «deusa»? Até aos 16 anos viveu num colégio perto de Tours. Viveu depois em Paris, com o irlandês Mac Green, de que teve a filha Rosa: Morto Mac Green na guerra contra os alemães, conheceu o brasileiro Castro Gomes e, como esposa dele, chega a Lisboa. Esclarecida a sua situação de amante de Castro Gomes e não de esposa, Carlos apaixona-se por Maria Eduarda. Passam uma vida transitoriamente feliz. Guimarães destrói essa felicidade, apresentando os documentos da sua verdadeira identidade. Parte para Paris e acaba por casar com Mr. Trelain, casamento, segundo o ponto de vista de Carlos, de dois seres desiludidos. Pode dizer-se que é vítima do meio pernicioso onde passa a infância, a adolescência e a juventude. Culta, viajada, de bom gosto, mãe dedicada, caridosa, educada, sensual. João da Ega «Figura esgrouvinhada e seca», com «os pêlos do bigode arrebitados», «nariz adunco, um quadrado de vidro entalado no olho direito» (cap. IV) É a projecção literária de Eça de Queirós. É uma personagem contraditória: por um lado, romântico e sentimental, por outro, progressista e crítica sarcástico do Portugal do Constitucionalismo. Diletante, concebe grandes projectos literários que nunca chega a realizar. Nos últimos capítulos, ocupa um papel de grande relevo no desenrolar da intriga. É a ela que Guimarães entrega o cofre com os dados biográficos de Maria Eduarda. É ele que procura Vilaça para lhe revelar a identidade de Maria Eduarda. Ele e Carlos revelam a novidade a Afonso. É ele que revela a verdade a Maria Eduarda. É ainda ele que a acompanha ao comboio e se despede, quando ela parte definitivamente para Paris. Amigo íntimo de Carlos, estudante de Direito, original, ateu, demagogo, audaz, revolucionário, boémio, satânico, rebelde, sentimental. PERSONAGENS DA CRÓNICA DE COSTUMES Eusebiozinho Em criança: o morgadinho, uma «maravilha muito falada naqueles sítios» (Santa Olávia), adoentado, macilento, «facezinha trombuda», «olhinhos vagos e azulados», «perninhas bambas», «vestido de escocês», apático, molengão, passivo, subornável, melancólico. (cap. III) Em adulto: «cabelo chato», «amarelado, despenteado, carregado de luto», «lunetas pretas» (cap. VIII) Viúvo, fúnebre, forreta, macambúzio.
  • 28. Craft Baixo, loiro, pele rosada e fresca, aparência fria, musculatura de atleta, vestido de fraque, de educação britânica, modo calmo e plácido, excêntrico, viajado, rico, coleccionador de obras de arte. Steinbroken Vestido de modo britânico, «olhar azul claro e frio», «cabelos de loiro de espiga» Diplomata fino, grande entusiasta de Inglaterra, entendedor de vinhos, acrítico. Cruges Grenha crespa, olhinhos piscos, nariz espetado, melancólico, tímido, reservado, músico talentoso. Conde de Gouvarinho Alto, de luneta de ouro, bigode encerado, pêra curta, «poseur», «um asno», «um caloteiro», maçador, pequinhento, forreta, aborrecido, grosseiro, provinciano, voz lenta e rotunda, desmemoriado, sem cultura histórica, deputado, pertencente ao Centro Progressista. Condessa Gouvarinho Trinta e três anos, «cabelos cor de brasa, «pele de cetim», «pé fino e comprido», «arzinho de provocação e de ataque», «aroma de verbena», requintada, burguesa adúltera e frustrada. Dâmaso Rapaz baixote, gordo, bochechudo, cabelo frisado, ar provinciano, vestido de modo ridículo, exibicionista, vaidoso, cobarde e grosseiro na expressão linguística. Alencar Muito alto, todo abotoado numa casaca preta, face escaveirada, nariz aquilino, «longos, espessos, românticos bigodes grisalhos» (cap. VI), calvo na frente, grenha muito seca, dentes estragados, teatral «em toda a sua pessoa havia alguma coisa de antiquado, de artificial e de lúgubre» (cap. VI). Poeta ultra-romântico. (Jacob) Cohen Baixo, apurado, de olhos bonitos, suíças pretas e luzidias, mão com diamante, irónico, irresponsável. Director do Banco Nacional. Raquel Cohen Trinta anos, alta, pálida, de saúde frágil, «cabelos negros ondeados, belos pesados», ar lânguido, luneta de ouro presa por um fio de ouro, culta. Era considerada uma das primeiras da elite portuguesa. Palma «Cavalão» Gordo, baixo, «sem pescoço», «com luneta de vidros grossos», «face larga, balofa e cor de cidra», «face luzidia», «dedos moles e de unhas roídas» (cap. VIII), linguagem e modos grosseiros, cobarde e materialista. Director do jornal Corneta do Diabo. Neves Palavroso, de grande vozeirão, grave, mal vestido, exibicionista, parcial, tendendioso, oportunista, admirador do Conde de Gouvarinho, deputado, director do jornal A Tarde.
