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I N T R O D U Ç Ã O A O A N T I G O T E S TA M E N T O
I N T R O D U Ç Ã O
O testemunho da própria Bíblia é de que ela é a palavra de Deus (Os 1.1; Jl 1.1). Foi
inspirada por Deus e tem autoridade divina (2 Tm 3.16; 2 Pe 1.21). E, como tal, tem características
divinas que vão além da racionalidade humana. Pela Escritura Deus vem aos homens para estar
com eles e habitar no meio deles. Do vasto material contido na Bíblia, um aspecto se destaca: é a
distinção que se faz entre lei e evangelho
Mas também segundo o testemunho da mesma Bíblia, ela também é palavra de homens.
Afirma-se isto no sentido que Deus usou instrumentos humanos para compilar o texto santo. Assim
sendo, a Bíblia tem características humanas. Ela é compreensível ao bom senso. A sua redação
levou 15 séculos (desde Moisés até o apóstolo João). Os seus autores humanos cobrem variadas
profissões: reis, sábios, administradores, lavradores, pescadores, etc. Como livro humano, a
Escritura apresenta as variações lingüísticas e estilísticas que caracterizam os escritos humanos.
O propósito fundamental da Bíblia é ser a revelação do Deus verdadeiro ao homem a fim
de trazer o homem de volta a Deus (Jo 5.39; 2 Tm 3.15-17). Daí surge a pergunta: Como alguém
volta a Deus? A resposta é uma só: através de Cristo! (Jo 14.6; At 4.12) A Escritura é um livro
cristocêntrico. Um "fio vermelho" atravessa toda a Bíblia: Jesus Cristo! Tire Cristo da Bíblia e esta
perde o seu elemento fundamental.
Portanto, a Bíblia é "terra santa", é "chão sagrado". Ao abrirmos a Escritura estamos diante
do próprio Deus. A exemplo de Moisés, precisamos "tirar as sandálias dos pés!" e aproximar-nos da
Bíblia com muita humildade e reverência.
O M U N D O D O A T
I. O CRESCENTE FÉRTIL
Da perspectiva geográfica, o Oriente Próximo é o ponto de encontro de três continentes
(Ásia, África e Europa) e de três culturas (oriental, africana e ocidental). Ali estava a esquina do
mundo de então. Crises, mudanças e progressos num continente afetavam, direta ou indiretamente,
toda a região. É nesta área que a Terra Santa está situada.
Crescente Fértil é o nome que se dá àquela faixa de terra em forma de "C" (ou dum quarto
crescente) caracterizada exatamente por sua fertilidade. (É daí que surge o nome "Crescente Fértil").
É a faixa verde e fértil que vai da Suméria (junto ao Golfo Pérsico) até o Egito (cobrindo toda a faixa
banhada pelo Rio Nilo). (Confere, ao final, o mapa do Crescente Fértil.)
Ao norte desta região se acha o berço da civilização ocidental. Ali está a Mesopotâmia
(com os rios Tigre e Eufrates). Ali desenvolveram-se muitas superpotências (Assíria, Babilônia, Mé-
dia-Pérsia, etc.). No centro está a Palestina. Ao sul se acha o Egito e o milenar rio Nilo. A oeste está
o mar Mediterrâneo (no AT também é denominado de "Grande Mar"). Ao leste está a região desértica
e inóspita da Arábia. Todas estas regiões, umas mais outras menos, estão intimamente ligadas ao
texto bíblico.
Em números redondos, as dimensões de Israel são 240 km (na direção norte-sul) por 80 km
(na direção leste-oeste, do rio Jordão ao mar Mediterrâneo). A área geográfica de Israel tem regiões
bem distintas. As principais são as seguintes:
1. Neguebe. É o deserto que se encontra ao sul de Israel. Até hoje é zona inóspita, não tem
água. Ali não se mora, é lugar de trânsito. Em geral, é deserto não de areia, mas de terra socada. É
a zona que se acha entre Israel e o Egito.
2. Judá. Trata-se da região montanhosa ao norte do Neguebe que chega até o Mar Morto.
Esta região tem partes férteis. Ali também se acha o deserto da Judéia (entre Jerusalém e Jericó).
Judá é uma região isolada lá no alto, com tendência a ser fechada, "provinciana". De Judá, o acesso
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ao "mundo" não era tão fácil nos tempos do AT. A rodovia internacional não passava por ali.
Descendentes de Judá e Benjamim habitavam nesta região. A grande capital, Jerusalém, é a cidade
que se destaca nesta região.
3. Samaria. A Samaria também é conhecida no AT como a "região montanhosa de Efraim".
Localiza-se na parte central de Israel. É uma zona com muitas montanhas e terreno rochoso. É de
fácil defesa, tem muito refúgio. É um bom local para fins militares. As tribos que ali predominavam
eram Efraim e Manassés (que mantinham permanente rivalidade com Judá). Esta região é mais a-
berta ao Norte, às influências estrangeiras. A cidade de Samaria foi a capital do reino do Norte.
4. Galiléia. Está no norte de Israel. Foi o quartel-general de Cristo. Ali tem muita água, a
fertilidade é muito grande. Cultivava-se cereais, frutos, etc. A rodovia internacional cruzava a
Galiléia. Conseqüentemente todos os impérios internacionais passaram por ali deixando suas marcas
de destruição. Ali se localiza o mar da Galiléia (que, na verdade, é um grande lago). A Galiléia tinha
muito contato internacional. Era aberta às novas idéias. Foi também a primeira região a cair sob o
império assírio.
5. Filístia. A Filístia é uma planície que se acha a sudoeste, na região costeira de Israel. Ali
moraram os filisteus. Por algum tempo foi uma espécie de "terra de ninguém". Vivia sob constante
ameaça pois tratava-se de um região estratégica para o domínio da rodovia internacional. Em virtude
disto, a Filístia sempre esteve na mira do Egito.
6. Planície de Sarom. Está ao noroeste de Israel junto à região costeira. É uma região
plana, fértil, bonita, e cultivada. Ali se acha o porto de Cesaréia.
7. Transjordânia. Fica do outro lado (lado leste) do rio Jordão. Esta zona é composta de
planícies e montanhas. Lá moravam as tribos de Rubem, Gade e Manassés (meia tribo). Já que ao
leste desta região não havia defesa natural, esta era uma área aberta e exposta a infiltrações e
ataques.
8. Vale do Rio Jordão. O rio Jordão é a linha verde que cruza Israel de norte a sul. O vale
do Jordão é depressão mais funda do globo terrestre. O rio Jordão nasce no monte Hermon, acima
do mar da Galiléia, e deságua no mar Morto. Em linha reta, tem uma extensão de cerca de 120 km.
O rio Jordão desempenhou papel importante nos episódios bíblicos.
9. Mar Morto. As dimensões do mar Morto são 77 km na direção norte-sul e 10 a 15 km no
sentido leste-oeste. A superfície da água acha-se a 385 metros abaixo do nível do mar, e no ponto
mais profundo do mar acrescente-se mais 390 metros (o que dá quase 800 metros abaixo do nível
do mar). Uma característica do mar Morto é o seu alto índice de salinidade: 8 vezes mais que o
normal!
II. O TEXTO DO AT
1. Língua. O texto original do AT foi redigido em duas línguas: a maior parte em hebraico e
cerca de 9 capítulos em aramaico (Ed 4.8-6.18; 7.12-26; Dn 2.4b-7; Jr 10.11). Infelizmente não
temos mais os autógrafos originais do AT. Estes se perderam. O que hoje existe são cópias de
cópias. Mas é preciso lembrar que os israelitas eram extremamente cuidadosos na transmissão do
texto. Isto nos dá segurança quanto à fidelidade aos originais das cópias que possuímos.
2. Duas Versões Antigas Importantes. Duas versões antigas muito importantes merecem
destaque. Trata-se da Septuaginta e da Vulgata.
a. Septuaginta. É a mais antiga versão do AT para outra língua. A Septuaginta é tradução
do AT para a língua grega. O símbolo para Septuaginta é "LXX" já que, segundo tradição antiga (que
hoje não tem mais credibilidade), achou-se que foi esta versão foi elaborada por 72 tradutores de
Israel. Hoje sabe-se que esta tradução foi feita na cidade de Alexandria, no Egito, por judeus
alexandrinos. (Daí que também é conhecida como "Versão Alexandrina".) Os muitos judeus que
moravam no Egito haviam perdido o domínio das línguas hebraica e aramaica. Falavam grego. A
necessidade do AT em grego aumentou cada vez mais. Esta tradução foi feita no séc. III a.C. (por
volta de 250 a.C.). A tradução não é uniforme. Há variações na qualidade do texto. A importância da
LXX se verifica especialmente em dois aspectos: importância religiosa e espiritual (a LXX foi a Bíblia
usada por Cristo, pelos apóstolos e pela igreja primitiva); importância para a crítica textual (por
comparação, tenta-se estabelecer o texto original do AT onde existe alguma dúvida).
b. Vulgata. É versão para a língua latina e inclui toda a Bíblia. O título "Vulgata" significa
"versão de uso comum". Foi elaborada por São Jerônimo no séc. IV A.D. (383-405). Por mais de mil
anos (ocasião em que a língua latina dominava) a Vulgata foi a Bíblia utilizada no mundo ocidental. A
Vulgata foi adotada como versão oficial da Igreja Católica Romana. Como a LXX, a Vulgata tem
grande importância histórica e crítica.
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3. Valor das Versões Antigas. Verifica-se o valor das versões antigas especialmente em
duas áreas:
a. Crítica Textual. Pela análise das versões antigas tenta-se aproximar tanto quanto
possível do texto original nos casos em que há alguma dúvida quanto à leitura correta ou melhor
leitura. Faz-se comparações. As versões ajudam a achar o verdadeiro (ou o melhor) sentido.
b. Interpretação. Tradução sempre é interpretação. Há peculiaridades gramaticais e lingüís-
ticas impossíveis de verter de forma perfeita para outra língua. Desta forma, a tradução também é
uma forma de comentário sobre o texto traduzido. As versões mostram como os tradutores
compreendiam e interpretavam o texto.
III. A BÍBLIA EM PORTUGUÊS
1. Versão de Almeida. João Ferreira de Almeida, o autor da versão portuguesa mais popular
entre os protestantes brasileiros, nasceu em 1628 em Lisboa, Portugal. Era filho de pais católicos
romanos. Era jovem quando foi para a Holanda. Aos 13 anos de idade (em 1642), estando na
Holanda, abraçou a fé da Igreja Reformada. Foi pastor e evangelista zeloso. Pregava em quatro
línguas (português, espanhol, francês e holandês). Era casado mas não consta que tivesse filhos.
Faleceu na Batávia (Holanda) em 06 de agosto de 1691. Almeida traduziu o NT do grego com o
auxílio da Vulgata. Porém seguiu o grego quando em desacordo com a Vulgata. Ele traduziu todo o
NT. O AT não completou. Chegou até Ez 48.12. A parte não traduzida foi completada por Jacob
Ofden Akkar, ministro da palavra de Deus na Batávia. A primeira edição do NT de Almeida se deu
em 1681, em Amsterdam, Holanda. Outras partes da Bíblia foram sendo publicadas periodicamente.
A primeira edição completa do AT segundo Almeida saiu em dois volumes nos anos de 1748 a 1753.
A Bíblia completa foi publicada em um só volume pela primeira vez em 1819. A versão de Almeida
que hoje temos em mãos não é a original do século XVII. Porém correções, alterações, modificações
foram feitas no decorrer do tempo.
2. Versão de Figueiredo. Antônio Pereira de Figueiredo nasceu em Tomar, perto de Lisboa,
em 1725. Tornou-se padre. Era famoso como latinista, historiador e teólogo com idéias liberais.
Morreu num convento em Lisboa em 1797. Sua versão da Bíblia para o português foi feita a partir da
Vulgata, com referências aos textos gregos originais. Trabalhou 18 anos neste empreendimento. Em
1778 saiu a primeira edição do NT. Nos anos de 1787 a 1790 o AT foi publicado em 17 volumes. Em
1821 a Bíblia toda foi impressa em um só volume.
3. Outras Traduções. É preciso mencionar o nome do Frei Joaquim de Nossa Senhora do
Nazaré como um dos grandes tradutores da Bíblia para o português. No decorrer do tempo houve
também a tradução de livros individuais. A primeira edição brasileira do NT se deu em 1910, e a
Bíblia toda foi publicada em 1917.
4. Dias Atuais. Atualmente há excelentes versões da Bíblia em português à disposição dos
estudiosos. Temos a Bíblia de Jerusalém e a Bíblia Vozes com texto de alto gabarito (o mesmo não
se aplica às suas introduções e notas de rodapé). A Sociedade Bíblica do Brasil lançou, em 1988, a
Bíblia na Linguagem de Hoje. A Nova Versão Internacional da Bíblia está em fase de tradução para o
português. Todas estas versões são boas para o estudo e meditação dos fiéis.
IV. GÊNEROS LITERÁRIOS
A Bíblia contém diferentes gêneros literários. A distinção básica está entre a poesia e a
prosa. Mas mesmo assim reconhece-se diferentes gêneros literários. Os principais são os que se-
guem:
1. Narrativa. Apresenta história, biografia, episódios individuais ou coletivos. Acha-se
especialmente nos livros históricos do AT, nos evangelhos e em Atos dos Apóstolos.
2. Lei. É o gênero composto de material legislativo, judicial, de regulamentações. Contém
lei moral, civil (doméstica), cerimonial. É encontrado especialmente em Êx, Lv, Nm, Dt.
3. Poesia. Na Bíblia esta tem estrutura própria. Caracteriza-se pela expressão de
sentimentos, pela utilidade didática, pela liberdade poética, pelo paralelismo (repetição e contraste)
de pensamentos. Às vezes tem fundo histórico. Era utilizada no culto e na proclamação dos profetas.
4. Literatura Sapiencial. O sábio tinha lugar de destaque na sociedade de Israel. Os anciãos
eram a liderança do povo e reuniam-se à porta da cidade. Os sábios enunciavam provérbios, dize-
res, comentários sobre a vida e o seu dia-a-dia, princípios universais. Tinham algo a dizer sobre o
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relacionamento homem-Deus e homem-homem. Este tipo de literatura tem a sua expressão clássica
nos livros de Pv e Ec.
5. Profecia. O profeta é alguém que, em nome de Deus, proclama o conselho de Deus.
Esta proclamação pode incluir predição. Nas profecias é preciso levar em conta o fundo histórico, o
gênero literário utilizado, o objetivo original do profeta, o cumprimento no NT, etc. Há diferentes tipos
de profecias. Os exemplos clássicos deste gênero literário são os profetas do AT e o livro de Ap.
6. Parábola. A parábola é uma realidade divina enunciada em figuras humanas. Com
freqüência Cristo respondia questões com o uso de parábolas. Também era usada como ilustração
de um tema. É preciso atentar para o ponto de comparação da parábola e ter cuidado com a
alegorização. Encontramos parábolas nos evangelhos, nos livros históricos e proféticos do AT.
7. Epístola. As epístolas eram a correspondência pastoral dos apóstolos. Ao interpretá-las, é
preciso atentar para o seu propósito, autor, argumento ou tema, destinatário. Os exemplos deste
gênero são as cartas do NT.
V. CLASSIFICAÇÃO DOS LIVROS DO AT
O texto original do AT (a Bíblia Hebraica) dispõe os documentos de forma diferente que as
atuais versões. A classificação hoje usada foi adotada pela LXX e tem como critério o conteúdo dos
livros. É essa a disposição que temos em nossa Bíblia, na tradução de João Ferreira de Almeida,
edição revista e atualizada no Brasil. Os livro bíblicos são assim classificados:
1. Livros Históricos. O Pentateuco (que é composto pelos 5 livros de Moisés, Gn a Dt) e os
livros "históricos propriamente ditos" (Js a Et). Ao todo, são 17 documentos.
2. Livros Poéticos. São 5 livros: de Jó a Ct.
3. Livros Proféticos. Este conjunto é composto pelos Profetas Maiores (Is, Jr e Ez), os livros
de Dn e Lm, e os Profetas Menores (Os a Ml, tecnicamente chamados de "os Doze"). A soma dá 17
documentos nos livros proféticos.
Isto perfaz um total de 39 livros no AT. O critério para a classificação dos livros proféticos
em Profetas "Maiores" e "Menores" não é a qualidade da teologia do livro, mas a extensão, o
tamanho do texto.
VI. NAÇÕES DO MUNDO BÍBLICO DO AT
A. CANAÃ
Por volta de 1300 a.C. Canaã era uma província egípcia cujo território compreendia o
Líbano, a Síria e o que mais tarde viria a ser a terra de Israel. Grupos distintos viviam nesta área
geográfica (Dt 7.1). O termo "cananeu", além de referir-se a um grupo específico (moradores de
Canaã), tornou-se um vocábulo de sentido amplo que identificava moradores de toda aquela região,
independente do seu caráter étnico. Os que viviam na costa eram mercadores. Os maiores portos da
região localizavam-se em Tiro, Sidom, Beirute e Biblos. Destes portos as riquezas iam a vinham.
Eram centros comerciais importantes e de renome na antiguidade. A posição geográfica de Canaã
(ponto intermediário entre a Ásia e o Egito), bem como suas atividades comerciais, faziam dela um
centro aberto a todo tipo de influências culturais e religiosas. A grande contribuição de Canaã à
civilização mundial foi a invenção do alfabeto (ca. 2000-1600 a.C.). As cidades cananéias eram pro-
tegidas por muros (erigidos com pedras e terra) a fim de manter animais selvagens e invasores fora
de seus domínios. As cidades eram independentes, auto-governavam-se, e com freqüência os seus
governadores achavam-se em pé-de-guerra com seus vizinhos. O sistema religioso cananeu era
politeísta. Em seu panteão figurava um bom número de deuses (por exemplo: Baal e sua esposa
Astarte; El, pai de Astarte, casado com Asherah e chefe dos deuses; e outros mais...). Observando o
ciclo da natureza, eles praticavam o culto à fertilidade. As suas práticas cultuais eram muito
degradantes e envolviam orgias sexuais. A degradação de certas cerimônias religiosas dos cananeus
chegou a chocar até escritores gregos e romanos.
B. FILÍSTIA
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Os filisteus viviam principalmente em cinco cidades ao sudoeste da terra de Israel: Asdode,
Ascalom, Ecrom, Gate e Gaza. Eles controlavam a rodovia internacional que vinha do Egito ao longo
da costa mediterrânea. No período dos Juízes, de Samuel, de Saul e Davi, os filisteus representaram
uma constante e poderosa ameaça aos israelitas. Ambos os povos queriam controlar o mesmo
território. A necessidade de organização militar a fim de enfrentar os filisteus em pé de igualdade foi
um dos fatores que, historicamente, levaram o povo de Israel a pedir um rei (1Sm 8.20). Cada
cidade filistéia tinha um governante. Eles dominavam a tecnologia do ferro, o que lhes dava incrível
poder militar. Eram politeístas. O AT menciona alguns de seus deuses: Dagon (com templos em
Gaza e Asdode, 1Sm 5), Baal-Zebube (cultuado em Ecrom, 2Rs 1.2) e Astarote (1Sm 31.10).
C. EGITO
Situado ao noroeste da África, o território egípcio é caracterizado pelo deserto do Saara e
pelo rio Nilo. Até tempos modernos, o Egito virtualmente devia sua existência às cheias do rio Nilo
que trazia o rico humus das suas cabeceiras e o depositava ao longo de suas margens,
particularmente no delta. Era o que de melhor havia para a agricultura. Porém uma cheia irregular
podia significar fome e morte. Cedo eles aprenderam e dominaram a técnica do transporte fluvial.
Afinal, o Nilo era o seu principal e conveniente meio de transporte. Dos desertos e da península do
Sinai eram extraídos metais preciosos (cobre e ouro). Dali também vinham as rochas destinadas aos
projetos gigantescos. A história do Egito é milenar. Essa começou muito antes de 3000 a.C. Antes
havia dois reinos independentes. A data 3000 a.C. é fixada como ponto de referência para a
existência do Egito como um império unificado sob um único monarca (o faraó Menes). Pelos
próximos 3000 anos sua história é dividida em três períodos distintos e de muita grandeza (ao todo,
são 30 dinastias de faraós). 1) A Era das Pirâmides ou o Reino Antigo (cerca de 2600 a 2200 a.C.) é
caracterizado pelos projetos arrojados e gigantescos. 2) O Reino Médio (12ª dinastia, ca. 2060-1786
a.C.) expandiu o seu território e fortaleceu a economia da nação. (Este é o período das peregrina-
ções de Abraão que morou inclusive no Egito.) Após a 12ª dinastia, governantes fracos dirigiram o
país (ca. 1780-1550 a.C., tempo em que José estava no Egito). 3) O Novo Reino ou Império (18ª a -
20ª dinastias, ca. 1500-1070 a.C.) é marcado por guerras e expansão territorial. Também pela
construção dos imponentes templos em Memfis e Tebas, entre outros. (Esta é a época de Moisés e
do êxodo.) Em seu Período Final o Egito já mostrava sinais de decrepitude. Os bons tempos eram
coisas do passado. Através de toda história o faraó era o chefe supremo do Egito. A terra estava di-
vidida em províncias que tinham os seus governantes locais. A maioria da população era composta
por agricultores e pecuaristas. Todos dependiam do rio Nilo. O sistema hieroglífico de escrita era
pictográfico. Considerando a época, o Egito nos legou uma rica e variada produção literária
(narrativa, poesia, livros de sabedoria, provérbios, cartas, listagens, etc). Eram politeístas, adoravam
deuses das mais variadas origens. Determinados animais eram dotados de qualidades especiais para
certos deuses (como, por exemplo, o boi ápis, a íbis, o falcão, o gato). Esses podiam atuar como
"imagens vivas" dos seus patronos. Os deuses moravam nos templos. Os sacerdotes os serviam
com oferendas, alimentos, hinos, rituais, etc. O faraó era o intermediário entre os deuses e os
homens. O povo simples não entrava nos grandes templos. Adoravam em santuários locais. Os
egípcios tinham discernimento moral (noção do certo e do errado) e praticavam artes mágicas no seu
dia a dia. O fato dos mortos serem enterrados com objetos de uso pessoal nos seus túmulos
evidencia que os egípcios acreditavam numa vida após a morte no reino de Osíris.
D. ASSÍRIA
O território assírio achava-se na parte norte do atual Iraque, continuava ao longo do rio
Tigre chegando aos pés da cordilheira de Zagros (ao leste). A chuva regular e o sistema fluvial
providenciavam o necessário para uma agricultura próspera. A Assíria era um pedaço de chão muito
atraente para diferentes povos. Não é de admirar que sua história foi escrita com sangue. A capital, o
país e sua divindade principal compartilhavam o mesmo nome: Assur. Nínive era a segunda cidade.
Ambas já prosperavam em 2500 a.C., senão antes. Sua fama de imperialistas cruéis e impiedosos
soldados correu o mundo. Eram temidos. As constantes ameaças ao seu território em parte o
explicam. O que não quer dizer que o vocabulário assírio não comportava palavras como "paz" e
"prosperidade". Entre 1500-1100 a.C. a Assíria ocupou posição de liderança no Oriente Próximo.
Chegou a igualar o lendário Egito. Após 200 anos (1100-900 a.C.) de fraquezas e problemas internos,
uma série de vigorosos monarcas fizeram da Assíria uma verdadeira superpotência (os principais
foram: Assurbanipal II, Salmanaser III, Tiglate-Pileser III, Sargão e Senaqueribe). Sob os governos
de Esaradão e Assurbanipal, o império atingiu o ápice da expansão territorial (cobria o Egito, Síria,
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terra de Israel, norte da Arábia e partes da Turquia e Pérsia). Os povos derrotados eram deportados e
substituídos em seus territórios por povos estranhos. Foi a forma que acharam para anular a
resistência das nações. Mas o império estava muito grande. Era difícil defender tudo isto e manter a
supremacia por muito tempo. Em 625 a.C. a Babilônia tornou-se independente. E em 612 a.C., com
ajuda dos medos, os babilônicos destruíram Nínive. Era o começo do fim da Assíria. Prosperidade
política e militar traz consigo prosperidade econômica e cultural. Palácios e templos magníficos
foram erigidos pelos assírios. Percebe-se uma verdadeira competição entre os monarcas, cada um
com planos mais ambiciosos que o outro. Havia móveis finamente decorados com marfim e
utensílios de ouro. Usavam largamente o sistema cuneiforme de escrita sobre tabuinhas de barro. A
biblioteca de Assurbanipal abrigava cópias de toda produção literária e científica conhecida até
então. Os assírios entram na cena bíblica a partir do tempo dos últimos reis do Reino do Norte
(Israel), época de Amós e Oséias no Norte, e do profeta Isaías no Sul (Judá). É o fatídico século VIII
a.C. para o Reino do Norte. Em 722 a.C., Samaria, a capital do Reino do Norte (Israel), cai sob os
assírios e o povo é definitivamente deportado.
