Livro de autoria de Alexandre Oliveira Gomes e João Paulo Vieira Neto. Aborda a história, a cultura e aspectos sociais da comunidade de pescadores de Prainha do Canto Verde, no município de Beberibe, Ceará, Brasil. O local é uma RESEX (Reserva Extrativista), com uma bela história de resistência e superação.
2. Prainha do
CantoVerde
Alexandre Oliveira Gomes
João Paulo Vieira Neto
i n s t i t u t o
Fortaleza/CE
Dezembro de 2010
rede
cearense
de
turism
o
com
unitário
(Beberibe/CE)
3. Historiando Prainha do Canto Verde (Beberibe/CE)
Relatório de Pesquisa
Autoria
Alexandre Oliveira Gomes
João Paulo Vieira Neto
Projeto Gráfico e Editoração Eletrônica
Alessandra Guerra e Fernando Sousa
Fotos da Capa
Aline Baima, Arquivo Instituto Terramar e Leonardo Melgarejo
Impressão
Capa: Expressão Gráfica
Miolo: Eurocópia Gráfica Rápida
O conteúdo dessa publicação pode ser reproduzido, total ou parcialmente,
desde que citada a fonte.
Apoio
Este material foi produzido pelo Instituto Terramar e pela Rede Cearense de Turismo
Comunitário (Rede Tucum) e corresponde a uma ação do projeto Turismo Comunitário:
afirmando identidades e construindo sustentabilidade, iniciativa aprovada em 2008 no edital
doMinistériodoTurismodeApoioaIniciativasdeTurismodeBaseComunitária.
4. Apresentação 04
1. Manifestações Culturais 06
2. Histórias e Lendas 19
3. Lugares de Memória 28
4. Saberes e Modos de Fazer 31
5. Sobre os Autores 40
6. Fotografias 41
Sumário
5. ste relatório é fruto de uma parceria realizada entre o Projeto
Historiando¹ e a Rede Cearense de Turismo Comunitário – Rede
ETucum², para a estruturação de espaços de memória e o
desenvolvimento de processos museológicos e de educação histórica em
comunidades litorâneas que participam desta proposta de
desenvolvimentosustentávelatravésdeumturismodebaselocal.
O Projeto Historiando surgiu em 2002, a partir da iniciativa de
profissionais das áreas de História e Patrimônio comprometidos com a
educaçãoenquantoferramentadetransformaçãosocial;comoobjetivode
pesquisarecontarahistóriadecomunidadesapartirdaperspectivadeseus
moradores, utilizando metodologias que estimulam a autonomia,
buscando extrapolar os conteúdos escolares e experimentando maneiras
diferenciadas de vivenciar o processo de ensino-aprendizagem através da
educaçãoparaopatrimôniocultural,nosentidodefortaleceraorganização
localapartirdaapropriaçãodamemóriaenquantoinstrumentodelutaede
inserir a importância da discussão sobre a construção social da memória na
óticadaslutasdosmovimentossociais.
Como a memória se expressa em nossas comunidades? O que é o
nosso patrimônio? Qual é a nossa história? Como se escreve a história?
Quem escreve a história? Quem escolhe o que é importante ser lembrado?
Ações como esta possibilitam a redescoberta de nossa comunidade, de
nossa rua, de nosso meio ambiente, de nossa família, de nós mesmos: do
que devemos cuidar e preservar no lugar em que nascemos e vivemos os
dias mais felizes de nossas vidas. Quem, melhor que a comunidade, para
escreverasuahistória?
Durante o processo de pesquisa realizado na Prainha do Canto Verde,
no segundo semestre de 2009, identificamos coletivamente o patrimônio
cultural local e os seus significados através da organização de ações
Apresentação
[1] Sobre o Projeto Historiando, acesse: http://www.iteia.org.br/projeto-historiando-historia-memor
ia-e-antropologia-no-ceara1
[2] Para saber mais sobre a Rede Tucum, acesse www.tucum.org.br
04
6. educativas que dialogam com a memória local, tanto no sentido de buscar
registros sobre a história como também construí-los. A metodologia utilizada
incentivou a participação e o fazer coletivo. Os ministrantes atuaram
enquanto facilitadores da ação educativa, e os grupos de pesquisa foram
organizados a partir das diversas oficinas de pesquisa histórica e das
afinidades temáticas e pessoais. Dentre estas oficinas, destacamos: a de
oralidade, na qual se mapeia e entrevista os guardiões da memória local; a dos
objetos, que propiciaa formaçãoe a identificaçãode acervos; a dos lugares de
memória, que realiza um inventário da memória presente em importantes
locais para a história local. A oficina de pintura (mural e tecido), ministrada
pelo artista plástico e professor Naigleison Santiago, são momentos de
reelaboração do conhecimento, como também este relatório e a exposição,
feitasapartirdetodaapesquisarealizadaedosmateriaisconstruídosdurante
oprocessodesuarealização.
Os pesquisadores, jovens e adultos da Prainha do Canto Verde,
dividiram-se em quatro grupos temáticos, que foram: histórias e lendas,
saberes e modos de fazer, expressões culturais e lugares de memória. Tais
grupos foram escolhidos durante a pesquisa, entre outros possíveis, e partem
deumaconcepçãoantropológicaepluraldoconceitodecultura,patrimônioe
memória. Esta iniciativa, se continuada e potencializada, pode originar um
espaço de memória comunitário, pois forma um acervo de cultura material, se
constitui enquanto um mapeamento do patrimônio local e inicia uma
capacitação de jovens para o trabalho com o patrimônio cultural, enquanto
vetordedesenvolvimentosociocultural.
Agradecemos especialmente à comunidade da Prainha do Canto Verde,
pornosproporcionarumconhecimentodesuahistória.
Este relatório é o resultado é o resultado de uma seleção do material
produzido durante o curso, uma leitura possível da história local, contada
pelos próprios moradores. Junto a uma exposição organizada sobre e para a
comunidade,sãoasaçõesquefinalizamocursoHistoriandoaPrainhadoCanto
Verde.
Boaleitura!
Alexandre Oliveira Gomes e João Paulo Vieira Neto
05
7. Dança da Carrapeta
A dança da carrapeta
É uma dança regular
Que põe o joelho na terra
E faz o coração chorar
Maria levanta o braço
Maria sacode a saia
Maria tem dó de mim
Ô Maria me dá um abraço.
diversidadede expressõesculturaisidentificadasnaPrainhado Canto
Verde (Beberibe/CE) demonstra a riqueza do patrimônio cultural
Apresente na comunidade. São festas, danças, brincadeiras, cantigas
de roda, música, poesias e crendices ligadas à religiosidade e ao modo de vida
daspopulaçõesdolitoralcearense.
Consideramos fundamental o registro destas expressões e
manifestações, para que possam ser compartilhadas com as próximas
gerações. Existem pessoas na comunidade que conhecem profundamente
estes aspectos da cultura local e suas práticas, algumas ainda fazem parte do
dia-a-dia, outras estão adormecidas e outras, ameaçadas de
desaparecimento, devido às rápidas mudanças ocasionadas pelos efeitos da
globalizaçãoedosmeiosdecomunicaçãodemassanocotidianolocal.
Graças ao trabalho da escola e dos agentes culturais, algumas destas
expressões são relembradas e reinventadas por crianças e jovens alunos.
Dentre estas manifestações vamos destacar algumas bem representativas da
culturalocal.
Brincadeiras Tradicionais e Cantigas de roda
1. Manifestações Culturais
Viuvinha
Viuvinha da mata da lenha
Ela quer se casar
Mas não acha com quem
Não é com você
Não é com ninguém
É com uma pessoa
Que eu quero mais bem.
06
8. Fui à Espanha
Fui à Espanha
Buscar o meu chapéu
Azul e branco
Da cor daquele céu
Olha palma, palma, palma
Olha pé, pé, pé
Olha roda, roda, roda
Caranguejo peixe é
Caranguejo só é peixe
Na enchente da maré
Olha a dança criola
Que vem da Bahia
Pega as crianças
E joga na bacia
A bacia é de ouro
Ariada com sabão
Depois de ariada
Enxugada com roupão
O roupão é de seda
Camisinha de filó
Agora vamos vê
Quem vai ficar
Pela vovó!
Terezinha de Jesus
Terezinha de Jesus
De uma queda foi ao chão
Acudiram três cavalheiros
Todos de chapéu na mão.
O primeiro foi seu pai,
O segundo seu irmão,
O terceiro foi aquele
Que a Tereza deu a mão.
Da laranja quero uma banda,
Do limão quero um pedaço,
Das meninas mais bonitas
Quero um beijo e um abraço.
Cai no poço
Cai no poço
Água onde
No pescoço
Quem tira?
