SlideShare uma empresa Scribd logo
1 de 3
Baixar para ler offline
Arq Neuropsiquiatr 2000;58(3-B):1115-1117




              SÍNDROME DE MILLER FISHER E NEURITE ÓPTICA
                                            RELATO DE CASO

                ALZIRA A. SIQUEIRA CARVALHO*, MARIA DE LOURDES S. GALVÃO**,
               MARIA SHEILA G. ROCHA *, ANA CLAUDIA PICCOLO*, SOLYON C. MAIA*


RESUMO - Descreve-se um caso de síndrome de Miller Fisher associada a neuropatia óptica desmielinizante
bilateral, confirmada pelo exame de potencial evocado visual, sugerindo possível comprometimento do sistema
nervoso central nessa síndrome.
       PALAVRAS-CHAVES: síndrome de Miller-Fisher, neurite óptica, potencial evocado visual.

Miller Fisher syndrome and optic neuritis: case report
ABSTRACT - We report a case of Miller Fisher syndrome and bilateral demyelinating optic neuropathy suggesting
the possible involvement of central nervous system in this syndrome. The optic neuritis was confirmed by visual
evoked potential.
       KEY WORDS: Miller Fisher syndrome , optic neuritis, visual evoked potential.



       A síndrome de Miller Fisher é uma desordem rara, esporádica, caracterizada por oftalmoparesia,
ataxia e arreflexia, tendo sido descrita pela primeira vez por Fisher em 19561,2. O acometimento do
segundo nervo craniano foi descrito em poucos casos, sugerindo envolvimento associado do sistema
nervoso central (SNC) na patogênese desta síndrome3,4.
       Descrevemos um caso de síndrome de Miller Fisher com provável acometimento do SNC ,
caracterizado pela presença de neurite óptica bilateral, comprovada através do exame de potencial
evocado visual, padrão reverso (PEV-PR).

                                                     CASO
        Paciente masculino de 24 anos de idade que deu entrada em nosso serviço em julho de 1999 com história
de desequilíbrio e turvação visual há uma semana. Negava febre, alterações gastrointestinais ou fraqueza muscular.
Ao exame, o paciente encontrava-se consciente e orientado, normotenso e sem alterações clínicas significativas.
Apresentava marcha atáxica que piorava com o fechar dos olhos. O exame da força muscular não evidenciou
déficit motor. Os reflexos osteotendinosos estavam abolidos globalmente. O reflexo cutâneo plantar apresentava
resposta em flexão bilateralmente. A sensibilidade superficial estava preservada e a profunda revelava discreta
diminuição da sensibilidade vibratória nos quatro membros. As manobras índex-nariz e calcanhar-joelho estavam
normais. O exame dos nervos cranianos evidenciou paresia do VI nervo craniano bilateralmente e a fundoscopia
revelou discreta palidez de papila bilateralmente com acentuação da escavação fisiológica . Os demais nervos
cranianos estavam normais.
        Considerando o quadro clínico de ataxia, arreflexia e oftalmoparesia, a hipótese de síndrome de Miller
Fisher foi considerada e corroborada pelo estudo do líquido cefalorraquidiano que mostrou dissociação proteíno-
citológica. Os exames laboratoriais de rotina estavam normais. As sorologias para o vírus Epstein-Barr, vírus da
imunodeficiência humana e citomegalovírus foram negativas. A pesquisa de anticorpos anti-GQ1b não pode ser



      *Serviço de Neurologia Clínica do Hospital Santa Marcelina (HSM) - São Paulo; **Residente de
Neurologia – HSM. Aceite: 22-agosto-2000.
Dra. Alzira Alves de Siqueira Carvalho - Rua Jacques Félix, 326 / 15 - 04509-001 São Paulo SP - Brasil.
1116                                     Arq Neuropsiquiatr 2000;58(4)




           Fig 1. Potencial evocado visual padrão reverso evidencia aumento bilateral das latências
           absolutas com 29 minutos de ARCO, P100 com latência de 148 ms à esquerda e 153 ms
           à direita (Normal: <109 ms).

realizada. A eletroneuromiografia (ENMG) realizada uma semana após o início dos sintomas não evidenciou
anormalidades. O PEV-PR evidenciou comprometimento bilateral do nervo óptico (Fig 1) e foi sugestivo de
neurite óptica. A tomografia de crânio, ressonância magnética cerebral e o eletrencefalograma não evidenciaram
anormalidades.
       O paciente evoluiu com melhora progressiva do quadro clínico em 2 semanas, não tendo sido instituído
tratamento com imunoglobulina endovenosa, plasmaferese ou corticoesteróides, em vista da melhora clínica
precoce. Após 3 meses de evolução, o paciente estava clinicamente recuperado, não mais referindo qualquer
sintoma.

