2. Contato com a autora:
helenapolak@terra.com.br
Blog:
http://helenapolak.blogspot.com/
Este livro pode ser adquirido através do site:
www.clubedeautores.com.br
Obrigada a todos que incentivaram e contribuíram
com a elaboração deste livro!!
2
3. I. IDENTIFICANDO A ALTA SENSIBILIDADE
EMOCIONAL...........................................................................6
II. O QUE PODE GERAR COMPORTAMENTOS DO TIPO
BORDERLINE?......................................................................10
III. ALGUMAS CARACTERÍSTICAS DO TRANSTORNO
BORDERLINE........................................................................19
1. Vergonha / Invalidação ...................................................19
2. Raiva................................................................................21
3. Impulsividade ..................................................................22
4. Variações de humor.........................................................24
5. Sensibilidade sensorial / ansiedade .................................24
6. Sensibilidade a crítica......................................................25
7. Interpretação equivocada de emoções.............................26
8. Distorção de “fatos” / memória emocional /
atemporalidade ....................................................................28
9. Atribuição de culpa .........................................................31
10. Medo de abandono / medo de intimidade .....................32
11. Atitude “oito ou oitenta” ...............................................34
12. Ruminação.....................................................................35
13. Depressão / Medicamentos............................................36
14. Insônia ...........................................................................37
15. Problemas de Interação Social ......................................37
16. Autolesão / dor / pensamentos suicidas.........................39
IV. REAÇÃO DAS PESSOAS À SUA VOLTA....................41
V. ABORDAGENS TERAPÊUTICAS ..................................46
VI. EMOÇÕES........................................................................49
VII. LIDANDO COM IMPULSIVIDADE E/OU
DEPRESSÃO ..........................................................................53
1. Táticas para conter impulsos prejudiciais .......................54
2. Táticas para combater depressão.....................................55
3. Outras dicas para inserir uma pausa entre o impulso e o
ato decorrente ......................................................................56
a) Fazer perguntas a si mesma.........................................56
b) Protelar........................................................................57
3
4. c) Procurar distração........................................................57
d) Conversar consigo mesma ..........................................58
4. Táticas a médio e longo prazo.........................................59
a)Fazer papel de repórter.................................................59
b) Usar auto-afirmações ..................................................60
c) Buscar outras fontes de adrenalina..............................61
VIII. NOVAS PERSPECTIVAS.............................................63
1) Reconhecendo distorções cognitivas, como: ..................64
a) Pensamento preto ou branco, oito ou oitenta ..............64
b) Extrapolação/ generalização .......................................64
c) Prisma negativo...........................................................64
d) Conclusões precipitadas..............................................64
e) Tamanho dos problemas .............................................64
f) Raciocínio emocional ..................................................65
g) Projeções do “deveria”................................................65
h) Rótulos ........................................................................65
i) Personalização e culpa .................................................65
2. Modificando as distorções cognitivas .............................66
a) Identifique o tipo de percepção errônea ......................66
b) Examine as provas ......................................................66
c) Fale consigo mesma ....................................................66
d) Busque o meio termo ..................................................67
e) Faça uma pequena pesquisa de opinião ......................67
f) Descreva situações com outras palavras......................67
g) Não assuma toda a culpa.............................................67
h) Não atribua toda a culpa aos outros ............................67
i) Analise o custo-benefício.............................................68
3. Libertando-se de ressentimentos .....................................68
4. Sugestões de outras pessoas para lidar melhor com seus
pensamentos negativos:.......................................................72
IX. APRENDENDO A CONVIVER MELHOR COM OS
OUTROS.................................................................................75
X. CONSOLIDANDO SUA IDENTIDADE..........................85
1. Crenças problemáticas.....................................................85
2. Identificando suas crenças...............................................85
4
5. 3. Reprogramando suas crenças ..........................................88
4. Identificando valores .......................................................89
5. Definindo metas ..............................................................92
XI. LIDANDO COM O ESTRESSE DA ALTA
SENSIBILIDADE EMOCIONAL..........................................96
1. Aprendendo a relaxar ......................................................96
a) Relaxamento muscular progressivo ............................97
b) Meditação....................................................................98
2. Cuidando melhor de si.....................................................99
a) Alimentação ................................................................99
b) Movimentação.............................................................99
c) Sono reparador ..........................................................100
3. Organizando seu tempo.................................................101
XII. DEPOIMENTOS DE ALGUMAS PESSOAS
DIAGNOSTICADAS COM TRANSTORNO DE
PERSONALIDADE BORDERLINE ...................................103
REFERÊNCIAS ....................................................................113
5
6. I. IDENTIFICANDO A ALTA SENSIBILIDADE
EMOCIONAL
Você se identifica com a maioria das afirmativas abaixo?