Meu amor
É esse?
É não!
É esse?
É!
Pêra, uva, maçã ou salada
mista?
07
9. Eu sou pobre, pobre, pobre Que ofício dá a ela?
De marré, marré, marré De marré, marré, marré
Eu sou pobre, pobre, pobre Que ofício dá a ela?
De marré decê. De marré decê.
Eu sou rica, rica, rica Dou o ofício de (nome do
De marré, marré, marré ofício)
Eu sou rica, rica, rica De marré, marré, marré
De marré decê. Dou o ofício de (nome do
ofício)
Eu queria uma de vossas filhas De marré decê.
De marré, marré, marré
Este ofício me agrada (ou não)Eu queria uma de vossas filhas
De marré, marré, marréDe marré, decê.
Este ofício me agrada (ou não)
De marré decê.Escolhei a qual quiser
De marré, marré, marré
Lá se foi a (nome da menina)Escolhei a qual quiser
De marré, marré, marréDe marré decê.
Lá se foi a (nome da menina)
De marré decê.Eu queria a (nome da menina)
Eu de pobre fiquei ricaDe marré, marré, marré
De marré, marré, marréEu queria (nome da menina)
Eu de rica fiquei pobreDe marré decê.
De marré decê.
08
Eu sou pobre
Quadrilha
A tradição das quadrilhas juninas foi revitalizada pela escola, com o
Projeto Criança Construindo (1996), hoje continua forte na Prainha do Canto
Verde. A animação do São João une pessoas de todas as idades, do mais novo
ao mais velho. A quadrilha é uma manifestação feita pela escola no mês de
junho, na qual toda a comunidade participa de várias noites de festa com
comidastípicas,gincana,barraquinhasemuitomais.
10. 09
Dramas
Os dramas eram uma das formas de divertimento da
comunidade antigamente. Ensinado pela finada Maria Pimenta, de
Fortim, era feito somente por mulheres, aos sábados, de quinze em
quinzedias,juntandomuitosexpectadores.
Dois “cordões” (fitas) de seis moças, puxados por uma
animadora (a contra-mestre), entoavam músicas conforme o papel
que desempenhavam na peça (dramas). Cada cordão, um da cor azul e
outro vermelho, possuía sua contra-mestre, uma baiana e as floristas,
todas vestidas de longos vestidos, que carregavam uma faixa e uma
coroa da cor do respectivo partido. As floristas, por sua vez, saíam
cantandoavenderflores(umlaçodacordopartido),colocavamolaço
no bolso dos espectadores e, na música, pediam um “trocado”.
Ninguémnegava.
Os dramas eram apresentados durante aproximadamente dois
meses, e no final o partido que mais tivesse arrecadado os laçinhos era
ovencedor.EntãoécoroadaarainhadoDrama,queéacontra-mestre.
OsDramassempreprecediamoforró.
Bumba-meu-boi
O Bumba-meu-boi é uma brincadeira que une teatro, música e
dança. O seu enredo conta que Catarina, a mulher do vaqueiro,
estando grávida deseja comer língua de boi (em outra versão é o
coração). Para satisfazer o desejo da mulher, se mata o boi. E nisso se
desenrola a história. Vários personagens entram em cena: o doutor, o
curandeiro, o urubu. Para alegrar ainda mais a brincadeira, participam
destahistóriaoJaraguáeoZédeBibiu,queprovocammedo,obode,a
burrinha e a ema, que causam riso. A mestra do boi, como se costuma
chamar,nanossaregiãoéaHosanadafinadaMariaPequena,masoSr.
Iaga também conhece a brincadeira. Hoje, somente na escola local se
brinca, no mês de agosto, o Bumba-meu-boi. A brincadeira é puxada
anualmentepelosjovensalunosquenãodeixamoboiadormecer.
11. Festividades
Ciclo Festivo da Semana Santa
OciclodefestasdasemanasantaériquíssimonaPrainhadoCantoVerde.
A queimação do Judas e os papangus são uma atração à parte, com uma
interessante roupa feita de palha pelos próprios brincantes. Saem em dezenas
nas ruas, animam a comunidade, num jogo de insulto e medo, onde todos se
envolvem.
Na sexta-feira santa acontece a via-sacra – encenação do sofrimento e
morte de Jesus. No sábado de aleluia acontece a queimação do Judas, que se
constitui numa tradição bastante popular na localidade. À noite, antes da
queimado“Juda”,élidootestamento,feitopelospoetasdacomunidadeque,
em versos, relatam situações engraçadas envolvendo pessoas da própria
comunidade, a quem o Judas deixa por herança alguma coisa, que geralmente
nem era dele. No domingo de Páscoa lembra-se a ressurreição de Cristo. Entre
os católicos, só se pode comer peixe. Essas tradições se renovam e
permanecemvivasatéhoje.
A Regata Ecológica
A Regata Ecológica da Prainha do Canto Verde consiste numa corrida de
jangadas que envolve muitas comunidades litorâneas da região. É uma
manifestação relativamente nova, mas que já se tornou uma tradição,
acontece desde 1992 nos finais de ano e atrai pessoas de diversos lugares para
assistir. Diferente das tradicionais regatas de jangadas do litoral do Ceará, a
Regata da comunidade é dedicada a divulgar temas e programas de educação
ambiental. Destinada a mostrar a vida humana e animal do litoral e chamar
atenção para a necessidade de preservação das espécies e da zona costeira,
incluindoaimportânciadaterraedomarparaascomunidadeslitorâneas.
10
12. Temas das Regatas:
1992 - Regata experimental
1993 - Fauna Marinha
1994 - Fauna e Flora brasileira ameaçadas de extinção
1996 - Farmácia Viva: Plantas Medicinais
1997 - Tartarugas e Mamíferos Marinhos
1998 - Dia Mundial da Pesca
1999 - O Fundo do Mar
2000 - A pesca no Planeta Terra
2001 - O Mar, a Criança e o Peixe Boi
2002 - Os Povos do Mar
2003 - 140 Anos de História da Prainha
2004 - A Historia da Pesca da Lagosta do Brasil
2005 - O Código de Conduta para Pesca Responsável
2007 - Área Marinha Protegida da Prainha do Canto Verde
2008 - Área Marinha Protegida de Beberibe
2009 - 30 anos de luta da Prainha do Canto Verde
2010 - Territórios Tradicionais, Conservação ambiental e Mudanças
climáticas
Festa de São Pedro
São Pedro é o padroeiro da comunidade, protetor dos
pescadores. A festa acontece na última semana de junho, se
encerrando no dia 29. Oito dias antes é realizada uma série de
novenas nas quais outras comunidades vêm compartilhar o mesmo
tema. No dia do encerramento, costuma-se fazer uma caminhada
conduzindo o santo padroeiro até a praia de onde se saí em outra
procissão, agora em jangadas e catamarãs, pelo mar. Na volta,
encerra-se a festa com uma grande missa campal. Vale lembrar que,
antes, o padroeiro da comunidade era São Jose de Ribamar.
11
13. Música e Poesia
Vivaamúsicaeapoesiaproduzidanacomunidade,tãobemproduzidase
representadas por Geraldo Firmino do Nascimento (Sr. Iaga), José Firmino da
Costa (Zé da Nêga), Jose Costa dos Santos (Valtécio), Geraldo Ferreira
(Geraldinho) e Raimundo Abdon da Silva (Raimundo Bidonha). A seguir,
algumascançõesepoesiasdenossoscantadores:
Comunidade Pai-d'égua (Zé da Nêga)
Comunidade paidégua
Que eu ainda não tinha visto não, não, não.
Comunidade na luta enfrenta a guerra
E na luta da terra não perdeu uma questão
Mas quando estou perto da comunidade
Eu sinto uma força chegar perto de mim
Então eu digo vamos dar as nossas mãos
Unir nossos corações, comunidade é assim,
Tem gente que vai ao juiz, vai com seu sorriso louco
Vai cheio de sabedoria só para calar a nossa boca,
Mas não cala não, não cala não.
Comunidade na luta enfrenta a guerra
E na luta da terra não perdeu uma questão,
Mas quando estou zangado é que eu me sinto preocupado
Meto a cabeça no mundo viro azavesso a cidade,
Pode vir juiz e prefeito,
mas não derruba a nossa comunidade.
Libertação (Zé da Nêga)
Alô comunidade!
Escute e preste atenção
Porque a nossa luta da terra
12
14. A nossa terra esperada ganhou a libertação
He He! Há Há!
Quem sorria agora é quem vai chorar. (bis)
Vamos, vamos, vamos, vamos meu irmão
Vamos lutar consciente
Ajudando a Associação
A Associação ela é que vai trabalhar
Mas nós trabalhando junto
Nossa vida vai mudar
He He! Há Há!