                                               DISCUSSÃO
      O quadro clínico de oftalmoparesia, ataxia e arreflexia associado a hiperproteinorraquia,
possibilita o diagnóstico de síndrome de Miller Fisher1-4. No caso relatado, além do quadro clássico,
observou-se o comprometimento do nervo óptico bilateralmente, comprovado pelo estudo do PEV-PR.
       O comprometimento dos nervos cranianos é frequente nas polirradiculoneurites agudas,
particularmente do VII, IX, X, VI e III em ordem decrescente de frequência2. O nervo óptico é
raramente comprometido3,4. A abolição dos reflexos osteotendinosos sugere o acometimento nervoso
periférico, achado quase constante dessa entidade. Os principais achados descritos na ENMG são o
aumento das latências distais e anormalidade dos potenciais de ação dos nervos sensitivos5. Em
alguns dos casos descritos, nenhuma anormalidade foi encontrada, o que poderia ser explicado pelo
fato de estudos de condução nervosa sensitiva e motora avaliarem os segmentos distais dos nervos
periféricos, sendo portanto pouco sensíveis às alterações dos seus segmentos mais proximais5 .
        Outra questão polêmica refere-se à etiologia da ataxia, se de origem sensitiva ou cerebelar.
No nosso paciente a natureza da ataxia parecia ser sensitiva, frente ao quadro clínico descrito. Na
literatura pesquisada persistem as controvérsias a esse respeito, pois os estudos imuno-histoquímicos
revelam que os anticorpos anti-GQ1b, envolvidos nesta entidade, coram tanto neurônios sensitivos
no gânglio da raiz dorsal quanto uma população de neurônios cerebelares6,7. A rigor, é possível que
os dois mecanismos estejam associados.
       Em relação ao acometimento dos nervos cranianos, cabe lembrar que as fibras dos nervos
oculomotores são ricas em antígenos GQ1b, o que possivelmente justifica o acometimento destas
fibras nessa síndrome6,7.
Arq Neuropsiquiatr 2000;58(4)                                             1117



      Quanto ao acometimento do II nervo craniano, algumas considerações são pertinentes. A
neuropatia óptica desmielinizante associada à síndrome de Miller Fisher foi raramente descrita,
sendo de grande importância a investigação clínica visando ao diagnóstico diferencial com outros
processos patológicos do SNC, como os processos infecciosos, granulomatosos, doenças
desmielinizantes e as vasculites3,8.
       Relatos anteriores descrevendo a associação de neurite óptica com a síndrome de Miller Fisher,
embora não comprovada laboratorialmente, fazem menção ao possível acometimento do SNC na
síndrome9,10. Em 1987, Toshniwal relatou o primeiro caso de síndrome de Miller Fisher com neurite
óptica documentada através de PEV3. Em 1998, Ouhabi et al.4 chamam atenção para a participação do
SNC na patogenia da síndrome de Miller Fisher, diante do achado de neurite óptica bilateral e presença
de lesões ponto-mesencefálicas detectadas pela ressonância magnética. Em vista das características
anatômicas do II nervo craniano que tem seu axônio envolvido por células oligodendrogliais, podemos
considerar que seu comprometimento pode implicar em envolvimento do SNC3.
       Considerando que a síndrome de Miller Fisher se caracteriza pelo desenvolvimento de
autoimunidade contra proteínas antigênicas da mielina do nervo periférico2,6,7, poderíamos conjecturar
que a neurite óptica poderia ser decorrente de acometimento autoimune contra proteínas antigênicas
em comum com a bainha de mielina do nervo periférico. A raridade do acometimento do nervo
óptico, na maioria dos casos de Miller Fisher descritos, talvez possa ser justificada pela variação na
concentração de proteínas antigênicas presentes na bainha de mielina, provavelmente em menor
quantidade neste nervo, visto que apresenta características anatômicas distintas do nervo periférico.
Também acreditamos que a expressividade clínica deve variar com relação a predisposição genética
própria de cada indivíduo, justificando o quadro clínico distinto de um indivíduo para outro.
Provavelmente, estudos imuno-histoquímicos e de biologia molecular, específicos para o nervo óptico,
elucidariam a questão.
       Quanto ao tratamento, os dados da literatura são escassos e controversos, não existindo até o
momento nenhum consenso a respeito da melhor opção terapêutica para a síndrome de Miller Fisher.
Há relato do uso de corticoesteróides para o tratamento da neurite óptica no curso da doença com
resultados favoráveis11, bem como há relatos de casos que, à semelhança do nosso, não receberam
tratamento específico e evoluíram satisfatoriamente e sem sequelas neurológicas3. Portanto, a presença
de neurite óptica não parece determinar uma evolução desfavorável, considerando que o nosso paciente
também evoluiu sem complicações ou sequelas. Frente a esses dados, sugerimos que o tratamento
de cada caso seja avaliado individualmente.