  • 29. Sousa Neto «Três enormes corais no peitilho da camisa», ignorante, apático, arrogante. Oficial superior da Instrução Pública. O TEMPO 1 - TEMPO HISTÓRICO A Regeneração abrange aproximadamente o terceiro quartel do século. O levantamento militar de Saldanha, em 1851, impõe o Acto Adicional à Carta, que põe termo à discussão constitucional entre cartistas e setembristas. Em 1876, verifica-se uma grave crise económica e celebra-se o Pacto da Granja, que cria o Partido progressista, iniciando com o rotativismo a fase final do regime monárquico constitucional. Dentro deste intervalo decorre o período decisivo da construção dos caminhos-de- ferro e outros meios de transporte e comunicações, que produzem, como consequência imediata mais importante, a unificação do mercado interno português e a integração da agricultura no capitalismo para o que contribui a eliminação dos últimos morgadios em 1863. Portugal continua sendo essencialmente «uma granja e um bando» mas, sob os pontos de vista da organização financeira e da estrutura jurídica, aproveita a experiência dos países mais adiantados e prepara-se para a sua fase de industrialização capitalista, que principiará no último quartel do século; o número de estabelecimentos bancários sobe de três para 51 entre 1858 e 1875 e a formação de sociedades capitalistas anónimas, condicionada à autorização governamental pelo código de 1833, torna-se livre desde 1867, existindo já 136 sociedades dessas em 1875. Mantém-se o mesmo desequilíbrio entre o desenvolvimento do crédito bancário e o fomento agrícola e industrial e, portanto, a tendência para a especulação desenfreada que conduziu à crise de 1876 e ao descrédito do regime. Mas enquanto a crise não estala, a época parece ser de regeneração, de progresso, de melhoramentos materiais. Aos conflitos de 1834-18521, entre a grande e a pequena burguesia, segue-se uma acalmia e uma apatia política geral. No entanto, certas camadas da pequena burguesia, os jovens universitários, certas profissões novas e orientadas para as coisas novas (engenheiros, tipógrafos) não deixam nunca de fazer sentir literária e doutrinamente um descontentamento que cresce e se define ao longo do período. ROTEIRO DA EVOLUÇÃO POLÍTICO-PARTIDÁRIA 1851 • Triunfo da Regeneração • Formação de dois partidos: um da ala direita (Regeneradores), outro da ala esquerda (Históricos ou Progressistas) 1851 a 1870 • Alternância destes dois partidos no poder (1º rotativismo partidário 1870 • Dissidência no Partido Histórico. Forma-se um novo partido: o Partido Reformista 1876 • Reformistas e Históricos fundem-se num novo partido Progressista (Pacto da Granja) 1876 • O Partido Progressista alterna no poder com o Partido Regenerador (2º rotativismo partidário) De 1876 até ao fim do século • José Luciano de Castro, chefe dos Progressistas, e Hintze Ribeiro forma os políticos mais representativos deste período
  • 30. 2 – TEMPO NARRATIVO (tempo da história ou cronológico de Os Maias) A obra abrange nada menos de quatro gerações, ou seja, desenrola-se desde fins do século XVIII, princípios do século XIX (Caetano e Afonso) até 1886 (Carlos). Os factos narrados ocupam um período de cerca de 67 anos ( entre 1820 e 1887). Em Os Maias há ainda a distinguir: a) O tempo da novela; b) O tempo do romance. A) O tempo da novela Novela – rápido encadeamento de factos que sucedem uns aos outros num apressado fluir temporal. Encontramos exactamente este processo na primeira parte da obra (até ao cap. III, inclusive). Uma vez integrado o leitor no cenário do Ramalhete reabitado, ele é conduzido a uma rápida viagem no tempo. Em dois capítulos passam a juventude de Afonso, a paixão trágica de Pedro e o nascimento do último varão da família dos Maias – Carlos. Em seguida, assiste-se ao fluir da infância/ juventude de Carlos com a mesma rapidez. Só entramos definitivamente no romance, quando Afonso deixa Santa Olávia e Carlos regressa da sua viagem: «Chegara esse Outono de 1875…». B) O tempo do romance Tempo real – Do cap. IV até ao final, vamos encontrar um ano de poucos meses da vida de Carlos. No Outono de 1875, Carlos regressa a Lisboa, após uma linga viagem do fim de curso e em Janeiro de 1877 Carlos parte definitivamente do Ramalhete. Uma longa série de extensos capítulos para abarcar aproximadamente 15 meses (Outubro de 1776 a Janeiro de 1877): é a réplica que o romance dá à novela que se ocupa, em três capítulos, dos longos anos das três gerações. 