Quem sorria agora é quem vai chorar. (bis)
Verso da Terra (Iaga)
13
Que a história começou
Começaram a vender morro
Que tinha muito valor
Aí venderam a Prainha
A um atravessador.
Desse tempo em diante
Começou a confusão
Nós, moradores descobrimos.
E botamos na questão
Aí levamos pra frente
Pra ver quem tinha razão.
O Bispo Dom Aluísio
Que estava ao nosso lado
E logo constituiu
O André advogado
E pra Vencer a questão
Que estava entusiasmado.
Foi em 76 Então muita gente aqui
De ganhar perdeu a fé
Aí o advogado disse
Não pode ficar em pé
Ai veio pra ajudar na luta
Silvinho e Antônio José.
E o detetive Beto
De lutar não se enfadava
Sempre estava ao nosso lado
Em todo passo que dava
O tempo foi se passando
E a luta continuava.
Uma luta como essa
Já não se viu outra igual
Começou em Beberibe
No cartório municipal
E foi findar em Brasília
No Distrito Federal.
15. Outras Manifestações
Tertúlia e Mazagão
Segundo o Sr. Iaga entre o final da década de 50 e o início da década de
60,asfestaseram'bemfaladas',oforrócomradiolaerachamadodetertúlia.A
tertúlia era feita na sala de casa a luz do lampião a gás ou do candeeiro a
querosene, não havia salões de festas, os “tertulheiros” eram o Sr. Natinha e
depois o Sr. Joaquim da Rosa. Depois o Dr. Quinim inventou o Mazagão, um
forrótocado'comumabocaderadiadora'queficoutãofamosoqueDr.Quinim
começou a ser convidado para tocar fora. E a festa ganhou este nome porque
nestaépocatinhaumamúsicaquetodomundogostava,chamadaoMazagão.
Coroação
É um evento realizado no mês de maio e constitui-se em uma
homenagem a Maria. É um musical onde várias crianças e adolescentes
oferecem flores a “Nossa Senhora”. Também são deixados aos pés de Maria a
palma,acruzeaâncoraquerepresentam,respectivamente,acaridade,aféea
esperança.Essaexpressãoestáadormecidanacomunidadeháalgunsanos.
Coral
OCoralInfantildaPrainhafoicriadoem1992.Éformadoporumgrupode
crianças e adolescentes que cantam músicas populares de antigamente,
ouvidaspelospaisequeestavamsendoesquecidaspelasgeraçõesmaisnovas.
O trabalho do coral resgatou estas músicas e brincadeiras de rodas e
incorporou outras, aprendidas com comunidades próximas. Esse trabalho se
estendeu para a escola, com momentos de aulas de música (musicalização)
tornando, assim, o espaço da escola um ambiente mais agradável para se
aprender.
14
16. Reis
Os Reis (magos) é uma tradição que acontece todo dia 6 de
janeiro quando alguns grupos de moradores, por volta das dez horas
da noite, saem nas casas cantando e pedindo dinheiro. Por onde
passam alegram as pessoas com as músicas cantadas em forma de
versos. É uma manifestação que lembra a visita dos três reis magos ao
meninoJesus.Émaisoumenosassima“brincadeira”:
Na chegada a casa
Ó senhor dono da casa
Abra a porta e acenda a luz
Venha ver os três reis magos
Trazendo o sinal da cruz.
Quando vê que o dono da casa não vai abrir a porta
Ó senhor dono da casa
Com o seu lençol lavado
Tenha pena de quem tá fora
O sereno está molhado.
O sol entra pela porta
O luar pela janela
Tô pedindo uma esmola
Não saio daqui sem ela.
Quando não se ouve barulho das chinelas, nem a luz se acendendo
Ninguém vê porta se abrir
Nem chinelo se arrastar
Tô esperando sua esmola
Que eu quero me retirar.
Quando já estão zangados pela falta da esmola
Estou aqui em vossa porta
Em figura de macaco
15
17. Se não me der uma esmola
Eu entro pelo buraco.
Estou em vossa porta
Em figura de jumento
Se não me der uma esmola
Eu meto a porta dentro.
Quando recebem uma esmola
Obrigado meu senhor
Pela esmola que nos deu
Gente boa como essa
Só sendo filho de Deus.
Crendices
As crendices são superstições que têm sido repassadas de uma geração
para outra, através de um sistema de crenças que à medida que vão sendo
apreendidas são incorporadas como referências da cultura local. Dentre as
muitas crendices conhecidas, citamos algumas das mais fortes na comunidade
(principalmenteentreoscatólicos):
ŸAndardecostaestámandandoamadrinhaparaoinferno;
ŸContarouapontarestrelacomodedo,criaverruganodedo;
ŸDia de sexta-feira santa, a pessoa de nome Maria não pode tomar banho no
marporquecriaescama;
ŸMulhergrávidaseolharparaumeclipse,obebênascecommanchasnapele;
ŸQuebrarespelhoéseteanosdeazarparaapessoaqueoquebrou;
ŸPassardebaixodeescadaeouvergatopretonasexta-feira13,dámuitoazar;
ŸGuardartesouraabertatrazazar;
ŸVer muitas vacas na praia, o que não é comum, é sinal que está chegando
muitovento;
ŸQuando a rolinha canta no pé de uma casa é sinal de que uma pessoa da casa
vaimorrer;
ŸSe passar e sentir um cheiro muito forte de flor não se pode contar pra
16
18. ninguém,porqueésinaldequeumaalmaestásesalvando;
ŸQuandoogalocantaforadehora,émoçaquevaifugirdecasa;
ŸDeixar chinelo ou cadeira virada dá azar, e a jangada do pescador da
casapodevirarnomar;
ŸPlantarpinhãoroxonafrentedacasaespantaazar;
ŸNo dia de São Sebastião não se pode ir para o mar, pois só se vai
encontrarcobra;
ŸVassouraatrásdaportaespantavisitas;
ŸAssobiaranoiteatraicobra;
ŸSe uma pessoa passar por cima de outra com as duas pernas, não
crescemais;
ŸCasca de alho correndo pela casa é sinal de que o dinheiro está indo
embora;
ŸPalmadamãodireitacoçando,ésinalqueiráreceberdinheiro;
ŸSe sua orelha esquentar de repente, é porque alguém está falando
maldevocê;
ŸGuarda-chuvaabertodentrodecasatrazazar.
Serenata
A serenata era uma forma romântica das pessoas declararem
seu amor, seu bem querer a pessoa amada ou a alguém a quem se
queira muito bem. Altas horas da noite saíam o pretendente, um
tocador e um cantor e iam até a porta da pessoa querida entoar
canções de amor; geralmente, ninguém costumava rejeitar uma
serenata, mesmo que não quisesse corresponder ao afeto declarado
aosomdoviolãoedeumabelacanção.
Segundo o senhor Geraldinho, um dos que “entregou” muitas
canções, “a serenata no passado foi um divertimento muito bom,
principalmente para os românticos, os boêmios apaixonados. Uma
pessoaiacantaroumandavacantarparaapessoaamada,enestahora
podia ser acompanhada por até uma dezena de pessoas, mas um só
cantava e tocava ou um cantava e outro tocava. Os demais faziam
silêncio absoluto. O mesmo também podia ser feito de um amigo para
outro. Conforme fosse a música e quem a cantava (e tocava)
agradavamatémesmoomaiscaretapaidefamília.
17
19. Quermesse
A quermesse era outra forma de divertimento praticada na comunidade
no início da década de 60, era uma brincadeira animada por um 'som de
radiadora', uma espécie de gincana com dois partidos, um azul e outro
vermelho. Cada partido monta uma barraca onde serão vendidas comidas e
bebidas.Asbarracassãodecoradasesãoescolhidasjovensparaserarainhade
cada partido. Além da rainha, os partidos também escolhem três ou quatro
moçasparaajudaremnabarracaenavendadevotos;asmoçassãofantasiadas
com a cor do partido e a rainha com uma faixa. A disputa está na venda de
“votos” — fitinhas da cor do partido — e no apurado da barraca. Cinco ou seis
meseséotempodeduraçãodasquermesses.
A brincadeira se torna mais interessante quando a radiadora anuncia os
recadinhosoumúsicasoferecidasporalguémparaumapessoamuitoespecial;
dessa brincadeira surgiram muitos relacionamentos. As rainhas são
fundamentais para o bom desempenho do partido, principalmente quando
oferecem os votos, por isso, não podem ser tímidas. Ao fim de cinco ou seis
meses conta-se os votos (o apurado dos votos e das barracas) e o partido que
mais tiver arrecadado é o vencedor; e tem a sua rainha coroada pela
organizaçãodaquermesse.