                                                      REFERÊNCIAS
 1. Fisher M. An unusual variant of acute idiopathic polyneuritis (syndrome of ophthalmoplegia, ataxia and areflexia). N Engl
    J Med 1956;255:57-65.
 2. Arnason BGW, Soliven B. Acute inflammatory demyelinating polyradiculoneuropathy. In Dick JP, Thomas PK, Griffin
    JW, Low PA, Poduslo JF (eds). Peripheral neurophathy. 3. Ed. Philadelphia: Saunders, 1983: 1437-1497.
 3. Toshniwal P. Demyelinating optic neuropathy with Miller Fisher syndrome: the case for overlap syndromes with central
    and peripheral demyelination. J Neurol 1987;234:353-358.
 4. Ouhabi H, Bourazza A, Rouimi A, Boutaleb N, Mosseddaq R. Névrite optique bilatérale et atteinte ponto-mésencéphalique
    à l’IRM au cours d’un syndrome de Miller-Fisher. Rev Neurol (Paris) 1998;154:780-782.
 5. Jamal GA, Ballantyne JP. The localization of the lesion in patients with acute ophthalmoplegia, ataxia and areflexia (Miller
    Fisher syndrome): a serial multimodal neurophysiological study. Brain 1982;111:95-114.
 6. Griffin JW. The Guillain-Barré syndrome and CIDP. In American Academy of Neurology Syllabi-on-CD ROM. 51st Annual
    Meeting. Toronto, Ontario, Canada, 1999: 7FC.001.
 7. Uncini A, Lugaresi A. Fisher syndrome with tetraparesis and antibody to GQ1b: evidence for motor nerve terminal block.
    Muscle Nerve 1999; 22:640-644.
 8. Petty RKH, Duncan R, Jamal GA, Hadley D, Kennedy PGE. Brainstem encephalitis and the Miller Fisher syndrome. J
    Neurol Neurosurg Psychiatry 1993;56:201-203.
 9. Mouren P, Vital-Bernard, Poinso Y, et al. Névrite optique retro-bulbaire au cours d’un syndrome de Guillain Barré. Rev
    Otoneuroophthalmol 1971;43:216-221.
10. Behan PO, Lessell S, Roche M. Optic neuritis in the Landry-Guillain-Barré-Strohl syndrome. Br J Ophthalmol
    1976;60:58-59.

Mais conteúdo relacionado

Mais procurados

Doenças Neurológicas
Doenças NeurológicasDoenças Neurológicas
Doenças NeurológicasFábio Simões
 
Esclerose lateral amiotrófica (ela)
Esclerose lateral amiotrófica (ela)Esclerose lateral amiotrófica (ela)
Esclerose lateral amiotrófica (ela)Margarete Sgarabotto
 
Introdução ao Estudo da Cefaléias
Introdução ao Estudo da CefaléiasIntrodução ao Estudo da Cefaléias
Introdução ao Estudo da CefaléiasDr. Rafael Higashi
 
Doenças humanas relacionadas ao dna mitocondrial
Doenças humanas  relacionadas ao dna mitocondrialDoenças humanas  relacionadas ao dna mitocondrial
Doenças humanas relacionadas ao dna mitocondrialPriscila Gomes
 
Doenças Desmielinizantes do SNC e do SNP
Doenças Desmielinizantes do SNC e do SNPDoenças Desmielinizantes do SNC e do SNP
Doenças Desmielinizantes do SNC e do SNPhihdidushd
 
Síndrome de guillain barré
Síndrome de guillain barré Síndrome de guillain barré
Síndrome de guillain barré Denilsi Gonçalves
 
Esclerose lateral amiotrófica pronto [2525]
Esclerose lateral amiotrófica pronto [2525]Esclerose lateral amiotrófica pronto [2525]
Esclerose lateral amiotrófica pronto [2525]Gilmar Roberto Batista
 
Síndrome de Guillain Barré
Síndrome de Guillain BarréSíndrome de Guillain Barré
Síndrome de Guillain BarréMairimed
 
Doença de Parkinson
Doença de ParkinsonDoença de Parkinson
Doença de ParkinsonLaenca Unirg
 
Doencas demielinizantes
Doencas demielinizantesDoencas demielinizantes
Doencas demielinizantesJosé Moraes
 
