ÁREA DE FIGURAS PLANAS - DESCRITOR DE MATEMATICA D12 ENSINO MEDIO.pptx
MilFolhasOsCorvosAldousHuxley
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Público 5 novembro 2005
livros
infanto-juvenil
| letra pequena |
R i t a P i m e n t a
Pintar um grito
Já é tarde e a mãe do Daniel ainda não chegou. Não é a
primeira vez que tarda, mas ele está ansioso por lhe contar
que a professora de Educação Visual o elogiou. Tinha no
entanto de ter cuidado com a forma como começaria a frase.
Ao ouvir “sabes o que a professora disse?”, Beatriz pensava
logo que era “mais uma desfeita à encarregada de educação”
ou algum recado para uma reunião a que nunca iria.
O rapaz esperou e foi cuidando do “Rufo”, um cachorro
rafeiro. Se desse, à noite iria com o Miguel e o Diamantino
pintar o muro ao lado da escola. Precisava de sete cores para
desenhar um lince a abocanhar um coelho. Era o seu projecto
e o seu grito. Daniel “tem fome e a mãe não veio para casa.
Mas ele vai alindar a cidade, está tudo bem” (pág. 21).
“Escrito na Parede” passa-se no Porto, mas podia acon-
tecer em qualquer outra cidade. Uma mulher, Beatriz, ar-
ruma a casa de outras, limpa bares e tem um namorado que
é casado, Jaime. Visita-a quando dá jeito, trabalha numa
oficina e esconde em sua casa auto-rádios e leitores de CD.
Estão dentro de caixotes a ocupar o quarto de Daniel, o
rapaz de 14 anos que é filho da Beatriz e protagonista da
história. Ela às vezes desaparece, mas no máximo durante
dois dias e deixa sempre recado. Desta vez não.
Uma família disfuncional, diriam os especialistas de
boas famílias.
A espera dura quatro dias. Daniel falta às aulas que ainda
pode, mas assiste a outras. Na de Português gera-se uma
confusão à volta de religiões boas e más, cores de pele me-
lhores ou piores. O Diamantino, preto, e a Cátia, branca,
exaltam-se. Para Daniel, a “aula está toda errada”. “O que é
que interessam estas conversas? Toda a gente sabe que é me- perdida durante muitos anos, a história de Os Corvos foi escrita
lhor ser branco do que preto, e que os pretos são melhores no
básquete. Toda a gente sabe em 1944 por Aldous Huxley, o autor de Admirável Mundo Novo.
O prazer
que é melhor ser rico do que
pobre, embora haja vários escrito na Parede
tipos de ricos. O Nicolau, Autor Ana Saldanha
por exemplo, os pais dele Editor Editorial Caminho
são podres, podres de ricos 152 págs., €8,40
de enganar as cobras
e ele nem tem um telemóvel
em condições. É melhor ter
pai e mãe” (pág. 77).
A autora, Ana Saldanha,
faz com extrema sensibili-
dade o retrato de uma juven-
tude que raramente é alvo | Rita Pimenta pois guardaram durante vários os Dois Corvos et Loiseau”, de Serge Kirbus.
de narrativas na literatura anos uma cópia da história “The Autor Aldous Huxley Depois de vencer o prémio de
portuguesa para os mais no- O conto é simples e não esconde Crows of Pearblossom”. trAdutor Luísa Costa ilustração do Salão do Livro
vos. São jovens que passam a crueldade que a sobrevivência O original estava com o autor Gomes Juvenil de Montreuil em 1996,
demasiado tempo sozinhos, exige. No reino animal, bem de “Admirável Mundo Novo” ilustrAdor Beatrice decidiu viver em Paris.