Religiosidade
A principal expressão religiosa da comunidade é o catolicismo, cerca de
80% dos moradores da comunidade exercem a fé católica, que procura
aproximar as pessoas de Deus, utilizando-se muitas vezes do culto aos santos
para esta mediação. As principais formas de cultos são: a missa, a novena, o
terço(eorosário)eocultoaossantos.
Os evangélicos surgiram somente a partir do ano de 2000. Sua crença
esta fundamentada na obediência ao evangelho de Jesus Cristo e na luta
contra a 'ação do diabo' na vida das pessoas. A finalidade de seus cultos é
cultivaronomedeJesusCristocomoúnicoesuficientesalvadoreconstruirnas
pessoasumaesperançadelibertaçãoesalvação.
Encontramos alguns adeptos da Umbanda, mas não há nenhum terreiro
18
20. 19
nacomunidade.Entretanto,écomumvirematéoCantoVerdeumbandistasde
outras localidades próximas por ocasião de festas como a de Iemanjá —
comemorada no Ceará no mês de agosto — para fazer seus cultos e oferendas
àbeira-mar,atraindomuitoscuriososdacomunidade.
Histórias
história da Prainha do Canto Verde é riquíssima. Nesta cartilha,
selecionamos acontecimentos marcantes para a comunidade,
que ajudam a refletir sobre as mudanças ocorridas, asAconquistaseamelhoriadaqualidadedevidadosmoradoresdestelugar.Estas
experiências demonstram a resistência e a luta do povo da Prainha do Canto
Verde. O processo de articulação e mobilização política, que marca a história
de Canto Verde, desencadeou um processo de organização comunitária, com
base local e internacional, e o fortalecimento de um sentimento de
pertencimento muito grande na comunidade, onde as pessoas se
autodenominamcomo'prainheiros'.
Dentre as histórias que marcam a memória local, destacamos: o
arrombamento da Lagoa do Jardim, a casa da Cuíca, a viagem SOS
Sobrevivência, o 'raid' 7 de setembro, a derrubada da Creche, o fim da
mortalidade infantil, a conquista do entreposto de pesca, o incêndio das casas
de pescadores, a Escola dos Povos do Mar, a luta pela posse da terra, a criação
da Reserva Extrativista (Resex), entre outros. Algumas destas histórias são
contadas através de relatos dos próprios moradores, outras por meio de
reportagens, fotos ou documentos de época e de documentos produzidos
pelacomunidade,comoumdeseusfolders,quetrazoseguinteregistro:
2. Histórias e Lendas
21. “A primeira notícia documentada nos jornais sobre a comunidade
é o 'raid' de 1928, quando 3 pescadores na jangada Sete de
SetembroresolveramnavegaratéBelémdoPará.Aaldeiaoriginal
ficava a oeste da vila atual. Com as grandes chuvas de 1974, a
vizinha lagoa do Jardim rompeu-se levando a maioria das casas de
taipa para o mar, provocando a mudança da comunidade. Em
1976, um grileiro em sociedade com uma empresa imobiliária
entra em cena para acabar com a paz e a tranqüilidade da
comunidade, tentando se apoderar das suas terras. A reação dos
moradores é a luta pela terra. Em 1989, o Centro de Defesa dos
Direitos Humanos (CDPDH) do cardeal D. Aloísio Lorscheider
ajudou a fundar a Associação dos Moradores da Prainha do Canto
Verde. Em 1992 inicia-se o projeto para o desenvolvimento
sustentável da comunidade, com o apoio dos Amigos da Prainha
do Canto Verde. Em 1993, acontece a famosa viagem de protesto
da jangada SOS Sobrevivência até o Rio de Janeiro, com 4
jangadeiros ao mar e 2 mulheres em terra, percorrendo de carro o
trajeto para dar apoio logístico. Em 1995, nasce o Fórum dos
Pescadores do Litoral Leste em assembléia na Prainha do Canto
VerdeemaistardeseampliaparatodooestadodoCeará.Em2002
éinauguradaaEscoladosPovosdoMarparaosjovenspescadores
da comunidade e, em 2004, o Estaleiro Escola para a construção
de uma nova embarcação a ser utilizada na pesca, o catamarã. Em
14 de março de 2006 a decisão do Superior Tribunal de Justiça
(STJ)anuloutodososdireitosdaImobiliáriaeabriucaminhoparaa
regularizaçãodapossedaterradosmoradores”.
20
Esse importante processo de articulação e luta comunitária culminou
com a criação, em junho de 2009, da Reserva Extrativista da Prainha do Canto
Verde.
“ (...) desde 2001 os moradores organizados lutam pela criação da RESEX.
A comunidade da Prainha se fortaleceu ao longo dos anos, nas batalhas pela
22. O que é uma Reserva Extrativista?
A Reserva Extrativista é uma área utilizada por populações
extrativistas tradicionais, cuja subsistência baseia-se no
extrativismo
e, complementarmente, na agricultura de subsistência e na
criação
de animais de pequeno porte, e tem como objetivos básicos
proteger
os meios de vida e a cultura dessas populações, e assegurar
o uso
sustentável dos recursos naturais da unidade”
(In: SNUC - Sistema Nacional de Unidades de Conservação)
21
garantia do direito à terra e de um futuro sustentável. Exemplo disso, foi a
vitória de uma batalha judicial, que se arrastou por longos 17 anos, contra uma
imobiliária que tentou expulsar a comunidade das terras onde vivia. Esta
batalha foi vencida em março de 2006, quando do julgamento da ação da
comunidade no STJ, que anulou o usucapião da imobiliaria, abrindo caminho
para regularização da posse e garantindo aos moradores o direito de
permanecernasuaterra.Apartirde então,foihorade caminharnosentidode
transformaraPrainhanumaReservaExtrativista”.
Para Lindomar Fernandes (liderança comunitária da Prainha do Canto
Verde) "a RESEX irá mudar a vida das pessoas que vivem na Prainha, pois a partir
de agora ninguém mais vai poder se apossar dessas terras. É uma conquista
muito importante pela qual tivemos que lutar durante muitos anos, mas o
resultado chegou e agora é seguir em frente tentando consolidar as estratégias
desustentabilidadecomunitária".
23. História de Vida
Casa da Cuíca, contada por Dona Mirtes
Ela sempre morou ali, conta D. Mirtes. Na frente da casa dela era o
lugar que a comunidade havia escolhido para a construção de um posto
médico para atendimento da população da Prainha do Canto Verde. Um
senhor chamado Nilton, apoiado por Til, Joaquim da Rosa e outros amigos
seus, construiu uma casa naquele local onde a comunidade havia escolhido
para construir o posto médico. Depois de construída a casa dele, desejou
tirar a casa da Cleonice, a Cuíca, dali. Ela, com o apoio da organização da
comunidade, resistiu a sair. O Til, que era contra a comunidade, foi à
Prefeitura e arranjou material para construir o posto médico. Mandou
construir os alicerces ao redor da casa da Cuíca, que ficou cercada. O grupo
que se reunia em torno da organização comunitária, decidiu derrubar o
alicerce que havia sido construído. Em certo dia, ao final da aula, quando os
trabalhadoresqueconstruíamopostomédicojátinhamencerradooseudia
de trabalho e haviam deixado o local, as crianças da escola se juntaram e
derrubaram o que havia sido construído. Pessoas que eram contra a
organização da comunidade, ao verem aquela cena, se manifestaram
dizendo que denunciariam para o Til e à Prefeitura. Ouvindo o que tais
pessoas diziam, todos os que praticavam a ação gritaram dizendo: “É a
comunidadeounãoé?!”.
Sr. Valtécio por ele mesmo ou Memórias do Sr. Valtécio
Tenho 48 anos e me chamo José Costa dos Santos, mas sou conhecido
na Prainha do Canto Verde como Valtécio. Os mais velhos contam que
antigamente tinha muita vegetação por aqui, por isso começaram a chamar
o lugar de Prainha do Canto Verde. Nasci aqui mesmo, e acho que descendo
de índios. A primeira família do Canto Verde foi a de Caboclo. As primeiras
famílias se alimentavam de frutos da terra (troca de alimentos) e do mar
(pesca).
22
24. A principal fonte de renda da comunidade era o pescado, mas
alguns pescadores também plantavam. Aprendi a pescar com meu
pai, ele me levava dentro do samburá pro mar. Pescava-se peixe da
risca(biquara,canguloeoutros),numtipodejangadaqueerafeitade
piúba. Meu pai pescava nela, eu só cheguei a ver. Comprava-se anzol
no Geraldo Carapina, que era o ferreiro da região, que morava em
Juazeiro; tinha que ter muito cuidado com esse apetrecho, pois era
muito difícil de encontrar. A linha era feita de fio. Os únicos meios de
transportequeexistiameramosanimais.Parapegarcarrotinhaqueir
paraaParipueiraouJuazeiro(distritospróximos).