Polineuropatia do paciente crítico
Polineuropatia do paciente críticoPolineuropatia do paciente crítico
Polineuropatia do paciente críticoIapes Ensino
 

Mais procurados (20)

Doenças Neurológicas
Doenças NeurológicasDoenças Neurológicas
Doenças Neurológicas
 
Esclerose lateral amiotrófica (ela)
Esclerose lateral amiotrófica (ela)Esclerose lateral amiotrófica (ela)
Esclerose lateral amiotrófica (ela)
 
Ataxia - Doenças Cerebelares
Ataxia - Doenças CerebelaresAtaxia - Doenças Cerebelares
Ataxia - Doenças Cerebelares
 
Introdução ao Estudo da Cefaléias
Introdução ao Estudo da CefaléiasIntrodução ao Estudo da Cefaléias
Introdução ao Estudo da Cefaléias
 
Doenças humanas relacionadas ao dna mitocondrial
Doenças humanas  relacionadas ao dna mitocondrialDoenças humanas  relacionadas ao dna mitocondrial
Doenças humanas relacionadas ao dna mitocondrial
 
Esclerose multipla
Esclerose multiplaEsclerose multipla
Esclerose multipla
 
Esclerose multipla1
Esclerose multipla1Esclerose multipla1
Esclerose multipla1
 
Doenças Desmielinizantes do SNC e do SNP
Doenças Desmielinizantes do SNC e do SNPDoenças Desmielinizantes do SNC e do SNP
Doenças Desmielinizantes do SNC e do SNP
 
Síndrome de guillain barré
Síndrome de guillain barré Síndrome de guillain barré
Síndrome de guillain barré
 
Esclerose lateral amiotrófica pronto [2525]
Esclerose lateral amiotrófica pronto [2525]Esclerose lateral amiotrófica pronto [2525]
Esclerose lateral amiotrófica pronto [2525]
 
Morte Encefálica
Morte EncefálicaMorte Encefálica
Morte Encefálica
 
Morte encefálica ii
Morte encefálica iiMorte encefálica ii
Morte encefálica ii
 
Síndrome de Guillain Barré
Síndrome de Guillain BarréSíndrome de Guillain Barré
Síndrome de Guillain Barré
 
Doença de Parkinson
Doença de ParkinsonDoença de Parkinson
Doença de Parkinson
 
Doencas demielinizantes
Doencas demielinizantesDoencas demielinizantes
Doencas demielinizantes
 
Esclerose múltipla
Esclerose múltiplaEsclerose múltipla
Esclerose múltipla
 
Apresentação
ApresentaçãoApresentação
Apresentação
 
EMcontro SPEM: "Esclerose Múltipla: Novas Realidades e Desafios" - Carlos Cap...
EMcontro SPEM: "Esclerose Múltipla: Novas Realidades e Desafios" - Carlos Cap...EMcontro SPEM: "Esclerose Múltipla: Novas Realidades e Desafios" - Carlos Cap...
EMcontro SPEM: "Esclerose Múltipla: Novas Realidades e Desafios" - Carlos Cap...
 
Esclerose lateral amiotrófica (ELA)
Esclerose lateral amiotrófica (ELA)Esclerose lateral amiotrófica (ELA)
Esclerose lateral amiotrófica (ELA)
 
Polineuropatia do paciente crítico
Polineuropatia do paciente críticoPolineuropatia do paciente crítico
Polineuropatia do paciente crítico
 

Semelhante a SÍNDROME DE MILLER FISHER E NEURITE ÓPTICA - RELATO DE CASO

Semelhante a SÍNDROME DE MILLER FISHER E NEURITE ÓPTICA - RELATO DE CASO (20)

Discussão de casos clínicos
Discussão de casos clínicosDiscussão de casos clínicos
Discussão de casos clínicos
 
Acupuntura e paralisia facial
Acupuntura e paralisia facialAcupuntura e paralisia facial
Acupuntura e paralisia facial
 
Sindrome de Guillain-Barré.pptx
Sindrome de Guillain-Barré.pptxSindrome de Guillain-Barré.pptx
Sindrome de Guillain-Barré.pptx
 
ECLEROSE 2.pptx
ECLEROSE 2.pptxECLEROSE 2.pptx
ECLEROSE 2.pptx
 
Hanseniase neural primaria
Hanseniase neural primariaHanseniase neural primaria
Hanseniase neural primaria
 
Aspectos clínicos e diagnósticos da hanseníase
Aspectos clínicos e diagnósticos da hanseníaseAspectos clínicos e diagnósticos da hanseníase
Aspectos clínicos e diagnósticos da hanseníase
 