E. BABILÔNIA
O antigo reino da Babilônia localizava-se na parte sul do que hoje é o atual Iraque. A cidade
da Babilônia conheceu o poder pela primeira vez ao redor de 1850 a.C. durante algumas gerações.
Novamente, 1200 anos mais tarde, sob o domínio de Nabucodonosor, voltou às alturas. Na verdade,
a história da civilização ocidental começou na Babilônia em tempos muito remotos. Ali foi localizada
a mais antiga forma de escrita conhecida pelo homem: o sistema cuneiforme ainda em sua forma
primitiva, não desenvolvida, usando desenhos estilizados. Há registros escritos de dois povos que
viviam na Babilônia em tempos muito antigos: os sumerianos e os acádios. Artesãos do terceiro
milênio (3000-2000) a.C. produziam artesanato de fino gosto em ouro, prata e pedras semi-preciosas
importadas. Também se fazia estatuetas e armas em cobre e bronze. A qualidade deste artesanato é
admirável. As tabuinhas de barro com inscrições por eles deixadas são preciosa fonte de estudos
lingüísticos. O mais destacado dos reis da Babilônia da primeira dinastia foi Hamurabi (1792-1750
a.C.). Foi hábil diplomata e grande guerreiro. Porém seu nome está intimamente ligado ao Código de
Hamurabi, um verdadeiro marco na ciência da legislação da antiguidade. Tempos depois a Babilônia
sumiu de vista. Mas voltou ao poder em 612 a.C. quando Nabopolasar destruiu a Assíria e construiu
um novo império (constituído em sua maioria de antigas províncias assírias). Nabucodonosor é o
segundo grande nome ligado à Babilônia. Ele cuidou da cidade com muito carinho. Os jardins
suspensos da Babilônia eram uma das sete maravilhas do mundo antigo. Porém décadas mais tarde,
os exércitos de Ciro, o monarca medo-persa, invadiram a Babilônia. Era o seu fim. Entre outros, a
Babilônia deixou a sua marca na civilização universal através de seus conhecimentos de astronomia
e matemática (mais tarde copiados pelos gregos). As religiões da Assíria e Babilônia tinham elemen-
tos similares. Honravam as grandes forças do universo e tinham deuses e deusas favoritas. Os
deuses controlavam tudo e tinham um comportamento imprevisível. Estavam hierarquicamente
distribuídos com atribuições definidas. Demônios e espíritos dos mais variados rondavam o cidadão
comum procurando atrapalhar-lhe a vida. Templos, santuários e sacerdotes estavam em
funcionamento. Amuletos e simpatias eram populares. Cada cidade adorava o seu patrono divino em
seu templo próprio. Já que os deuses não revelavam o futuro, a adivinhação tinha livre trânsito entre
eles e nas mais variadas modalidades. Os astrólogos eram influentes. Relatos e mitos a respeito dos
deuses podem ser lidos nos textos sumerianos e acádios. Destaca-se o relato babilônico da criação e
do dilúvio. Os mortos habitavam o mundo subterrâneo. Havia idéias vagas de vida após a morte -
tão vagas que não proporcionavam esperança alguma.
F. MÉDIA-PÉRSIA
Após inteligentes manobras políticas e militares, o persa Ciro derrotou o monarca medo
Ciáxares e proclamou-se rei dos medos e persas. Era o início do império. Em 539 a.C., atacou e
venceu a Babilônia e prendeu o seu último rei (Nabonido). Seu filho e sucessor Cambises, em 525
a.C., expandiu o império persa até o Egito. Pela primeira vez todo o Oriente Próximo (Irã, toda a Me-
sopotâmia, Palestina, Síria e Egito) estava submetido a um só rei. Uma duração de quase 200 anos
estava reservada ao império persa. Os persas eram bem mais tolerantes que assírios e babilônios.
Permitiam que povos conquistados continuassem seu próprio modo de vida em sua terra natal e
mantivessem seu culto nacional. (Esta atitude favoreceu de forma direta aos exilados de Judá: sig-
nificou libertação do cativeiro babilônico e retorno à terra prometida. Ciro devolveu a Israel os
utensílios sagrados e autorizou a reconstrução do templo em Jerusalém.) O império inteiro estava
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dividido em grandes regiões (denominadas "satrapias") governadas por sátrapas. Estes eram
escolhidos dentre os nobres persas ou medos, com oficiais nativos sob o comando deles. O luxo e a
ostentação da corte persa, segundo a descrição do livro de Ester, são confirmados por descobertas
arqueológicas em locais diversos. Ciro, Cambises, Dario, Xerxes e Artaxerxes são os nomes que se
destacam na liderança do império. Os persas primitivos reverenciavam os deuses da natureza, da
fertilidade e dos céus. No início do século VI a.C., Zoroastro proclamou uma religião com altos ideais
morais baseados no princípio "faça o bem, evite o mal!" Para ela havia apenas um deus: Ahura-
mazda, o deus do bem. Em contraposição havia também o poder negro do mal. As doutrinas de
Zoroastro se espalharam e tiveram influência internacional, chegando a ultrapassar os limites
temporais do próprio império medo-persa.
VII. PERSPECTIVA HISTÓRICA DO AT
Os primeiros capítulos de Gn estão focalizados na Mesopotâmia: o jardim do Éden, a torre
de Babel, a jornada de Abraão em direção à terra prometida (onde Deus faria dele uma nação).
A fome levou Abraão e outros patriarcas ao Egito onde havia fartura. Lá os israelitas
multiplicaram-se, formaram identidade própria, e passaram a ser vistos como ameaça. Conseqüente-
mente foram oprimidos e reduzidos ao estado de deplorável escravidão. Deus preparou Moisés para
a difícil tarefa de libertação e liderança de Israel. É o êxodo, momento crucial na história de Israel.
No trajeto do Egito até a terra prometida, Israel consumiu 40 longos anos de vida árdua na
região desértica, montanhosa e repleta de dificuldades da península do Sinai. Ali Deus lhes deu
revelações que os caracterizaram formalmente como nação. Tudo isto está relatado nos livros de Êx,
Lv, Nm e Dt.
Após a conquista da terra de Canaã, relatada no livro de Js, os israelitas dividiram a terra
entre suas tribos, e cada uma fixou-se na parte que lhe coube. De tempos em tempos Israel afastou-
se do culto genuíno comprometendo sua vida espiritual. Os episódios dos líderes levantados para
defesa do povo e "arrumação da casa" estão relatados no livro de Jz. A história de seu de-
senvolvimento como nação (com reis e profetas, inclusive a divisão em duas monarquias
independentes) continua nos livros de Sm, Rs e Cr. A perspectiva destes eventos tem ao fundo a
história de Rute, os livros poéticos (Sl e Ct), bem como a literatura sapiencial (Pv e Ec).
O surgimento da Assíria como um dos temíveis e ameaçadores "poderes do norte" forma o
pano de fundo para alguns dos profetas, particularmente Isaías. Após lutas constantes e ameaças de
divisão, o povo de Israel (Reino do Norte) foi derrotado e levado ao exílio para não mais voltar/ Sua
identidade como povo ali se dissolveu. O Reino do Sul, Judá, escapou por um triz.
O império assírio não resistiu ao poder da Babilônia. E Judá seguiu pela mesma trilha: viu
os babilônicos tomando a sua terra e destruindo Jerusalém. Este é o período do profeta Jeremias. O
profeta Ezequiel foi com o povo para o exílio e o exortou a permanecer firme. A restauração viria.
Daniel registra a história de um homem elevado à posição de proeminência na corte de duas super-
potências. Esdras e Neemias enfocam o retorno do exílio e a reconstrução da nação (também os
profetas Ageu e Zacarias). A esta altura o poderio babilônico já havia se esvanecido diante do
império medo-persa. O livro de Ester testemunha o grande poder deste império e relata a proteção
de Deus sobre aqueles do povo que não voltaram para a terra de Israel.
P E N T A T E U C O
I. AUTORIA MOSAICA DO PENTATEUCO
Pentateuco é o nome de se dá ao conjunto dos cinco primeiros livros do AT. Estes
documentos foram escritos por Moisés. O termo "pentateuco" vem da língua grega e significa "cinco
volumes" ou "cinco livros". A tradição hebraica denomina este conjunto de livros de "Torah" ou "Lei".
A autoria mosaica destes livros não é aceita pacificamente por todos. Em círculos liberais
questiona-se a autoria mosaica do Pentateuco. Afirma-se que o mesmo não foi escrito por Moisés.
Mas trata-se, na verdade, de uma compilação a partir de diferentes documentos ou tradições
anteriormente existentes. Estes foram combinados por um redator em data muito posterior. O
Pentateuco, tal como o temos hoje, surgiu por volta de 200 a.C., afirmam alguns. Rejeitamos estas
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teorias. Percebe-se que os pressupostos com que os críticos liberais estudam o Pentateuco são
puramente humanos. Negam a participação divina no processo que culminou com o Pentateuco (e,
conseqüentemente, com a Escritura) e tratam a Bíblia como se fosse um livro como qualquer outro
livro humano.
Realmente não há cabeçalho em qualquer dos cinco livros que afirme explicitamente ser
Moisés o autor do Pentateuco. Porém, as evidências existentes o confirmam. Eis algumas:
1. Evidências do próprio Pentateuco. Êx 17.14; Nm 33.1-2; Dt 31.9,24.
2. Evidências de outros livros do AT. Js 1.7,8; 22.9; Jz 3.4; 1Rs 2.3; Ed 6.18; Ne 13.1.
3. Testemunho de Cristo nos evangelhos. Cristo menciona passagens do Pentateuco como
sendo de Moisés: Mt 19.8; Mc 10.4,5; Lc 24.27,44.
4. Evidência de outros livros do NT. At 3.22,23; Rm 10.5,19; 1 Co 9.9.
Além do mais, Moisés tinha plenas qualificações para liderar o povo de Israel no caminho
para a terra prometida e redigir o Pentateuco. Junto à sua fidelidade a Deus, estava a "escola" que
recebera do próprio Deus no deserto bem como e educação que tivera no Egito quando lá morava.
Não temos motivo real para negar a autoria mosaica do Pentateuco.
II. GÊNESIS
A. TÍTULO
O título "gênesis" está baseado em Gn 2.4 e significa "começo, início, gênese". Este não é
o nome hebraico do livro mas lhe foi conferido pela LXX levando em consideração o seu conteúdo.
Sem dúvida, este é um título muito apropriado ao livro.
B. PROPÓSITO
Gn registra os inícios, os começos. Gn descreve vários destes inícios: o início do universo e
dos seres animados, a gênese do ser humano, o começo do pecado, o início das promessas messiâ-
nicas e o primeiro evangelho, o começo das conseqüências do pecado, o início da morte, a primeira
destruição da raça humana, o início das alianças de Deus com o homem, o chamado dos patriarcas,
a gênese do povo escolhido.
Gn também fornece uma visão da revelação do início do universo até quando os israelitas
estão no Egito prestes a formar a nação teocrática. Numericamente são poucos no Egito ao final de
Gn. Mas já estão a caminho da grande nação que virão a ser.
C. ESBOÇO
O esboço do livro de Gn é muito simples:
1. História primitiva: Gn 1-11.
2. História patriarcal: Gn 12-50.
A ênfase da primeira parte do livro está nos inícios e nos episódios fundamentais que
afetaram toda a raça humana. A ênfase da segunda parte volta-se mais para o aspecto da aliança de
Deus com o seu povo e enfoca especialmente os patriarcas. Esta segunda parte pode ser
subdividida em três ciclos:
1. Ciclo de Abraão e Isaque: Gn 12-26.
2. Ciclo de Jacó e Esaú : Gn 27-36.
3. Ciclo de José: Gn 37-50.
D. CONTEÚDO
1. Não há razão para negar a veracidade do conteúdo de Gn 1-11, a história primitiva. É
história real e os fatos são verídicos. Porém hoje não há como investigá-la. Nenhum de nós lá este-
ve. Isto foi inspirado por Deus tal como está escriturado. Está na esfera da revelação. A veracidade
última daqueles fatos repousa na autoridade do próprio Deus.
2. Os acontecimentos da história primitiva preparam o cenário para a aliança da história
patriarcal de Gn 12-50. Nesta seção o enfoque volta-se para os patriarcas Abraão, Isaque, Jacó e
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José. As narrativas apresentam sua fidelidade, suas falhas, suas vidas (tão humanas quanto as
nossas), e o seu lugar na linha messiânica.
3. Particular destaque merece a gênese do povo escolhido. Deus elegeu Abraão para ser o
pai do grande povo escolhido de Iahweh através de quem o messias viria ao mundo para tornar
"benditas todas as famílias da terra" (Gn 12.3).
4. É preciso atentar para a importância do tema aliança em Gn. Deus faz alianças
universais com Adão (2.15-17), com Noé (9.8-17). Estas são quebradas. Deus então elege Israel.
Chama Abraão e entra em aliança com ele e o povo que dele virá (Gn 12). O messias está
intimamente ligado ao tema da aliança. Pois o messias virá do povo da aliança.
III. ÊXODO
A. TÍTULO
O título "Êxodo" não vem da tradição do AT mas é herança da LXX. "Êxodo" significa
"saída" e está baseado no episódio central do livro que é exatamente a saído do povo da escravidão
egípcia.
B. PROPÓSITO
O livro de Êx faz a conexão e a continuação entre Gn e o restante do Pentateuco. O final
de Gn é retomado e continuado em Êx. O livro também registra a fundação do povo de Israel como
nação teocrática.
C. ESBOÇO
O esboço de Êx é simples e consta de duas partes principais:
1. Libertação: Êx 1-19.
a. Escravidão e preparo para a libertação: Êx 1-12.
b. Êxodo e jornada até o Sinai: Êx 13-19.
2. Legislação: Êx 20-40.
a. Leis: Êx 20-31.
b. Apostasia e retorno: Êx 32-34.
c. Construção do tabernáculo: Êx 35-40.
D. CONTEÚDO
1. É difícil exagerar a importância de Moisés no livro de Êx. Moisés é um servo de Deus
por excelência. Exerce funções de libertador, legislador, guia do povo, conselheiro, intercessor, etc.
Apresenta as feições de um ser humano como qualquer um de nós. Sua fé é firme. Viveu 40 anos no
Egito, 40 anos na região desértica de Midiã, e por 40 anos liderou o povo. Ao morrer tinha saúde
plena.
2. O episódio do êxodo é de alta significância teológica. Aqui está o coração do evangelho
no AT. "Êxodo" significa "saída". Refere-se, em primeiro plano, à saída do povo Israel da escravidão
do Egito e partida para a terra prometida. Mas também mostra o Deus gracioso e libertador que vem
libertar o ser humano de escravidão muito mais terrível: pecado, morte e condenação. Cristo é o
"segundo Moisés" que liberta e lidera o seu povo rumo a "terra prometida eterna".
3. Diante do Sinai Deus sela oficialmente a aliança com o seu povo. Ali acontece
oficialmente o "casamento" de Israel com Deus. A descrição e resumo da aliança são extremamente
significativos: "Eu sou teu Deus, tu és meu povo, habitarei entre vós!"
4. Fato que com freqüência passa despercebido é a significância do tabernáculo para
Israel. Quando o homem ia a Deus ele o fazia no tabernáculo. E Deus vinha ao homem também no
tabernáculo. Ali Deus morava. A arca era o seu trono na terra. No tabernáculo Deus estava
"encarnado" entre o povo. O tabernáculo era o ponto de encontro entre Deus e homem. Isso aponta
para Cristo. O homem encontra Deus em Cristo. E Deus vem ao homem em Cristo. Portanto, o
tabernáculo é uma daquelas muitas sombras de Cristo no AT.
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IV. LEVÍTICO
A. TÍTULO
Os rabinos chamavam este livro de "A Lei dos Sacerdotes" e "A Lei das Oferendas",
referindo-se, evidentemente, à tarefa executada por sacerdotes e levitas. O título "Levítico" vem
desde a LXX e a Vulgata assumiu o mesmo título em sua tradução. O vocábulo "Levítico" significa
"concernente ao levitas" e aponta para o sacerdócio levítico vigente em Israel. No entanto, este título
pode ser enganoso quando se verifica o conteúdo do livro. Pois a matéria de Lv destina-se tanto (e
principalmente) aos leigos de Israel como também aos sacerdotes e levitas. Trata-se, portanto, de
um livro para leigos e para pastores (sacerdotes e levitas).
B. PROPÓSITO
Israel é agora uma nação teocrática organizada. É o povo de Deus. A aliança está
"assinada" por ambas as partes. O tabernáculo também está erigido. Agora se faz necessário
orientação para o dia a dia deste povo. Entra então em cena o livro de Lv. Este livro apresenta a
regulamentação para o culto e para a vida santificada do povo de Deus.
C. ESBOÇO
O livro de Lv tem basicamente duas partes e um apêndice:
1. Remoção da impureza que separa o homem de Deus: Lv 1-16.
a. Sacrifícios: Lv 1-7.
b. Sacerdócio: Lv 8-10.
c. Purificação: Lv 11-16.
2. Comportamento apropriado ao povo purificado: Lv 17-26.
3. Apêndice: Lv 27.
D. CONTEÚDO
1. No sacrifício há movimento em duas direções: o homem vai a Deus com a sua oferta
(sacrifício), e, também na mesma oferta, Deus vem ao homem com sua graça e perdão
(sacramento). O cordeiro é sombra, antecipação de Cristo no AT. A fé nesta pregação em atos é que
recebe o benefício da promessa de Deus. Por detrás de tudo isto está a ação vivificante do Espírito
Santo.
2. Lv mostra que pecado é coisa da mais alta seriedade. Tão sério que só se repara com
derramamento de sangue, ou seja, com morte! Lv também mostra que esta morte reparadora pode
ser substitutiva.
3. O sacerdócio exerce função de mediação entre Deus e os homens. Eles são os
administradores e despenseiros de Deus. O povo a eles acorre nas ocasiões certas. Também
percebemos no sacerdote um tipo, uma prefiguração de Cristo no AT.
4. O livro de Lv mostra claramente como se vive a vida cristã. A ética proclamada por Lv
tem por base a justificação do pecador que agora quer amar concretamente, no seu dia a dia, a Deus
e ao próximo.
5. Lv apresenta o "calendário litúrgico" do AT. São os tempos especiais, tempos de festa.
Não se celebra pessoas. Mas lembra-se eventos significantes. Grandes concentrações aconteciam
em algumas destas ocasiões.
V. NÚMEROS
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A. PROPÓSITO
A agora nação teocrática está pronta para continuar sua marcha rumo à terra prometida.
Em Nm, a nação que antes estivera parada diante do Sinai volta a caminhar. Nm é, na verdade, uma
combinação entre história e legislação. Relata episódios selecionados) que se passaram entre a
partida do Sinai e a chegada às planícies de Moabe. O período de tempo coberto pelo livro é de
cerca de 40 anos. Os números dos censos do início do livro (razão porque a LXX o denominou
"Números") recebem destaque.
B. ESBOÇO
Em muitos sentidos, o livro é uma miscelânea e quase não revela um esboço claramente
delineado. A estrutura básica apresenta relatos históricos com acréscimos de textos legislativos. Com
base no itinerário israelita, vemos três seções no livro:
1. Preparo para partida do Sinai: Nm 1.1-10.10.
2. Jornada do Sinai até as planícies de Moabe: Nm 10.11-21.35.
3. Episódios nas planícies de Moabe: Nm 22-36.
C. CONTEÚDO
1. Nm 6 apresenta a instituição do nazireado. Os nazireus eram pessoas que de forma
especial dedicavam-se a uma vida piedosa. Era uma espécie de ideal exemplar de santidade.
Sansão é o nazireu mais famoso. Desconfia-se seriamente que Samuel também tenha sido nazireu.
2. Nm 13-14 descreve o episódio lamentável do parecer desfavorável dos espias (com
exceção de Josué e Calebe) que foram verificar a terra antes da conquista. O povo deu ouvidos aos
espias desencorajados e isto custou a Israel 40 longos anos no deserto e morte desta geração
descrente.
3. O devido destaque deve ser dado à significante história da serpente de bronze (em Nm
21). Mais tarde, esta mesma serpente é adorada (2Rs 18.4). Cristo interpreta para nós a tipologia e-
xistente neste acontecimento (em Jo 3.14ss).
4. Uma das narrativas mais curiosas de toda a Bíblia está em Nm 22-24 onde Balaão entra
em cena. No desenrolar do que ali acontece, pela boca de Balaão Deus profere a belíssima profecia
messiânica da "estrela de Jacó" (Nm 24.17).
D. TEOLOGIA
1. O avanço do povo era proporcional à sua fé. Não que isto dependesse do povo. Mas
Deus queria mostrar-se Deus gracioso. A suficiência de Israel vinha de Deus somente.
2. Igualmente a conquista da terra independe do tamanho do exército. A terra é dádiva
divina. Deus queria que Israel cresse na sua promessa de lhes dar uma terra.
3. A igreja cristã é o novo Israel em marcha pelo deserto em direção à terra prometida!
Deus prometeu que a igreja lá chegará. Ele convida a igreja e a todos homens a acreditarem na sua
promessa, ... e lá chegarão!
VI. DEUTERONÔMIO
A. TÍTULO
"Deuteronômio", título dado pela LXX a este livro, significa "segunda lei". Na verdade, o
título está baseado numa interpretação incorreta de Dt 17.18. Ali fala-se de "traslado" ou "cópia" e
não de uma "segunda lei".
B. PROPÓSITO
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O livro apresenta o três últimos discursos de Moisés proferidos ao povo nas campinas de
Moabe. Estes discursos, que têm caráter sermônico, expõem as principais leis e orientações que nor-
teariam Israel na nova terra. Nesta ocasião Moisés tinha 120 anos e gozava de pleno vigor físico e
mental (Dt 34.7).
C. ESBOÇO
1. Primeiro discurso: Dt 1-4.
2. Segundo discurso: Dt 5-11.
3. Código Deuteronômico: Dt 12-26.
4. Bênçãos e maldições: Dt 27-28.
5. "Terceiro Sermão": Dt 29-30.
6. Conclusão: Dt 31-34
Os capítulos de Dt 31 a 34 concluem tanto o livro de Dt como o Pentateuco.
D. CONTEÚDO
1. O livro de Dt é altamente significante para a teologia do AT e NT. A preocupação de Dt é
com a teologia do Pentateuco,i.e., as boas-novas do evangelho que capacitam e motivam toda
obediência válida diante de Deus. Certamente não é por mero acaso que o livro de Dt é citado por
Cristo 90 vezes!
2. Em Dt 6 temos um comentário sobre o primeiro mandamento. Ali também está o credo
do Judaísmo posterior e moderno (v. 4), o primeiro grande mandamento (v. 5), bem como a
prioridade a ser dada à "educação cristã" (v. 6ss).
3. Dt 18 registra uma profecia messiânica. Na passagem de Dt 18.15, Cristo é antecipado
como o profeta por excelência!
4. Dt 34 fala da morte de Moisés. No mundo acadêmico discute-se a autoria deste capítulo.
Quem escreveu? Moisés mesmo? Ou outro autor? Alguns da tradição judaica acham que Josué é o
autor. Isto é difícil de responder. A questão fica em aberto.
L I V R O S H I S T Ó R I C O S
I. NOTAS PRELIMINARES
A tradição do AT classifica os livros de Js, Jz, Sm e Rs como "Profetas Anteriores". Neste sentido
os episódios da vida de indivíduos e do povo de Deus se tornam proclamação. Os acontecimentos
externos trazem em seu bojo o conteúdo divino. Os atos concretos anunciam o conteúdo. Esta
mesma tradição considera 1 e 2Sm e 1 e 2Rs como um só livro cada. Estes livros (Js, Jz, Sm e Rs)
apresentam a história interpretativa da nação teocrática desde a entrada na terra prometida até a
dissolução da teocracia no exílio. Os outros livros continuam a narrativa da trajetória do povo desde
o retorno do cativeiro babilônico, passando pela reconstrução da nação e indo até o tempo de Ester,
de Neemias e do último profeta escritor (Malaquias), já muito próximo do período intertestamental.
Não temos resposta a todas as questões que nos surgem a respeito de todo este período. Estes
livros cobrem um longo tempo: mil anos, em números redondos. Mesmo que muitas questões
levantadas permaneçam sem resposta, o pressuposto do escritor bíblico é o de que a matéria
apresentada é totalmente verdadeira, seja isto da perspectiva dos acontecimentos ou da teologia. A
preocupação dos escritores sacros é mais teológica que histórica. Os episódios são enfocados a
partir da ótica de Deus.
Os livros históricos vão de Josué a Ester. Os livros proféticos complementam as informações dos
livros históricos. Correm paralelos.
II. JOSUÉ
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A. TÍTULO
O título do livro é o nome do seu personagem principal. A nossa tradução tem "Josué". O
nome hebraico realmente significa "Jesus". A LXX intitula o livro de "Jesus" (em grego). Tendo em
vista o paralelo entre a obra de Josué e a de Jesus, o título do livro é significante.