Tenho medo de ser abandonada pelos outros
Quando tenho um impulso muito forte, eu o sigo sem
pensar nas consequencias
Meus relacionamentos são instáveis e problemáticos
Quando penso sobre minha infância, vem a sensação
de falta de compreensão e carinho, lembranças de
abuso e trauma
Sinto um vazio interior a maior parte do tempo, uma
falta de rumo
Tenho problemas com vícios, dependências,
compulsões, transtornos alimentares, etc.
Meu humor varia de uma hora para outra e até muitas
vezes no mesmo dia
Frequentemente não consigo controlar minhas
reações, que são muito intensas
Sinto que o mundo à minha volta é cheio de ameaças
e pressões e cobranças
Às vezes me acho muito vulnerável e fraca, sinto que
não dou conta de lidar com a vida
Desconfio que frequentemente incomodo as pessoas,
que elas não me aceitam como sou
Sofro muito com as palavras e atitudes dos outros,
pois levo tudo de forma pessoal – e negativa
Tenho problemas de insônia, depressão, ataques de
pânico, de ansiedade.
6
7. Veja como a renomada escritora Pearl Buck descreve uma pessoa
altamente criativa que já nasce com extrema sensibilidade
emocional – para a qual:
“Um toque é uma pancada,
um barulho é um estrondo,
um revés é uma tragédia,
uma alegria é um êxtase,
um amigo é um amado,
um amado é um deus,
e o fracasso é a morte.”
Se você chega a sofrer com sua extrema sensibilidade emocional,
é possível que você apresente algumas características daquilo
que, no seu conjunto, é chamado (por falta ainda de um nome
melhor) de “transtorno de personalidade borderline” (
“bórderláine”, ou simplesmente “bórder”).
O objetivo aqui não é rotular ninguém, e sim identificar e
entender da melhor forma possível os fatores que lhe afligem e,
7
8. com base nisto, partir para a adoção de uma nova perspectiva,
adotando atitudes que podem melhorar consideravelmente a sua
qualidade de vida, atenuando suas angústias e incertezas.
Às vezes a simples constatação de que aquilo que nos atormenta
tem um nome específico, possui características específicas, tem
potencial de recuperação, e é compartilhado por milhares e
milhares de pessoas ao redor do mundo, pode proporcionar um
certo alívio. E essa identificação talvez lhe permita partir mais
rapidamente para o próximo passo – ok, se é esse o meu problema, o
que posso fazer então para melhorar?
Entretanto, mesmo com toda a sua inteligência e percepção,
poderá haver diversos motivos pelos quais você talvez relute em
aceitar de imediato essa possibilidade, por considerá‐la
perturbadora, depreciativa, radical, discriminatória, pessimista,
constrangedora, etc.
Em vista da sua experiência de vida e sua alta sensibilidade inata,
talvez você nao queira aceitar ou admitir que tenha qualquer tipo
de “transtorno” de personalidade, ou comportamental, ou
emocional, ou o que seja. Essa reação é perfeitamente normal.
De modo geral, não queremos ser considerados “diferentes” de
forma negativa. Além disso, todos nós no fundo tememos que
algum profissional da área de saúde (seja mental ou física) nos
diga que realmente sofremos de algum problema que precisa ser
analisado, tratado, acompanhado, medicado, etc., ou que nos
diga que temos que fazer algumas mudanças em nosso estilo de
vida (como ter que fazer atividade física, ou parar de fumar, de
beber, de comer doces, etc.). Mudança é uma palavra chave: a
ponte entre o conhecido e o desconhecido.
Se você quiser, pode optar por considerar o conteúdo deste livro
simplesmente como um conjunto de informações sobre questões
8
9. emocionais ou de relacionamento, que podem vir a ser úteis de
alguma forma.