3 – TEMPO PSICOLÓGICO É o tempo subjectivo filtrado pelas vivências e pelas emoções das personagens. «… É curioso! Só vivi dois anos nesta casa, e é nela que me parece estar metida a minha existência inteira!» No universo do romance, o tempo por vezes demora, acompanhando o fluir dos dias, o escorrer das horas, ou pára mesmo, asfixiado pelas múltiplas descrições, pelos diversos comentários do narrador. No exemplo nota-se a capacidade de distorção íntima do tempo entre o tempo real (um ano) e o tempo interior (existência inteira). O tempo psicológico é o tempo do sonho, da procura, do projecto, que afasta as personagens do tempo real: - Carlos imagina uma idílica felicidade conjugal com Maria Eduarda; - Carlos imagina uma cena de ruptura após a visita de Castro Gomes; - Ega revive os momentos de intensidade amorosa passados com Raquel; - Afonso envelhecido pelos amores incestuosos dos netos; - etc. II – O tempo de Episódios da Vida Romântica
  • 31. Surge a época da 2ª metade do século XIX em que, desnorteados, os portugueses se olham, incapazes, perante a derrocada, na prática dos ideais de um liberalismo irrealista e constantemente deturpado. Há crises políticas, os ministérios caem e logo novo elenco, tão igual e inútil como o anterior, se organiza. Há discussões sobre reformas que não se realizam; belos projectos nunca concretizados. Novas vias de rumo não se parecem divisar e de tudo resta, símbolo trágico da frustração que se aceita, um olhar resignado às relíquias bolorentas e sujas do velho Portugal, representado pelo decrépito casario apegado aos outeiros da Graça e da Penha. A um nível profundo, não existe tempo, ou antes, este não funciona. Retomam-se as posições iniciais: perdidos na vida, os homens sem futuro, porque o presente, neste caso, mais não é que o repisar mais profundo dos adiamentos do passado. Pode-se afirmar que no último capítulo, voltamos a um «tempo parado», onde é feita a caracterização de uma sociedade portuguesa frustrada, decadente e estagnada, onde «… nada mudara…». A ideia de estagnação é reforçada pelo uso repetitivo do determinante demonstrativo «mesmo» («… mesma sentinela, mesmos reposteiros, mesmo ar, mesmas portas, mesmas ombreiras…»). Após dez anos, tudo continuava igual: síntese da decadência e da inversão de valores. Pior ainda do que este «tempo parado» é o «tempo corrosivo», que modifica os homens e altera as coisas, provocando, na maior parte das vezes, alterações negativas: - Dâmaso: «… barrigudo, nédio, mais pesado, de flor ao peito, mamando um grande charuto, e pasmaceando, com o ar regaladamente embrutecido de um ruminante farto e feliz…»; - No antigo consultório de Carlos «parecia existir um pequeno atelier de modistas…»; - Eusebiozinho: «… parecia mais fúnebre, mais tísico, dando o braço a uma senhora muito forte, muito corada…»; - Até os animais de tracção eram inferiores: «… fustigavam pilecas…»; - A estátua de Camões parece entristecer-se perante a decadência e estagnação do seu povo: «… em torno da estátua triste de Camões…». O ESPAÇO 1 – O Espaço Físico São múltiplos os espaços físicos referidos em Os Maias e muitos deles são profundamente caracterizados Lisboa ocupa a centralidade da acção, ganhando uma representatividade superior aos outros locais. Na verdade, é na capital que decorrem os acontecimentos fundamentais das intrigas secundária e principal. O conhecimento profundo de Eça de Queirós, relativamente à componente geográfico- arquitectónica de Lisboa, possibilita ao leitor reconhecer os traçados das ruas, as fachadas dos edifícios, os monumentos referidos, os hotéis e restaurantes nomeados (grande parte deles ainda existem, como por exemplo, a Havaneza, o Teatro da Trindade, o Tavares, etc.). Neste espaço central, observamos a movimentação das personagens, sendo Carlos, protagonista da intriga principal, quem nos conduz, ora para a Ruas de S. Francisco de Paula (Ramalhete), ora para a Baixa, para o Chiado, para o Aterro, locais frequentados pela elite da época. Também acedemos frequentemente ao interior de espaços descritos com fino pormenor, não sendo descurado elemento algum, de modo a captar-se a interacção entre o