B. AUTORIA E DATA
O livro nada traz de explícito sobre o seu autor e sobre a data da sua composição. No
entanto, há alguns indícios:
1. A tradição judaica é do parecer que o título "Josué" refere-se ao autor do livro.
2. O texto parece indicar que grande parte do livro foi escrita por uma testemunha ocular. E
Josué é o melhor candidato neste caso.
3. Ao menos partes (se não tudo, ou quase tudo) do livro foram escritas por Josué. Js
24.26.
4. Existem algumas indicações de que o livro foi escrito em data recuada. (Por exemplo,
Jerusalém ainda não fora conquistada.)
5. Na forma atual do texto, há eventos que se deram depois da morte de Josué. A tradição
judaica, por exemplo, pensa que o relato da morte de Josué foi escrito e adicionado ao livro pelo
sacerdote Eleazar. Nada impede que ele tenha sido inspirado pelo Espírito Santo ao redigir este
texto.
De tudo isto, o que se deduz quanto a data e autoria é que boa parte do livro foi escrita por
Josué sendo que o restante deve ter sido escrito depois do tempo de Josué. Além disto é difícil de
avançar.
C. PROPÓSITO
O propósito do livro de Js é demonstrar como Deus introduziu na terra prometida a nação
teocrática que estivera caminhando no deserto. Expõe também a conquista e a divisão da terra. O
livro dá continuidade ao Pentateuco e à teocracia. A tarefa primordial de Josué era a de introduzir o
povo na terra prometida. Com isto estava cumprida a promessa de Deus aos patriarcas no que diz
respeito à doação da terra.
D. ESBOÇO
A estrutura do livro é simples e tem três partes:
1. Conquista da Cisjordânia: Js 1-12.
2. Divisão da terra: Js 13-22.
3. Despedida e morte de Josué: 23-24.
E. TEOLOGIA
1. Em certo sentido, o paralelismo dos nomes "Josué" e "Jesus" aponta para o paralelismo
de suas atividades. Josué lidera o povo do deserto, passa o rio Jordão e ingressa na terra prometida.
Jesus faz o mesmo com o novo Israel, a igreja. Só que conduz o seu povo para a terra prometida na
eternidade.
2. A entrada de Israel na terra de Canaã na verdade foi um cumprimento da promessa de
Deus no Pentateuco. O cumprimento real está em Cristo! Em Cristo, os fiéis estão na terra
prometida. E a consumação definitiva será na eternidade. Pois Deus tinha muito mais para dar para
os seus fiéis do AT do que somente um espaço geográfico. A terra aponta para a Terra! O mesmo
vale para nós.
III. JUÍZES
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A. TÍTULO
O título do livro ("Juízes") está fundamentado no tipo de governo do povo de Deus neste
período. Este título é comum à tradição do AT, à LXX e às versões modernas. Quando, porém,
falamos de "juízes" temos que nos desligar do sentido moderno, forense que o termo evoca. Ao
enunciar "juiz", logo nos vem à mente a idéia de um tribunal, um julgamento, promotor e advogado,
etc. Não é esta a idéia de "juiz" neste livro. O juiz, na verdade, era o líder carismático do momento.
Foram homens levantados por Deus para determinada função e revestidos com o seu Espírito para
executar esta tarefa.
Tradicionalmente classifica-se os juízes deste livro em dois grupos:
1. Juízes Menores. São o seguintes: Sangar, Tola, Jair, Ibsã, Elom, Abdom.
2. Juízes Maiores. São os seguintes: Otniel, Eúde, Débora
(e Baraque), Gideão, Jefté, Sansão.
Talvez o critério para esta classificação ("menores" e "maiores") não seja a qualidade da
liderança destes juízes, mas, possivelmente, a quantidade de informações que temos sobre eles. O
texto de Jz traz pouca informação sobre os juízes menores, enquanto fornece dados detalhados
sobre os juízes maiores. O escritor, sob inspiração, selecionou aqueles episódios que interessavam e
se enquadravam nos seus objetivos pedagógicos.
B. AUTORIA E DATA
O texto bíblico não apresenta evidência clara quanto à identidade do autor. Ficamos
apenas na especulação. Uma linha da tradição judaica (o Talmude) sugere Samuel como o autor de
Jz. E isto é tudo. Se não há como provar esta tradição, também não temos melhor candidato.
De modo semelhante quanto à data, tudo o que temos são evidências internas que
apontam data antiga para a redação do texto. Desta forma a "conclusão" a que se chega é que talvez
o livro tenha sido compilado no início (ou mesmo um pouco antes) da monarquia em Israel (ca. 1000
a.C.)
C. PROPÓSITO
Jz registra a história cheia de problemas do povo de Deus no período turbulento pós-
conquista e pós-estabelecimento na terra prometida. Este período foi tudo, menos um período
tranqüilo. O último versículo do livro (21.25) caracteriza bem toda esta época: "Cada um fazia o que
achava mais reto!"
Historicamente falando, os fracassos deste período, aliados a outros fatores, preparam o
caminho para a monarquia que logo segue em Israel. A extensão histórica e cronológica desta era
vai desde a morte de Josué até o surgimento de Samuel como juiz (o último) e profeta de Deus (ca.
1400-1000 a.C.).
D. ESBOÇO
O esboço do livro é simples e apresenta três partes bem distintas:
1. Introdução: Jz 1.1-2.5.
2. História dos juízes: Jz 2.6-16.31.
3. Apêndice: Jz 17-21.
E. CONTEÚDO
1. Estruturalmente, o livro está organizado ao redor de objetivos pedagógicos, interesses
sermônicos. Vemos no texto episódios selecionados que exemplificam concretamente as falhas e as
virtudes de Israel e as intervenções divinas na vida deste povo.
2. Especialmente na segunda parte do livro (Jz 2-16), os acontecimentos são relatados
conforme um ciclo que se repete com cada juiz: apostasia (Israel se afasta de Deus), opressão (Deus
permite que eles sejam oprimidos por algum povo estranho), arrependimento (Israel reconhece o seu
afastamento e clama a Deus), e finalmente a libertação (Deus levanta um líder que os libertará e
será seu guia por algum tempo). Este ciclo é um retrato fiel do que é a nossa vida hoje, como
- 14 -
indivíduos ou como congregações. Não podemos deixar de perceber que Deus ainda hoje levanta
pessoas que se tornam os seus "juízes" do momento para corrigir e direcionar algo que está
acontecendo.
3. O desenvolvimento do texto exibe de forma seqüencial o período de cada juiz.
Terminado o tempo de um, o relato avança para o próximo juiz.
4. Em última análise, Cristo é o nosso grande juiz. É o libertador por excelência levantado
por Deus para corrigir as relações homem-Deus e direcionar a todos para a vida eterna. Em sua
primeira vinda, Cristo trouxe a libertação do juízo divino que paira sobre o pecador. E em sua
segunda vinda ele aplicará implacavelmente o juízo divino sobre os que lhe foram adversos.
IV. RUTE
A. CONTEÚDO
O texto de Rt narra um episódio da época pré-monárquica e está situado historicamente no
tempo dos juízes (Rt 1.1). Em meio à turbulência do período dos juízes, a história de Rute e Noemi
emerge com um charme e encanto próprios. Inserido num contexto de afastamento e infidelidade a
Deus, temos em Rute um exemplo de fé singela e piedade exemplar. No NT, o texto de Mt 1.5
confirma a existência de Rute como personagem histórico e a genealogia de Lc 3.32 concorda com a
de Rt (4.18-22). No calendário litúrgico judaico, o livro de Rute está vinculado à Festa das Semanas,
o "Pentecostes". Este livro é a leitura, a "perícope do dia" nesta festa.
B. PROPÓSITO
Destaque maior vai para a importância messiânica do livro. Rute, uma gentia, foi
incorporada à genealogia de Davi (foi a sua bisavó) e, conseqüentemente, tornou-se antepassada de
Cristo! Uma gentia foi enxertada na linha messiânica! A salvação não é só para os da raça escolhida,
mas para todos os seres humanos. Na pessoa de Rute, nós, gentios, estamos representados na linha
messiânica!
Um outro propósito, certamente subsidiário, talvez seja o de apresentar um quadro realista
e animador, e, ao mesmo tempo, de uma singeleza sem par. O período dos juízes apresentou um
quadro desolador quanto à qualidade de vida existente (confere Jz 19-21, especialmente). Rute é um
nítido contraste a esta realidade. Sugere um exemplo de vida efetivamente piedosa sob a aliança. É
um exemplo que transcende, que vai além do seu próprio tempo e espaço e chega até nós.
C. AUTORIA E DATA
A tradição judaica sugere Samuel como o autor do livro. Apesar de alguma possibilidade,
este testemunho é muito improvável em virtude de evidências internas do próprio texto. No entanto,
nenhuma outra hipótese mais plausível foi levantada até agora. A concordância generalizada entre
os estudiosos é que o livro é anônimo, ou seja, não se sabe com certeza quem o redigiu.
Como não se tem certeza sobre a identidade do autor, isto dificulta a datação do texto.
Razões lingüísticas e estilísticas, bem como a menção do rei Davi (Rt 4.17,22), parecem indicar que
o texto foi redigido em algum tempo durante o reinado de Davi.
D. ESBOÇO
Já que o livro é um bloco único e compacto, com uma narrativa movendo-se em direção ao
seu final, tentar esboçar o livro pode ser um empreendimento sem grande recompensa. Um esboço
simples poderia ser o que segue:
1. Rute vem para Belém: Rt 1.
2. Rute encontra Boaz: Rt 2.
3. Rute apela a Boaz: Rt 3.
4. Casamento de Rute e Boaz: Rt 4.
- 15 -
E. TEOLOGIA
1. Mt 1.5 apresenta Rute como ancestral de Cristo! Uma moabita! Do ponto de vista da
estilística, a genealogia ao final do livro (Rt 4.18-22) é um mero apêndice. Mas funcionalmente, teo-
logicamente, é o ponto alto do livro. Na genealogia se dá a conexão messiânica de Rute e Boaz com
Cristo. A genealogia integra a história particular de Rute ao curso principal da história da salvação, da
história de Deus. Rute, a mulher gentia moabita, é "enxertada" na linha messiânica e passa a ser
instrumento nas mãos de Deus para o benefício de toda a humanidade. Isto é profundamente
significante.
2. Em Rt, Deus não age de forma sobrenatural e miraculosa, mas de maneira natural e
providencial. Quase dizemos que Deus age de forma "casual". Não há milagres vistosos no livro de
Rt. Mas é preciso ter olhos para ver que em, com e sob decisões humanas, rotineiras, casuais, Deus
opera normalmente. Por detrás das coisas simples e do dia a dia, está a ação criativa e transfor-
madora de Deus. E quando Deus age, estas ações estão sempre cheias de significância divina e
eterna, por mais simples, rotineiras ou "casuais" que possam parecer!
V. SAMUEL
A. TÍTULO
Evidentemente o título "Samuel" vem do primeiro personagem proeminente nos dois livros
— o próprio Samuel — que ungiu dois outros dois personagens igualmente importantes na história de
Israel: os reis Saul e Davi. Originalmente, na tradição do AT, 1 e 2Sm eram considerados um só livro.
Foi a LXX que o dividiu em 2 volumes (sem nada lhes acrescentar ou tirar).
B. ESBOÇO
O esboço dos livros está baseado no personagem principal que entra em cena em cada
período da história coberta pelos livros:
1. Samuel: 1Sm 1-7.
2. Samuel e Saul: 1Sm 8-15.
3. Saul e Davi: 1Sm 16-31.
4. Triunfo de Davi sobre a casa de Saul: 2Sm 1-8.
5. "História da Corte" (de Davi): 2Sm 9-20.
6. Apêndice: 2Sm 21-24.
Percebe-se que o relato dos episódios gira ao redor dos três "eixos" principais do livro que
são os três principais personagens: Samuel, rei Saul e rei Davi.
C. PROPÓSITO
O propósito do livro é registrar a transição do período teocrático e dos juízes para a nova
forma de governo. O livro relata a fundação da monarquia hebraica. Este foi um novo momento,
uma transformação sem par na história do povo de Deus. As seqüelas logo se fizeram sentir na vida
do povo. Historicamente, houve pelo menos um duplo preparo para o reinado. Primeiro foi o período
dos juízes. Foi um tempo política e religiosamente confuso, com muita desorientação e turbulência
na vida de Israel. Não havia realmente um elemento político centralizador do povo. Depois foi a
ameaça dos filisteus, detentores da tecnologia do ferro (o que então lhes dava incrível poder militar).
Havia a necessidade de um bom rei e líder militar que estivesse à frente de Israel e os conduzisse à
vitória.
Samuel inclui as carreiras de três grandes nomes que deixaram sua marca indelével no AT:
Samuel, Saul e Davi.
D. AUTORIA E DATA
- 16 -
Na questão da data e autoria, a situação de Sm é semelhante a Js e Jz. O texto não faz
menção do seu autor. A tradição judaica acha que o próprio Samuel é o autor da primeira parte do li-
vro, sendo o restante escrito pelos profetas Gade e Natã. Porém temos que perguntar: Até que ponto
esta tradição é confiável?
Samuel escreveu ao menos parte do livro (1Sm 10.25). Sua morte é relatada em 1Sm
25.1;28.3. Há também episódios que se passaram após a morte de Samuel.
No que diz respeito à data, estudiosos conservadores datam o livro entre 930 e 722 a.C.
E. CONTEÚDO
1. A figura imponente de Samuel domina a primeira metade do livro. Ele nasceu como
resposta de Deus às orações de sua mãe e cresceu à sombra do sacerdote Eli. Manuscritos
recentemente encontrados (em Qumran, à beira do mar Morto) parecem confirmar a suspeita de que
Samuel tinha sido dedicado por sua mãe como um nazireu (Nm 6). Samuel se encontrava às portas
da maior transição política de Israel: passagem da teocracia à monarquia. Foi ele que conduziu este
processo. Ele também foi o último e maior dos juízes. Presumivelmente, também era sacerdote (no
conflito com Saul, parece que só ele podia sacrificar — 1Sm 13.13). Em muitos sentidos, ele foi o
primeiro dos grandes profetas de Israel (At 13.20). Samuel, portanto, é um verdadeiro "segundo
Moisés", representando virtualmente todos os ofícios em Israel como nenhum outro tinha feito desde
Moisés. De certa forma, Samuel antecipa Elias e Cristo! Com toda certeza, este personagem não
pode passar despercebido por nós.
2. O cântico de Ana em 1Sm 2, a exemplo do canto de Maria em Lc 1 no NT, é denominado
por alguns como o "Magnificat do AT."
3. A dramática ameaça militar dos filisteus e o pedido de um rei estão registrados em 1Sm
8. A monarquia já tinha sido prevista por Moisés que em Dt 17 orienta a forma de atuação dos futuros
reis de Israel.
4. 1Sm 14 relata o comportamento estranho de Saul. Este torna-se cada vez pior. Há
estudiosos que desconfiam que Saul portasse alguma doença mental progressiva.
5. Em 1Sm 17 temos a vívida descrição do combate entre Davi e Golias. O relato é tão
nítido e a qualidade da descrição da narrativa é tão perfeita, que até parece que somos testemunhas
oculares da luta!
6. A partir de 2Sm 5 Davi é rei em todo Israel. Ele conquista Jerusalém, uma cidade com
neutralidade política, idealmente localizada no "ponto intermediário" na fronteira norte-sul. Jerusalém
torna-se a capital tanto política como religiosa.
7. 2Sm 7.12-16 apresenta um dos grandes oráculos messiânicos do AT. A partir dali, o rei
Davi e a dinastia davídica passam a estar vinculados ao reino messiânico. O reino de Davi passa a
ser figura do reino messiânico. Davi terá um herdeiro cujo trono será firmado para sempre! Sabemos
quem é este filho de Davi: é Cristo!
VI. REIS
A. TÍTULO
O título "Reis" está baseado no conteúdo dos livros. Assim como 1 e 2Sm, os dois livros de
Rs também eram, originalmente, um só volume. A LXX os repartiu em dois.
B. PROPÓSITO
O propósito dos livros é relatar a história da monarquia do povo de Deus até o seu final no
exílio babilônico. Este relato inclui a divisão do reino unido na monarquia dividida em dois reinos
independentes. (Confere, ao final, o mapa do reino dividido.) A extensão histórica da narrativa vai
desde as últimas palavras do rei Davi até o cativeiro babilônico de Judá. Grande ênfase é colocada
no ministério dos profetas Elias e Eliseu.
C. AUTORIA E DATA
- 17 -
O autor não é identificado pelo livro. A tradição judaica (do Talmude) atribui a autoria ao
profeta Jeremias. Além disso não conseguimos ir.
Para a data da redação dos livros, os estudiosos conservadores, fundamentados em
evidências internas do texto, fixam dois limites para a data do livro: 562 a.C. (ocasião da libertação
do rei Joaquim, segundo 2Rs 25-27) e 539 a.C. (data da queda da Babilônia, da qual não há menção
no livro). Segundo estes autores, o texto deve ter sido redigido entre estas duas datas.
Rs menciona várias fontes escritas como, por exemplo, o "livro da história de Salomão"
(1Rs 11.41), o "livro da história dos reis de Judá" (2Rs 8.23), o "livro da história dos reis de Israel"
(1Rs 15.31). Estas fontes talvez fossem os arquivos, anais e registros oficiais do reino aos quais o
autor tinha acesso e que podem ter sido usados como fonte de pesquisa.
D. ESBOÇO
O esboço segue a seqüência dos períodos históricos:
1. Introdução (morte de Davi e sucessão de Salomão): 1Rs 1-2.
2. Reino unido sob Salomão: 1Rs 3-11.
3. Monarquia dividida: 1Rs 12-2Rs 17.
4. Reino de Judá (722-587 a.C.): 2Rs 18-25.
O relato de Rs é suplementado por 1 e 2Cr e pelos livros proféticos (especialmente Jr).
Fora da Bíblia, este período tem rica e extensa documentação arqueológica e histórica, especial-
mente no que se refere às nações ao redor de Israel.
E. ESTRUTURA DO TEXTO
A estrutura da narrativa de Rs apresenta uma combinação de cronologia com julgamentos
religiosos. Menciona-se os atos de um determinado rei e, ao final, o julgamento teológico do seu
reinado. Passa-se então ao próximo monarca. Os relatórios dos episódios de ambos os reinos
correm paralelos e contínuos. Narra-se o reinado de um monarca até o fim. Então é a vez de todos
os reis do outro reino durante aquele período.
F. CONTEÚDO
1. 1Rs 1-2 narra os últimos dias de Davi e sucessão de Salomão. A corte estava cheia de
intrigas!
2. Os detalhes da construção do templo efetuada por Salomão tomam bom espaço do texto
(1Rs 3-11). A exemplo do tabernáculo, a importância do templo é aqui ressaltada. No templo, Deus
estava temporalmente e "encarnacionalmente" habitando com e no meio do seu povo. Dali, do
templo, do lugar santo, a graça de Deus irradia. Pois o mesmo vale para Cristo! Do "lugar santo",
Cristo, a graça de Deus irradia para os homens.
3. Em 1Rs 12-22 temos o relato do reino dividido. É preciso estar ciente dos nomes dos
dois reinos a partir deste ponto. Após Salomão, o nome Israel (ou Reino do Norte) refere-se ao reino
independente do norte do território da terra prometida. E Judá (ou Reino do Sul) refere-se à parte sul.
A partir da divisão, em Judá ficaram as tribos de Judá e Benjamim, enquanto que as outras tri bos
pertencem a Israel.
4. A partir de 1Rs 17 a atenção volta-se para Elias, a vanguarda do movimento profético de
então. Semelhante a outros personagens, Elias é de uma importância histórica e teológica sem igual.
Ele é a verdadeira encarnação da profecia (um "Mr. Profecia!"). A luta dele contra o rei Acabe e sua
esposa Jezabel, na verdade, era a luta pela sobrevivência do Iahwismo frente a ameaça do
Baalismo. E Iahweh venceu!
5. Em 2Rs 1-17 temos o ciclo do profeta Eliseu. Em 722 a.C. Israel (Reino do Norte) é
derrotado pelos assírios e levado ao cativeiro. Lá desintegra-se como raça. Outros povos são
trazidos para o norte e ali misturam-se com os que lá ficaram surgindo daí um povo híbrido. A partir
de 2Rs 18 até o final do livro (2Rs 25), a atenção volta-se para Judá. O Reino do Sul é poupado tem-
porariamente. A Babilônia sucede a Assíria no domínio internacional e, com planos de expansão,
avança sobre Judá. Jerusalém é arrasada em 587 a.C. e Judá vai para o cativeiro babilônico. Porém
volta tempos depois. Deus tem interesses messiânicos em Judá!
- 18 -
VII. CRÔNICAS
A. O LIVRO
Na tradição do AT, 1 e 2Cr eram um só livro. A divisão do livro em dois foi feita pela LXX.
Na colocação dos documentos na Bíblia Hebraica, Cr é o último livro do AT.
Cr é o terceiro maior corpo historiográfico do AT, junto com a história contida em Sm e Rs e
a história pré-davídica que se acha especialmente no Pentateuco. O livro cobre toda a história bíblica
desde Adão até o edito do monarca medo-persa Ciro, em 538 a.C., que permitiu o retorno do povo
de Judá do cativeiro babilônico.
B. AUTORIA E DATA
A obra é anônima e a tradição indica Esdras como seu autor. Muito mais do que isso é
difícil afirmar. A mesma dificuldade se verifica na data da redação do texto. O máximo que se pode
dizer é que o livro deve ter sido escrito na segunda metade do século V a.C. (ao redor de 430 a.C.).
C. PROPÓSITO
O livro de Crônicas foi escrito para os fiéis do período pós-exílico, para aqueles que já
tinham voltado do cativeiro babilônico e estavam novamente na terra de Israel. Este período trouxe
muitos problemas e dificuldades, tanto externos como internos. Através dos episódios relatados no
livro, Cr quer estabelecer a auto-compreensão, a consciência da comunidade pós-exílica como uma
entidade religiosa, centralizada nas instituições divinas do templo e da dinastia davídica. Quem é
este povo? Este é o povo de Deus, filhos de Adão, de Abraão, de Davi, que foi libertado do domínio
egípcio e babilônico, que recebeu a terra prometida, que presta culto ao seu Deus no templo de
Jerusalém. Este povo é portador da promessa messiânica que beneficiará toda a humanidade.
D. ESBOÇO
O livro mantém a seqüência histórica e pode ser dividido em blocos históricos:
1. Genealogia (de Adão a Davi): 1Cr 1-9.
2. Davi: 1Cr 10-29.
3. Salomão: 2Cr 1-9.
4. História de Judá (até o Edito de Ciro, 538 a.C.): 2Cr 10-36.
E. CONTEÚDO
1. Toda a história pré-davídica é coberta nas genealogias. Os nomes vinculados à linha
messiânica (Adão, Noé, Abraão, Judá, Davi) recebem destaque na colocação. As genealogias não se
acham necessariamente em ordem cronológica. Via genealogias, o povo é colocado na linha da
graça criativa e eletiva de Deus. As suas raízes vêm de Adão, de Abraão, de Davi. Trata-se do povo
escolhido por Deus do qual virá o Salvador da humanidade.
2. A história do Reino do Norte é quase toda omitida, exceto menções de passagem.
Sintomaticamente, há uma concentração nos episódios do reino de Judá, a nação que tem
vinculação com a linha messiânica! O autor quer mostrar que o povo pós-exílico é o povo da linha
messiânica.
3. Se compararmos Cr com Sm e Rs, logo percebemos algumas adições ou expansões no
texto de Cr. Cr suplementa a história anterior, dá uma nova luz que vem de um ângulo diferente. Sm,
Rs e Cr separados não dão o quadro completo. Porém juntos complementam-se, dão a visão do
todo.
4. Em Cr, duas instituições divinas inter-relacionadas recebem grande espaço e grande
ênfase: são o templo e a monarquia davídica. Em 1Cr 22-29 está relatada a contribuição de Davi ao
culto no templo. Depois, 2Cr 2-7 volta-se de novo ao templo. Em meio a tudo isto, Davi é a figura
chave. Fica de novo evidente o interesse messiânico de Deus e do autor. A história de Cr foi escrita a
partir da ótica do Messias!
- 19 -
VIII. ESDRAS E NEEMIAS
A. UNIDADE DOS LIVROS?
Os escribas hebreus tratam ambas as obras como um só livro. Na reflexão deles, há
indicações que apontam nesta direção. Por outro lado, há evidências que apontam na direção
contrária, ou seja, a independência de cada um dos textos como composição separada. No mundo
acadêmico o debate a este respeito é acalorado. Não houve acréscimos nem subtrações ao texto.
B. TÍTULO
É evidente que em ambos os livros os títulos estão baseados nos seus principais
personagens, Esdras e Neemias.
C. PROPÓSITO
1. Ambos os livros mostram a reconstrução da nação em seus aspectos físico e espiritual.
O povo estava voltando do cativeiro e recomeçando sua vida tanto no sentido físico como religioso.