Os remédios de antigamente eram caseiros, por exemplo,
cortavam as ameixas e tiravam a goma para cicatrizar as feridas, ou
remédios caseiros como casca de pau de laranja, aroeira e outros. As
rezadeiras também curavam. Daquele tempo, lembro que rezavam, a
minhaavóDauziza,MarianaeMariaGrande.Morriammuitascrianças,
e elas pensavam que era quebrante, por isso rezavam. Não existia
hospital,gotinhaseremédios.Oscurativoseramdepanos.
Hojeascoisasficarammaisfáceis,ostransportes,osapetrechos
de pesca, as casas só de alvenaria. As escolas de antigamente eram
pagas, funcionavam em uma colônia de pescadores na Caucaia. Os
professores eram Zacarias e seu 'Raimundin'. Na minha lembrança, o
primeiro professor foi seu Zacarias. Entre as coisas que
permaneceram na nossa comunidade, ainda existe a luta pela terra e
algumas casas de palhas e de taipas. Entre as nossas festas mais
antigas estão à festa do padroeiro São Pedro e as da Semana Santa.
Lembrotambémquehaviammuitasprocissões.
Em nossa história, muito marcante foi a luta pela terra. A nossa
organização comunitária iniciou-se quando soubemos que o mundo
tinha luz, aí começamos a nos reunir debaixo da latada do seu
Dimilsim, para pensar uma forma de combater o grileiro. Nossa
comunidade se reunia e batalhava contra homens muito ricos, e
foram vitórias que me marcaram muito. Antes não existia
especulação, o povo era livre pra fazer casas onde quisesse, não
existia ambição. De lá para cá foram muitas conquistas, entre elas:
entrepostoparaopescado,horta,materialdepescaeoutros.
23
25. Atenção caros leitores Para a viagem-protesto
Para o que vou lhes contar Contra aquela situação.
A façanha deste povo
Que gosta de trabalhar O Mamede foi o mestre
Da Prainha do Canto Verde Por ser mais experiente
Litoral do Ceará. Um dos líderes dessa luta
Portanto, mais consciente
No dia 4 de abril Homem corajoso e feito
Há dez anos já passados Pra enfrentar o batente.
Saíram de Canto Verde,
Sendo eles por Deus guiados, A Marlene e a Michelle
Rumo ao Rio de Janeiro Fizeram um papel importante
Os quatros heróis afamados. Acompanhando por terra
Prestaram apoio constante
Levavam duas bandeiras Durante toda a viagem,
De resistência e protesto A ajuda foi relevante.
Ao conhecimento público
Expor nosso manifesto A jangada SOS
Em favor do pescador Com um destino certeiro
Por um mundo mais honesto. Movida a ventos fortes
Fez o percurso ligeiro
Essas são as duas coisas Com setenta e três dias
Que marcaram nossa história: Chegou no Rio de Janeiro.
ESPECULAÇÃO IMOBILIÁRIA
E a PESCA PREDATÓRIA A viagem SOS
Sobre as quais mais desejamos SOBREVIVÊNCIA, então
Obtermos a vitória. Foi um ato de heroísmo
Daquela tripulação
E foi muito emocionante Que admirou a todos
O dia em que eles saíram Do litoral ao sertão.
Vi muita gente chorando
Na hora que eles partiram Um grito de pleno apelo
Aquela força e bravura Em prol da SOBREVIVÊNCIA
Todos ali aplaudiram. Com o qual nós construímos
Mamede e Chico Augusto, Toda nossa experiência.
Edilson e Chico 'Sição' Depois de Deus é o que
Foram eles que toparam Sustenta a nossa existência.
Compor a tripulação
SOS Sobrevivência
de autoria de José Maria (Dedé).
Trecho retirado do cordel 10 Anos de SOS Sobrevivência,
24
26. Lendas
As lendas da Prainha do Canto Verde são um conjunto de causos
e histórias contadas pelos moradores, que as presenciaram e/ou
ouviram dos mais velhos. São passadas de uma geração a outra
através da oralidade. Existem algumas que fazem parte do folclore
brasileiro, como a do Lobisomem e a do Batatão (Boitatá), outras são
específicasdolugar,comooCarrodaVisagem,oPaidoMar,oNeguim
da Barra, o Cajueiro do Violão, entre outras. São narrativas dos mais
velhos, testemunhos de pessoas que presenciaram ou estiveram
envolvidascomtaissituações.
Batatão
O Batatão é um fogo que aparece às pessoas em locais com
vegetação, podendo até seguí-las. Ele é como uma faísca, que vai se
tornando uma tocha de fogo enorme. Nunca se soube o que ele faz
com as pessoas, porque se aprendeu que para se defender dele basta
'avessar' uma peça de roupa ou dobrar o embainhado da calça ou da
blusa. Então ele segue outro rumo. Mas quando se apresenta em
lugares com vegetação densa, só se vê o 'fogaréu' queimando. O
curioso é que no outro dia está tudo do mesmo jeito, nada está
queimado.
OSr.GerardoFerreiranoscontouoseguinte:“certavez,àsonze
horasdanoiteeuvinhadoCampestrequandosubiomorroedoaltovi
a casa da Nega, vi um fogo, como se jogasse uma ponta de cigarro, o
vento era forte, e o fogo caiu longe. Depois ele subiu, quase da altura
do ombro de uma pessoa. Lembrei logo do Batatão. Fiquei olhando
para não perder de vista, e ele seguia meu rumo. Quando cheguei na
beira de um brejo que tinha no caminho, ele já vinha bem perto. Eu
estava de calça e não podia passar ligeiro pela lama. Virei a manga da
camisa, arregacei a calça. Riscava fósforos mais o vento apagava.
Então caminhei e quando ia no meio do brejo, ele já ia longe. Fiquei
olhandoecomumtempoelesumiu”.
OBatatãotambémévistoemoutrospontosdolitoralcearense,
semprecomoumfogoquesemovimentarapidamente.
25
27. O Pai do Mar
Trecho retirado do cordel O presente do Filho do Pai do Mar, de autoria de
José Maria (Dedé).
Contam que o Pai do Mar
Homem de muita destreza
De tão tamanha grandeza
Vivia só de pescar
Pela altura era notado
A distâncias elevadas
Chegava em poucas passadas
No pesqueiro desejado
Só pescava em água funda
A água dando no peito
O uru daquele jeito
E a tarrafa na corcunda
Uns chamavam Pai do Mar
Porque vivia na maré
Outros, não sei porque é
Chamavam de Gargantuá
E que morou por aqui
Pela circunvizinhança
Lhe digo com segurança
Que viram-no por aí.
Neguins da Barra
Os tais Neguinssão encantadosque costumamaparecerna barrado seu
Diassis. Quem passava por lá à noite, era surrado pelos neguins, negócio feio
era a 'peia' que eles davam, quando a pessoa reagia. Alguns que passavam
armados eram enganados, atiravam e esfaqueavam pensando que atingiam
os neguins. Mas, nada disso acontecia, pelo contrario, 'pense nuns negos'
espertos e ligeiros, eles é que surravam vários, deixando-os assombrados; e
ainda sorriam e zombavam das pessoas, grande era a acanalhação. Algumas
vítimas,aoamanhecer,voltavamlánolugar,pensandoqueiamverosneguins
26
28. mortos por lá. O reboliço era grande, mas nem se quer escavacado
ficavaolugarondeeleshaviamaparecidonanoiteanterior.
Carro da Visagem
Neste tempo ainda não havia nem estrada na Prainha do Canto
Verde, no caminho do pé do morro até a Prainha, por volta da meia
noite,apareciaumcarro,umjipe,muitoiluminado,tantoquealgumas
pessoas o chamavam de “carro de fogo”. Era um carro que não fazia
barulho e só era percebido pela sua grande iluminação e o mais
sinistro é que dentro dele, seus “tripulantes”, motorista e
passageiros, eram caveiras, que faziam assombração a quem fossem
encontrando no caminho. As pessoas, ao verem a luz do carro —
aparentemente muito bonito e chamativo por sua intensidade —
aproximavam-se dele com muita curiosidade e, ao se deparar com as
caveiras, assombravam-se e caíam em terra, acordando-se só no dia
seguinte. I.V.N.eM.C.F.contamqueviramestecarro.