  • 32. homem e o ambiente, concretizando uma regra da estética naturalista/realista (o meio influencia o homem, sendo um elemento determinante no seu carácter). São ainda importantes na obra outros espaços físicos: os arredores de Lisboa (Olivais), Sintra, Santa Olávia, Coimbra bem como a referência a países estrangeiros. É interessante notar as afinidades dos percursos dos elementos da família Maia. personagem Lisboa Santa Olávia Inglaterra Itália França / Paris Coimbra Europa Áustria Afonso X X X Pedro X X X X X Carlos X X X X X X Maria Eduarda X X X X A análise do esquema permite concluir que todos os elementos da família frequentaram Lisboa e outras cidades europeias. Maria Eduarda nasce em Lisboa, vive na Europa, regressa à capital, por fim, radica-se nos arredores de Orléans. Também Carlos ficará a viver em França (Paris). Os protagonistas da intriga principal não se adaptam à mediocridade e subdesenvolvimento do país. Por uma análise, leve que seja, concluímos a existência duma grande variedade de espaços com predominância do espaço interior, o que está perfeitamente de acordo com as características da obra. Efectivamente, no romance realista, o cenário tende a funcionar como pano de fundo, fora das personagens, escrito como um universo, súmula de pormenores que permitem reconstituir não só ambientes, mas até retratos físicos das personagens. Em Os Maias, o espaço exterior abrange a província e a cidade: Santa Olávia, Benfica, Inglaterra, Lisboa, Sintra, Olivais, etc. ESPAÇOS EXTERIORES SANTA OLÁVIA • Infância e educação de Carlos COIMBRA • Estudos de Carlos • Primeiras aventuras amorosas LISBOA: • Baixa • Aterro • Campo Grande • Olivais • Vida social de Carlos • Local onde passa a intriga principal • Local privilegiado para a visão crítica da sociedade portuguesa da 2ª metade do século XIX ESPAÇOS INTERIORES O RAMALHETE • Salas de convívio e de lazer • O escritório de Afonso tem «uma severa câmara de prelado» • O quarto de Carlos tem um ar de «quarto de bailarina» • O jardim tem um valor simbólico A VILA BALZAC • Reflecte a sensualidade de Ega O CONSULTÓRIO DE CARLOS • Revela o dandismo de Carlos • A predisposição para a sensualidade A TOCA • Espaço carregado de simbolismo • Revela amores ilícitos ETC.
  • 33. É no espaço interior, porém, que desfila numa série de pormenores requintados de luxo que deixam transparecer o gosto aristocrático, burguês e cosmopolita de Carlos e de quem ele se rodeia, como reflexo de uma época e de um modo de vida: «… entregou-lhe as quatro paredes do Ramalhete, para ele ali criar, exercendo o seu gosto, um interior confortável, de luxo inteligente e sóbrio…» «… pôs-lhe o nome de Paço de Celas, por causa de luxos então raros na Academia, um tapete na sala, poltronas de marroquin, panóplias de armas, e um escudeiro de libré…» »… (consultório) Carlos mobilou-o com luxo. Numa antecâmara, guarnecida de banquets de marroquin, devia estacionar, à francesa, um criado de libré… papel verde de ramagens prateadas, , as plantas em vasos de Ruão, quadros de muita cor, ricas poltronas… até um piano mostrava o seu teclado branco…» «… um dos maiores cuidados dele, agora, era embelezar a Toca: nunca voltava de Lisboa sem trazer alguma figurinha de Saxe, um marfim, uma faiança…» 2 – O Espaço Social A ilusão da realidade é conseguida pela arte de individualizar os cenários exteriores, pela identificação toponímica de uma artéria, pelo rigor da numeração de um edifício ou de um andar, pela indicação