2. Os livros também exibem a proteção de Deus contra os inimigos externos do povo e
contra a corrupção interna. Perigos de fora e de dentro rodeavam o povo de Deus. Mas Deus está ao
seu lado.
D. ESBOÇO
O esboço segue os acontecimentos históricos do momento:
1. Primeiro retorno dos exilados: Ed 1-2.
2. Restauração do culto: Ed 3-6.
3. Segundo retorno e reformas religiosas de Esdras: Ed 7-10.
4. Restauração dos muros (relato autobiográfico de Ne): Ne 1-7.
5. Reformas de Esdras e Neemias (atividades de ambos): Ne 8-13.
E. AUTORIA E DATA
A grande questão é saber quem deu a forma final aos livros de Ed e Ne. A discussão entre
os estudiosos é muito grande e há muita divisão. A tradição mais antiga atribui a autoria de ambos os
livros a Esdras, porém complementado por Neemias (especialmente no livro de Ne).
Se a autoria dos livros é mesmo de Esdras e Neemias, então a data da redação fica lá no
século V a.C.
F. IMPORTÂNCIA DE ESDRAS E NEEMIAS
1. No que se refere à história do povo de Deus, os livros de Ed e Ne são muito importantes
para o conhecimento da comunidade de Israel do século V a.C. Fora destas fontes, quase nada se
sabia de Israel neste período de existência até pouco tempo. Hoje, achados arqueológicos
suplementam o relato destes documentos.
2. Humanamente falando, sem a atuação de Esdras e Neemias, a comunidade dos que
retornaram provavelmente teria sucumbido ou se desintegrado no sincretismo religioso. Os perigos
externos (inimigos que não queriam a reconstrução da nação) e internos (desleixo espiritual,
casamentos mistos, etc.) eram grandes e destruidores. O momento exigia homens de Deus com fé
profunda, mente clara e pulso firme. Esdras e Neemias tinham estas qualidades.
3. Vemos em Esdras e Neemias uma verdadeira "dupla dinâmica" a serviço de Deus.
Esdras era um escriba ("pastor") e Neemias um leigo (administrador competente). As atividades de
ambos são complementares. Neemias fez aquilo que só um leigo fiel é capaz de fazer. E Esdras
- 20 -
guiou o povo de volta à aliança com Deus e à reconsagração. Eis um belíssimo quadro de um pastor
e um leigo trabalhando harmoniosamente e, com a bênção de Deus, atingindo os objetivos de Deus.
IX. ESTER
A. TÍTULO
Como é evidente, o título do livro vem do principal personagem que é Ester. "Ester",
palavra derivada da língua persa, significa "estrela". O nome hebraico de Ester é "Hadassa" (que sig-
nifica "murta").
B. AUTORIA
O texto é anônimo, não indica o autor. Uma tradição judaica atribui sua autoria a Mordecai.
Uma outra hipótese levantada para a autoria são os nomes de Esdras e Neemias. No entanto não há
boa evidência lingüística para sustentar esta posição. A partir do texto, o máximo que conseguimos
inferir quanto ao autor é que ele certamente viveu na Pérsia (pois demonstra acurado conhecimento
dos costumes persas de então), e pode ter usado os escritos de Mordecai (Et 9.20), as "crônicas dos
reis da Média e da Pérsia" (Et 2.23; 10.2) e também a tradição oral como fonte de pesquisa para a
matéria do seu livro.
C. DATA
Semelhante à questão da autoria, não há indicação precisa quanto à data. As evidências
fornecidas pelo texto parecem indicar um período entre 465 e 330 a.C. como o tempo da redação.
Via de regra, os estudiosos conservadores preferem a segunda metade do século V a.C. como a
melhor alternativa para a data do livro.
D. PROPÓSITO
O livro de Ester tem propósito duplo:
1. Mostrar como Deus em sua providência governa toda a existência humana (bem como o
universo). Nas mãos de Deus estão os destinos de indivíduos e nações.
2. Explicar a origem e o fundo histórico da Festa do Purim (ocasião em que os modernos
judeus celebram a libertação do povo da sentença de morte através da instrumentalidade de Ester).
E. ESBOÇO
Uma forma simples de esboçar o livro é como segue:
1. Perigo da destruição do povo: Et 1-5.
2. Proteção graciosa de Deus sobre seu povo: Et 6-10.
F. CONTEÚDO
1. Sem dúvida, o livro de Ester é uma narrativa atraente, com lances de um verdadeiro
filme de aventura: tem mocinho e mocinha, tem bandido, tem suspense e ameaça de morte, tem
salvação na hora certa, e tem final feliz. Mas não podemos esquecer: esta é uma aventura em que
Deus está presente!
2. O nome de Deus não ocorre no livro. Além disso, o NT não alude a Et. Teólogos liberais
usam estes — e outros — argumentos para atacar a confiabilidade do livro de Et. Mas a verdade é
que o fato do nome de Deus não ser mencionado de forma explícita no livro não significa que Deus
está "fora da jogada" ou que Deus nada tem a ver com o que ali acontece. Deus age em, com e sob
as condições naturais. Aquilo que parece mera coincidência, na verdade é libertação e orientação
divinas! É Deus intervindo. As circunstâncias naturais são realmente sobrenaturais quando as vemos
- 21 -
do ponto de vista de Deus. O fato do povo de Israel escapar da morte pela aparente intervenção
casual de Ester, não foi mera casualidade. Pois por detrás da cortina, Deus estava provendo a
salvação do seu povo
3. Os acontecimentos do livro de Et fazem parte da história da eleição, do governo especial
de Deus em favor do seu povo escolhido. Por que Israel? Porque Deus, em sua sabedoria suprema,
elegeu este povo para que, através dele, viesse redenção a todo o ser humano!
LITERATUR A POÉTICA E SAPI ENCI AL
I. POESIA NO AT
O gênero poético tem lugar privilegiado e de muito importância no AT. Não são apenas os
livros poéticos que utilizaram este gênero literário, mas os profetas redigiram bons pedaços dos seus
documentos em forma de poesia. Boa parte do texto do AT está escrita em forma poética.
Basicamente a poesia do AT tem natureza dupla:
1. Natureza didática. Neste sentido, a poesia está preocupada com o aspecto cognitivo do
ser humano, com a transmissão de conhecimentos. Verdades divinas ou humanas são transmitidas
via poesia. Como exemplo típico pode-se citar o livro de Pv.
2. Natureza lírica. Isto volta-se para o aspecto poético propriamente dito. Neste sentido a
poesia do AT visa a expressão dos sentimentos, das emoções, da vida interior do autor, da beleza da
forma poética. Exemplo clássico é o livro de Ct.
A característica básica da poesia do AT é o "paralelismo dos membros". Este paralelismo
não consiste na rima de sons ou fonemas ao final das linhas (como, por exemplo, na poesia tradi-
cional da literatura brasileira). Mas trata-se da rima de pensamentos. Existe uma relação e
combinação de idéias e de conteúdos dentro do poema. No Sl 19.1, por exemplo, notamos que a
segunda linha repete o mesmo conteúdo da primeira, mas com palavras diferentes. Isto é o
"paralelismo do membros" utilizado na poesia do AT. Exemplos semelhantes se encontram, por
exemplo, no Sl 83.14,15 e em Pv 15.1.
A forma poética confere um aspecto de vitalidade e beleza sem igual ao texto sagrado. Ao
mesmo tempo, intenciona ensinar e transmitir conteúdos divinos ao homem pecador.
II. LITERATURA SAPIENCIAL DO AT
A sociedade intelectual israelita tinha, entre os seus representantes principais, a figura do
"sábio". O sábio é aquela pessoa que, ao longo da vida, havia acumulado muita experiência e conhe-
cimento, e os transmitia a outros com o objetivo de edificação. Os textos no AT que tratam da
transmissão desta sabedoria são classificados como literatura sapiencial. Além de trechos isolados
(alguns salmos, por exemplo), o AT tem livros sapienciais (Ec, Pv, Jó).
Há autores que entendem a sabedoria como a disciplina de aplicar a verdade à vida, à luz
da experiência. Trata-se da habilidade de lidar com a vida e o universo.
Superficialmente, a sabedoria do AT poderia ser entendida como um mero apelo à razão e
ao bom-senso do ser humano, não ao amor de Deus. Na realidade, a literatura sapiencial do AT está
inserida no contexto dos textos sagrados da Bíblia e pressupõe a aliança de Deus com Israel. Esta
sabedoria do AT se dirige ao israelita que está em aliança com Deus. (Em última análise, se dirige ao
fiel, ao cristão.) E oferece conselhos, "dicas" práticas (como, por exemplo, as exortações do livro de
Pv) para o dia a dia do fiel. Nós a entendemos como sendo a aplicação da lei em seu terceiro uso:
aquele que está justificado agora recebe orientação prática para a vivência cristã diária no mundo.
III. JÓ
A. TEMA DO LIVRO
- 22 -
O tema em discussão no livro de Jó é uma questão universal e profundamente existencial.
Discute-se a dor na vida do ser humano. Em Jó procura-se resposta à seguinte pergunta: "Por que os
justos sofrem?" Muitas respostas são oferecidas a esta questão. Há os que vêem no sofrimento um
meio de purificação e crescimento espiritual. Por outro, os caminhos de Deus vão além da capaci-
dade e da percepção humanas. O livro de Jó se ocupa disto e passa em revista todas estas (e
outras) respostas ao sofrimento do justo. Jó é o protagonista principal e é daí que vem o título do
livro.
B. AUTORIA
Jó é personagem histórico. Isto está atestado em Ez 14.14,20 e Tg 5.11. Porém na
discussão da autoria do livro, é preciso distinguir entre os elementos históricos propriamente ditos
(ou seja, o período histórico em que Jó viveu) e a composição literária (isto é, a época em que o
texto foi redigido). Precisamos distinguir o momento histórico do momento literário.
O texto bíblico não apresenta indicação de autor. Uma tradição judaica sugere autoria
mosaica ou pré-mosaica. No entanto, esta opinião não tem muita credibilidade. Lutero era da opinião
de que Jó foi redigido num período de grandes produções literárias, ou seja, na época do rei
Salomão. Esta posição tem bons argumentos e muitos defensores.
De tudo isto, o que sobra é que a discussão a respeito da autoria de Jó é questão comple-
xa. Uma resposta definitiva não é tão simples.
C. MOMENTO HISTÓRICO
Apesar de não se poder decidir definitivamente, o texto sugere algumas evidências muito
fortes para o momento dos eventos históricos:
1. Todo o texto transpira um ambiente cultural que não é hebreu. Ele parece indicar um
local fora do território de Israel.
2. As evidências internas (costumes, povos, linguagem) sugerem uma data antiga.
3. Da perspectiva da arqueologia, o ambiente histórico do livro parece apontar para o início
do segundo milênio a.C.
Portanto, ao que tudo indica, parece que Jó viveu no período patriarcal e, talvez, num local
fora, não muito longe de Israel.
D. MOMENTO LITERÁRIO
A expressão "momento literário" refere-se à ocasião em que o texto do livro de Jó foi
redigido. Os estudiosos apresentam várias propostas que vão desde a época patriarcal até o período
pós-exílico. A grande maioria dos estudiosos conservadores prefere o reinado de Salomão como o
período mais propício para a redação do texto de Jó.
Do ponto de vista literário, é preciso considerar que o texto não exibe um diálogo ocasional.
Os diálogos registrados no livro não são reproduções literais das conversas exatamente como foram
proferidas pelos interlocutores quando dialogavam. Na composição do texto houve atividade literária
criativa e elaboração artística. No texto, os interlocutores não estão tão preocupados em convencer-
se uns aos outros, mas, na verdade, querem convencer a nós, leitores, que somos a audiência
invisível. Esta é uma característica que marca a singularidade do livro de Jó.
E. ESBOÇO
A estrutura do livro é muito simples:
1. Prólogo: Jó 1-2 (texto em prosa).
2. Discursos : Jó 3.1-42.6 (texto em poesia).
a. Três ciclos de discursos dos três amigos de Jó:
Jó 3-14; 15-21; 22-31.
b. Discurso de Eliú: Jó 32-37.
c. Intervenção de Deus: Jó 38.1-42.6.
3. Epílogo: Jó 42.7-17 (texto em prosa).
- 23 -
F. CONTEÚDO
1. A fidelidade, a piedade, a seriedade de Jó em sua consagração a Deus são
paradigmáticas. Sua perseverança é simplesmente exemplar. Quando tudo está contra ele e, ao seu
redor, todos se desesperam (até mesmo a sua esposa), ele fica firme. Este é o milagre de Deus. Aos
que Deus chama, estes Deus capacita, pela fé, a ficarem firmes e enfrentarem tudo, mesmo sem
entenderem bem o que se passa.
2. Num momento de depressão profunda, o texto de Jó 19.25-27 registra a esperança
última de Jó: "Sei que o meu redentor vive! Verei a Deus!" A fé projeta Jó para o futuro e para o alto.
Quando as respostas humanas nada mais respondem, o coração eleva-se até Deus e dele aguarda a
palavra final, mesmo que esta venha só na eternidade.
3. Precisa ficar claro que Jó não é qualquer sofredor. Jó é o homem no contexto da aliança,
é o fiel, é o cristão. Apenas pode se identificar com Jó aquele que sofre em aliança com Deus. Existe
uma grande diferença entre passar por dificuldades estando ao lado de Deus e sofrer longe do Pai.
4. Deus não nos dá todas as respostas. Mas ele dá A Resposta: Ele mesmo, em Cristo! A
resposta de Deus a Jó estava além da realidade humana! Ele mesmo, Deus era a sua resposta.
Certamente Jó não sabia o que vinha pela frente, mas Deus se deu a ele. O mesmo acontece hoje.
Nem sempre sabemos bem o que está se passando ao nosso redor. Deus nem sempre nos dá a
resposta, mas ele nos dá Cristo, o dono de todas as respostas!
IV. SALMOS
O termo "salmo" significa "cântico de louvor". O livro dos Salmos, portanto, é uma coleção
de cânticos. Eventualmente também se faz referência ao livro dos Salmos designando-o de saltério.
A. AUTORIA
Nem todos os salmos fornecem sua autoria. Em muitos casos, não há indicação de autor. A
única informação que temos a respeito dos salmos se acha nos títulos dos mesmos. Mesmo assim,
nem todos os salmos apresentam título. Logo, não temos controle total sobre a autoria destas
poesias do AT. Fazendo o levantamento estatístico dos títulos dos salmos, temos o seguinte
resultado a respeito da autoria dos mesmos: 34 salmos órfãos (isto é, sem título); 73 salmos de Davi;
12 salmos de Asafe; 10 salmos dos filhos (ou também descendentes) de Coré (este número chega a
12 salmos se incluirmos os Sl 43 e 88); 2 salmos de Salomão (Sl 72 e 127); 1 salmo de Hemã, o
ezraíta (Sl 88); 1 salmo de Etã, o ezraíta (Sl 89); 1 salmo de Moisés (Sl 90).
B. DIVISÃO
Na tradição do AT, os salmos estão divididos em 5 livros, cada um terminando com uma
doxologia. O último salmo (o 150) forma uma doxologia ao livro V e a todo o livro dos Sl. De forma
semelhante, o Sl 1 serve de introdução a todo o saltério. A divisão dos 5 livros é a seguinte: Livro I:
Sl 1-41; Livro II: Sl 42-72; Livro III: Sl 73-89; Livro IV: Sl 90-106; Livro V: Sl 107-150.
Não temos informação a respeito do processo que deu forma ao livro dos Sl tal qual se
encontra hoje. Certamente foi um processo longo e complexo. Ao que tudo indica, o livro de Sl é
talvez uma coleção de coleções anteriores e envolveu muitos personagens no transcorrer do tempo.
C. TÍTULOS
Alguns títulos de salmos oferecem alguma informação quanto à circunstância histórica do
salmo. Esta informação é um elemento precioso para a compreensão e interpretação do salmo. Um
bom exemplo é o título do Sl 51. Outros títulos também oferecem alguma orientação musical
relacionada com o texto (como, por exemplo, o título do Sl 59).
O enigmático termo "selá" (no Sl 46.7, por exemplo) aparece 71 vezes em 39 salmos. Este
termo hebraico carece de explicação precisa. Há muita especulação em torno do assunto. Talvez
seja uma anotação musical, ou mesmo indicação de um interlúdio ou refrão. Mas nada de definitivo
pode ser afirmado.
- 24 -
D. CLASSIFICAÇÃO
Classificar os salmos é tarefa não tão simples. Depende muito dos critérios estabelecidos.
O resultado pode acabar sendo superficial. Várias classificações são propostas por diferentes au-
tores. Há porém três tipos básicos:
1. Hinos. Esta é uma classificação genérica. Neste grupo inclui-se composições para as
reuniões no santuário a fim de louvar a Deus. Exemplos: Sl 46, 76, 96, etc.
2. Lamentos. Como diz o nome, o lamento expressa a dor ou a confissão do seu autor. Este
lamento pode ser individual ou coletivo. Exemplos: Sl 6, 36, 44, 51, etc.
3. Ações de graça. Ao contrário dos lamentos, este tipo de salmo manifesta a alegria e/ou a
gratidão (individual ou coletiva) do salmista. Exemplos: Sl 30, 34, etc.
Além dos salmos acima mencionados, dois outros tipos merecem atenção especial. São
eles:
1. Salmos messiânicos. São os salmos que fazem alusão ao messias vindouro. Exemplos:
Sl 2, 110, etc.
2. Salmos imprecatórios. Nestes salmos o autor pede que Deus vingue (ou destrua) o seu
inimigo. Exemplos: Sl 35, 58, 69, 109, 137, 139, 149, etc. Há os que questionam o conteúdo destes
salmos. Veja, por exemplo, o Sl 58.6ss. Estas palavras indicam falta de amor? Na verdade é o autor
divino (Deus Espírito Santo) que está falando através do escritor humano. Deus quer que isto seja
dito! Este tipo de linguagem é manifestação da lei de Deus em seu sentido mais duro aos que, em
última análise, lhe são adversos.
E. SALMOS FORA DO SALTÉRIO
Naturalmente os salmos não figuram apenas no saltério. Eles estão espalhados por todo o
AT. Há também salmos no NT (por exemplo: o Magnificat, salmo de Maria em Lc 1; o Benedictus,
salmo de Zacarias também em Lc 1).
F. CONTEÚDO
1. O saltério exemplifica a reação interna do fiel de todas as épocas dentro do contexto da
aliança. Os salmos são a expressão do que se passa no coração do filho de Deus. Como as reações
internas independem do tempo e do espaço, sempre nos identificamos com o escritor sagrado.
Porém, o real sujeito dos salmos não é o homem, mas sim Deus. Via escritor inspirado, é Deus que
está falando no saltério. Com sentimentos humanos, Deus expressa os seus "sentimentos".
2. Em certo sentido, é impossível separar Sl do livro de Lv. Enquanto o saltério mostra o
que se passa por dentro do adorador, Lv aponta para o que se passa por fora, mostra o cerimonial li-
túrgico. Ambos, Lv e Sl, complementam-se.
V. PROVÉRBIOS
A. O LIVRO
O livro de Pv é uma coletânea de afirmações dos sábios apresentando conselhos práticos
para a vida do seus leitores. A grande maioria destas afirmações foram redigidas pelo sábio rei Salo-
mão. Sua sabedoria se tornou paradigmática no AT (veja o testemunho de 1Rs 4.32). Pv é o corpus
de maior representatividade da literatura sapiencial do AT.
B. PROPÓSITO
O propósito de Pv é instruir o leitor nos princípios e nos caminhos da sabedoria (Pv 1.7). O
livro contém conselhos práticos para uma vida coerente com a fé professada pelo fiel. Os escritores
dos provérbios pressupõem o contexto da aliança. Fica subentendido que o leitor está em aliança
com Deus pela fé. A partir disto oferecem a orientação prática de seus provérbios. Portanto, Pv
- 25 -
precisa ser entendido a partir da perspectiva do contexto canônico da Escritura. À luz de outros
textos interpreta-se as suas afirmações.
C. AUTORIA E DATA
O livro de Pv, na verdade, é uma coleção de coleções. Ele apresenta várias coleções,
vários agrupamentos de provérbios. O principal de seus autores é Salomão que, segundo 1Rs 4.32,
escreveu "3000 provérbios e 1005 cânticos".
As coleções de provérbios e seus autores são os seguintes:
1. Pv 1-9: Salomão (1.1).
2. Pv 10.1-22.16: Salomão (10.1).
3. Pv 22.17-24.22 e 24.23-34: Duas seções atribuídas aos "sábios"
(o termo "sábio" ocorre em 22.17 e 24.23).
4. Pv 25-29: Seção compilada pelos "homens de Ezequias" (25.1).
5. Pv 30-31: Dois apêndices escritos por Agur (Pv 30) e Lemuel
(Pv 31), a respeito dos quais pouco sabemos.
Tendo em vista estas diferentes coleções, cada uma delas certamente teve a sua data de
redação. Isto vai desde o período de Salomão (o início do seu reinado foi em cerca de 961 a.C.) até
depois do tempo do rei Ezequias (que morreu cerca de 687 a.C.). Ao todo, dá um período de cerca
de três séculos. Fica muito difícil definir a data precisa de quando o texto de Pv recebeu a forma tal
qual o temos hoje.
D. CONTEÚDO
1. O tema da sabedoria ocupa posição de destaque no texto, especialmente no início do
livro, nos capítulos 1 a 9.
2. Pv tem algo a dizer sobre quase todas as facetas da vida. O alcance do seu conteúdo é
muito vasto. O cristão sempre achará algo que, a partir de Cristo, se aplica à sua vida e ao seu dia a
dia.
3. O destaque vai para a perícope em forma de poema que encerra o livro (Pv 31.10-31).
No original, este poema é um acróstico onde cada linha inicia com uma consoante hebraica em
ordem alfabética. A mulher virtuosa, cristã e eficiente, sua casa e sua família são aqui caracterizadas
com palavras e figuras lindíssimas.
VI. ECLESIASTES
A. DESTINATÁRIO
O livro de Ec pertence à classe da literatura sapiencial. O pregador dirige-se a uma
assembléia pública. Ele não se volta somente aos iniciados na sabedoria (ou seja, aqueles que
conhecem o seu contexto e estrutura), mas visa também os de fora (o público externo), público em
geral cuja sabedoria ainda é a deste mundo. Neste sentido, Ec tem muita matéria para início de
diálogo evangelístico. Isto aponta para a utilidade missionária do livro. A partir de Ec, inicia-se a
conversa evangelística que termina em Cristo.
B. AUTORIA E DATA
O nome do autor não é expressamente mencionado no livro. Porém Ec 1.1 reporta-se ao
"filho de Davi, rei em Jerusalém", expressão tradicionalmente atribuída a Salomão. Em círculos libe-
rais questiona-se muito a autoria salomônica. No entanto, os argumentos pró-Salomão permanecem
de pé.
Se a autoria é de Salomão, a data da redação evidentemente é a do período salomônico
(século X a.C.).
- 26 -
C. GÊNERO LITERÁRIO
Ec pertence à classe da literatura sapiencial. Entretanto este documento tem sua a
singularidade, tem sua marca própria no contexto canônico. Pode-se entender Ec como uma
confissão na forma de uma narrativa auto-biográfica. Momentaneamente o autor faz de conta que
não está em aliança com Deus. Ele está filosofando sobre a existência humana a partir de
pressupostos puramente imanentes (terrenos, humanos). E reflete sobre a vida humana e os com-
ponentes da mesma. Em sua reflexão, o autor toma o leitor pela mão e caminha com ele pela vida.
Sua conclusão é que, fora da aliança com Deus, "tudo é vaidade e correr atrás do vento!" Ao final do
livro é que ele volta novamente a enfocar a existência a partir da ótica "acima do sol", ou seja, do
ponto de vista de Deus. A visão cristã vem ao final e é aí que está o ponto alto do livro. Já que tudo é
vaidade e nada sobra, o que resta ao homem, se ele quer ter final feliz, é "temer a Deus e guardar os
seus mandamentos, pois Deus trará tudo a juízo!" (Ec 12.13,14)
D. ESBOÇO
Esboçar Ec pode ser um empreendimento sem grande recompensa. Uma tentativa é a que
segue:
1. Prólogo: Ec 1.1-11.
2. A vaidade de todas as coisas: Ec 1.12-6.12.
3. Palavras de sabedoria: Ec 7.1-12.7.
4. Epílogo: 12.8-14.
E. PROPÓSITO
Por um lado, o livro quer mostrar a inutilidade de qualquer cosmovisão que não ultrapasse
o horizonte do próprio homem. Se a vida e a esperança de alguém ficam apenas nas coisas "debaixo
do sol", deste mundo, sem Deus, então "tudo é vaidade e correr atrás do vento!" Fora de Deus a vida
não tem significado e leva a nada. Por outro, o livro apresenta a cosmovisão que reconhece Deus
como o padrão e valor supremos da vida. A aliança com Deus confere uma perspectiva nova, uma
perspectiva divina à existência. Em outras palavras, sem Cristo nada temos, com Cristo tudo temos.