Neurofibromatose
NeurofibromatoseNeurofibromatose
Neurofibromatose
 
20 (1)
20 (1)20 (1)
20 (1)
 
Esclerose Multipla
Esclerose MultiplaEsclerose Multipla
Esclerose Multipla
 
Radio pronto
Radio prontoRadio pronto
Radio pronto
 
Neurofisiologia
NeurofisiologiaNeurofisiologia
Neurofisiologia
 
C O M A
C O M AC O M A
C O M A
 
Doença de Alzheimer
Doença de AlzheimerDoença de Alzheimer
Doença de Alzheimer
 
Esclerose lateral amiotrófica
Esclerose lateral amiotróficaEsclerose lateral amiotrófica
Esclerose lateral amiotrófica
 
Trabalho
TrabalhoTrabalho
Trabalho
 
Epilepsia agressividade
Epilepsia agressividadeEpilepsia agressividade
Epilepsia agressividade
 
Lombalgia aguda
Lombalgia agudaLombalgia aguda
Lombalgia aguda
 
Casosclinicosmodulosistemanervoso
CasosclinicosmodulosistemanervosoCasosclinicosmodulosistemanervoso
Casosclinicosmodulosistemanervoso
 
Investigação diagnóstica das neuropatias periféricas
Investigação diagnóstica das neuropatias periféricasInvestigação diagnóstica das neuropatias periféricas
Investigação diagnóstica das neuropatias periféricas
 
CIPA
CIPACIPA
CIPA
 

Último

Primeiros Socorros - Sinais vitais e Anatomia
Primeiros Socorros - Sinais vitais e AnatomiaPrimeiros Socorros - Sinais vitais e Anatomia
Primeiros Socorros - Sinais vitais e AnatomiaCristianodaRosa5
 
eMulti_Estratégia APRRESENTAÇÃO PARA DIVULGAÇÃO
eMulti_Estratégia APRRESENTAÇÃO PARA DIVULGAÇÃOeMulti_Estratégia APRRESENTAÇÃO PARA DIVULGAÇÃO
eMulti_Estratégia APRRESENTAÇÃO PARA DIVULGAÇÃOMayaraDayube
 
PSORÍASE-Resumido.Diagnostico E Tratamento- aula.ppt
PSORÍASE-Resumido.Diagnostico E Tratamento- aula.pptPSORÍASE-Resumido.Diagnostico E Tratamento- aula.ppt
PSORÍASE-Resumido.Diagnostico E Tratamento- aula.pptAlberto205764
 
AULA SOBRE SAMU, CONCEITOS E CARACTERICAS
AULA SOBRE SAMU, CONCEITOS E CARACTERICASAULA SOBRE SAMU, CONCEITOS E CARACTERICAS
AULA SOBRE SAMU, CONCEITOS E CARACTERICASArtthurPereira2
 
Anatomopatologico HU UFGD sobre CA gástrico
Anatomopatologico HU UFGD sobre CA gástricoAnatomopatologico HU UFGD sobre CA gástrico
Anatomopatologico HU UFGD sobre CA gástricoMarianaAnglicaMirand
 
ParasitosesDeformaResumida.finalissima.ppt
ParasitosesDeformaResumida.finalissima.pptParasitosesDeformaResumida.finalissima.ppt
ParasitosesDeformaResumida.finalissima.pptAlberto205764
 
Sistema endocrino anatomia humana slide.pdf
Sistema endocrino anatomia humana slide.pdfSistema endocrino anatomia humana slide.pdf
Sistema endocrino anatomia humana slide.pdfGustavoWallaceAlvesd
 
O mundo secreto dos desenhos - Gregg M. Furth.pdf
O mundo secreto dos desenhos - Gregg M. Furth.pdfO mundo secreto dos desenhos - Gregg M. Furth.pdf
O mundo secreto dos desenhos - Gregg M. Furth.pdfNelmo Pinto
 
Enhanced recovery after surgery in neurosurgery
Enhanced recovery  after surgery in neurosurgeryEnhanced recovery  after surgery in neurosurgery
Enhanced recovery after surgery in neurosurgeryCarlos D A Bersot
 

Último (10)

Primeiros Socorros - Sinais vitais e Anatomia
Primeiros Socorros - Sinais vitais e AnatomiaPrimeiros Socorros - Sinais vitais e Anatomia
Primeiros Socorros - Sinais vitais e Anatomia
 
eMulti_Estratégia APRRESENTAÇÃO PARA DIVULGAÇÃO
eMulti_Estratégia APRRESENTAÇÃO PARA DIVULGAÇÃOeMulti_Estratégia APRRESENTAÇÃO PARA DIVULGAÇÃO
eMulti_Estratégia APRRESENTAÇÃO PARA DIVULGAÇÃO
 