precisa de um pormenor decorativo ou paisagístico. O romance realista de carácter objectivo preocupa-se em localizar e caracterizar geograficamente o espaço onde as personagens actuam ou se movimentam. Tal espaço, observado sob uma análise rigorosa e pormenorizada, é determinante (à maneira de Taine – para este escritor a raça, o meio físico e as condições do momento são as determinantes que explicam o comportamento humano). Para criar no leitor a sensação de autenticidade da sua ficção, Eça utilizou o diálogo natural e descreveu com perícia espaços (cénicos/ naturais, habitacionais e urbanos) onde decorre a acção dos seus romances e onde as personagens se movimentam, relacionado-se intimamente com eles. Episódios Ambiência Crítica Hotel Central (cap. VI) Alta sociedade lisboeta caracterizada por: • Ociosidade • Futilidade • Valorização do estrangeiro À literatura e à crítica literária: exageros do ultra-romantismo – Alencar; distorção das teses naturalistas – Ega; crítica literária – Ega/ Alencar (Craveiro) Às finanças: irresponsabilidade e incompetência do director do Bando Nacional – Cohen À mentalidade retrógrada Corrida de Cavalos (cap. X) Alta sociedade lisboeta, caracterizada por: • Inadequação do espaço • Feição provinciana • Falta de motivação • Contraste entre o ser e o parecer À imitação do estrangeiro Ao provincianismo Ao mau gosto e ao «postiço»
  • 34. • Inadequação dos comportamentos Jantar em casa do Conde de Gouvarinho (cap. XII) Alta burguesia e aristocracia, caracterizada por: • Futilidade • ociosidade À mediocridade mental À ignorância À falta de conhecimento sobre o estrangeiro À incapacidade de diálogo da camada dirigente do País Jornal A Tarde (cap. XV) Director de um jornal/ político/ deputados da província, caracterizados por: • macrocefalia da capital em relação à província Ao jornalismo político, parcial e tendencioso Teatro da Trindade (cap. XVI) Alta sociedade lisboeta caracterizada por: • superficialidade • valores ultra-românticos • ignorância Aos comportamentos postiços À permanência dos valores ultra- românticos Passeio de Carlos e de Ega (cap. XVIII) Alta sociedade lisboeta, caracterizada por: • subdesenvolvimento • ociosidade • ridículo À estagnação de Portugal À falta de originalidade À incapacidade de evoluir 3 – O Espaço Psicológico Além do espaço físico de que, exteriormente se salienta Lisboa («Lisboa é Portugal»), devemos referenciar ainda o espaço psicológico, isto é, o espaço dos conflitos e das preocupações íntimas, da imaginação e da memória, das recordações e dos sonhos. É numa bebedeira e num acesso de idealismo que Ega revela o passado da mãe de Carlos que, nessa noite, «não pudera dormir com a ideia daquela mãe, tão outra do que lhe tinham contado, fugindo nos braços de um desterrado…». Ao constatar a catástrofe pela morte do avô, Carlos ficara defronte dele «… sem chorar, perdido apenas no espanto daquele brusco fim! Imagens do avô, do avô vivo e forte, cachimbando ao centro do fogão, regando de manhã as roseiras, passavam-lhe na alma, em tropel, deixando-lha cada vez mais dorida e negra…». É o espaço perspectivado pela subjectividade das personagens, por pensamentos, por sonhos, etc. • Sonho – «Eram três horas quando se deitou. E apenas adormecera na escuridão dos cortinados de seda, outra vez um belo dia de Inverno morria sem a aragem, banhado de cor-de-rosa: o banal peristilo do hotel alargava-se, claro ainda na tarde; o escudeiro preto voltava, com a cadelinha nos braços, ; uma mulher passava, com um casaco de veludo branco de Génova.» (cap. VI) • Imaginação - «Agora já ela estava em Lisboa; e imaginava-a nas rendas do seu “peignoir”, com o cabelo enrolado à pressa…» (cap. VIII) • Memória - «Imagens do avô, do avô vivo e forte, cachimbando ao canto do fogão, regando de manhã as roseiras, passava-lhe na alma em tropel…» (cap. XVIII) • Reflexão - «Mas, tendo por um dia só dormido com ela, na plena consciência da consanguinidade que os separava, poderia recomeçar a vida tranquilamente? (...)» (cap. XVII).