F. ATUALIDADE DO LIVRO
A forma como os temas são abordados em Ec são de uma relevância e atração muito
grandes. Até lembra o filosofar existencial. Toda a existência terrena e projetos humanos são
submetidos a teste e passados em revista. A atualidade do livro de Ec é muito grande. Tem-se a
impressão, às vezes, que Ec é uma preciosidade bíblica um tanto esquecida.
VII. CANTARES
A. CLASSIFICAÇÃO
No mundo acadêmico discute-se muito se o livro de Ct realmente pertence à classe dos
livros sapienciais. Os estudiosos estão divididos quanto a este ponto. O livro não é explicitamente di-
dático. Por outro, o tema de Ct é central na literatura sapiencial. Sem dúvida, Ct é uma das grandes
(se não a maior) composições líricas da Escritura Sagrada.
B. TEMA
O tema do livro de Ct é o amor de Salomão pela jovem sulamita (6.13) e a afeição desta
por ele. Todo o livro gira ao redor deste relacionamento.
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Introdução ao Antigo Testamento

  • 1. I N T R O D U Ç Ã O A O A N T I G O T E S TA M E N T O I N T R O D U Ç Ã O O testemunho da própria Bíblia é de que ela é a palavra de Deus (Os 1.1; Jl 1.1). Foi inspirada por Deus e tem autoridade divina (2 Tm 3.16; 2 Pe 1.21). E, como tal, tem características divinas que vão além da racionalidade humana. Pela Escritura Deus vem aos homens para estar com eles e habitar no meio deles. Do vasto material contido na Bíblia, um aspecto se destaca: é a distinção que se faz entre lei e evangelho Mas também segundo o testemunho da mesma Bíblia, ela também é palavra de homens. Afirma-se isto no sentido que Deus usou instrumentos humanos para compilar o texto santo. Assim sendo, a Bíblia tem características humanas. Ela é compreensível ao bom senso. A sua redação levou 15 séculos (desde Moisés até o apóstolo João). Os seus autores humanos cobrem variadas profissões: reis, sábios, administradores, lavradores, pescadores, etc. Como livro humano, a Escritura apresenta as variações lingüísticas e estilísticas que caracterizam os escritos humanos. O propósito fundamental da Bíblia é ser a revelação do Deus verdadeiro ao homem a fim de trazer o homem de volta a Deus (Jo 5.39; 2 Tm 3.15-17). Daí surge a pergunta: Como alguém volta a Deus? A resposta é uma só: através de Cristo! (Jo 14.6; At 4.12) A Escritura é um livro cristocêntrico. Um "fio vermelho" atravessa toda a Bíblia: Jesus Cristo! Tire Cristo da Bíblia e esta perde o seu elemento fundamental. Portanto, a Bíblia é "terra santa", é "chão sagrado". Ao abrirmos a Escritura estamos diante do próprio Deus. A exemplo de Moisés, precisamos "tirar as sandálias dos pés!" e aproximar-nos da Bíblia com muita humildade e reverência. O M U N D O D O A T I. O CRESCENTE FÉRTIL Da perspectiva geográfica, o Oriente Próximo é o ponto de encontro de três continentes (Ásia, África e Europa) e de três culturas (oriental, africana e ocidental). Ali estava a esquina do mundo de então. Crises, mudanças e progressos num continente afetavam, direta ou indiretamente, toda a região. É nesta área que a Terra Santa está situada. Crescente Fértil é o nome que se dá àquela faixa de terra em forma de "C" (ou dum quarto crescente) caracterizada exatamente por sua fertilidade. (É daí que surge o nome "Crescente Fértil"). É a faixa verde e fértil que vai da Suméria (junto ao Golfo Pérsico) até o Egito (cobrindo toda a faixa banhada pelo Rio Nilo). (Confere, ao final, o mapa do Crescente Fértil.) Ao norte desta região se acha o berço da civilização ocidental. Ali está a Mesopotâmia (com os rios Tigre e Eufrates). Ali desenvolveram-se muitas superpotências (Assíria, Babilônia, Mé- dia-Pérsia, etc.). No centro está a Palestina. Ao sul se acha o Egito e o milenar rio Nilo. A oeste está o mar Mediterrâneo (no AT também é denominado de "Grande Mar"). Ao leste está a região desértica e inóspita da Arábia. Todas estas regiões, umas mais outras menos, estão intimamente ligadas ao texto bíblico. Em números redondos, as dimensões de Israel são 240 km (na direção norte-sul) por 80 km (na direção leste-oeste, do rio Jordão ao mar Mediterrâneo). A área geográfica de Israel tem regiões bem distintas. As principais são as seguintes: 1. Neguebe. É o deserto que se encontra ao sul de Israel. Até hoje é zona inóspita, não tem água. Ali não se mora, é lugar de trânsito. Em geral, é deserto não de areia, mas de terra socada. É a zona que se acha entre Israel e o Egito. 2. Judá. Trata-se da região montanhosa ao norte do Neguebe que chega até o Mar Morto. Esta região tem partes férteis. Ali também se acha o deserto da Judéia (entre Jerusalém e Jericó). Judá é uma região isolada lá no alto, com tendência a ser fechada, "provinciana". De Judá, o acesso - 1 -
  • 2. ao "mundo" não era tão fácil nos tempos do AT. A rodovia internacional não passava por ali. Descendentes de Judá e Benjamim habitavam nesta região. A grande capital, Jerusalém, é a cidade que se destaca nesta região. 3. Samaria. A Samaria também é conhecida no AT como a "região montanhosa de Efraim". Localiza-se na parte central de Israel. É uma zona com muitas montanhas e terreno rochoso. É de fácil defesa, tem muito refúgio. É um bom local para fins militares. As tribos que ali predominavam eram Efraim e Manassés (que mantinham permanente rivalidade com Judá). Esta região é mais a- berta ao Norte, às influências estrangeiras. A cidade de Samaria foi a capital do reino do Norte. 4. Galiléia. Está no norte de Israel. Foi o quartel-general de Cristo. Ali tem muita água, a fertilidade é muito grande. Cultivava-se cereais, frutos, etc. A rodovia internacional cruzava a Galiléia. Conseqüentemente todos os impérios internacionais passaram por ali deixando suas marcas de destruição. Ali se localiza o mar da Galiléia (que, na verdade, é um grande lago). A Galiléia tinha muito contato internacional. Era aberta às novas idéias. Foi também a primeira região a cair sob o império assírio. 5. Filístia. A Filístia é uma planície que se acha a sudoeste, na região costeira de Israel. Ali moraram os filisteus. Por algum tempo foi uma espécie de "terra de ninguém". Vivia sob constante ameaça pois tratava-se de um região estratégica para o domínio da rodovia internacional. Em virtude disto, a Filístia sempre esteve na mira do Egito. 6. Planície de Sarom. Está ao noroeste de Israel junto à região costeira. É uma região plana, fértil, bonita, e cultivada. Ali se acha o porto de Cesaréia. 7. Transjordânia. Fica do outro lado (lado leste) do rio Jordão. Esta zona é composta de planícies e montanhas. Lá moravam as tribos de Rubem, Gade e Manassés (meia tribo). Já que ao leste desta região não havia defesa natural, esta era uma área aberta e exposta a infiltrações e ataques. 8. Vale do Rio Jordão. O rio Jordão é a linha verde que cruza Israel de norte a sul. O vale do Jordão é depressão mais funda do globo terrestre. O rio Jordão nasce no monte Hermon, acima do mar da Galiléia, e deságua no mar Morto. Em linha reta, tem uma extensão de cerca de 120 km. O rio Jordão desempenhou papel importante nos episódios bíblicos. 9. Mar Morto. As dimensões do mar Morto são 77 km na direção norte-sul e 10 a 15 km no sentido leste-oeste. A superfície da água acha-se a 385 metros abaixo do nível do mar, e no ponto mais profundo do mar acrescente-se mais 390 metros (o que dá quase 800 metros abaixo do nível do mar). Uma característica do mar Morto é o seu alto índice de salinidade: 8 vezes mais que o normal! II. O TEXTO DO AT 1. Língua. O texto original do AT foi redigido em duas línguas: a maior parte em hebraico e cerca de 9 capítulos em aramaico (Ed 4.8-6.18; 7.12-26; Dn 2.4b-7; Jr 10.11). Infelizmente não temos mais os autógrafos originais do AT. Estes se perderam. O que hoje existe são cópias de cópias. Mas é preciso lembrar que os israelitas eram extremamente cuidadosos na transmissão do texto. Isto nos dá segurança quanto à fidelidade aos originais das cópias que possuímos. 2. Duas Versões Antigas Importantes. Duas versões antigas muito importantes merecem destaque. Trata-se da Septuaginta e da Vulgata. a. Septuaginta. É a mais antiga versão do AT para outra língua. A Septuaginta é tradução do AT para a língua grega. O símbolo para Septuaginta é "LXX" já que, segundo tradição antiga (que hoje não tem mais credibilidade), achou-se que foi esta versão foi elaborada por 72 tradutores de Israel. Hoje sabe-se que esta tradução foi feita na cidade de Alexandria, no Egito, por judeus alexandrinos. (Daí que também é conhecida como "Versão Alexandrina".) Os muitos judeus que moravam no Egito haviam perdido o domínio das línguas hebraica e aramaica. Falavam grego. A necessidade do AT em grego aumentou cada vez mais. Esta tradução foi feita no séc. III a.C. (por volta de 250 a.C.). A tradução não é uniforme. Há variações na qualidade do texto. A importância da LXX se verifica especialmente em dois aspectos: importância religiosa e espiritual (a LXX foi a Bíblia usada por Cristo, pelos apóstolos e pela igreja primitiva); importância para a crítica textual (por comparação, tenta-se estabelecer o texto original do AT onde existe alguma dúvida). b. Vulgata. É versão para a língua latina e inclui toda a Bíblia. O título "Vulgata" significa "versão de uso comum". Foi elaborada por São Jerônimo no séc. IV A.D. (383-405). Por mais de mil anos (ocasião em que a língua latina dominava) a Vulgata foi a Bíblia utilizada no mundo ocidental. A Vulgata foi adotada como versão oficial da Igreja Católica Romana. Como a LXX, a Vulgata tem grande importância histórica e crítica. - 2 -
  • 3. 3. Valor das Versões Antigas. Verifica-se o valor das versões antigas especialmente em duas áreas: a. Crítica Textual. Pela análise das versões antigas tenta-se aproximar tanto quanto possível do texto original nos casos em que há alguma dúvida quanto à leitura correta ou melhor leitura. Faz-se comparações. As versões ajudam a achar o verdadeiro (ou o melhor) sentido. b. Interpretação. Tradução sempre é interpretação. Há peculiaridades gramaticais e lingüís- ticas impossíveis de verter de forma perfeita para outra língua. Desta forma, a tradução também é uma forma de comentário sobre o texto traduzido. As versões mostram como os tradutores compreendiam e interpretavam o texto. III. A BÍBLIA EM PORTUGUÊS 1. Versão de Almeida. João Ferreira de Almeida, o autor da versão portuguesa mais popular entre os protestantes brasileiros, nasceu em 1628 em Lisboa, Portugal. Era filho de pais católicos romanos. Era jovem quando foi para a Holanda. Aos 13 anos de idade (em 1642), estando na Holanda, abraçou a fé da Igreja Reformada. Foi pastor e evangelista zeloso. Pregava em quatro línguas (português, espanhol, francês e holandês). Era casado mas não consta que tivesse filhos. Faleceu na Batávia (Holanda) em 06 de agosto de 1691. Almeida traduziu o NT do grego com o auxílio da Vulgata. Porém seguiu o grego quando em desacordo com a Vulgata. Ele traduziu todo o NT. O AT não completou. Chegou até Ez 48.12. A parte não traduzida foi completada por Jacob Ofden Akkar, ministro da palavra de Deus na Batávia. A primeira edição do NT de Almeida se deu em 1681, em Amsterdam, Holanda. Outras partes da Bíblia foram sendo publicadas periodicamente. A primeira edição completa do AT segundo Almeida saiu em dois volumes nos anos de 1748 a 1753. A Bíblia completa foi publicada em um só volume pela primeira vez em 1819. A versão de Almeida que hoje temos em mãos não é a original do século XVII. Porém correções, alterações, modificações foram feitas no decorrer do tempo. 2. Versão de Figueiredo. Antônio Pereira de Figueiredo nasceu em Tomar, perto de Lisboa, em 1725. Tornou-se padre. Era famoso como latinista, historiador e teólogo com idéias liberais. Morreu num convento em Lisboa em 1797. Sua versão da Bíblia para o português foi feita a partir da Vulgata, com referências aos textos gregos originais. Trabalhou 18 anos neste empreendimento. Em 1778 saiu a primeira edição do NT. Nos anos de 1787 a 1790 o AT foi publicado em 17 volumes. Em 1821 a Bíblia toda foi impressa em um só volume. 3. Outras Traduções. É preciso mencionar o nome do Frei Joaquim de Nossa Senhora do Nazaré como um dos grandes tradutores da Bíblia para o português. No decorrer do tempo houve também a tradução de livros individuais. A primeira edição brasileira do NT se deu em 1910, e a Bíblia toda foi publicada em 1917. 4. Dias Atuais. Atualmente há excelentes versões da Bíblia em português à disposição dos estudiosos. Temos a Bíblia de Jerusalém e a Bíblia Vozes com texto de alto gabarito (o mesmo não se aplica às suas introduções e notas de rodapé). A Sociedade Bíblica do Brasil lançou, em 1988, a Bíblia na Linguagem de Hoje. A Nova Versão Internacional da Bíblia está em fase de tradução para o português. Todas estas versões são boas para o estudo e meditação dos fiéis. IV. GÊNEROS LITERÁRIOS A Bíblia contém diferentes gêneros literários. A distinção básica está entre a poesia e a prosa. Mas mesmo assim reconhece-se diferentes gêneros literários. Os principais são os que se- guem: 1. Narrativa. Apresenta história, biografia, episódios individuais ou coletivos. Acha-se especialmente nos livros históricos do AT, nos evangelhos e em Atos dos Apóstolos. 2. Lei. É o gênero composto de material legislativo, judicial, de regulamentações. Contém lei moral, civil (doméstica), cerimonial. É encontrado especialmente em Êx, Lv, Nm, Dt. 3. Poesia. Na Bíblia esta tem estrutura própria. Caracteriza-se pela expressão de sentimentos, pela utilidade didática, pela liberdade poética, pelo paralelismo (repetição e contraste) de pensamentos. Às vezes tem fundo histórico. Era utilizada no culto e na proclamação dos profetas. 4. Literatura Sapiencial. O sábio tinha lugar de destaque na sociedade de Israel. Os anciãos eram a liderança do povo e reuniam-se à porta da cidade. Os sábios enunciavam provérbios, dize- res, comentários sobre a vida e o seu dia-a-dia, princípios universais. Tinham algo a dizer sobre o - 3 -
  • 4. relacionamento homem-Deus e homem-homem. Este tipo de literatura tem a sua expressão clássica nos livros de Pv e Ec. 5. Profecia. O profeta é alguém que, em nome de Deus, proclama o conselho de Deus. Esta proclamação pode incluir predição. Nas profecias é preciso levar em conta o fundo histórico, o gênero literário utilizado, o objetivo original do profeta, o cumprimento no NT, etc. Há diferentes tipos de profecias. Os exemplos clássicos deste gênero literário são os profetas do AT e o livro de Ap. 6. Parábola. A parábola é uma realidade divina enunciada em figuras humanas. Com freqüência Cristo respondia questões com o uso de parábolas. Também era usada como ilustração de um tema. É preciso atentar para o ponto de comparação da parábola e ter cuidado com a alegorização. Encontramos parábolas nos evangelhos, nos livros históricos e proféticos do AT. 7. Epístola. As epístolas eram a correspondência pastoral dos apóstolos. Ao interpretá-las, é preciso atentar para o seu propósito, autor, argumento ou tema, destinatário. Os exemplos deste gênero são as cartas do NT. V. CLASSIFICAÇÃO DOS LIVROS DO AT O texto original do AT (a Bíblia Hebraica) dispõe os documentos de forma diferente que as atuais versões. A classificação hoje usada foi adotada pela LXX e tem como critério o conteúdo dos livros. É essa a disposição que temos em nossa Bíblia, na tradução de João Ferreira de Almeida, edição revista e atualizada no Brasil. Os livro bíblicos são assim classificados: 1. Livros Históricos. O Pentateuco (que é composto pelos 5 livros de Moisés, Gn a Dt) e os livros "históricos propriamente ditos" (Js a Et). Ao todo, são 17 documentos. 2. Livros Poéticos. São 5 livros: de Jó a Ct. 3. Livros Proféticos. Este conjunto é composto pelos Profetas Maiores (Is, Jr e Ez), os livros de Dn e Lm, e os Profetas Menores (Os a Ml, tecnicamente chamados de "os Doze"). A soma dá 17 documentos nos livros proféticos. Isto perfaz um total de 39 livros no AT. O critério para a classificação dos livros proféticos em Profetas "Maiores" e "Menores" não é a qualidade da teologia do livro, mas a extensão, o tamanho do texto. VI. NAÇÕES DO MUNDO BÍBLICO DO AT A. CANAÃ Por volta de 1300 a.C. Canaã era uma província egípcia cujo território compreendia o Líbano, a Síria e o que mais tarde viria a ser a terra de Israel. Grupos distintos viviam nesta área geográfica (Dt 7.1). O termo "cananeu", além de referir-se a um grupo específico (moradores de Canaã), tornou-se um vocábulo de sentido amplo que identificava moradores de toda aquela região, independente do seu caráter étnico. Os que viviam na costa eram mercadores. Os maiores portos da região localizavam-se em Tiro, Sidom, Beirute e Biblos. Destes portos as riquezas iam a vinham. Eram centros comerciais importantes e de renome na antiguidade. A posição geográfica de Canaã (ponto intermediário entre a Ásia e o Egito), bem como suas atividades comerciais, faziam dela um centro aberto a todo tipo de influências culturais e religiosas. A grande contribuição de Canaã à civilização mundial foi a invenção do alfabeto (ca. 2000-1600 a.C.). As cidades cananéias eram pro- tegidas por muros (erigidos com pedras e terra) a fim de manter animais selvagens e invasores fora de seus domínios. As cidades eram independentes, auto-governavam-se, e com freqüência os seus governadores achavam-se em pé-de-guerra com seus vizinhos. O sistema religioso cananeu era politeísta. Em seu panteão figurava um bom número de deuses (por exemplo: Baal e sua esposa Astarte; El, pai de Astarte, casado com Asherah e chefe dos deuses; e outros mais...). Observando o ciclo da natureza, eles praticavam o culto à fertilidade. As suas práticas cultuais eram muito degradantes e envolviam orgias sexuais. A degradação de certas cerimônias religiosas dos cananeus chegou a chocar até escritores gregos e romanos. B. FILÍSTIA - 4 -
  • 5. Os filisteus viviam principalmente em cinco cidades ao sudoeste da terra de Israel: Asdode, Ascalom, Ecrom, Gate e Gaza. Eles controlavam a rodovia internacional que vinha do Egito ao longo da costa mediterrânea. No período dos Juízes, de Samuel, de Saul e Davi, os filisteus representaram uma constante e poderosa ameaça aos israelitas. Ambos os povos queriam controlar o mesmo território. A necessidade de organização militar a fim de enfrentar os filisteus em pé de igualdade foi um dos fatores que, historicamente, levaram o povo de Israel a pedir um rei (1Sm 8.20). Cada cidade filistéia tinha um governante. Eles dominavam a tecnologia do ferro, o que lhes dava incrível poder militar. Eram politeístas. O AT menciona alguns de seus deuses: Dagon (com templos em Gaza e Asdode, 1Sm 5), Baal-Zebube (cultuado em Ecrom, 2Rs 1.2) e Astarote (1Sm 31.10). C. EGITO Situado ao noroeste da África, o território egípcio é caracterizado pelo deserto do Saara e pelo rio Nilo. Até tempos modernos, o Egito virtualmente devia sua existência às cheias do rio Nilo que trazia o rico humus das suas cabeceiras e o depositava ao longo de suas margens, particularmente no delta. Era o que de melhor havia para a agricultura. Porém uma cheia irregular podia significar fome e morte. Cedo eles aprenderam e dominaram a técnica do transporte fluvial. Afinal, o Nilo era o seu principal e conveniente meio de transporte. Dos desertos e da península do Sinai eram extraídos metais preciosos (cobre e ouro). Dali também vinham as rochas destinadas aos projetos gigantescos. A história do Egito é milenar. Essa começou muito antes de 3000 a.C. Antes havia dois reinos independentes. A data 3000 a.C. é fixada como ponto de referência para a existência do Egito como um império unificado sob um único monarca (o faraó Menes). Pelos próximos 3000 anos sua história é dividida em três períodos distintos e de muita grandeza (ao todo, são 30 dinastias de faraós). 1) A Era das Pirâmides ou o Reino Antigo (cerca de 2600 a 2200 a.C.) é caracterizado pelos projetos arrojados e gigantescos. 2) O Reino Médio (12ª dinastia, ca. 2060-1786 a.C.) expandiu o seu território e fortaleceu a economia da nação. (Este é o período das peregrina- ções de Abraão que morou inclusive no Egito.) Após a 12ª dinastia, governantes fracos dirigiram o país (ca. 1780-1550 a.C., tempo em que José estava no Egito). 3) O Novo Reino ou Império (18ª a - 20ª dinastias, ca. 1500-1070 a.C.) é marcado por guerras e expansão territorial. Também pela construção dos imponentes templos em Memfis e Tebas, entre outros. (Esta é a época de Moisés e do êxodo.) Em seu Período Final o Egito já mostrava sinais de decrepitude. Os bons tempos eram coisas do passado. Através de toda história o faraó era o chefe supremo do Egito. A terra estava di- vidida em províncias que tinham os seus governantes locais. A maioria da população era composta por agricultores e pecuaristas. Todos dependiam do rio Nilo. O sistema hieroglífico de escrita era pictográfico. Considerando a época, o Egito nos legou uma rica e variada produção literária (narrativa, poesia, livros de sabedoria, provérbios, cartas, listagens, etc). Eram politeístas, adoravam deuses das mais variadas origens. Determinados animais eram dotados de qualidades especiais para certos deuses (como, por exemplo, o boi ápis, a íbis, o falcão, o gato). Esses podiam atuar como "imagens vivas" dos seus patronos. Os deuses moravam nos templos. Os sacerdotes os serviam com oferendas, alimentos, hinos, rituais, etc. O faraó era o intermediário entre os deuses e os homens. O povo simples não entrava nos grandes templos. Adoravam em santuários locais. Os egípcios tinham discernimento moral (noção do certo e do errado) e praticavam artes mágicas no seu dia a dia. O fato dos mortos serem enterrados com objetos de uso pessoal nos seus túmulos evidencia que os egípcios acreditavam numa vida após a morte no reino de Osíris. D. ASSÍRIA O território assírio achava-se na parte norte do atual Iraque, continuava ao longo do rio Tigre chegando aos pés da cordilheira de Zagros (ao leste). A chuva regular e o sistema fluvial providenciavam o necessário para uma agricultura próspera. A Assíria era um pedaço de chão muito atraente para diferentes povos. Não é de admirar que sua história foi escrita com sangue. A capital, o país e sua divindade principal compartilhavam o mesmo nome: Assur. Nínive era a segunda cidade. Ambas já prosperavam em 2500 a.C., senão antes. Sua fama de imperialistas cruéis e impiedosos soldados correu o mundo. Eram temidos. As constantes ameaças ao seu território em parte o explicam. O que não quer dizer que o vocabulário assírio não comportava palavras como "paz" e "prosperidade". Entre 1500-1100 a.C. a Assíria ocupou posição de liderança no Oriente Próximo. Chegou a igualar o lendário Egito. Após 200 anos (1100-900 a.C.) de fraquezas e problemas internos, uma série de vigorosos monarcas fizeram da Assíria uma verdadeira superpotência (os principais foram: Assurbanipal II, Salmanaser III, Tiglate-Pileser III, Sargão e Senaqueribe). Sob os governos de Esaradão e Assurbanipal, o império atingiu o ápice da expansão territorial (cobria o Egito, Síria, - 5 -