PSORÍASE-Resumido.Diagnostico E Tratamento- aula.ppt
PSORÍASE-Resumido.Diagnostico E Tratamento- aula.pptPSORÍASE-Resumido.Diagnostico E Tratamento- aula.ppt
PSORÍASE-Resumido.Diagnostico E Tratamento- aula.ppt
 
Aplicativo aleitamento: apoio na palma das mãos
Aplicativo aleitamento: apoio na palma das mãosAplicativo aleitamento: apoio na palma das mãos
Aplicativo aleitamento: apoio na palma das mãos
 
AULA SOBRE SAMU, CONCEITOS E CARACTERICAS
AULA SOBRE SAMU, CONCEITOS E CARACTERICASAULA SOBRE SAMU, CONCEITOS E CARACTERICAS
AULA SOBRE SAMU, CONCEITOS E CARACTERICAS
 
Anatomopatologico HU UFGD sobre CA gástrico
Anatomopatologico HU UFGD sobre CA gástricoAnatomopatologico HU UFGD sobre CA gástrico
Anatomopatologico HU UFGD sobre CA gástrico
 
ParasitosesDeformaResumida.finalissima.ppt
ParasitosesDeformaResumida.finalissima.pptParasitosesDeformaResumida.finalissima.ppt
ParasitosesDeformaResumida.finalissima.ppt
 
Sistema endocrino anatomia humana slide.pdf
Sistema endocrino anatomia humana slide.pdfSistema endocrino anatomia humana slide.pdf
Sistema endocrino anatomia humana slide.pdf
 
O mundo secreto dos desenhos - Gregg M. Furth.pdf
O mundo secreto dos desenhos - Gregg M. Furth.pdfO mundo secreto dos desenhos - Gregg M. Furth.pdf
O mundo secreto dos desenhos - Gregg M. Furth.pdf
 
Enhanced recovery after surgery in neurosurgery
Enhanced recovery  after surgery in neurosurgeryEnhanced recovery  after surgery in neurosurgery
Enhanced recovery after surgery in neurosurgery
 