Mas, se você reconhecer, nem que seja somente no seu íntimo,
que você efetivamente possui algumas das características acima
descritas, comuns ao transtorno borderline, e sabe que suas
reações impulsivas e/ou negativas atrapalham a sua vida e seus
relacionamentos – então você pode começar a trabalhar suas
questões com a ajuda das ferramentas oferecidas aqui, como um
primeiro passo, enquanto você não busca e encontra o apoio
profissional (e/ou familiar) necessário para progredir mais rápida
e seguramente na construção de uma vida melhor.
O importante é justamente dar o primeiro passo, e colocar
intenção no seu progresso e recuperação. Não é um caminho fácil
– você vai precisar de muita coragem, perseverança e fé.
Confiança de que você vai chegar a um ponto de poder
aproveitar muito melhor sua vida como recompensa por este
esforço.
Quanto mais você protelar em analisar objetivamente a
relevância das características e consequências da alta
sensibilidade emocional no seu caso, e em tomar as medidas
necessárias para se entender melhor e procurar a ajuda adequada
para fazer as mudanças indicadas, mais íngreme e lento será o
seu caminho de recuperação. Aproveite esta oportunidade para
começar a mudar sua perspectiva desde já.
Observação: Adota-se o uso do feminino ao longo do livro para concordar com a
palavra “pessoa” – embora naturalmente a alta sensibilidade emocional possa
ser encontrada tanto em homens quanto mulheres.
9
10. II. O QUE PODE GERAR COMPORTAMENTOS DO TIPO
BORDERLINE?
Não há resposta simples para essa pergunta. Existe um intenso
debate em andamento sobre os fatores que podem contribuir
para a manifestação dos sintomas do Transtorno de
Personalidade Borderline (TPB), sem que se tenha chegado ainda
a um consenso. Somente para ilustrar como que esse problema
tem sido relativamente pouco estudado até agora, o
primeiríssimo congresso internacional sobre Borderline foi
realizado apenas em 2010, em Berlim.
Um dos novos nomes propostos para o distúrbio é “Transtorno
de Regulação Emocional”, pois é justamente a “desregulação
emocional” que traduz a dificuldade que a pessoa tem em
regular, modular, controlar, e até reconhecer e classificar suas
próprias emoções.
Muitas pesquisas estão sendo conduzidas sob diversas óticas,
mas de modo geral a constatação é de que algumas pessoas já
nascem com um certo conjunto de vulnerabilidades
neurobiológicas, as quais podem (ou não) levar a uma
manifestação dos comportamentos associados ao transtorno,
dependendo das experiências pessoais e influências do meio.
Estas pesquisas continuam analisando a ação de
neurotransmissores, serotonina, a amídala (parte do sistema
límbico), as diferentes formas de perceber e processar
conhecimento e emoções, a hipersensibilidade a estímulos e
mudanças, a atividade do córtex pré‐frontal, as questões
relacionadas à insônia, resposta a dor, receptores opióides, o
cerebelo, o hipocampo, baixa ocitocina, entre outras.
Existe uma grande diversidade na “programação” individual – o
que, por sua vez – e isto é de suma importância ‐ aponta para o
potencial de “reprogramar” as reações e atitudes da pessoa com
10
11. sintomas Borderline, principalmente através de terapia, para
permitir que tenha uma vida mais tranqüila e equilibrada.
Alguns tipos de comportamento “menos comuns” encontrados
em nosso meio de familiares e amigos podem dizer respeito,
talvez, a um tio impulsivo e esbanjador, uma tia que sofre de
depressão, um avô que bebia demais, um primo super tímido, um
outro primo brilhante porém imprevisível, um parente muito
“sistemático”, outro extremamente ciumento e possessivo, um
colega que só quer saber de aventuras radicais, e assim por
diante.
Considerados individualmente, tais traços podem até ser aceitos
socialmente como hábitos “excêntricos” (embora o alcoolismo, o
homossexualismo e transtornos de comportamento, por
exemplo, ainda carreguem um pesado estigma, contribuindo
para que as próprias pessoas e seus parentes não queiram
comentá‐los abertamente nem buscar ajuda).
Mas, no caso do Borderline, pode ocorrer a concentração de
diversas destas vulnerabilidades e características em uma só
pessoa – o que representa uma carga individual excessivamente
pesada para se lidar de forma adequada sem alguma espécie de
ajuda.