  • 6. terra de Israel, norte da Arábia e partes da Turquia e Pérsia). Os povos derrotados eram deportados e substituídos em seus territórios por povos estranhos. Foi a forma que acharam para anular a resistência das nações. Mas o império estava muito grande. Era difícil defender tudo isto e manter a supremacia por muito tempo. Em 625 a.C. a Babilônia tornou-se independente. E em 612 a.C., com ajuda dos medos, os babilônicos destruíram Nínive. Era o começo do fim da Assíria. Prosperidade política e militar traz consigo prosperidade econômica e cultural. Palácios e templos magníficos foram erigidos pelos assírios. Percebe-se uma verdadeira competição entre os monarcas, cada um com planos mais ambiciosos que o outro. Havia móveis finamente decorados com marfim e utensílios de ouro. Usavam largamente o sistema cuneiforme de escrita sobre tabuinhas de barro. A biblioteca de Assurbanipal abrigava cópias de toda produção literária e científica conhecida até então. Os assírios entram na cena bíblica a partir do tempo dos últimos reis do Reino do Norte (Israel), época de Amós e Oséias no Norte, e do profeta Isaías no Sul (Judá). É o fatídico século VIII a.C. para o Reino do Norte. Em 722 a.C., Samaria, a capital do Reino do Norte (Israel), cai sob os assírios e o povo é definitivamente deportado. E. BABILÔNIA O antigo reino da Babilônia localizava-se na parte sul do que hoje é o atual Iraque. A cidade da Babilônia conheceu o poder pela primeira vez ao redor de 1850 a.C. durante algumas gerações. Novamente, 1200 anos mais tarde, sob o domínio de Nabucodonosor, voltou às alturas. Na verdade, a história da civilização ocidental começou na Babilônia em tempos muito remotos. Ali foi localizada a mais antiga forma de escrita conhecida pelo homem: o sistema cuneiforme ainda em sua forma primitiva, não desenvolvida, usando desenhos estilizados. Há registros escritos de dois povos que viviam na Babilônia em tempos muito antigos: os sumerianos e os acádios. Artesãos do terceiro milênio (3000-2000) a.C. produziam artesanato de fino gosto em ouro, prata e pedras semi-preciosas importadas. Também se fazia estatuetas e armas em cobre e bronze. A qualidade deste artesanato é admirável. As tabuinhas de barro com inscrições por eles deixadas são preciosa fonte de estudos lingüísticos. O mais destacado dos reis da Babilônia da primeira dinastia foi Hamurabi (1792-1750 a.C.). Foi hábil diplomata e grande guerreiro. Porém seu nome está intimamente ligado ao Código de Hamurabi, um verdadeiro marco na ciência da legislação da antiguidade. Tempos depois a Babilônia sumiu de vista. Mas voltou ao poder em 612 a.C. quando Nabopolasar destruiu a Assíria e construiu um novo império (constituído em sua maioria de antigas províncias assírias). Nabucodonosor é o segundo grande nome ligado à Babilônia. Ele cuidou da cidade com muito carinho. Os jardins suspensos da Babilônia eram uma das sete maravilhas do mundo antigo. Porém décadas mais tarde, os exércitos de Ciro, o monarca medo-persa, invadiram a Babilônia. Era o seu fim. Entre outros, a Babilônia deixou a sua marca na civilização universal através de seus conhecimentos de astronomia e matemática (mais tarde copiados pelos gregos). As religiões da Assíria e Babilônia tinham elemen- tos similares. Honravam as grandes forças do universo e tinham deuses e deusas favoritas. Os deuses controlavam tudo e tinham um comportamento imprevisível. Estavam hierarquicamente distribuídos com atribuições definidas. Demônios e espíritos dos mais variados rondavam o cidadão comum procurando atrapalhar-lhe a vida. Templos, santuários e sacerdotes estavam em funcionamento. Amuletos e simpatias eram populares. Cada cidade adorava o seu patrono divino em seu templo próprio. Já que os deuses não revelavam o futuro, a adivinhação tinha livre trânsito entre eles e nas mais variadas modalidades. Os astrólogos eram influentes. Relatos e mitos a respeito dos deuses podem ser lidos nos textos sumerianos e acádios. Destaca-se o relato babilônico da criação e do dilúvio. Os mortos habitavam o mundo subterrâneo. Havia idéias vagas de vida após a morte - tão vagas que não proporcionavam esperança alguma. F. MÉDIA-PÉRSIA Após inteligentes manobras políticas e militares, o persa Ciro derrotou o monarca medo Ciáxares e proclamou-se rei dos medos e persas. Era o início do império. Em 539 a.C., atacou e venceu a Babilônia e prendeu o seu último rei (Nabonido). Seu filho e sucessor Cambises, em 525 a.C., expandiu o império persa até o Egito. Pela primeira vez todo o Oriente Próximo (Irã, toda a Me- sopotâmia, Palestina, Síria e Egito) estava submetido a um só rei. Uma duração de quase 200 anos estava reservada ao império persa. Os persas eram bem mais tolerantes que assírios e babilônios. Permitiam que povos conquistados continuassem seu próprio modo de vida em sua terra natal e mantivessem seu culto nacional. (Esta atitude favoreceu de forma direta aos exilados de Judá: sig- nificou libertação do cativeiro babilônico e retorno à terra prometida. Ciro devolveu a Israel os utensílios sagrados e autorizou a reconstrução do templo em Jerusalém.) O império inteiro estava - 6 -
  • 7. dividido em grandes regiões (denominadas "satrapias") governadas por sátrapas. Estes eram escolhidos dentre os nobres persas ou medos, com oficiais nativos sob o comando deles. O luxo e a ostentação da corte persa, segundo a descrição do livro de Ester, são confirmados por descobertas arqueológicas em locais diversos. Ciro, Cambises, Dario, Xerxes e Artaxerxes são os nomes que se destacam na liderança do império. Os persas primitivos reverenciavam os deuses da natureza, da fertilidade e dos céus. No início do século VI a.C., Zoroastro proclamou uma religião com altos ideais morais baseados no princípio "faça o bem, evite o mal!" Para ela havia apenas um deus: Ahura- mazda, o deus do bem. Em contraposição havia também o poder negro do mal. As doutrinas de Zoroastro se espalharam e tiveram influência internacional, chegando a ultrapassar os limites temporais do próprio império medo-persa. VII. PERSPECTIVA HISTÓRICA DO AT Os primeiros capítulos de Gn estão focalizados na Mesopotâmia: o jardim do Éden, a torre de Babel, a jornada de Abraão em direção à terra prometida (onde Deus faria dele uma nação). A fome levou Abraão e outros patriarcas ao Egito onde havia fartura. Lá os israelitas multiplicaram-se, formaram identidade própria, e passaram a ser vistos como ameaça. Conseqüente- mente foram oprimidos e reduzidos ao estado de deplorável escravidão. Deus preparou Moisés para a difícil tarefa de libertação e liderança de Israel. É o êxodo, momento crucial na história de Israel. No trajeto do Egito até a terra prometida, Israel consumiu 40 longos anos de vida árdua na região desértica, montanhosa e repleta de dificuldades da península do Sinai. Ali Deus lhes deu revelações que os caracterizaram formalmente como nação. Tudo isto está relatado nos livros de Êx, Lv, Nm e Dt. Após a conquista da terra de Canaã, relatada no livro de Js, os israelitas dividiram a terra entre suas tribos, e cada uma fixou-se na parte que lhe coube. De tempos em tempos Israel afastou- se do culto genuíno comprometendo sua vida espiritual. Os episódios dos líderes levantados para defesa do povo e "arrumação da casa" estão relatados no livro de Jz. A história de seu de- senvolvimento como nação (com reis e profetas, inclusive a divisão em duas monarquias independentes) continua nos livros de Sm, Rs e Cr. A perspectiva destes eventos tem ao fundo a história de Rute, os livros poéticos (Sl e Ct), bem como a literatura sapiencial (Pv e Ec). O surgimento da Assíria como um dos temíveis e ameaçadores "poderes do norte" forma o pano de fundo para alguns dos profetas, particularmente Isaías. Após lutas constantes e ameaças de divisão, o povo de Israel (Reino do Norte) foi derrotado e levado ao exílio para não mais voltar/ Sua identidade como povo ali se dissolveu. O Reino do Sul, Judá, escapou por um triz. O império assírio não resistiu ao poder da Babilônia. E Judá seguiu pela mesma trilha: viu os babilônicos tomando a sua terra e destruindo Jerusalém. Este é o período do profeta Jeremias. O profeta Ezequiel foi com o povo para o exílio e o exortou a permanecer firme. A restauração viria. Daniel registra a história de um homem elevado à posição de proeminência na corte de duas super- potências. Esdras e Neemias enfocam o retorno do exílio e a reconstrução da nação (também os profetas Ageu e Zacarias). A esta altura o poderio babilônico já havia se esvanecido diante do império medo-persa. O livro de Ester testemunha o grande poder deste império e relata a proteção de Deus sobre aqueles do povo que não voltaram para a terra de Israel. P E N T A T E U C O I. AUTORIA MOSAICA DO PENTATEUCO Pentateuco é o nome de se dá ao conjunto dos cinco primeiros livros do AT. Estes documentos foram escritos por Moisés. O termo "pentateuco" vem da língua grega e significa "cinco volumes" ou "cinco livros". A tradição hebraica denomina este conjunto de livros de "Torah" ou "Lei". A autoria mosaica destes livros não é aceita pacificamente por todos. Em círculos liberais questiona-se a autoria mosaica do Pentateuco. Afirma-se que o mesmo não foi escrito por Moisés. Mas trata-se, na verdade, de uma compilação a partir de diferentes documentos ou tradições anteriormente existentes. Estes foram combinados por um redator em data muito posterior. O Pentateuco, tal como o temos hoje, surgiu por volta de 200 a.C., afirmam alguns. Rejeitamos estas - 7 -
  • 8. teorias. Percebe-se que os pressupostos com que os críticos liberais estudam o Pentateuco são puramente humanos. Negam a participação divina no processo que culminou com o Pentateuco (e, conseqüentemente, com a Escritura) e tratam a Bíblia como se fosse um livro como qualquer outro livro humano. Realmente não há cabeçalho em qualquer dos cinco livros que afirme explicitamente ser Moisés o autor do Pentateuco. Porém, as evidências existentes o confirmam. Eis algumas: 1. Evidências do próprio Pentateuco. Êx 17.14; Nm 33.1-2; Dt 31.9,24. 2. Evidências de outros livros do AT. Js 1.7,8; 22.9; Jz 3.4; 1Rs 2.3; Ed 6.18; Ne 13.1. 3. Testemunho de Cristo nos evangelhos. Cristo menciona passagens do Pentateuco como sendo de Moisés: Mt 19.8; Mc 10.4,5; Lc 24.27,44. 4. Evidência de outros livros do NT. At 3.22,23; Rm 10.5,19; 1 Co 9.9. Além do mais, Moisés tinha plenas qualificações para liderar o povo de Israel no caminho para a terra prometida e redigir o Pentateuco. Junto à sua fidelidade a Deus, estava a "escola" que recebera do próprio Deus no deserto bem como e educação que tivera no Egito quando lá morava. Não temos motivo real para negar a autoria mosaica do Pentateuco. II. GÊNESIS A. TÍTULO O título "gênesis" está baseado em Gn 2.4 e significa "começo, início, gênese". Este não é o nome hebraico do livro mas lhe foi conferido pela LXX levando em consideração o seu conteúdo. Sem dúvida, este é um título muito apropriado ao livro. B. PROPÓSITO Gn registra os inícios, os começos. Gn descreve vários destes inícios: o início do universo e dos seres animados, a gênese do ser humano, o começo do pecado, o início das promessas messiâ- nicas e o primeiro evangelho, o começo das conseqüências do pecado, o início da morte, a primeira destruição da raça humana, o início das alianças de Deus com o homem, o chamado dos patriarcas, a gênese do povo escolhido. Gn também fornece uma visão da revelação do início do universo até quando os israelitas estão no Egito prestes a formar a nação teocrática. Numericamente são poucos no Egito ao final de Gn. Mas já estão a caminho da grande nação que virão a ser. C. ESBOÇO O esboço do livro de Gn é muito simples: 1. História primitiva: Gn 1-11. 2. História patriarcal: Gn 12-50. A ênfase da primeira parte do livro está nos inícios e nos episódios fundamentais que afetaram toda a raça humana. A ênfase da segunda parte volta-se mais para o aspecto da aliança de Deus com o seu povo e enfoca especialmente os patriarcas. Esta segunda parte pode ser subdividida em três ciclos: 1. Ciclo de Abraão e Isaque: Gn 12-26. 2. Ciclo de Jacó e Esaú : Gn 27-36. 3. Ciclo de José: Gn 37-50. D. CONTEÚDO 1. Não há razão para negar a veracidade do conteúdo de Gn 1-11, a história primitiva. É história real e os fatos são verídicos. Porém hoje não há como investigá-la. Nenhum de nós lá este- ve. Isto foi inspirado por Deus tal como está escriturado. Está na esfera da revelação. A veracidade última daqueles fatos repousa na autoridade do próprio Deus. 2. Os acontecimentos da história primitiva preparam o cenário para a aliança da história patriarcal de Gn 12-50. Nesta seção o enfoque volta-se para os patriarcas Abraão, Isaque, Jacó e - 8 -
  • 9. José. As narrativas apresentam sua fidelidade, suas falhas, suas vidas (tão humanas quanto as nossas), e o seu lugar na linha messiânica. 3. Particular destaque merece a gênese do povo escolhido. Deus elegeu Abraão para ser o pai do grande povo escolhido de Iahweh através de quem o messias viria ao mundo para tornar "benditas todas as famílias da terra" (Gn 12.3). 4. É preciso atentar para a importância do tema aliança em Gn. Deus faz alianças universais com Adão (2.15-17), com Noé (9.8-17). Estas são quebradas. Deus então elege Israel. Chama Abraão e entra em aliança com ele e o povo que dele virá (Gn 12). O messias está intimamente ligado ao tema da aliança. Pois o messias virá do povo da aliança. III. ÊXODO A. TÍTULO O título "Êxodo" não vem da tradição do AT mas é herança da LXX. "Êxodo" significa "saída" e está baseado no episódio central do livro que é exatamente a saído do povo da escravidão egípcia. B. PROPÓSITO O livro de Êx faz a conexão e a continuação entre Gn e o restante do Pentateuco. O final de Gn é retomado e continuado em Êx. O livro também registra a fundação do povo de Israel como nação teocrática. C. ESBOÇO O esboço de Êx é simples e consta de duas partes principais: 1. Libertação: Êx 1-19. a. Escravidão e preparo para a libertação: Êx 1-12. b. Êxodo e jornada até o Sinai: Êx 13-19. 2. Legislação: Êx 20-40. a. Leis: Êx 20-31. b. Apostasia e retorno: Êx 32-34. c. Construção do tabernáculo: Êx 35-40. D. CONTEÚDO 1. É difícil exagerar a importância de Moisés no livro de Êx. Moisés é um servo de Deus por excelência. Exerce funções de libertador, legislador, guia do povo, conselheiro, intercessor, etc. Apresenta as feições de um ser humano como qualquer um de nós. Sua fé é firme. Viveu 40 anos no Egito, 40 anos na região desértica de Midiã, e por 40 anos liderou o povo. Ao morrer tinha saúde plena. 2. O episódio do êxodo é de alta significância teológica. Aqui está o coração do evangelho no AT. "Êxodo" significa "saída". Refere-se, em primeiro plano, à saída do povo Israel da escravidão do Egito e partida para a terra prometida. Mas também mostra o Deus gracioso e libertador que vem libertar o ser humano de escravidão muito mais terrível: pecado, morte e condenação. Cristo é o "segundo Moisés" que liberta e lidera o seu povo rumo a "terra prometida eterna". 3. Diante do Sinai Deus sela oficialmente a aliança com o seu povo. Ali acontece oficialmente o "casamento" de Israel com Deus. A descrição e resumo da aliança são extremamente significativos: "Eu sou teu Deus, tu és meu povo, habitarei entre vós!" 4. Fato que com freqüência passa despercebido é a significância do tabernáculo para Israel. Quando o homem ia a Deus ele o fazia no tabernáculo. E Deus vinha ao homem também no tabernáculo. Ali Deus morava. A arca era o seu trono na terra. No tabernáculo Deus estava "encarnado" entre o povo. O tabernáculo era o ponto de encontro entre Deus e homem. Isso aponta para Cristo. O homem encontra Deus em Cristo. E Deus vem ao homem em Cristo. Portanto, o tabernáculo é uma daquelas muitas sombras de Cristo no AT. - 9 -
  • 10. IV. LEVÍTICO A. TÍTULO Os rabinos chamavam este livro de "A Lei dos Sacerdotes" e "A Lei das Oferendas", referindo-se, evidentemente, à tarefa executada por sacerdotes e levitas. O título "Levítico" vem desde a LXX e a Vulgata assumiu o mesmo título em sua tradução. O vocábulo "Levítico" significa "concernente ao levitas" e aponta para o sacerdócio levítico vigente em Israel. No entanto, este título pode ser enganoso quando se verifica o conteúdo do livro. Pois a matéria de Lv destina-se tanto (e principalmente) aos leigos de Israel como também aos sacerdotes e levitas. Trata-se, portanto, de um livro para leigos e para pastores (sacerdotes e levitas). B. PROPÓSITO Israel é agora uma nação teocrática organizada. É o povo de Deus. A aliança está "assinada" por ambas as partes. O tabernáculo também está erigido. Agora se faz necessário orientação para o dia a dia deste povo. Entra então em cena o livro de Lv. Este livro apresenta a regulamentação para o culto e para a vida santificada do povo de Deus. C. ESBOÇO O livro de Lv tem basicamente duas partes e um apêndice: 1. Remoção da impureza que separa o homem de Deus: Lv 1-16. a. Sacrifícios: Lv 1-7. b. Sacerdócio: Lv 8-10. c. Purificação: Lv 11-16. 2. Comportamento apropriado ao povo purificado: Lv 17-26. 3. Apêndice: Lv 27. D. CONTEÚDO 1. No sacrifício há movimento em duas direções: o homem vai a Deus com a sua oferta (sacrifício), e, também na mesma oferta, Deus vem ao homem com sua graça e perdão (sacramento). O cordeiro é sombra, antecipação de Cristo no AT. A fé nesta pregação em atos é que recebe o benefício da promessa de Deus. Por detrás de tudo isto está a ação vivificante do Espírito Santo. 2. Lv mostra que pecado é coisa da mais alta seriedade. Tão sério que só se repara com derramamento de sangue, ou seja, com morte! Lv também mostra que esta morte reparadora pode ser substitutiva. 3. O sacerdócio exerce função de mediação entre Deus e os homens. Eles são os administradores e despenseiros de Deus. O povo a eles acorre nas ocasiões certas. Também percebemos no sacerdote um tipo, uma prefiguração de Cristo no AT. 4. O livro de Lv mostra claramente como se vive a vida cristã. A ética proclamada por Lv tem por base a justificação do pecador que agora quer amar concretamente, no seu dia a dia, a Deus e ao próximo. 5. Lv apresenta o "calendário litúrgico" do AT. São os tempos especiais, tempos de festa. Não se celebra pessoas. Mas lembra-se eventos significantes. Grandes concentrações aconteciam em algumas destas ocasiões. V. NÚMEROS - 10 -
  • 11. A. PROPÓSITO A agora nação teocrática está pronta para continuar sua marcha rumo à terra prometida. Em Nm, a nação que antes estivera parada diante do Sinai volta a caminhar. Nm é, na verdade, uma combinação entre história e legislação. Relata episódios selecionados) que se passaram entre a partida do Sinai e a chegada às planícies de Moabe. O período de tempo coberto pelo livro é de cerca de 40 anos. Os números dos censos do início do livro (razão porque a LXX o denominou "Números") recebem destaque. B. ESBOÇO Em muitos sentidos, o livro é uma miscelânea e quase não revela um esboço claramente delineado. A estrutura básica apresenta relatos históricos com acréscimos de textos legislativos. Com base no itinerário israelita, vemos três seções no livro: 1. Preparo para partida do Sinai: Nm 1.1-10.10. 2. Jornada do Sinai até as planícies de Moabe: Nm 10.11-21.35. 3. Episódios nas planícies de Moabe: Nm 22-36. C. CONTEÚDO 1. Nm 6 apresenta a instituição do nazireado. Os nazireus eram pessoas que de forma especial dedicavam-se a uma vida piedosa. Era uma espécie de ideal exemplar de santidade. Sansão é o nazireu mais famoso. Desconfia-se seriamente que Samuel também tenha sido nazireu. 2. Nm 13-14 descreve o episódio lamentável do parecer desfavorável dos espias (com exceção de Josué e Calebe) que foram verificar a terra antes da conquista. O povo deu ouvidos aos espias desencorajados e isto custou a Israel 40 longos anos no deserto e morte desta geração descrente. 3. O devido destaque deve ser dado à significante história da serpente de bronze (em Nm 21). Mais tarde, esta mesma serpente é adorada (2Rs 18.4). Cristo interpreta para nós a tipologia e- xistente neste acontecimento (em Jo 3.14ss). 4. Uma das narrativas mais curiosas de toda a Bíblia está em Nm 22-24 onde Balaão entra em cena. No desenrolar do que ali acontece, pela boca de Balaão Deus profere a belíssima profecia messiânica da "estrela de Jacó" (Nm 24.17). D. TEOLOGIA 1. O avanço do povo era proporcional à sua fé. Não que isto dependesse do povo. Mas Deus queria mostrar-se Deus gracioso. A suficiência de Israel vinha de Deus somente. 2. Igualmente a conquista da terra independe do tamanho do exército. A terra é dádiva divina. Deus queria que Israel cresse na sua promessa de lhes dar uma terra. 3. A igreja cristã é o novo Israel em marcha pelo deserto em direção à terra prometida! Deus prometeu que a igreja lá chegará. Ele convida a igreja e a todos homens a acreditarem na sua promessa, ... e lá chegarão! VI. DEUTERONÔMIO A. TÍTULO "Deuteronômio", título dado pela LXX a este livro, significa "segunda lei". Na verdade, o título está baseado numa interpretação incorreta de Dt 17.18. Ali fala-se de "traslado" ou "cópia" e não de uma "segunda lei". B. PROPÓSITO - 11 -
  • 12. O livro apresenta o três últimos discursos de Moisés proferidos ao povo nas campinas de Moabe. Estes discursos, que têm caráter sermônico, expõem as principais leis e orientações que nor- teariam Israel na nova terra. Nesta ocasião Moisés tinha 120 anos e gozava de pleno vigor físico e mental (Dt 34.7). C. ESBOÇO 1. Primeiro discurso: Dt 1-4. 2. Segundo discurso: Dt 5-11. 3. Código Deuteronômico: Dt 12-26. 4. Bênçãos e maldições: Dt 27-28. 5. "Terceiro Sermão": Dt 29-30. 6. Conclusão: Dt 31-34 Os capítulos de Dt 31 a 34 concluem tanto o livro de Dt como o Pentateuco. D. CONTEÚDO 1. O livro de Dt é altamente significante para a teologia do AT e NT. A preocupação de Dt é com a teologia do Pentateuco,i.e., as boas-novas do evangelho que capacitam e motivam toda obediência válida diante de Deus. Certamente não é por mero acaso que o livro de Dt é citado por Cristo 90 vezes! 2. Em Dt 6 temos um comentário sobre o primeiro mandamento. Ali também está o credo do Judaísmo posterior e moderno (v. 4), o primeiro grande mandamento (v. 5), bem como a prioridade a ser dada à "educação cristã" (v. 6ss). 3. Dt 18 registra uma profecia messiânica. Na passagem de Dt 18.15, Cristo é antecipado como o profeta por excelência! 4. Dt 34 fala da morte de Moisés. No mundo acadêmico discute-se a autoria deste capítulo. Quem escreveu? Moisés mesmo? Ou outro autor? Alguns da tradição judaica acham que Josué é o autor. Isto é difícil de responder. A questão fica em aberto. L I V R O S H I S T Ó R I C O S I. NOTAS PRELIMINARES A tradição do AT classifica os livros de Js, Jz, Sm e Rs como "Profetas Anteriores". Neste sentido os episódios da vida de indivíduos e do povo de Deus se tornam proclamação. Os acontecimentos externos trazem em seu bojo o conteúdo divino. Os atos concretos anunciam o conteúdo. Esta mesma tradição considera 1 e 2Sm e 1 e 2Rs como um só livro cada. Estes livros (Js, Jz, Sm e Rs) apresentam a história interpretativa da nação teocrática desde a entrada na terra prometida até a dissolução da teocracia no exílio. Os outros livros continuam a narrativa da trajetória do povo desde o retorno do cativeiro babilônico, passando pela reconstrução da nação e indo até o tempo de Ester, de Neemias e do último profeta escritor (Malaquias), já muito próximo do período intertestamental. Não temos resposta a todas as questões que nos surgem a respeito de todo este período. Estes livros cobrem um longo tempo: mil anos, em números redondos. Mesmo que muitas questões levantadas permaneçam sem resposta, o pressuposto do escritor bíblico é o de que a matéria apresentada é totalmente verdadeira, seja isto da perspectiva dos acontecimentos ou da teologia. A preocupação dos escritores sacros é mais teológica que histórica. Os episódios são enfocados a partir da ótica de Deus. Os livros históricos vão de Josué a Ester. Os livros proféticos complementam as informações dos livros históricos. Correm paralelos. II. JOSUÉ - 12 -