SÍNDROME DE MILLER FISHER E NEURITE ÓPTICA - RELATO DE CASO

  • 1. Arq Neuropsiquiatr 2000;58(3-B):1115-1117 SÍNDROME DE MILLER FISHER E NEURITE ÓPTICA RELATO DE CASO ALZIRA A. SIQUEIRA CARVALHO*, MARIA DE LOURDES S. GALVÃO**, MARIA SHEILA G. ROCHA *, ANA CLAUDIA PICCOLO*, SOLYON C. MAIA* RESUMO - Descreve-se um caso de síndrome de Miller Fisher associada a neuropatia óptica desmielinizante bilateral, confirmada pelo exame de potencial evocado visual, sugerindo possível comprometimento do sistema nervoso central nessa síndrome. PALAVRAS-CHAVES: síndrome de Miller-Fisher, neurite óptica, potencial evocado visual. Miller Fisher syndrome and optic neuritis: case report ABSTRACT - We report a case of Miller Fisher syndrome and bilateral demyelinating optic neuropathy suggesting the possible involvement of central nervous system in this syndrome. The optic neuritis was confirmed by visual evoked potential. KEY WORDS: Miller Fisher syndrome , optic neuritis, visual evoked potential. A síndrome de Miller Fisher é uma desordem rara, esporádica, caracterizada por oftalmoparesia, ataxia e arreflexia, tendo sido descrita pela primeira vez por Fisher em 19561,2. O acometimento do segundo nervo craniano foi descrito em poucos casos, sugerindo envolvimento associado do sistema nervoso central (SNC) na patogênese desta síndrome3,4. Descrevemos um caso de síndrome de Miller Fisher com provável acometimento do SNC , caracterizado pela presença de neurite óptica bilateral, comprovada através do exame de potencial evocado visual, padrão reverso (PEV-PR). CASO Paciente masculino de 24 anos de idade que deu entrada em nosso serviço em julho de 1999 com história de desequilíbrio e turvação visual há uma semana. Negava febre, alterações gastrointestinais ou fraqueza muscular. Ao exame, o paciente encontrava-se consciente e orientado, normotenso e sem alterações clínicas significativas. Apresentava marcha atáxica que piorava com o fechar dos olhos. O exame da força muscular não evidenciou déficit motor. Os reflexos osteotendinosos estavam abolidos globalmente. O reflexo cutâneo plantar apresentava resposta em flexão bilateralmente. A sensibilidade superficial estava preservada e a profunda revelava discreta diminuição da sensibilidade vibratória nos quatro membros. As manobras índex-nariz e calcanhar-joelho estavam normais. O exame dos nervos cranianos evidenciou paresia do VI nervo craniano bilateralmente e a fundoscopia revelou discreta palidez de papila bilateralmente com acentuação da escavação fisiológica . Os demais nervos cranianos estavam normais. Considerando o quadro clínico de ataxia, arreflexia e oftalmoparesia, a hipótese de síndrome de Miller Fisher foi considerada e corroborada pelo estudo do líquido cefalorraquidiano que mostrou dissociação proteíno- citológica. Os exames laboratoriais de rotina estavam normais. As sorologias para o vírus Epstein-Barr, vírus da imunodeficiência humana e citomegalovírus foram negativas. A pesquisa de anticorpos anti-GQ1b não pode ser *Serviço de Neurologia Clínica do Hospital Santa Marcelina (HSM) - São Paulo; **Residente de Neurologia – HSM. Aceite: 22-agosto-2000. Dra. Alzira Alves de Siqueira Carvalho - Rua Jacques Félix, 326 / 15 - 04509-001 São Paulo SP - Brasil.
  • 2. 1116 Arq Neuropsiquiatr 2000;58(4) Fig 1. Potencial evocado visual padrão reverso evidencia aumento bilateral das latências absolutas com 29 minutos de ARCO, P100 com latência de 148 ms à esquerda e 153 ms à direita (Normal: <109 ms). realizada. A eletroneuromiografia (ENMG) realizada uma semana após o início dos sintomas não evidenciou anormalidades. O PEV-PR evidenciou comprometimento bilateral do nervo óptico (Fig 1) e foi sugestivo de neurite óptica. A tomografia de crânio, ressonância magnética cerebral e o eletrencefalograma não evidenciaram anormalidades. O paciente evoluiu com melhora progressiva do quadro clínico em 2 semanas, não tendo sido instituído tratamento com imunoglobulina endovenosa, plasmaferese ou corticoesteróides, em vista da melhora clínica precoce. Após 3 meses de evolução, o paciente estava clinicamente recuperado, não mais referindo qualquer sintoma. DISCUSSÃO O quadro clínico de oftalmoparesia, ataxia e arreflexia associado a hiperproteinorraquia, possibilita o diagnóstico de síndrome de Miller Fisher1-4. No caso relatado, além do quadro clássico, observou-se o comprometimento do nervo óptico bilateralmente, comprovado pelo estudo do PEV-PR. O comprometimento dos nervos cranianos é frequente nas polirradiculoneurites agudas, particularmente do VII, IX, X, VI e III em ordem decrescente de frequência2. O nervo óptico é raramente comprometido3,4. A abolição dos reflexos osteotendinosos sugere o acometimento nervoso periférico, achado quase constante dessa entidade. Os principais achados descritos na ENMG são o aumento das latências distais e anormalidade dos potenciais de ação dos nervos sensitivos5. Em alguns dos casos descritos, nenhuma anormalidade foi encontrada, o que poderia ser explicado pelo fato de estudos de condução nervosa sensitiva e motora avaliarem os segmentos distais dos nervos periféricos, sendo portanto pouco sensíveis às alterações dos seus segmentos mais proximais5 . Outra questão polêmica refere-se à etiologia da ataxia, se de origem sensitiva ou cerebelar. No nosso paciente a natureza da ataxia parecia ser sensitiva, frente ao quadro clínico descrito. Na literatura pesquisada persistem as controvérsias a esse respeito, pois os estudos imuno-histoquímicos revelam que os anticorpos anti-GQ1b, envolvidos nesta entidade, coram tanto neurônios sensitivos no gânglio da raiz dorsal quanto uma população de neurônios cerebelares6,7. A rigor, é possível que os dois mecanismos estejam associados. Em relação ao acometimento dos nervos cranianos, cabe lembrar que as fibras dos nervos oculomotores são ricas em antígenos GQ1b, o que possivelmente justifica o acometimento destas fibras nessa síndrome6,7.