Com uma boa terapia (uma das opções mais eficazes sendo a
Cognitiva comportamental, que visa justamente essa
reprogramação, ou psico‐educação) e o apoio e envolvimento
positivo de pessoas amadas e amigas, e também, muitas vezes, a
ajuda de medicação adequada, a pessoa com sintomas Borderline
pode atingir um excelente grau de recuperação. Relatos
fascinantes e inspiradores podem ser encontrados em grande
quantidade em blogs e vídeos e sites na internet, em livros (como
The Buddha and the Borderline, por Kiera Van Gelder, BPD Coaching and
Advocacy, por A. J. Mahari, Loud in the House of Myself, por Stacy
11
12. Pershall, por enquanto disponíveis somente em inglês), entre
outras fontes.
É interessante observar que muitas pessoas com sintomas
Borderline acabam encontrando equilíbrio, satisfação e
realização ao exercer atividades que envolvem a prestação de
ajuda aos outros, seja através de enfermagem, assistência social,
voluntariado, ensino de modo geral, terapia, etc.
Um dos exemplos mais marcantes na área internacional é da Dra.
Marsha Linehan, da Universidade de Washington nos EUA,
pioneira no desenvolvimento e utilização da Terapia
Comportamental Dialética, que já ajudou um grande número de
pessoas com sintomas borderline ao redor do mundo – sendo
que ela mesma passou por uma juventude turbulenta,
atormentada por sintomas borderline. Maiores detalhes sobre o
caso dela podem ser encontrados no site
www.borderlinepersonalitydisorder.com.
Temos também o caso amplamente divulgado do jogador de
futebol americano, Brandon Marshall, que declarou que vai
trabalhar para que o transtorno se torne mais conhecido, e assim
mais rapidamente diagnosticado e tratado. Entre pessoas já
falecidas, podemos somente especular, mas aparentemente
tanto o famoso pintor Van Gogh quanto à Lady Diana sofriam de
vários sintomas borderline.
No final deste livro você encontrará também relatos de outras
pessoas já diagnosticadas como portadoras do transtorno de
personalidade Borderline (ou seja, desregulação emocional),
ilustrando sua trajetória, suas dúvidas e angústias, sua coragem e
seus avanços. E você poderá acompanhar também alguns grupos
excelentes no Facebook, como Transtorno de Personalidade
Borderline e Grupo de Portadores do Transtorno Borderline onde
as pessoas conversam sobre seus problemas, trocam idéias e
sugestões, encontrando apoio e compreensão, assim como blogs
12
13. informativos e interativos, tais como
http://vidadeumaborderline.blogspot.com/, e
http://cafepsicanalitico.blogspot.com/.
Não devemos nunca esquecer de que existem muitos níveis e
tipos de sintomas Borderline, bem como variadas fases e ciclos e
combinações de comportamentos. Às vezes, se as circunstâncias
de vida não desencadeiam as fortes e negativas reações
emocionais características do transtorno, a vulnerabilidade
biológica pode permanecer dormente por muito tempo, ou
mesmo latente para sempre, e/ou poderá manifestar‐se de forma
relativamente branda, e/ou mais passageira.
Além disso, à medida que a pessoa chega aos quarenta, levando
uma vida com menos conflitos emocionais, registra‐se uma
frequente tendência à diminuição dos sintomas de instabilidade e
impulsividade, às vezes até sem tratamento específico.
Entretanto, sem um ambiente estruturado e sem terapia,
algumas pessoas podem até piorar – portanto, não é a idade em
si o fator determinante. Entre outros profissionais a confirmar
essa tendência, temos o Dr. Erlei Sassi Junior, formado em
medicina e psicoterapia pela Universidade de São Paulo (USP),
que estuda pacientes com transtorno borderline há 15 anos e
atualmente coordena o Ambulatório dos Transtornos de
Personalidade e do Impulso do Instituto de Psiquiatria do
Hospital das Clínicas, também na capital paulista.
O mesmo, ao ser indagado sobre as principais mudanças
esperadas no Manual de Diagnóstico e Estatística de Distúrbios
Mentais, o DSM‐V, previsto para publicação em maio de 2013,
respondeu à Veja Online de 31/07/2011 o seguinte: “no DSM‐V, a
principal evolução no diagnóstico do transtorno será a aplicação
de questionários destinados a medir duas características.