  • 13. A. TÍTULO O título do livro é o nome do seu personagem principal. A nossa tradução tem "Josué". O nome hebraico realmente significa "Jesus". A LXX intitula o livro de "Jesus" (em grego). Tendo em vista o paralelo entre a obra de Josué e a de Jesus, o título do livro é significante. B. AUTORIA E DATA O livro nada traz de explícito sobre o seu autor e sobre a data da sua composição. No entanto, há alguns indícios: 1. A tradição judaica é do parecer que o título "Josué" refere-se ao autor do livro. 2. O texto parece indicar que grande parte do livro foi escrita por uma testemunha ocular. E Josué é o melhor candidato neste caso. 3. Ao menos partes (se não tudo, ou quase tudo) do livro foram escritas por Josué. Js 24.26. 4. Existem algumas indicações de que o livro foi escrito em data recuada. (Por exemplo, Jerusalém ainda não fora conquistada.) 5. Na forma atual do texto, há eventos que se deram depois da morte de Josué. A tradição judaica, por exemplo, pensa que o relato da morte de Josué foi escrito e adicionado ao livro pelo sacerdote Eleazar. Nada impede que ele tenha sido inspirado pelo Espírito Santo ao redigir este texto. De tudo isto, o que se deduz quanto a data e autoria é que boa parte do livro foi escrita por Josué sendo que o restante deve ter sido escrito depois do tempo de Josué. Além disto é difícil de avançar. C. PROPÓSITO O propósito do livro de Js é demonstrar como Deus introduziu na terra prometida a nação teocrática que estivera caminhando no deserto. Expõe também a conquista e a divisão da terra. O livro dá continuidade ao Pentateuco e à teocracia. A tarefa primordial de Josué era a de introduzir o povo na terra prometida. Com isto estava cumprida a promessa de Deus aos patriarcas no que diz respeito à doação da terra. D. ESBOÇO A estrutura do livro é simples e tem três partes: 1. Conquista da Cisjordânia: Js 1-12. 2. Divisão da terra: Js 13-22. 3. Despedida e morte de Josué: 23-24. E. TEOLOGIA 1. Em certo sentido, o paralelismo dos nomes "Josué" e "Jesus" aponta para o paralelismo de suas atividades. Josué lidera o povo do deserto, passa o rio Jordão e ingressa na terra prometida. Jesus faz o mesmo com o novo Israel, a igreja. Só que conduz o seu povo para a terra prometida na eternidade. 2. A entrada de Israel na terra de Canaã na verdade foi um cumprimento da promessa de Deus no Pentateuco. O cumprimento real está em Cristo! Em Cristo, os fiéis estão na terra prometida. E a consumação definitiva será na eternidade. Pois Deus tinha muito mais para dar para os seus fiéis do AT do que somente um espaço geográfico. A terra aponta para a Terra! O mesmo vale para nós. III. JUÍZES - 13 -
  • 14. A. TÍTULO O título do livro ("Juízes") está fundamentado no tipo de governo do povo de Deus neste período. Este título é comum à tradição do AT, à LXX e às versões modernas. Quando, porém, falamos de "juízes" temos que nos desligar do sentido moderno, forense que o termo evoca. Ao enunciar "juiz", logo nos vem à mente a idéia de um tribunal, um julgamento, promotor e advogado, etc. Não é esta a idéia de "juiz" neste livro. O juiz, na verdade, era o líder carismático do momento. Foram homens levantados por Deus para determinada função e revestidos com o seu Espírito para executar esta tarefa. Tradicionalmente classifica-se os juízes deste livro em dois grupos: 1. Juízes Menores. São o seguintes: Sangar, Tola, Jair, Ibsã, Elom, Abdom. 2. Juízes Maiores. São os seguintes: Otniel, Eúde, Débora (e Baraque), Gideão, Jefté, Sansão. Talvez o critério para esta classificação ("menores" e "maiores") não seja a qualidade da liderança destes juízes, mas, possivelmente, a quantidade de informações que temos sobre eles. O texto de Jz traz pouca informação sobre os juízes menores, enquanto fornece dados detalhados sobre os juízes maiores. O escritor, sob inspiração, selecionou aqueles episódios que interessavam e se enquadravam nos seus objetivos pedagógicos. B. AUTORIA E DATA O texto bíblico não apresenta evidência clara quanto à identidade do autor. Ficamos apenas na especulação. Uma linha da tradição judaica (o Talmude) sugere Samuel como o autor de Jz. E isto é tudo. Se não há como provar esta tradição, também não temos melhor candidato. De modo semelhante quanto à data, tudo o que temos são evidências internas que apontam data antiga para a redação do texto. Desta forma a "conclusão" a que se chega é que talvez o livro tenha sido compilado no início (ou mesmo um pouco antes) da monarquia em Israel (ca. 1000 a.C.) C. PROPÓSITO Jz registra a história cheia de problemas do povo de Deus no período turbulento pós- conquista e pós-estabelecimento na terra prometida. Este período foi tudo, menos um período tranqüilo. O último versículo do livro (21.25) caracteriza bem toda esta época: "Cada um fazia o que achava mais reto!" Historicamente falando, os fracassos deste período, aliados a outros fatores, preparam o caminho para a monarquia que logo segue em Israel. A extensão histórica e cronológica desta era vai desde a morte de Josué até o surgimento de Samuel como juiz (o último) e profeta de Deus (ca. 1400-1000 a.C.). D. ESBOÇO O esboço do livro é simples e apresenta três partes bem distintas: 1. Introdução: Jz 1.1-2.5. 2. História dos juízes: Jz 2.6-16.31. 3. Apêndice: Jz 17-21. E. CONTEÚDO 1. Estruturalmente, o livro está organizado ao redor de objetivos pedagógicos, interesses sermônicos. Vemos no texto episódios selecionados que exemplificam concretamente as falhas e as virtudes de Israel e as intervenções divinas na vida deste povo. 2. Especialmente na segunda parte do livro (Jz 2-16), os acontecimentos são relatados conforme um ciclo que se repete com cada juiz: apostasia (Israel se afasta de Deus), opressão (Deus permite que eles sejam oprimidos por algum povo estranho), arrependimento (Israel reconhece o seu afastamento e clama a Deus), e finalmente a libertação (Deus levanta um líder que os libertará e será seu guia por algum tempo). Este ciclo é um retrato fiel do que é a nossa vida hoje, como - 14 -
  • 15. indivíduos ou como congregações. Não podemos deixar de perceber que Deus ainda hoje levanta pessoas que se tornam os seus "juízes" do momento para corrigir e direcionar algo que está acontecendo. 3. O desenvolvimento do texto exibe de forma seqüencial o período de cada juiz. Terminado o tempo de um, o relato avança para o próximo juiz. 4. Em última análise, Cristo é o nosso grande juiz. É o libertador por excelência levantado por Deus para corrigir as relações homem-Deus e direcionar a todos para a vida eterna. Em sua primeira vinda, Cristo trouxe a libertação do juízo divino que paira sobre o pecador. E em sua segunda vinda ele aplicará implacavelmente o juízo divino sobre os que lhe foram adversos. IV. RUTE A. CONTEÚDO O texto de Rt narra um episódio da época pré-monárquica e está situado historicamente no tempo dos juízes (Rt 1.1). Em meio à turbulência do período dos juízes, a história de Rute e Noemi emerge com um charme e encanto próprios. Inserido num contexto de afastamento e infidelidade a Deus, temos em Rute um exemplo de fé singela e piedade exemplar. No NT, o texto de Mt 1.5 confirma a existência de Rute como personagem histórico e a genealogia de Lc 3.32 concorda com a de Rt (4.18-22). No calendário litúrgico judaico, o livro de Rute está vinculado à Festa das Semanas, o "Pentecostes". Este livro é a leitura, a "perícope do dia" nesta festa. B. PROPÓSITO Destaque maior vai para a importância messiânica do livro. Rute, uma gentia, foi incorporada à genealogia de Davi (foi a sua bisavó) e, conseqüentemente, tornou-se antepassada de Cristo! Uma gentia foi enxertada na linha messiânica! A salvação não é só para os da raça escolhida, mas para todos os seres humanos. Na pessoa de Rute, nós, gentios, estamos representados na linha messiânica! Um outro propósito, certamente subsidiário, talvez seja o de apresentar um quadro realista e animador, e, ao mesmo tempo, de uma singeleza sem par. O período dos juízes apresentou um quadro desolador quanto à qualidade de vida existente (confere Jz 19-21, especialmente). Rute é um nítido contraste a esta realidade. Sugere um exemplo de vida efetivamente piedosa sob a aliança. É um exemplo que transcende, que vai além do seu próprio tempo e espaço e chega até nós. C. AUTORIA E DATA A tradição judaica sugere Samuel como o autor do livro. Apesar de alguma possibilidade, este testemunho é muito improvável em virtude de evidências internas do próprio texto. No entanto, nenhuma outra hipótese mais plausível foi levantada até agora. A concordância generalizada entre os estudiosos é que o livro é anônimo, ou seja, não se sabe com certeza quem o redigiu. Como não se tem certeza sobre a identidade do autor, isto dificulta a datação do texto. Razões lingüísticas e estilísticas, bem como a menção do rei Davi (Rt 4.17,22), parecem indicar que o texto foi redigido em algum tempo durante o reinado de Davi. D. ESBOÇO Já que o livro é um bloco único e compacto, com uma narrativa movendo-se em direção ao seu final, tentar esboçar o livro pode ser um empreendimento sem grande recompensa. Um esboço simples poderia ser o que segue: 1. Rute vem para Belém: Rt 1. 2. Rute encontra Boaz: Rt 2. 3. Rute apela a Boaz: Rt 3. 4. Casamento de Rute e Boaz: Rt 4. - 15 -
  • 16. E. TEOLOGIA 1. Mt 1.5 apresenta Rute como ancestral de Cristo! Uma moabita! Do ponto de vista da estilística, a genealogia ao final do livro (Rt 4.18-22) é um mero apêndice. Mas funcionalmente, teo- logicamente, é o ponto alto do livro. Na genealogia se dá a conexão messiânica de Rute e Boaz com Cristo. A genealogia integra a história particular de Rute ao curso principal da história da salvação, da história de Deus. Rute, a mulher gentia moabita, é "enxertada" na linha messiânica e passa a ser instrumento nas mãos de Deus para o benefício de toda a humanidade. Isto é profundamente significante. 2. Em Rt, Deus não age de forma sobrenatural e miraculosa, mas de maneira natural e providencial. Quase dizemos que Deus age de forma "casual". Não há milagres vistosos no livro de Rt. Mas é preciso ter olhos para ver que em, com e sob decisões humanas, rotineiras, casuais, Deus opera normalmente. Por detrás das coisas simples e do dia a dia, está a ação criativa e transfor- madora de Deus. E quando Deus age, estas ações estão sempre cheias de significância divina e eterna, por mais simples, rotineiras ou "casuais" que possam parecer! V. SAMUEL A. TÍTULO Evidentemente o título "Samuel" vem do primeiro personagem proeminente nos dois livros — o próprio Samuel — que ungiu dois outros dois personagens igualmente importantes na história de Israel: os reis Saul e Davi. Originalmente, na tradição do AT, 1 e 2Sm eram considerados um só livro. Foi a LXX que o dividiu em 2 volumes (sem nada lhes acrescentar ou tirar). B. ESBOÇO O esboço dos livros está baseado no personagem principal que entra em cena em cada período da história coberta pelos livros: 1. Samuel: 1Sm 1-7. 2. Samuel e Saul: 1Sm 8-15. 3. Saul e Davi: 1Sm 16-31. 4. Triunfo de Davi sobre a casa de Saul: 2Sm 1-8. 5. "História da Corte" (de Davi): 2Sm 9-20. 6. Apêndice: 2Sm 21-24. Percebe-se que o relato dos episódios gira ao redor dos três "eixos" principais do livro que são os três principais personagens: Samuel, rei Saul e rei Davi. C. PROPÓSITO O propósito do livro é registrar a transição do período teocrático e dos juízes para a nova forma de governo. O livro relata a fundação da monarquia hebraica. Este foi um novo momento, uma transformação sem par na história do povo de Deus. As seqüelas logo se fizeram sentir na vida do povo. Historicamente, houve pelo menos um duplo preparo para o reinado. Primeiro foi o período dos juízes. Foi um tempo política e religiosamente confuso, com muita desorientação e turbulência na vida de Israel. Não havia realmente um elemento político centralizador do povo. Depois foi a ameaça dos filisteus, detentores da tecnologia do ferro (o que então lhes dava incrível poder militar). Havia a necessidade de um bom rei e líder militar que estivesse à frente de Israel e os conduzisse à vitória. Samuel inclui as carreiras de três grandes nomes que deixaram sua marca indelével no AT: Samuel, Saul e Davi. D. AUTORIA E DATA - 16 -
  • 17. Na questão da data e autoria, a situação de Sm é semelhante a Js e Jz. O texto não faz menção do seu autor. A tradição judaica acha que o próprio Samuel é o autor da primeira parte do li- vro, sendo o restante escrito pelos profetas Gade e Natã. Porém temos que perguntar: Até que ponto esta tradição é confiável? Samuel escreveu ao menos parte do livro (1Sm 10.25). Sua morte é relatada em 1Sm 25.1;28.3. Há também episódios que se passaram após a morte de Samuel. No que diz respeito à data, estudiosos conservadores datam o livro entre 930 e 722 a.C. E. CONTEÚDO 1. A figura imponente de Samuel domina a primeira metade do livro. Ele nasceu como resposta de Deus às orações de sua mãe e cresceu à sombra do sacerdote Eli. Manuscritos recentemente encontrados (em Qumran, à beira do mar Morto) parecem confirmar a suspeita de que Samuel tinha sido dedicado por sua mãe como um nazireu (Nm 6). Samuel se encontrava às portas da maior transição política de Israel: passagem da teocracia à monarquia. Foi ele que conduziu este processo. Ele também foi o último e maior dos juízes. Presumivelmente, também era sacerdote (no conflito com Saul, parece que só ele podia sacrificar — 1Sm 13.13). Em muitos sentidos, ele foi o primeiro dos grandes profetas de Israel (At 13.20). Samuel, portanto, é um verdadeiro "segundo Moisés", representando virtualmente todos os ofícios em Israel como nenhum outro tinha feito desde Moisés. De certa forma, Samuel antecipa Elias e Cristo! Com toda certeza, este personagem não pode passar despercebido por nós. 2. O cântico de Ana em 1Sm 2, a exemplo do canto de Maria em Lc 1 no NT, é denominado por alguns como o "Magnificat do AT." 3. A dramática ameaça militar dos filisteus e o pedido de um rei estão registrados em 1Sm 8. A monarquia já tinha sido prevista por Moisés que em Dt 17 orienta a forma de atuação dos futuros reis de Israel. 4. 1Sm 14 relata o comportamento estranho de Saul. Este torna-se cada vez pior. Há estudiosos que desconfiam que Saul portasse alguma doença mental progressiva. 5. Em 1Sm 17 temos a vívida descrição do combate entre Davi e Golias. O relato é tão nítido e a qualidade da descrição da narrativa é tão perfeita, que até parece que somos testemunhas oculares da luta! 6. A partir de 2Sm 5 Davi é rei em todo Israel. Ele conquista Jerusalém, uma cidade com neutralidade política, idealmente localizada no "ponto intermediário" na fronteira norte-sul. Jerusalém torna-se a capital tanto política como religiosa. 7. 2Sm 7.12-16 apresenta um dos grandes oráculos messiânicos do AT. A partir dali, o rei Davi e a dinastia davídica passam a estar vinculados ao reino messiânico. O reino de Davi passa a ser figura do reino messiânico. Davi terá um herdeiro cujo trono será firmado para sempre! Sabemos quem é este filho de Davi: é Cristo! VI. REIS A. TÍTULO O título "Reis" está baseado no conteúdo dos livros. Assim como 1 e 2Sm, os dois livros de Rs também eram, originalmente, um só volume. A LXX os repartiu em dois. B. PROPÓSITO O propósito dos livros é relatar a história da monarquia do povo de Deus até o seu final no exílio babilônico. Este relato inclui a divisão do reino unido na monarquia dividida em dois reinos independentes. (Confere, ao final, o mapa do reino dividido.) A extensão histórica da narrativa vai desde as últimas palavras do rei Davi até o cativeiro babilônico de Judá. Grande ênfase é colocada no ministério dos profetas Elias e Eliseu. C. AUTORIA E DATA - 17 -
  • 18. O autor não é identificado pelo livro. A tradição judaica (do Talmude) atribui a autoria ao profeta Jeremias. Além disso não conseguimos ir. Para a data da redação dos livros, os estudiosos conservadores, fundamentados em evidências internas do texto, fixam dois limites para a data do livro: 562 a.C. (ocasião da libertação do rei Joaquim, segundo 2Rs 25-27) e 539 a.C. (data da queda da Babilônia, da qual não há menção no livro). Segundo estes autores, o texto deve ter sido redigido entre estas duas datas. Rs menciona várias fontes escritas como, por exemplo, o "livro da história de Salomão" (1Rs 11.41), o "livro da história dos reis de Judá" (2Rs 8.23), o "livro da história dos reis de Israel" (1Rs 15.31). Estas fontes talvez fossem os arquivos, anais e registros oficiais do reino aos quais o autor tinha acesso e que podem ter sido usados como fonte de pesquisa. D. ESBOÇO O esboço segue a seqüência dos períodos históricos: 1. Introdução (morte de Davi e sucessão de Salomão): 1Rs 1-2. 2. Reino unido sob Salomão: 1Rs 3-11. 3. Monarquia dividida: 1Rs 12-2Rs 17. 4. Reino de Judá (722-587 a.C.): 2Rs 18-25. O relato de Rs é suplementado por 1 e 2Cr e pelos livros proféticos (especialmente Jr). Fora da Bíblia, este período tem rica e extensa documentação arqueológica e histórica, especial- mente no que se refere às nações ao redor de Israel. E. ESTRUTURA DO TEXTO A estrutura da narrativa de Rs apresenta uma combinação de cronologia com julgamentos religiosos. Menciona-se os atos de um determinado rei e, ao final, o julgamento teológico do seu reinado. Passa-se então ao próximo monarca. Os relatórios dos episódios de ambos os reinos correm paralelos e contínuos. Narra-se o reinado de um monarca até o fim. Então é a vez de todos os reis do outro reino durante aquele período. F. CONTEÚDO 1. 1Rs 1-2 narra os últimos dias de Davi e sucessão de Salomão. A corte estava cheia de intrigas! 2. Os detalhes da construção do templo efetuada por Salomão tomam bom espaço do texto (1Rs 3-11). A exemplo do tabernáculo, a importância do templo é aqui ressaltada. No templo, Deus estava temporalmente e "encarnacionalmente" habitando com e no meio do seu povo. Dali, do templo, do lugar santo, a graça de Deus irradia. Pois o mesmo vale para Cristo! Do "lugar santo", Cristo, a graça de Deus irradia para os homens. 3. Em 1Rs 12-22 temos o relato do reino dividido. É preciso estar ciente dos nomes dos dois reinos a partir deste ponto. Após Salomão, o nome Israel (ou Reino do Norte) refere-se ao reino independente do norte do território da terra prometida. E Judá (ou Reino do Sul) refere-se à parte sul. A partir da divisão, em Judá ficaram as tribos de Judá e Benjamim, enquanto que as outras tri bos pertencem a Israel. 4. A partir de 1Rs 17 a atenção volta-se para Elias, a vanguarda do movimento profético de então. Semelhante a outros personagens, Elias é de uma importância histórica e teológica sem igual. Ele é a verdadeira encarnação da profecia (um "Mr. Profecia!"). A luta dele contra o rei Acabe e sua esposa Jezabel, na verdade, era a luta pela sobrevivência do Iahwismo frente a ameaça do Baalismo. E Iahweh venceu! 5. Em 2Rs 1-17 temos o ciclo do profeta Eliseu. Em 722 a.C. Israel (Reino do Norte) é derrotado pelos assírios e levado ao cativeiro. Lá desintegra-se como raça. Outros povos são trazidos para o norte e ali misturam-se com os que lá ficaram surgindo daí um povo híbrido. A partir de 2Rs 18 até o final do livro (2Rs 25), a atenção volta-se para Judá. O Reino do Sul é poupado tem- porariamente. A Babilônia sucede a Assíria no domínio internacional e, com planos de expansão, avança sobre Judá. Jerusalém é arrasada em 587 a.C. e Judá vai para o cativeiro babilônico. Porém volta tempos depois. Deus tem interesses messiânicos em Judá! - 18 -
  • 19. VII. CRÔNICAS A. O LIVRO Na tradição do AT, 1 e 2Cr eram um só livro. A divisão do livro em dois foi feita pela LXX. Na colocação dos documentos na Bíblia Hebraica, Cr é o último livro do AT. Cr é o terceiro maior corpo historiográfico do AT, junto com a história contida em Sm e Rs e a história pré-davídica que se acha especialmente no Pentateuco. O livro cobre toda a história bíblica desde Adão até o edito do monarca medo-persa Ciro, em 538 a.C., que permitiu o retorno do povo de Judá do cativeiro babilônico. B. AUTORIA E DATA A obra é anônima e a tradição indica Esdras como seu autor. Muito mais do que isso é difícil afirmar. A mesma dificuldade se verifica na data da redação do texto. O máximo que se pode dizer é que o livro deve ter sido escrito na segunda metade do século V a.C. (ao redor de 430 a.C.). C. PROPÓSITO O livro de Crônicas foi escrito para os fiéis do período pós-exílico, para aqueles que já tinham voltado do cativeiro babilônico e estavam novamente na terra de Israel. Este período trouxe muitos problemas e dificuldades, tanto externos como internos. Através dos episódios relatados no livro, Cr quer estabelecer a auto-compreensão, a consciência da comunidade pós-exílica como uma entidade religiosa, centralizada nas instituições divinas do templo e da dinastia davídica. Quem é este povo? Este é o povo de Deus, filhos de Adão, de Abraão, de Davi, que foi libertado do domínio egípcio e babilônico, que recebeu a terra prometida, que presta culto ao seu Deus no templo de Jerusalém. Este povo é portador da promessa messiânica que beneficiará toda a humanidade. D. ESBOÇO O livro mantém a seqüência histórica e pode ser dividido em blocos históricos: 1. Genealogia (de Adão a Davi): 1Cr 1-9. 2. Davi: 1Cr 10-29. 3. Salomão: 2Cr 1-9. 4. História de Judá (até o Edito de Ciro, 538 a.C.): 2Cr 10-36. E. CONTEÚDO 1. Toda a história pré-davídica é coberta nas genealogias. Os nomes vinculados à linha messiânica (Adão, Noé, Abraão, Judá, Davi) recebem destaque na colocação. As genealogias não se acham necessariamente em ordem cronológica. Via genealogias, o povo é colocado na linha da graça criativa e eletiva de Deus. As suas raízes vêm de Adão, de Abraão, de Davi. Trata-se do povo escolhido por Deus do qual virá o Salvador da humanidade. 2. A história do Reino do Norte é quase toda omitida, exceto menções de passagem. Sintomaticamente, há uma concentração nos episódios do reino de Judá, a nação que tem vinculação com a linha messiânica! O autor quer mostrar que o povo pós-exílico é o povo da linha messiânica. 3. Se compararmos Cr com Sm e Rs, logo percebemos algumas adições ou expansões no texto de Cr. Cr suplementa a história anterior, dá uma nova luz que vem de um ângulo diferente. Sm, Rs e Cr separados não dão o quadro completo. Porém juntos complementam-se, dão a visão do todo. 4. Em Cr, duas instituições divinas inter-relacionadas recebem grande espaço e grande ênfase: são o templo e a monarquia davídica. Em 1Cr 22-29 está relatada a contribuição de Davi ao culto no templo. Depois, 2Cr 2-7 volta-se de novo ao templo. Em meio a tudo isto, Davi é a figura chave. Fica de novo evidente o interesse messiânico de Deus e do autor. A história de Cr foi escrita a partir da ótica do Messias! - 19 -