Cajueiro do Violão
Hátemposatrás,nopédomorro,existiamalgunscajueiros,que
hoje não existem mais, pois as dunas os soterraram, cobrindo-os por
completo. Havia também uma senhora conhecida por Zabel, que
tinhaumacasanopédomorro;tododiaelavinhaparaaPrainha,onde
tinha duas filhas, e se relacionava com outras pessoas. Esta senhora
gostava muito de beber cachaça, tomar 'umas duas', como diziam
naqueletempo.Conta-sequecertodia,na'boquinha'danoite,depois
de tomar 'suas duas', ela saiu da Prainha em direção a sua casa e ao
aproximar-se de um daqueles cajueiros, ouviu um som, como se fosse
um toque de violão. Ela foi até lá, entrou debaixo do cajueiro e ouviu
mais forte o toque de violão e um barulho de dança. A senhora, então,
pôs-se a dançar, passando parte da noite dançando ao som do violão,
sem que houvesse alguém lá que tocasse. Desde então, esse cajueiro
passou a se chamar de “cajueiro do violão”. Outras pessoas contam
que já ouviram o mesmo som e o barulho de dança naquele cajueiro,
inclusivemulheresqueiamapanharlenhanomato.
27
29. 3. Lugares de Memória
onsideramos lugares de memória os locais ou espaços significativos
para a construção da história e memória local. Constituindo-se não
Capenas em marcos físicos, mas também naturais, simbólicos e/ou
imaginários. São referências para a memória social da comunidade e
permitem refletir sobre o que é lembrado ou esquecido, numa relação com o
passado que se expressa nos significados construídos nestes lugares de
memória.
Os coqueiros da Tia Boi
A Tia Boi plantou cinco coqueiros, que se tornaram símbolos da
comunidade, os primeiros a serem plantados no Canto Verde. Destes, hoje,
restam apenas quatro, dizem que um corisco (raio) matou um deles. São de
grande importância para comunidade, servindo até como referência espacial
paraospescadoresseorientaremquandoestãonomar.
A Escola Velha
A Escola Velha é assim chamada porque foi a primeira sala de aula da
comunidade, a partirdo seu funcionamentosurgiua organizaçãocomunitária
nas novenas do sagrado coração de Jesus e do sagrado coração de Maria, por
isso tem um sentido muito especial. Num destes momentos de reflexão
comunitária,surgiuocomentáriodequeasterrasdacomunidadetinhamsido
vendidas para a imobiliária Antônio Sales Magalhães, desse encontro saiu
uma comissão de pessoas para irem ao cartório de Beberibe se informar da
realsituação.Láfoiconstatadoqueeraverdade,queacompratinhasidofeita,
e um dos argumentos era que a Prainha não tinha morador; e que o tal
especulador já tinha um usucapião, que precisava ser anulado. Começou,
então,alutapelaterra.
28
30. Os coqueirais do seu Dimilsim
Seu Dimilsim plantou vários coqueiros em um local perto de sua
morada, mas as dunas enterraram a sua casa, e ele teve que se mudar
paraoutrolocaldacomunidade.
Um dos coqueiros mais famosos que seu Dimilsim plantou,
conhecido como “Coqueiro do seu Dimilsim”, se encontra em frente
aocentrocomunitário.Essecoqueirocresceueadunaoenterrouuma
época, ficando só o 'olho' de fora. A duna passou e hoje ele está lá
novamente, servindo até como cartão-postal da comunidade.
Quando a lagoa enche, ele fica no meio, deixando a paisagem mais
bonita.
Guardamos uma grande lembrança de seu Dimilsim — que além
de plantar e pescar gostava de calafetar jangadas — e de Dona Alzira,
suaesposa,tambémjáfalecida,queforammoradoresmuitoantigose
estiveramjuntosotempotodonalutacomunitáriapelodireitoaterra.
Felizmente, o coqueiral continua aos cuidados de seus filhos
Geraldo e Telma, pois são uma lembrança viva de seu Dimilsim — um
dos eternos guardiões da memória da comunidade — além de ser um
espaço já utilizado para vários momentos importantes da
comunidade, como: o primeiro encontro do Fórum dos Pescadores, o
lançamento da Caravana da Lagosta, os 'arraiás' e as aulas de campo
da escola; sem contar que é um espaço muito agradável para se
descansar.
Jangada comunitária
A jangada comunitária é uma embarcação conseguida através
da elaboração de projetos para captação de recursos, ela é muito
importanteparaorganizaçãocomunitária,poisospescadoressofriam
muito por não ter sua própria embarcação. Por ser uma jangada
comunitária, seu uso era feito através de um rodízio entre os
pescadores, que nela iam ao mar, garantiam suas pescarias e
melhoravamosustentodesuasfamílias.
29
31. Hoje, esta jangada não é mais utilizada para pesca, mas é uma peça
importante de memória da história local, porque foi nela que quatro
pescadores viajaram da Prainha do Canto Verde até o Rio de Janeiro pelo mar.
Tratava-se da viagem-protesto que ficou conhecida na história como S.O.S
Sobrevivência, que denunciou a pesca predatória e a especulação imobiliária,
durou73diasemobilizoumeiosdecomunicaçãoeaopiniãopúblicanacionale
internacional.
A cruz do finado Zé Dantas
Esta cruz fica na praia e lembra um morador e pescador da Prainha do
Canto Verde chamado José Dantas. Certa noite ele saiu para pescar na barra
do Córrego do Sal, atividade que ele gostava de fazer com bastante
freqüência, pois pescar de tarrafa para ele 'era tudo'. Mas nesta noite ventava
e chovia muito e mesmo a família pedindo para que ele não fosse, o mesmo
seguiu; a espera pela sua volta foi até altas horas da madrugada, como de
costume, mas ele não chegou. Quando a família percebeu que não voltava,
começou a procura. Logo ao amanhecer, bem cedinho, quando outros
pescadores iam pro mar encontraram na praia um corpo e a tarrafa ao lado.
Quando chegou a notícia, todos já sabiam que se tratava do Zé Dantas. A
família e outras pessoas chegaramao local e confirmaramque era ele mesmo.
Não se sabe se morreu de frio ou afogado, só sabemos que foi fazendo o que
maisgostavadefazer:pescar.
Centro Comunitário
No início da construção do Centro Comunitário a intenção era que fosse
uma igreja, mas como as instituições que iam ajudar financeiramente não
puderam contribuir para construção do templo religioso, decidiu-se pela
construção de um Centro Comunitário. Em 1985, mesmo com a construção do
Centro Comunitário estando somente no alicerce, aconteceu o primeiro
evento no local: o Seminário Rural, que contou com a participação de
representantes de comunidades de todo o Ceará e com presença de Dom
AloísioLorscheider,CardealeBispodeFortaleza.
O Centro Comunitário é um espaço de múltiplos usos na comunidade, já
30
32. 4. Saberes e Modos de Fazer
onsideramos saberes e modos de fazer os conhecimentos tradicionais
enraizados no cotidiano das comunidades que lhes permitem, a partir
Cda experiência, produzir seus alimentos, construir suas moradias,
fabricarobjetoseferramentasnecessáriasàsuacomodidadeesobrevivência.
Esses saberes são compartilhados socialmente, transmitidos de geração em
geração e constituem o patrimônio vivo de uma comunidade. Dentre os
saberes e modos de fazer identificados na Prainha do Canto Verde
destacamos:
foi usado como creche e sala de aula, hoje é utilizado para reuniões de pais da
escola e de pescadores, para as assembléias e reuniões da Associação de
Moradores da Prainha do Canto Verde, para festas da comunidade, para
eventosdeturismocomunitárioe,também,paracelebraçõesreligiosas.
AcasadofinadoJoaquimdaRosaeNazaré
Joaquim da Rosa e Nazaré foram dois dos primeiros moradores que
chegaram ao bairro Vermelho, a casa deles abrigava pessoas que chegavam e
não tinham onde ficar. Por esse acolhimento, Seu Joaquim e Dona Nazaré
eram um casal do qual todos gostavam muito. Um grande desejo do Seu
Joaquim era construir uma igreja, por ter ajudado na construção do centro
comunitário, quando a intenção era que fosse uma igreja. Hoje, nenhum dos
dois vive mais com a gente, 'Deus os levou', mas a casa continua habitada por
umdosnetos.
AcasadoseuCícero
Foi a primeira casa de alvenaria (tijolos) construída na Prainha do Canto
Verde pela família do Sr. Zé Amâncio, que hoje mora na comunidade de
Parajuru. O Sr. Cícero e a Dona Francisca, os atuais moradores, compraram a
casaparamorar,preservandoaestruturadacasa.