Primeira: em que medida o paciente se vê como um indivíduo
autônomo, ou seja, que não depende dos outros. Quanto mais
considerar‐se independente, menos graves são os sintomas.
13
14. Segunda: a capacidade do paciente de colocar‐se no lugar do
outro. Quanto mais entender as aflições de outra pessoa, menos
graves são os sintomas. Desta maneira, será possível medir o
nível de intensidade do transtorno. Dependendo do grau da
doença, o tratamento muda.”
Resumindo – não há uma única causa específica do transtorno
Borderline, pois a manifestação dos sintomas depende do
conjunto individual de vulnerabilidades e a
sequencia/combinação de eventos que impactaram aquela
pessoa. Por conseguinte, é importante frisar que a pessoa que
apresenta o transtorno não “tem culpa” pelo aparecimento e
manifestação dos sintomas de Borderline, e nem existe uma
figura exclusiva a quem possa ser atribuída a “culpa” pelo
desenvolvimento do transtorno, entre pais, parentes, parceiros,
cônjuges ou amigos.
É essencial lembrar que todos nós temos momentos de
desregulação emocional. Porém alguns aspectos que levam
certas pessoas a serem efetivamente diagnosticadas como
portadoras do Transtorno de Personalidade Borderline dizem
respeito ao grau em que tais características afetam as suas
vidas e a dos outros, a intensidade e velocidade com que essas
emoções surgem e são expressas, e a demora em retornar para
um estado emocional mais objetivo e tranqüilo.
A possibilidade de que a causa destes comportamentos
perturbadores seja o Transtorno de Personalidade Borderline
deve ser contemplada, avaliada e/ou confirmada por um
profissional da área de saúde mental, única pessoa com
competência para fazer o diagnóstico preciso e oferecer o
tratamento e acompanhamento terapêutico adequado.
Entretanto, geralmente são os familiares ou cônjuges os
primeiros a testemunhar os comportamentos imprevisíveis e
impulsivos apresentados pela pessoa com alta sensibilidade
14
15. emocional (potencialmente Borderline), e, por não terem
conhecimento suficiente sobre o assunto, ficam sem saber como
agir ou reagir, onde e que tipo de ajuda devem procurar, e nem
têm condições de avaliar devidamente se a ajuda encontrada é a
mais adequada para o caso em questão.
A própria pessoa com sintomas Borderline muitas vezes não sabe
onde e como procurar ajuda para seus dilemas e angústias,
principalmente se nao tem conhecimento do conjunto de
características que pode indicar a presença do transtorno. E
existem também fatores pessoais, econômicos, familiares, etc.
que criam obstáculos à sua busca e obtenção da ajuda necessária
e eficaz. Como resultado, normalmente há uma longa e lastimável
demora no reconhecimento do problema e na definição do
diagnóstico correto, assim como na posterior disponibilização de
suporte e tratamento adequado.
Foi justamente pensando neste aspecto – o da frequente
demora em se encontrar ajuda terapêutica eficaz - e
considerando que esse tempo perdido é traduzido em
sofrimento para cada pessoa e sua família - que tomamos a
iniciativa de oferecer uma compilação de “primeiros passos”
para que a própria pessoa com sintomas Borderline possa ir
adquirindo mais consciência e autoconfiança até que consiga
ter acesso ao devido apoio profissional.
Pois o sofrimento emocional é um fator constante na vida da
pessoa altamente sensível, decorrendo basicamente do fato de
carregar suas emoções à flor da pele, como se lhe faltasse uma
importante camada protetora que a maioria dos outros possui.
Ela vive num turbilhão emocional, e por conseguinte procura
aliviar sua dor de qualquer forma disponível no momento –
mesmo se isto faz com que ela se vire contra os outros ou contra
si mesma. É como se estivesse literalmente pegando fogo e
corresse desesperadamente em direção ao rio mais próximo para
apagar as chamas, nem que para isso tenha de derrubar todos
que se encontram em seu caminho.
15
16.
Esse caos interno é descrito assim em primeira mão por uma
pessoa com sintomas Borderline:
“Você queria saber o pior sobre mim, as
coisas que não contei para ninguém e
escondi debaixo da superfície. Como posso
explicar? Como posso explicar quem eu
sou, se nem eu mesma sei com certeza?