  • 20. VIII. ESDRAS E NEEMIAS A. UNIDADE DOS LIVROS? Os escribas hebreus tratam ambas as obras como um só livro. Na reflexão deles, há indicações que apontam nesta direção. Por outro lado, há evidências que apontam na direção contrária, ou seja, a independência de cada um dos textos como composição separada. No mundo acadêmico o debate a este respeito é acalorado. Não houve acréscimos nem subtrações ao texto. B. TÍTULO É evidente que em ambos os livros os títulos estão baseados nos seus principais personagens, Esdras e Neemias. C. PROPÓSITO 1. Ambos os livros mostram a reconstrução da nação em seus aspectos físico e espiritual. O povo estava voltando do cativeiro e recomeçando sua vida tanto no sentido físico como religioso. 2. Os livros também exibem a proteção de Deus contra os inimigos externos do povo e contra a corrupção interna. Perigos de fora e de dentro rodeavam o povo de Deus. Mas Deus está ao seu lado. D. ESBOÇO O esboço segue os acontecimentos históricos do momento: 1. Primeiro retorno dos exilados: Ed 1-2. 2. Restauração do culto: Ed 3-6. 3. Segundo retorno e reformas religiosas de Esdras: Ed 7-10. 4. Restauração dos muros (relato autobiográfico de Ne): Ne 1-7. 5. Reformas de Esdras e Neemias (atividades de ambos): Ne 8-13. E. AUTORIA E DATA A grande questão é saber quem deu a forma final aos livros de Ed e Ne. A discussão entre os estudiosos é muito grande e há muita divisão. A tradição mais antiga atribui a autoria de ambos os livros a Esdras, porém complementado por Neemias (especialmente no livro de Ne). Se a autoria dos livros é mesmo de Esdras e Neemias, então a data da redação fica lá no século V a.C. F. IMPORTÂNCIA DE ESDRAS E NEEMIAS 1. No que se refere à história do povo de Deus, os livros de Ed e Ne são muito importantes para o conhecimento da comunidade de Israel do século V a.C. Fora destas fontes, quase nada se sabia de Israel neste período de existência até pouco tempo. Hoje, achados arqueológicos suplementam o relato destes documentos. 2. Humanamente falando, sem a atuação de Esdras e Neemias, a comunidade dos que retornaram provavelmente teria sucumbido ou se desintegrado no sincretismo religioso. Os perigos externos (inimigos que não queriam a reconstrução da nação) e internos (desleixo espiritual, casamentos mistos, etc.) eram grandes e destruidores. O momento exigia homens de Deus com fé profunda, mente clara e pulso firme. Esdras e Neemias tinham estas qualidades. 3. Vemos em Esdras e Neemias uma verdadeira "dupla dinâmica" a serviço de Deus. Esdras era um escriba ("pastor") e Neemias um leigo (administrador competente). As atividades de ambos são complementares. Neemias fez aquilo que só um leigo fiel é capaz de fazer. E Esdras - 20 -
  • 21. guiou o povo de volta à aliança com Deus e à reconsagração. Eis um belíssimo quadro de um pastor e um leigo trabalhando harmoniosamente e, com a bênção de Deus, atingindo os objetivos de Deus. IX. ESTER A. TÍTULO Como é evidente, o título do livro vem do principal personagem que é Ester. "Ester", palavra derivada da língua persa, significa "estrela". O nome hebraico de Ester é "Hadassa" (que sig- nifica "murta"). B. AUTORIA O texto é anônimo, não indica o autor. Uma tradição judaica atribui sua autoria a Mordecai. Uma outra hipótese levantada para a autoria são os nomes de Esdras e Neemias. No entanto não há boa evidência lingüística para sustentar esta posição. A partir do texto, o máximo que conseguimos inferir quanto ao autor é que ele certamente viveu na Pérsia (pois demonstra acurado conhecimento dos costumes persas de então), e pode ter usado os escritos de Mordecai (Et 9.20), as "crônicas dos reis da Média e da Pérsia" (Et 2.23; 10.2) e também a tradição oral como fonte de pesquisa para a matéria do seu livro. C. DATA Semelhante à questão da autoria, não há indicação precisa quanto à data. As evidências fornecidas pelo texto parecem indicar um período entre 465 e 330 a.C. como o tempo da redação. Via de regra, os estudiosos conservadores preferem a segunda metade do século V a.C. como a melhor alternativa para a data do livro. D. PROPÓSITO O livro de Ester tem propósito duplo: 1. Mostrar como Deus em sua providência governa toda a existência humana (bem como o universo). Nas mãos de Deus estão os destinos de indivíduos e nações. 2. Explicar a origem e o fundo histórico da Festa do Purim (ocasião em que os modernos judeus celebram a libertação do povo da sentença de morte através da instrumentalidade de Ester). E. ESBOÇO Uma forma simples de esboçar o livro é como segue: 1. Perigo da destruição do povo: Et 1-5. 2. Proteção graciosa de Deus sobre seu povo: Et 6-10. F. CONTEÚDO 1. Sem dúvida, o livro de Ester é uma narrativa atraente, com lances de um verdadeiro filme de aventura: tem mocinho e mocinha, tem bandido, tem suspense e ameaça de morte, tem salvação na hora certa, e tem final feliz. Mas não podemos esquecer: esta é uma aventura em que Deus está presente! 2. O nome de Deus não ocorre no livro. Além disso, o NT não alude a Et. Teólogos liberais usam estes — e outros — argumentos para atacar a confiabilidade do livro de Et. Mas a verdade é que o fato do nome de Deus não ser mencionado de forma explícita no livro não significa que Deus está "fora da jogada" ou que Deus nada tem a ver com o que ali acontece. Deus age em, com e sob as condições naturais. Aquilo que parece mera coincidência, na verdade é libertação e orientação divinas! É Deus intervindo. As circunstâncias naturais são realmente sobrenaturais quando as vemos - 21 -
  • 22. do ponto de vista de Deus. O fato do povo de Israel escapar da morte pela aparente intervenção casual de Ester, não foi mera casualidade. Pois por detrás da cortina, Deus estava provendo a salvação do seu povo 3. Os acontecimentos do livro de Et fazem parte da história da eleição, do governo especial de Deus em favor do seu povo escolhido. Por que Israel? Porque Deus, em sua sabedoria suprema, elegeu este povo para que, através dele, viesse redenção a todo o ser humano! LITERATUR A POÉTICA E SAPI ENCI AL I. POESIA NO AT O gênero poético tem lugar privilegiado e de muito importância no AT. Não são apenas os livros poéticos que utilizaram este gênero literário, mas os profetas redigiram bons pedaços dos seus documentos em forma de poesia. Boa parte do texto do AT está escrita em forma poética. Basicamente a poesia do AT tem natureza dupla: 1. Natureza didática. Neste sentido, a poesia está preocupada com o aspecto cognitivo do ser humano, com a transmissão de conhecimentos. Verdades divinas ou humanas são transmitidas via poesia. Como exemplo típico pode-se citar o livro de Pv. 2. Natureza lírica. Isto volta-se para o aspecto poético propriamente dito. Neste sentido a poesia do AT visa a expressão dos sentimentos, das emoções, da vida interior do autor, da beleza da forma poética. Exemplo clássico é o livro de Ct. A característica básica da poesia do AT é o "paralelismo dos membros". Este paralelismo não consiste na rima de sons ou fonemas ao final das linhas (como, por exemplo, na poesia tradi- cional da literatura brasileira). Mas trata-se da rima de pensamentos. Existe uma relação e combinação de idéias e de conteúdos dentro do poema. No Sl 19.1, por exemplo, notamos que a segunda linha repete o mesmo conteúdo da primeira, mas com palavras diferentes. Isto é o "paralelismo do membros" utilizado na poesia do AT. Exemplos semelhantes se encontram, por exemplo, no Sl 83.14,15 e em Pv 15.1. A forma poética confere um aspecto de vitalidade e beleza sem igual ao texto sagrado. Ao mesmo tempo, intenciona ensinar e transmitir conteúdos divinos ao homem pecador. II. LITERATURA SAPIENCIAL DO AT A sociedade intelectual israelita tinha, entre os seus representantes principais, a figura do "sábio". O sábio é aquela pessoa que, ao longo da vida, havia acumulado muita experiência e conhe- cimento, e os transmitia a outros com o objetivo de edificação. Os textos no AT que tratam da transmissão desta sabedoria são classificados como literatura sapiencial. Além de trechos isolados (alguns salmos, por exemplo), o AT tem livros sapienciais (Ec, Pv, Jó). Há autores que entendem a sabedoria como a disciplina de aplicar a verdade à vida, à luz da experiência. Trata-se da habilidade de lidar com a vida e o universo. Superficialmente, a sabedoria do AT poderia ser entendida como um mero apelo à razão e ao bom-senso do ser humano, não ao amor de Deus. Na realidade, a literatura sapiencial do AT está inserida no contexto dos textos sagrados da Bíblia e pressupõe a aliança de Deus com Israel. Esta sabedoria do AT se dirige ao israelita que está em aliança com Deus. (Em última análise, se dirige ao fiel, ao cristão.) E oferece conselhos, "dicas" práticas (como, por exemplo, as exortações do livro de Pv) para o dia a dia do fiel. Nós a entendemos como sendo a aplicação da lei em seu terceiro uso: aquele que está justificado agora recebe orientação prática para a vivência cristã diária no mundo. III. JÓ A. TEMA DO LIVRO - 22 -
  • 23. O tema em discussão no livro de Jó é uma questão universal e profundamente existencial. Discute-se a dor na vida do ser humano. Em Jó procura-se resposta à seguinte pergunta: "Por que os justos sofrem?" Muitas respostas são oferecidas a esta questão. Há os que vêem no sofrimento um meio de purificação e crescimento espiritual. Por outro, os caminhos de Deus vão além da capaci- dade e da percepção humanas. O livro de Jó se ocupa disto e passa em revista todas estas (e outras) respostas ao sofrimento do justo. Jó é o protagonista principal e é daí que vem o título do livro. B. AUTORIA Jó é personagem histórico. Isto está atestado em Ez 14.14,20 e Tg 5.11. Porém na discussão da autoria do livro, é preciso distinguir entre os elementos históricos propriamente ditos (ou seja, o período histórico em que Jó viveu) e a composição literária (isto é, a época em que o texto foi redigido). Precisamos distinguir o momento histórico do momento literário. O texto bíblico não apresenta indicação de autor. Uma tradição judaica sugere autoria mosaica ou pré-mosaica. No entanto, esta opinião não tem muita credibilidade. Lutero era da opinião de que Jó foi redigido num período de grandes produções literárias, ou seja, na época do rei Salomão. Esta posição tem bons argumentos e muitos defensores. De tudo isto, o que sobra é que a discussão a respeito da autoria de Jó é questão comple- xa. Uma resposta definitiva não é tão simples. C. MOMENTO HISTÓRICO Apesar de não se poder decidir definitivamente, o texto sugere algumas evidências muito fortes para o momento dos eventos históricos: 1. Todo o texto transpira um ambiente cultural que não é hebreu. Ele parece indicar um local fora do território de Israel. 2. As evidências internas (costumes, povos, linguagem) sugerem uma data antiga. 3. Da perspectiva da arqueologia, o ambiente histórico do livro parece apontar para o início do segundo milênio a.C. Portanto, ao que tudo indica, parece que Jó viveu no período patriarcal e, talvez, num local fora, não muito longe de Israel. D. MOMENTO LITERÁRIO A expressão "momento literário" refere-se à ocasião em que o texto do livro de Jó foi redigido. Os estudiosos apresentam várias propostas que vão desde a época patriarcal até o período pós-exílico. A grande maioria dos estudiosos conservadores prefere o reinado de Salomão como o período mais propício para a redação do texto de Jó. Do ponto de vista literário, é preciso considerar que o texto não exibe um diálogo ocasional. Os diálogos registrados no livro não são reproduções literais das conversas exatamente como foram proferidas pelos interlocutores quando dialogavam. Na composição do texto houve atividade literária criativa e elaboração artística. No texto, os interlocutores não estão tão preocupados em convencer- se uns aos outros, mas, na verdade, querem convencer a nós, leitores, que somos a audiência invisível. Esta é uma característica que marca a singularidade do livro de Jó. E. ESBOÇO A estrutura do livro é muito simples: 1. Prólogo: Jó 1-2 (texto em prosa). 2. Discursos : Jó 3.1-42.6 (texto em poesia). a. Três ciclos de discursos dos três amigos de Jó: Jó 3-14; 15-21; 22-31. b. Discurso de Eliú: Jó 32-37. c. Intervenção de Deus: Jó 38.1-42.6. 3. Epílogo: Jó 42.7-17 (texto em prosa). - 23 -
  • 24. F. CONTEÚDO 1. A fidelidade, a piedade, a seriedade de Jó em sua consagração a Deus são paradigmáticas. Sua perseverança é simplesmente exemplar. Quando tudo está contra ele e, ao seu redor, todos se desesperam (até mesmo a sua esposa), ele fica firme. Este é o milagre de Deus. Aos que Deus chama, estes Deus capacita, pela fé, a ficarem firmes e enfrentarem tudo, mesmo sem entenderem bem o que se passa. 2. Num momento de depressão profunda, o texto de Jó 19.25-27 registra a esperança última de Jó: "Sei que o meu redentor vive! Verei a Deus!" A fé projeta Jó para o futuro e para o alto. Quando as respostas humanas nada mais respondem, o coração eleva-se até Deus e dele aguarda a palavra final, mesmo que esta venha só na eternidade. 3. Precisa ficar claro que Jó não é qualquer sofredor. Jó é o homem no contexto da aliança, é o fiel, é o cristão. Apenas pode se identificar com Jó aquele que sofre em aliança com Deus. Existe uma grande diferença entre passar por dificuldades estando ao lado de Deus e sofrer longe do Pai. 4. Deus não nos dá todas as respostas. Mas ele dá A Resposta: Ele mesmo, em Cristo! A resposta de Deus a Jó estava além da realidade humana! Ele mesmo, Deus era a sua resposta. Certamente Jó não sabia o que vinha pela frente, mas Deus se deu a ele. O mesmo acontece hoje. Nem sempre sabemos bem o que está se passando ao nosso redor. Deus nem sempre nos dá a resposta, mas ele nos dá Cristo, o dono de todas as respostas! IV. SALMOS O termo "salmo" significa "cântico de louvor". O livro dos Salmos, portanto, é uma coleção de cânticos. Eventualmente também se faz referência ao livro dos Salmos designando-o de saltério. A. AUTORIA Nem todos os salmos fornecem sua autoria. Em muitos casos, não há indicação de autor. A única informação que temos a respeito dos salmos se acha nos títulos dos mesmos. Mesmo assim, nem todos os salmos apresentam título. Logo, não temos controle total sobre a autoria destas poesias do AT. Fazendo o levantamento estatístico dos títulos dos salmos, temos o seguinte resultado a respeito da autoria dos mesmos: 34 salmos órfãos (isto é, sem título); 73 salmos de Davi; 12 salmos de Asafe; 10 salmos dos filhos (ou também descendentes) de Coré (este número chega a 12 salmos se incluirmos os Sl 43 e 88); 2 salmos de Salomão (Sl 72 e 127); 1 salmo de Hemã, o ezraíta (Sl 88); 1 salmo de Etã, o ezraíta (Sl 89); 1 salmo de Moisés (Sl 90). B. DIVISÃO Na tradição do AT, os salmos estão divididos em 5 livros, cada um terminando com uma doxologia. O último salmo (o 150) forma uma doxologia ao livro V e a todo o livro dos Sl. De forma semelhante, o Sl 1 serve de introdução a todo o saltério. A divisão dos 5 livros é a seguinte: Livro I: Sl 1-41; Livro II: Sl 42-72; Livro III: Sl 73-89; Livro IV: Sl 90-106; Livro V: Sl 107-150. Não temos informação a respeito do processo que deu forma ao livro dos Sl tal qual se encontra hoje. Certamente foi um processo longo e complexo. Ao que tudo indica, o livro de Sl é talvez uma coleção de coleções anteriores e envolveu muitos personagens no transcorrer do tempo. C. TÍTULOS Alguns títulos de salmos oferecem alguma informação quanto à circunstância histórica do salmo. Esta informação é um elemento precioso para a compreensão e interpretação do salmo. Um bom exemplo é o título do Sl 51. Outros títulos também oferecem alguma orientação musical relacionada com o texto (como, por exemplo, o título do Sl 59). O enigmático termo "selá" (no Sl 46.7, por exemplo) aparece 71 vezes em 39 salmos. Este termo hebraico carece de explicação precisa. Há muita especulação em torno do assunto. Talvez seja uma anotação musical, ou mesmo indicação de um interlúdio ou refrão. Mas nada de definitivo pode ser afirmado. - 24 -
  • 25. D. CLASSIFICAÇÃO Classificar os salmos é tarefa não tão simples. Depende muito dos critérios estabelecidos. O resultado pode acabar sendo superficial. Várias classificações são propostas por diferentes au- tores. Há porém três tipos básicos: 1. Hinos. Esta é uma classificação genérica. Neste grupo inclui-se composições para as reuniões no santuário a fim de louvar a Deus. Exemplos: Sl 46, 76, 96, etc. 2. Lamentos. Como diz o nome, o lamento expressa a dor ou a confissão do seu autor. Este lamento pode ser individual ou coletivo. Exemplos: Sl 6, 36, 44, 51, etc. 3. Ações de graça. Ao contrário dos lamentos, este tipo de salmo manifesta a alegria e/ou a gratidão (individual ou coletiva) do salmista. Exemplos: Sl 30, 34, etc. Além dos salmos acima mencionados, dois outros tipos merecem atenção especial. São eles: 1. Salmos messiânicos. São os salmos que fazem alusão ao messias vindouro. Exemplos: Sl 2, 110, etc. 2. Salmos imprecatórios. Nestes salmos o autor pede que Deus vingue (ou destrua) o seu inimigo. Exemplos: Sl 35, 58, 69, 109, 137, 139, 149, etc. Há os que questionam o conteúdo destes salmos. Veja, por exemplo, o Sl 58.6ss. Estas palavras indicam falta de amor? Na verdade é o autor divino (Deus Espírito Santo) que está falando através do escritor humano. Deus quer que isto seja dito! Este tipo de linguagem é manifestação da lei de Deus em seu sentido mais duro aos que, em última análise, lhe são adversos. E. SALMOS FORA DO SALTÉRIO Naturalmente os salmos não figuram apenas no saltério. Eles estão espalhados por todo o AT. Há também salmos no NT (por exemplo: o Magnificat, salmo de Maria em Lc 1; o Benedictus, salmo de Zacarias também em Lc 1). F. CONTEÚDO 1. O saltério exemplifica a reação interna do fiel de todas as épocas dentro do contexto da aliança. Os salmos são a expressão do que se passa no coração do filho de Deus. Como as reações internas independem do tempo e do espaço, sempre nos identificamos com o escritor sagrado. Porém, o real sujeito dos salmos não é o homem, mas sim Deus. Via escritor inspirado, é Deus que está falando no saltério. Com sentimentos humanos, Deus expressa os seus "sentimentos". 2. Em certo sentido, é impossível separar Sl do livro de Lv. Enquanto o saltério mostra o que se passa por dentro do adorador, Lv aponta para o que se passa por fora, mostra o cerimonial li- túrgico. Ambos, Lv e Sl, complementam-se. V. PROVÉRBIOS A. O LIVRO O livro de Pv é uma coletânea de afirmações dos sábios apresentando conselhos práticos para a vida do seus leitores. A grande maioria destas afirmações foram redigidas pelo sábio rei Salo- mão. Sua sabedoria se tornou paradigmática no AT (veja o testemunho de 1Rs 4.32). Pv é o corpus de maior representatividade da literatura sapiencial do AT. B. PROPÓSITO O propósito de Pv é instruir o leitor nos princípios e nos caminhos da sabedoria (Pv 1.7). O livro contém conselhos práticos para uma vida coerente com a fé professada pelo fiel. Os escritores dos provérbios pressupõem o contexto da aliança. Fica subentendido que o leitor está em aliança com Deus pela fé. A partir disto oferecem a orientação prática de seus provérbios. Portanto, Pv - 25 -
  • 26. precisa ser entendido a partir da perspectiva do contexto canônico da Escritura. À luz de outros textos interpreta-se as suas afirmações. C. AUTORIA E DATA O livro de Pv, na verdade, é uma coleção de coleções. Ele apresenta várias coleções, vários agrupamentos de provérbios. O principal de seus autores é Salomão que, segundo 1Rs 4.32, escreveu "3000 provérbios e 1005 cânticos". As coleções de provérbios e seus autores são os seguintes: 1. Pv 1-9: Salomão (1.1). 2. Pv 10.1-22.16: Salomão (10.1). 3. Pv 22.17-24.22 e 24.23-34: Duas seções atribuídas aos "sábios" (o termo "sábio" ocorre em 22.17 e 24.23). 4. Pv 25-29: Seção compilada pelos "homens de Ezequias" (25.1). 5. Pv 30-31: Dois apêndices escritos por Agur (Pv 30) e Lemuel (Pv 31), a respeito dos quais pouco sabemos. Tendo em vista estas diferentes coleções, cada uma delas certamente teve a sua data de redação. Isto vai desde o período de Salomão (o início do seu reinado foi em cerca de 961 a.C.) até depois do tempo do rei Ezequias (que morreu cerca de 687 a.C.). Ao todo, dá um período de cerca de três séculos. Fica muito difícil definir a data precisa de quando o texto de Pv recebeu a forma tal qual o temos hoje. D. CONTEÚDO 1. O tema da sabedoria ocupa posição de destaque no texto, especialmente no início do livro, nos capítulos 1 a 9. 2. Pv tem algo a dizer sobre quase todas as facetas da vida. O alcance do seu conteúdo é muito vasto. O cristão sempre achará algo que, a partir de Cristo, se aplica à sua vida e ao seu dia a dia. 3. O destaque vai para a perícope em forma de poema que encerra o livro (Pv 31.10-31). No original, este poema é um acróstico onde cada linha inicia com uma consoante hebraica em ordem alfabética. A mulher virtuosa, cristã e eficiente, sua casa e sua família são aqui caracterizadas com palavras e figuras lindíssimas. VI. ECLESIASTES A. DESTINATÁRIO O livro de Ec pertence à classe da literatura sapiencial. O pregador dirige-se a uma assembléia pública. Ele não se volta somente aos iniciados na sabedoria (ou seja, aqueles que conhecem o seu contexto e estrutura), mas visa também os de fora (o público externo), público em geral cuja sabedoria ainda é a deste mundo. Neste sentido, Ec tem muita matéria para início de diálogo evangelístico. Isto aponta para a utilidade missionária do livro. A partir de Ec, inicia-se a conversa evangelística que termina em Cristo. B. AUTORIA E DATA O nome do autor não é expressamente mencionado no livro. Porém Ec 1.1 reporta-se ao "filho de Davi, rei em Jerusalém", expressão tradicionalmente atribuída a Salomão. Em círculos libe- rais questiona-se muito a autoria salomônica. No entanto, os argumentos pró-Salomão permanecem de pé. Se a autoria é de Salomão, a data da redação evidentemente é a do período salomônico (século X a.C.). - 26 -
  • 27. C. GÊNERO LITERÁRIO Ec pertence à classe da literatura sapiencial. Entretanto este documento tem sua a singularidade, tem sua marca própria no contexto canônico. Pode-se entender Ec como uma confissão na forma de uma narrativa auto-biográfica. Momentaneamente o autor faz de conta que não está em aliança com Deus. Ele está filosofando sobre a existência humana a partir de pressupostos puramente imanentes (terrenos, humanos). E reflete sobre a vida humana e os com- ponentes da mesma. Em sua reflexão, o autor toma o leitor pela mão e caminha com ele pela vida. Sua conclusão é que, fora da aliança com Deus, "tudo é vaidade e correr atrás do vento!" Ao final do livro é que ele volta novamente a enfocar a existência a partir da ótica "acima do sol", ou seja, do ponto de vista de Deus. A visão cristã vem ao final e é aí que está o ponto alto do livro. Já que tudo é vaidade e nada sobra, o que resta ao homem, se ele quer ter final feliz, é "temer a Deus e guardar os seus mandamentos, pois Deus trará tudo a juízo!" (Ec 12.13,14) D. ESBOÇO Esboçar Ec pode ser um empreendimento sem grande recompensa. Uma tentativa é a que segue: 1. Prólogo: Ec 1.1-11. 2. A vaidade de todas as coisas: Ec 1.12-6.12. 3. Palavras de sabedoria: Ec 7.1-12.7. 4. Epílogo: 12.8-14. E. PROPÓSITO Por um lado, o livro quer mostrar a inutilidade de qualquer cosmovisão que não ultrapasse o horizonte do próprio homem. Se a vida e a esperança de alguém ficam apenas nas coisas "debaixo do sol", deste mundo, sem Deus, então "tudo é vaidade e correr atrás do vento!" Fora de Deus a vida não tem significado e leva a nada. Por outro, o livro apresenta a cosmovisão que reconhece Deus como o padrão e valor supremos da vida. A aliança com Deus confere uma perspectiva nova, uma perspectiva divina à existência. Em outras palavras, sem Cristo nada temos, com Cristo tudo temos. F. ATUALIDADE DO LIVRO A forma como os temas são abordados em Ec são de uma relevância e atração muito grandes. Até lembra o filosofar existencial. Toda a existência terrena e projetos humanos são submetidos a teste e passados em revista. A atualidade do livro de Ec é muito grande. Tem-se a impressão, às vezes, que Ec é uma preciosidade bíblica um tanto esquecida. VII. CANTARES A. CLASSIFICAÇÃO No mundo acadêmico discute-se muito se o livro de Ct realmente pertence à classe dos livros sapienciais. Os estudiosos estão divididos quanto a este ponto. O livro não é explicitamente di- dático. Por outro, o tema de Ct é central na literatura sapiencial. Sem dúvida, Ct é uma das grandes (se não a maior) composições líricas da Escritura Sagrada. B. TEMA O tema do livro de Ct é o amor de Salomão pela jovem sulamita (6.13) e a afeição desta por ele. Todo o livro gira ao redor deste relacionamento. - 27 -