  • 3. Arq Neuropsiquiatr 2000;58(4) 1117 Quanto ao acometimento do II nervo craniano, algumas considerações são pertinentes. A neuropatia óptica desmielinizante associada à síndrome de Miller Fisher foi raramente descrita, sendo de grande importância a investigação clínica visando ao diagnóstico diferencial com outros processos patológicos do SNC, como os processos infecciosos, granulomatosos, doenças desmielinizantes e as vasculites3,8. Relatos anteriores descrevendo a associação de neurite óptica com a síndrome de Miller Fisher, embora não comprovada laboratorialmente, fazem menção ao possível acometimento do SNC na síndrome9,10. Em 1987, Toshniwal relatou o primeiro caso de síndrome de Miller Fisher com neurite óptica documentada através de PEV3. Em 1998, Ouhabi et al.4 chamam atenção para a participação do SNC na patogenia da síndrome de Miller Fisher, diante do achado de neurite óptica bilateral e presença de lesões ponto-mesencefálicas detectadas pela ressonância magnética. Em vista das características anatômicas do II nervo craniano que tem seu axônio envolvido por células oligodendrogliais, podemos considerar que seu comprometimento pode implicar em envolvimento do SNC3. Considerando que a síndrome de Miller Fisher se caracteriza pelo desenvolvimento de autoimunidade contra proteínas antigênicas da mielina do nervo periférico2,6,7, poderíamos conjecturar que a neurite óptica poderia ser decorrente de acometimento autoimune contra proteínas antigênicas em comum com a bainha de mielina do nervo periférico. A raridade do acometimento do nervo óptico, na maioria dos casos de Miller Fisher descritos, talvez possa ser justificada pela variação na concentração de proteínas antigênicas presentes na bainha de mielina, provavelmente em menor quantidade neste nervo, visto que apresenta características anatômicas distintas do nervo periférico. Também acreditamos que a expressividade clínica deve variar com relação a predisposição genética própria de cada indivíduo, justificando o quadro clínico distinto de um indivíduo para outro. Provavelmente, estudos imuno-histoquímicos e de biologia molecular, específicos para o nervo óptico, elucidariam a questão. Quanto ao tratamento, os dados da literatura são escassos e controversos, não existindo até o momento nenhum consenso a respeito da melhor opção terapêutica para a síndrome de Miller Fisher. Há relato do uso de corticoesteróides para o tratamento da neurite óptica no curso da doença com resultados favoráveis11, bem como há relatos de casos que, à semelhança do nosso, não receberam tratamento específico e evoluíram satisfatoriamente e sem sequelas neurológicas3. Portanto, a presença de neurite óptica não parece determinar uma evolução desfavorável, considerando que o nosso paciente também evoluiu sem complicações ou sequelas. Frente a esses dados, sugerimos que o tratamento de cada caso seja avaliado individualmente. REFERÊNCIAS 1. Fisher M. An unusual variant of acute idiopathic polyneuritis (syndrome of ophthalmoplegia, ataxia and areflexia). N Engl J Med 1956;255:57-65. 2. Arnason BGW, Soliven B. Acute inflammatory demyelinating polyradiculoneuropathy. In Dick JP, Thomas PK, Griffin JW, Low PA, Poduslo JF (eds). Peripheral neurophathy. 3. Ed. Philadelphia: Saunders, 1983: 1437-1497. 3. Toshniwal P. Demyelinating optic neuropathy with Miller Fisher syndrome: the case for overlap syndromes with central and peripheral demyelination. J Neurol 1987;234:353-358. 4. Ouhabi H, Bourazza A, Rouimi A, Boutaleb N, Mosseddaq R. Névrite optique bilatérale et atteinte ponto-mésencéphalique à l’IRM au cours d’un syndrome de Miller-Fisher. Rev Neurol (Paris) 1998;154:780-782. 5. Jamal GA, Ballantyne JP. The localization of the lesion in patients with acute ophthalmoplegia, ataxia and areflexia (Miller Fisher syndrome): a serial multimodal neurophysiological study. Brain 1982;111:95-114. 6. Griffin JW. The Guillain-Barré syndrome and CIDP. In American Academy of Neurology Syllabi-on-CD ROM. 51st Annual Meeting. Toronto, Ontario, Canada, 1999: 7FC.001. 7. Uncini A, Lugaresi A. Fisher syndrome with tetraparesis and antibody to GQ1b: evidence for motor nerve terminal block. Muscle Nerve 1999; 22:640-644. 8. Petty RKH, Duncan R, Jamal GA, Hadley D, Kennedy PGE. Brainstem encephalitis and the Miller Fisher syndrome. J Neurol Neurosurg Psychiatry 1993;56:201-203. 9. Mouren P, Vital-Bernard, Poinso Y, et al. Névrite optique retro-bulbaire au cours d’un syndrome de Guillain Barré. Rev Otoneuroophthalmol 1971;43:216-221. 10. Behan PO, Lessell S, Roche M. Optic neuritis in the Landry-Guillain-Barré-Strohl syndrome. Br J Ophthalmol 1976;60:58-59.