31
33. As Construções Tradicionais
As construções tradicionais para moradia na Prainha do Canto Verde
eram as casas de taipa e palha, construídas de forma artesanal com a
utilização de materiais encontrados na própria 'natureza' da região: tocos
de sabiá e marmeleiros, barro molhado retirado do mar e palhas de
carnaúba para portas, janelas e telhado. Essas moradias tinham, na maioria
das vezes, um caráter provisório, pois com pouco tempo tinham que ser
abandonadas,poisoventocavavaousimplesmenteenterravaascasas
Quase todos os moradores possuíam os saberes necessários para
estas construções, aprendizado que era passado de pai para filho, ou seja,
transmitido de geração para geração. Os antigos construíam suas próprias
residências, cada uma do seu jeitinho, fazendo de suas moradas um lugar
aconcheganteecaracterísticodolitoral.
A Renda de Bilro
Dizem os mais idosos da Prainha do Canto Verde que a renda foi à
primeira técnica de artesanato da comunidade, só depois de muito tempo
surgiu o labirinto. Hoje existem pouquíssimas pessoas que sabem fazer
renda, Maria Salete, rendeira da comunidade, diz que a renda é feita com
linhasebilros,papelãoealmofada,equeaprendeuafazerrendanoIguape,
com sua cunhada, a cerca de vinte anos. O que produzem, geralmente é
exposto em barracas e pousadas para facilitar a venda, e esta atividade é a
principal fonte de renda dessas artesãs. A Chica do 'Veim' e a Rosa do Pedro
do 'Turico' são as outras mulheres que ainda se dedicam a renda de bilro na
comunidade.
O Labirinto
O Labirinto é uma técnica de artesanato de grande importância na
comunidade, se constituindo numa tradição muito antiga. A maioria das
mulheres da Prainha do Canto Verde sabe fazer labirinto e dizem ter
aprendido essa técnica com as gerações passadas. Elas se reúnem para
fazer o labirinto em frente de suas casas. Conversando e trabalhando com
agulha, linha e pedaços de tecidos, vão criando lindas peças, como toalhas,
32
34. panos de prato, dentre outros. Para muitas, o labirinto se constitui
como a única fonte de renda, de onde tiram o sustento para suas
famílias.
A Costura
Antigamente,aspessoasdaPrainhadoCantoVerdecosturavam
suas roupas a mão, utilizando tecidos de sacos de açúcar, pedaços de
algodãozinho (que sobravam das velas das jangadas), sacos de
estopas etc. Cortavam e costuravam os tecidos utilizando apenas
tesoura, linha e agulha e em seguida tingiam com tinta da cor de sua
preferência. As roupas dos pescadores irem trabalhar no mar eram
tingidas com tinta retirada da casca do cajueiro, que tornava a roupa
maisdurável.
Sómuitotempodepoisapareceuàmáquinadecosturaeapartir
desta inovação a maioria das pessoas não costura mais à mão, só na
máquina.Atualmente,oscostumesdesecomprartecidosefazersuas
próprias roupas vão aos poucos se perdendo. Muitos já compram as
roupas feitas, prontas e acabadas, de sacoleiras, bancas de feiras e
pequenas lojas. Mas, ainda hoje na comunidade temos pessoas que
costuram suas roupas a mão. Segundo dona Nega, todas as roupas
que ela usa são ainda feitas à mão, com ela mesma as cortando e
costurando.
As Parteiras
O acompanhamento da gestação e o parto das mulheres eram
feitos na própria comunidade pelas parteiras. Detentoras de um
conhecimento que era passado de mãe para filha, estas mulheres
exerciam um papel importante na comunidade. Eram consideradas
sábias pela comunidade, pois geralmente davam conselhos e muitas
vezesserviamdemediadorasemconflitosfamiliares.
Acompanhavam as grávidas desde o início da gestação até o
parto, com visitas de tempos em tempos; o acesso às parturientes era
bemdifícil.Sairnomeiodanoiteparaatenderochamadodemaisuma
33
35. vida que está por chegar era, para essas mulheres, encarado com muito prazer
e disposição. Iam muitas vezes a pé, ou montadas em algum animal. Por isso,
são tidas por todos como uma parenta muito próxima, afinal muitos dos
moradores nasceram com a ajuda dos seus conhecimentos. Tratadas por
madrinha, tia ou mãe de umbigo, muitos pedem a elas bênção para receber
sempreboasorte.
Dona Maria de Lurdes do Bajurau, 55 anos, a única parteira viva da
comunidade, conta que aprendeu a fazer isso sozinha. Diz precisar de muita
coragem para realizar seu trabalho, mas sente-se orgulhosa e tem muita
satisfação, pelo importante papel desempenhado e pelo carinho que recebe
de quem a respeita. Com o passar dos anos, é cada vez maior o número de
partos feitos nos postos de saúde e esse saber vai aos poucos se perdendo.
Nos dias de hoje, resta apenas à D. Maria de Lourdes o título de parteira da
PrainhadoCantoVerde.
O Mestre de Jangada
Os mestres de jangada são os detentores dos saberes e modos de fazer
destetipoparticulardeembarcação.Adquiremseusconhecimentosapartirda
experiênciaeostransmitemdegeraçãoemgeração.
Antigamente, as principais embarcações utilizadas para a pesca na
comunidade do Canto Verde eram as jangadas feitas de piúba, uma madeira
vinda do Norte. As primeiras jangadas de piúba do Canto Verde foram
produzidaspelofinadoAntônioCorrêiademaneiracompletamenteartesanal.
Estes barcos eram compostos de seis paus de piúba, os dois do centro
chamam-semeios,osdoisimediatosdebordos,eosdoisúltimosdememburas,
amarrados por uma corda formam o casco. Sobre o casco são colocados
outros elementos: o banco da vela, carninga, salgadeira, banco de governo,
calçador, espeque, calços da bolina, tolete, forras, cavilhas, mastro, tranca,
fateixadentreoutros.Nestetipodejangada,apescaficavamaisperigosa,pois
não era uma embarcação segura. A jangada de seis paus, como também era
chamada, fica em cima do mar, por isso tem pouca estabilidade, embora
tivesse um lugar para os pescadores se protegerem das tempestades ou
sentaremparadescansar.
34
36. A partir da década de 60, começou a surgir outro tipo de
jangada, a jangada de tábua, que é feita de madeira de louro e pitiá do
Pará. Esta jangada, por ser mais pesada, oferece muito mais
estabilidade e segurança nas manobras no mar, viaja mais rápido, tem
espaçoparasentar,cozinhareatépralevarpassageiros.Mesmoseela
virar no mar, dois pescadores experientes conseguem desvirá-la
rapidamente.
Depois do mestre Zé Amâncio, o senhor Antônio Corrêia
começou a construir jangadas. Hoje, quem detém esse saber é o Dair,
morador da comunidade, que já fez muitas jangadas, e acha muito
importante o seu trabalho. A partir dessas embarcações artesanais é
que vem o sustento e a principal fonte de renda do Canto Verde. O
navegador Amyr Klink, que esteve na Prainha do Canto Verde na
ocasião da saída da Jangada SOS Sobrevivência para o Rio de Janeiro,
atesta que a jangada é a embarcação que oferece as melhores
características de navegação entre todas as embarcações à vela. O
casco do barco que ele desenhou para velejar na Antártica é inspirado
najangada.
A Pesca no Canto Verde
Antigamente as jangadas eram feitas de Piúba e as linhas usadas
para a pesca de fio de algodão torcido, encerado e pintado com tinta
dacascadecajueiro;damesmaformaeramconfeccionadasasredes.
Os pescadores saíam para o mar e passavam de quatro a cinco
dias para voltar. Apesar do número dias que ficavam no mar, não
precisavam explorar regiões marítimas muito afastadas da costa, pois
havia grande fartura de peixes disponíveis na parte mais próxima da
praia. O pescado era salgado 'ao claro da lua' e quando as jangadas
chegavam à beira da praia, os peixes eram vendidos ali mesmo. Neste
tempo,jápescavamlagostacomjereré,arcodecipócompanodefioe
anzol, e as vendiam na quantidade, não no quilo. Isso era possível
porquenestaépocatinhamuitafarturadepeixeselagostas.
Hoje as jangadas são feitas de tábuas, as maiores são ocas e as
35
37. menores, chamadas de botes, possuem no isopor seu interior. As linhas, as
redes e os rengalhos são feitos de náilon e, majoritariamente, produzidas em
fábricas; já a cangalha e o manzuá são confeccionados artesanalmente,
gerandorendaparaoutrosmoradores,sobretudoosjovens.
A pesca também mudou muito, os pescadores vão e vêm no mesmo dia,
pescam de linha, rede, manzuá e rengalho e levam gelo para resfriar o
pescado. Quando retornam a maior parte da produção é entregue aos
marchantes para ser vendida às pessoas de fora e o restante fica para ser
comercializadonacomunidade.