  • 35. Constituído pelas zonas da consciência da personagem, manifesta-se em momentos de maior densidade dramática. É sobretudo Carlos que desvenda os meandros da sua consciência, ocupando também Ega lugar de relevo. CARLOS • Sonho de Carlos, no qual evoca a figura de Maria Eduarda (cap. VI) • Nova evocação de Maria Eduarda em Sintra (cap. VIII) • Reflexões de Carlos sobre o parentesco que o liga a Maria Eduarda (cap. XVII) • Visão do Ramalhete e do avô, após o incesto (cap. XVII) • Contemplação de Afonso da Maia, morto, no jardim (cap. XVII) EGA • Reflexões e inquietações após a descoberta da identidade de Maria Eduarda (cap. XVI) NARRADOR Quanto à presença, o narrador de Os Maias é heterodiegético; narra os acontecimentos na 3ª pessoa. A focalização é de dois tipos: omnisciente e interna. A focalização omnisciente predomina nos primeiros capítulos: renovação do Ramalhete; juventude de Afonso; educação de Pedro; suicídio de Pedro; formação de Carlos em Coimbra. A partir do capítulo IV, predomina a focalização interna sob o ponto de vista de algumas personagens, como Carlos e Ega, embora surja já no capítulo III sob a visão de Vilaça quando visita Santa Olávia. A focalização interna ganha particular significado com a visão de Carlos da maia que dá um contributo fundamental na construção das personagens Afonso da Maia, Ega e Maria Eduarda. Pelos olhos críticos de Carlos são dados a conhecer grande parte dos espaços sociais que a personagem passa a frequentar quando chega a Lisboa. A focalização interna de Ega ganha particular relevo nos episódios do Jornal A Tarde e no sarau do Teatro da Trindade. LINGUAGEM E ESTILO DE EÇA DE QUEIRÓS - Discurso indirecto livre: encontramos constantemente ao longo da obra: «O poeta sorria, passando os dedos com complacência pelos longos bigodes românticos, que a idade embranquecera e o cigarro amarelara. Que diabo, algumas compensações havia de ter a velhice!» Através do discurso indirecto livre, Eça consegue afastar a monotonia do paralelismo do diálogo, como bem tornar mais ligeiros e amenos os monólogos interiores. - O adjectivo: é, de todas as categorias gramaticais, a que usa com mais predilecção. O adjectivo comunica cor, matiz, tonalidade à expressão. A adjectivação dupla é muito usada, caracterizando os objectos, exprimindo as duas faces da realidade: a objectiva e a subjectiva. Um dos atributos dá-nos a nota concreta e objectiva da coisa apercebida, geralmente um dado físico, e o outro expressa a emoção concomitante que essa nota exprime. Da percepção sensorial, parcial, passa-se a uma impressão valorativa. - O advérbio: tem um carácter reversível como o adjectivo. A associação do advérbio com o adjectivo surge frequentemente superlativando os atributos («magnificamente
  • 36. negros»). O advérbio sue também em combinações (duplas e triplas) - «regaladamente, lividamente»; «constantemente, irresistivelmente, imoderadamente». - O verbo: Eça revela um gosto particular pelo gerúndio, pelo pretérito imperfeito e pela conjugação perifrástica, o que confere aos acontecimentos relatados o sentido de duração, de continuidade - «… que esse fantasia andara medindo e dispondo…». - Os estrangeirismos: observa-se a utilização de muitos estrangeirismos, particularmente os galicismos (da língua francesa) e os anglicanismos (da língua inglesa), o que acontece por duas razões: suprir a inexistência da palavra ou da construção ajustada na língua portuguesa; servir os objectivos críticos do autor, ridicularizando a alta sociedade lisboeta, deslumbrada com a língua, a moda e os hábitos ingleses e franceses. (cachez-nez, robe-de- chambre, sportsman, etc.). - A hipálage -«mãos nervosas das senhoras» (cap. X); «cerravam filas de cabeças embebidas, enlevadas» (cap. XVI) - Sinestesia: tal como a hipálage, relaciona-se com a forma impressionista do artista captar a realidade: «transparentes novos de um escarlate estridente» (cap. VI); «era um dia já quente, azul.ferrete» (cap. X). - A aliteração a ou harmonia imitativa: «… um rude trovão rolou, atroou a noite negra» (cap. I). A aliteração de r e t combina-se com a harmonia imitativa das vogais fortes ( o e u), para sugerir auditivamente o surdo retumbar do trovão. - A ironia: tem uma representatividade muito grande, assumindo o papel de criticar: «…vendo naqueles jóqueis à desfilada, nos chapéus que se agitavam, brilhar civilização…» (cap. X). - Os diminutivos: largamente utilizado, ora para exprimir carinho (Carlinhos), ora num sentido irónico e pejorativo: «…com craniozinho calvo de sábio…» (cap. III)