Como colocar em palavras os piores
aspectos de mim, dos quais tenho fugido
há tanto tempo? Vou lhe contar meus
segredos, vou contar tudo. Pode ser que
isso me ajude. Talvez você me deteste por
isso ou talvez você entenda. Não sei, mas
estou cansada de fugir. Então aqui vai,
vou lhe dar o que você pediu.
Eu te odeio. Isso não é verdade, mas às vezes acho que é. Não atendo o
telefone quando você liga, embora queira falar com você. Não te ligo, mesmo
sendo isso a única coisa que quero fazer. Não vou te procurar, embora todas
as partes de mim queiram fazer isso. Vou sentir raiva de você, vou querer te
magoar, vou te afugentar porque tenho medo que você se aproxime demais.
Preciso de sua atenção constante, seu apoio, mas os receberei com fria
indiferença.
Terei ciúme da atenção que você dá para outros, e terei raiva de você por me
ignorar. Vou me sentir bem carinhosa e próxima de você um dia, somente
para ficar com raiva de você e querer te expulsar da minha vida no dia
seguinte.
Sofro de amnésia emocional, talvez eu tenha sido sempre assim. Vejo cada
evento, cada dia, cada conversa como um evento separado, sempre buscando
sinais de que você possa vir a me magoar. Quando me sinto ignorada, fico
com raiva e esqueço que no dia anterior você me falou quanto que gostava
de mim.
16
17. Sou um caos inconsistente. Existe uma parte de mim que está feliz e
confiante, e uma outra parte que é insegura e carente. Esses dias, nunca sei
que lado vai vir à tona.
Cada vez que acho que as coisas estão sob controle, que eu sei que você gosta
de mim e me sinto bem com nosso relacionamento, a dúvida e o medo
voltam. Talvez com tempo possam sumir inteiramente, mas tenho minhas
dúvidas. Basta aparecer um novo relacionamento, um novo amigo, um novo
dia, e tudo volta outra vez.
Você pergunta o que pode fazer por mim, e eu não sei o que lhe responder. A
minha parte carente quer sua atenção constante, precisa de suas palavras e
seus pensamentos, de sua presença. Mas sei que isto não é a resposta,
preciso aceitar as limitações em nosso relacionamento. A minha parte
assustada quer você fora da minha vida para facilitar as coisas. A minha
parte detestável quer te magoar e machucar porque acredita que você me
machucou.
Tudo que posso pedir é que você entenda, que não desista. Vou lhe ignorar às
vezes, posso ser grossa com você, posso tentar magoá-lo. Posso me esconder
de você e esperar que você me procure, para que eu sinta que você realmente
se importa comigo.
Não é justo fazer essas coisas com você, mas eu as farei. Não posso lhe pedir
para agüentar isso tudo, não é justo, e, não importa como eu aja, gosto
demais de você para lhe sujeitar a isso tudo. Mas você perguntou, e é isso
que tenho a lhe dizer.
Não gosto disso. Não gosto de ser carente e pegajosa. Não gosto de magoar
as pessoas. Não gosto de ser grossa e sarcástica com as pessoas que me
cercam. Não gosto dessa parte de mim. Durante muitos anos ignorei isso e
fiz de conta que isso era eu, mas entendi agora que eu estava errada. Isso
não é eu – é uma falsa identidade criada para me proteger do mundo.
Não foi fácil chegar a este entendimento, e talvez ainda não o tenha aceito
inteiramente. Mas encontrei o meu caminho, sinto que posso mudar e que
posso aceitar esse lado meu e impedi-lo de se tornar aquilo que sou. Não vai
ser fácil e não vai ser rápido, mas tenho fé que vou conseguir. Talvez um dia
eu me veja como a pessoa que você vê por trás de minhas defesas, e talvez
um dia vou permitir que os outros também vejam aquela pessoa.