Os pescadores também conquistaram um entreposto de pescado para
poder comercializar o pescado sem passar pelos atravessadores, que com o
tempo passaram a controlar os preços. Hoje, o peixe e a lagosta são vendidos
diretamente para os consumidores e os exportadores, o que permitiu
estabelecerumpreçojustoecomissomelhorararendadasfamílias.
A comunidade inovou a realização da pesca artesanal com a introdução
de uma nova embarcação — o Catamarã, que apesar de ser mais conhecido
como barco de passeio, lazer ou de regatas olímpicas, após vários testes e
adaptações tem colaborado muito com a melhoria da pesca. Essa experiência
começou em 1999, quando alguns moradores conheceram uma praia no
Maranhão onde um português chamado Manellis construía e pescava com
barco do tipo Catamarã. Encomendou-se, então, o primeiro Catamarã da
Prainha, construído no Maranhão e batizado de “Esperança”. Os resultados
dostestescomoEsperançaforamtãobons,queem2006foifeitoumestaleiro
para construir barcos na Prainha. O estaleiro se constituiu em um importante
projeto que permitiu a aprendizagem da construção desse tipo de
embarcação, adaptada as condições do estado do Ceará. Participaram desse
projetopescadoresecarpinteirosvindosdeváriascomunidadesdoCeará.
O primeiro catamarã construído em canto Verde recebeu o nome de
Gênesisefoiseguidopormaisquatrobarcos. Paraospescadores,oCatamarã
oferece:conforto,segurança,espaçoparatrabalhar,altavelocidadeeenergia
solar para poder usar os instrumentos eletrônicos de ultima geração, como o
GPS.Ospescadoresdeoutraspraiaschamamocatamarãde“iatedaPrainha”.
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38. Modos de Comer: A Culinária
UmdospratosmaistradicionaisdaculináriadaPrainhadoCanto
Verde é o pirão de peixe, base da alimentação local, é consumido
diariamente desde os primeiros moradores da comunidade. Segundo
relatos de pessoas mais idosas da localidade, tinha-se o costume de se
trocar na praia o peixe pela farinha de mandioca, um dos ingredientes
indispensáveis no preparo do pirão do peixe. Hoje esse produto é de
fácilacessonaregião.
Com o passar do tempo alguns pratos tradicionais como o pirão
de 'grosar', a farofa de taioba, a farofa de aruá e de pistoleta, dentre
outros; estão ficando cada vez mais raros na alimentação da
comunidade. Hoje em dia os pratos típicos tradicionais mais
consumidos são: grolado, ximbéu de batata, beiju, mungunzá,
moqueca de arraia e lagosta, cuscuz, peixe assado, peixada, baião de
dois. Muitas destas receitas são segredos de família, passados de
geraçãoparageração.
Modos de Curar: As Rezadeiras
“Oqueeucuro?Carnetriado,ossorendidoenervotorto”.Esseé
um dos trechos das orações de Dona Nega, de 72 anos, uma das
rezadeiras mais antigas da comunidade. É assim e de vários outros
modos que elas colocam em prática seus segredos de cura,
aprendidos através da oralidade com familiares e antepassados. As
rezadeiras são espécies de médicos divinos da comunidade. Não
precisam de remédios para curar, utilizam-se apenas da fé e de suas
rezasfortes.
Pra ser uma boa rezadeira “tem que ter bom coração e muita
fé”, assim fala Dona Altina, de 70 anos, que aprendeu a rezar aos 10
anosdeidade. Suasrezascuramquebrante,ventocaído,malolhadoe
muitomais.“Eugostoeachomuitoimportanteserumarezadeira,me
sinto feliz aqui no Canto Verde. Rezar pra mim é uma forma de
caridade, me sinto bem em poder ajudar aos outros com minhas
rezas”, afirma com orgulho Dona Nega, outra rezadeira da
comunidade.
São assim as rezadeiras do Canto Verde, que com seus saberes
tradicionaisproporcionamacura.
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Modos de Curar: Remédios Caseiros
Há muito tempo, na comunidade da Prainha do Canto Verde, as famílias
usam remédios caseiros como chá de ervas, lambedores, entre outros,
extraídos dos recursos disponíveis na comunidade e feitos pelos moradores
paratratardedoenças.
Mel de Beterraba
Ingredientes:
beterraba, tomate, açúcar.
Modo de fazer:
pegue a beterraba e o tomate já
cortados e coloque em uma
panela com água, leve ao fogo e
deixe ferver; logo após a fervura
retire do fogo e passe em uma
peneira deixando só o caldo, em
seguida acrescente açúcar a gosto
e leve ao fogo novamente pra
ferver mais uma vez.
Usado para:
gripe e resfriado.
Mel de Pepaconha
Ingredientes:
papaconha, casca de romã, casca
de jatobá, capim santo.
Modo de fazer:
junte os ingredientes já
cortados em uma panela com
água e leve ao fogo, deixe
ferver; ao ferver retire do fogo,
passe na peneira deixando só o
caldo; acrescente o açúcar a
gosto e leve ao fogo novamente
até que ferva outra vez.
Usado para:
gripe e inflamação no corpo.
Chá de Arruda
Ingredientes:
arruda, água, açúcar.
Modo de fazer:
lave as arrudas, coloque em uma
panela, acrescente água e açúcar a
gosto; leve ao fogo e deixe ferver
bastante.
Usado para:
dor de cólicas e outras dores.
Mel de Abelha
Ingredientes:
mel de abelha e romã.
Modo de fazer:
misture o mel da abelha
com a romã e deixe
conservar por cinco dias.
Usado para:
inflamação na garganta e
gripe.
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Chá de Colônia
Ingredientes:
colônia, água, açúcar.
Modo de fazer:
lave as colônias (folhas) rasgue
em pedaços e coloque em uma
panela, acrescente água e açúcar
a gosto; leve ao fogo deixe
ferver bastante.
Usado como:
calmante e remédio para o
coração.
Chá de Hortelã
Ingredientes:
hortelã, água.
Modo de fazer:
lave as folhas da hortelã e
coloque em um copo. Leve água
ao fogo para ferver, após a
fervura despeje a água no copo
onde está a hortelã e abafe.
Usado para:
gripe e resfriado.
Chá de Papaconha
Ingredientes:
papaconha, açúcar, água.
Modo de fazer:
lave as papaconhas e coloque em
uma panela, acrescente água e
açúcar a gosto; leve ao fogo e
deixe ferver bastante.
Usado para:
gripe e resfriado.
Chá de Boldo
Ingredientes:
boldo, água, açúcar.
Modo de fazer:
lave as folhas de boldo, coloque
em uma panela e acrescente
água e açúcar a gosto; leve ao
fogo deixando ferver bastante.
Usado para:
dores no estômago.
Chá de Capim Santo
Ingredientes:
capim santo, água, açúcar.
Modo de fazer:
lave o capim santo, corte em
pedaços e coloque em uma
panela. Acrescente água e açúcar
a gosto; leve ao fogo e deixe
ferver bastante.
Usado como:
calmante.
Chá de Cidreira
Ingredientes:
cidreira, água, açúcar.
Modo de fazer:
lave as cidreiras, quebre em
pedaços e coloque em uma
panela, acrescente água a açúcar a
gosto. Leve ao fogo e deixe ferver
bastante até que fique douradinho
(amarelinho).
Usado como:
calmante.
41. 5. Sobre os autores
PossuigraduaçãoemHistóriapelaUniversidadeFederaldoCeará(UFC).
Atualmente é Mestrando do Programa de Pós-Graduação em Antropologia da
Universidade Federal de Pernambuco (PPGA/UFPE), no qual desenvolve
pesquisa sobre etnicidade, museus indígenas e coleções etnográficas no
Ceará. Esteve vinculado ao Museu do Ceará entre 2001 e 2010, inicialmente
como bolsista e posteriormente como pesquisador, gestor e técnico do
Sistema Estadual de Museus do Ceará (SEM-CE). Tem experiência na área de
História e Patrimônio Cultural, com ênfase em História e Antropologia
indígena, atuando principalmente nos seguintes temas: história e
antropologia indígena no Ceará, memória social, etnicidade, museus
indígenas e comunitários, políticas culturais, gestão museológica, patrimônio
eorganização/movimentossociais.
JoãoPauloVieiraNeto
PossuigraduaçãoemHistóriapelaUniversidadeFederaldoCeará(UFC).
Atualmente é Mestrando em Patrimônio Cultural pelo Programa de
Especialização em Patrimônio (PEP/IPHAN). É Assessor do Instituto da
Memória do Povo Cearense (IMOPEC) e atua nos seguintes temas: história,
patrimônio, cultura, memória, museus comunitários, educação patrimonial,
gruposétnicosemuseologia.
AlexandreOliveiraGomes
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