que cuidam dos adultos que entendido. (para ser ilustrado), quando a Alemagna Aldous Huxley escreveu 47
deviam cuidar deles, que Uma cobra-cascavel alimen- sua casa se incendiou. Depois EditorA Dom Quixote livros e foi considerado ora
habitam lugares desconfor- tava-se diariamente dos ovos da morte de Huxley, em 1963, a 28 págs., €12,50 como um autor de “romances
táveis ou perigosos e que que a Senhora Corvo deixava no história ficou esquecida. cerebrais” ora como ensaísta,
crescem ao deus-dará. ninho sempre que se ausentava. já que as suas obras eram mais
A viver na Irlanda, a escritora, natural do Porto, é forma- Depois de ter perdido 297 ovos Uma ilustradora centradas em ideologias do
da em Línguas e Literaturas Modernas e fez doutoramento — “e nem um corvinho saiu de “mil almas” que propriamente em histórias
sobre a obra infantil de Rudyard Kipling, na Universidade da casca” —, a ave apanhou a Esta não é a primeira edição de personagens. O livro mais
de Glasgow. Para esta colecção Livros do Dia e da Noite, cobra em flagrante. Chamou- em português, já em 1982 a Li- conhecido, “Admirável Mundo
já escreveu 12 obras, a primeira, em 1999, tinha por título lhe “monstro” e pediu ajuda vros Horizonte publicou a obra Novo”, escreveu-o em 1931
“Cinco Tempos, Quatro Intervalos”. Todas com uma escri- ao Senhor Corvo, que pediu com o título “Os Corvos de em apenas quatro meses. Aí o
ta muito clara e em que recorre ao vocabulário usado pelos ajuda ao Velho Mocho. Juntos Pereira Florida”. Nesta recente tema principal era a limitação
jovens na dose certa e com verdadeiro conhecimento. planearam enganar a cobra — e divulgação da Dom Quixote, das liberdades individuais face
“O Pai Natal Preguiçoso e a Rena Rodolfa”, um livro conseguiram. O que é sempre as ilustrações são assinadas ao autoritarismo do Estado. O
que escreveu para crianças no ano passado, valeu a Alain um prazer. No reino animal, pela italiana Beatrice Alemag- autor, que viveu grande parte
Corbel o prémio de Melhor Ilustração para Literatura In- bem entendido. na, que a cada novo trabalho dos anos 20 na Itália de Mus-
fantil, atribuído esta semana pelo Festival Internacional Aldous Huxley escreveu esta escolhe uma técnica diferente, quando já não posso controlar solini, viria a reproduzir esse
de BD da Amadora. história em 1944, para a sua mas sempre eficaz na relação nem dirigir tudo: o efeito sur- ambiente repressor em várias
Daniel acaba por pedir ajuda ao seu companheiro de “gra- sobrinha Olivia de Haulleville, que mantém com os textos que presa das imagens fascina-me”, das suas obras.
ffiti”, o Miguel, para o levar até à Rua da Vitória, “onde ela numas férias de Natal, diz-se ilustra. disse à revista “Lire” em No- Em 1950, a Academia Ameri-
fica perdida, mas nunca mais de dois dias”. Não confia no no final do livro. Também aí Aqui recorre a colagens e vembro de 2004. cana de Artes e Letras premiou
Jaime, encontrou perto dele a estrela de prata da Beatriz. se explica que o conto mencio- recortes, criando um ambiente “Portraits”, “Gisèle de verre” o trabalho de Huxley, tendo an-
O livro acaba com o rapaz e o “Rufo” dentro do ele- na os vizinhos da menina em outonal, mas não triste. Os tons e “Mon Amour” são três álbuns teriormente distinguido Ernest
vador. Vão para o 13.º andar. Daniel tem o braço à volta Pearblossom, os Yost, apelido escolhidos e o próprio papel em editados pela Seuil em que Hemingway e Thomas Mann.
dos ombros da mãe, encontrou-a. Só não se fica a saber escolhido pelo autor para o que o livro está impresso dão a Beatrice Alemagna é também “Os Dois Corvos”, embora
se chegou a dizer-lhe a frase escolhida: “A profe de EVT sábio mocho. O interesse de dar sensação de se estar perante uma autora dos textos. Como ilus- destinado a crianças, mostra
disse que, basta eu querer, ainda posso vir a ser um pintor a conhecer estes pormenores da obra de outros tempos. E apetece tradora, assina títulos como mais uma vez como lhe agrada-
famoso!” Queremos acreditar que sim. • concepção da narrativa está no folheá-la. “La Promenade d’un distrait”, va “incomodar” os poderosos. E
facto de terem sido justamente “Eu sou mil pessoas diferen- de Gianni Rodari; “L’enfant foi assim que transformou uma
Letra Pequena sai no primeiro sábado de cada mês.
Comentários sobre livros para o público infanto-juvenil estes vizinhos (os Yost) que tes, tenho mil almas. Adoro pôr- qu’on envoie se coucher”, de cascavel num longo estendal de
podem ser enviados para letra.pequena@publico.pt possibilitaram a sua edição, me em situações complicadas, Claude Roy, e “Marion, Pierre roupa.•