17
18. Isso é dirigido a você, mas você representa muitas pessoas. As pessoas que
estão próximas a mim agora. As pessoas das quais eu quero estar próxima
mesmo as tendo afugentado. Os amigos que afastei no passado, os amigos
que nunca perdoei e nunca permiti voltar para minha vida, os amigos aos
quais nunca tive oportunidade de dizer essas coisas. As pessoas que vou
conhecer no futuro, as pessoas das quais vou gostar até que novamente eu
as empurre para fora de minha vida. A parte de mim que ainda está
tentando entender quem eu sou. Você é estas pessoas todas e muitas mais”.
Os conceitos abordados na seção a seguir estão descritos
também no primeiro livro da autora, Sensibilidade à Flor da Pele,
dirigido principalmente a familiares de pessoas com sintomas
Borderline, porém são incluídos aqui devido à sua importância
para o melhor entendimento dos aspectos mais problemáticas da
alta sensibilidade emocional.
18
19. III. ALGUMAS CARACTERÍSTICAS DO TRANSTORNO
BORDERLINE
1. Vergonha / Invalidação
A vergonha é um aspecto que não só permeia como provoca
muitas das ações e reações da pessoa com sintomas Borderline.
Existem diversas maneiras de definir o sentimento de vergonha.
Mas, basicamente, podemos dizer que a vergonha é o mal‐estar
emocional vinculado à idéia de alguma ação que imaginamos
censurada pelos outros e/ou por nós mesmos.
Mas, de onde vem essa vergonha?
Essa sensação enraizada de vergonha entre muitas pessoas com
sintomas Borderline é geralmente atribuída a um ambiente
“invalidante” na infância e/ou juventude – um ambiente em que
as reações emocionais da criança, principalmente as negativas ou
mal compreendidas (tais como raiva, medo e tristeza) foram
tratadas com zombaria, ironia, impaciência, rejeição ou desprezo,
e/ou consideradas inadequadas, incômodas, erradas, inválidas,
inaceitáveis ou indesejáveis; um ambiente em que foram
repetidamente praticados atos ou proferidas palavras para
controlar, inibir, coibir ou moldar tais reações.
Essa invalidação pode ser percebida e assimilada pela pessoa com
alta sensibilidade emocional em uma grande variedade de
situações, desde casos de abuso sexual real a uma mera falta de
sintonia entre sua personalidade e a dos seus pais. Mesmo pais
amorosos e bem‐intencionados podem ter dificuldades em lidar
com uma criança mais sensível, por falta de conhecimento, de
tempo, ou outros fatores.
Pessoas com predisposição a Borderline podem tornar‐se
incapazes de validar a si mesmas, de sentir empatia por si
mesmas, de se consolar e acalentar, de gerar e manter uma
19
20. autoconfiança saudável. Quando a manifestação de suas
emoções negativas é bloqueada ou punida, isso gera uma
resposta ou reação de vergonha – primeiro, pelo próprio fato de
ter sentido essa emoção intensa, e, segundo, por ter externado
essa emoção, expondo‐se a crítica e juízo.
A vulnerabilidade biológica da pessoa com sintomas Borderline
impede que ela consiga distinguir entre o que ela é e o que ela
sente, e, por não corresponder às expectativas da família ou da
sociedade, sente‐se punida de alguma forma pelas suas ações,
que são, por sua vez, uma manifestação direta de seus
sentimentos e impulsos. Portanto, ela age conforme seus
sentimentos e, caso punida, internaliza que está sendo punida
pelo que ela é.
Veja este comentário de uma pessoa com sintomas Borderline:
“Um terapeuta me contou que toda família tem sua ovelha negra – essa
ovelha negra sendo a pessoa que se sobressai pelo seu poder, e que os outros,
por se sentirem inseguros em seu convívio, buscam controlar e fazer com
que se torne uma ovelha branca. Essa pessoa nunca conseguiu ser uma
ovelha branca, mas ficou com a sensação de que não se encaixava em lugar
nenhum. Infelizmente, ela tem Borderline.”
20
21. A reação natural a um sentimento de vergonha é acobertá‐lo,
pois a pessoa se sente vulnerável, e a vergonha acaba gerando
mais vergonha, num círculo vicioso.
E é justamente essa vergonha que impede muitas pessoas com
sintomas Borderline de procurar ajuda na forma de terapia, pois
isto também acarreta duas reações distintas de vergonha. Uma,
resultante do medo de que o terapeuta vai conseguir enxergar
seus defeitos e enquadrá‐la como problemática e imperfeita,
como uma pessoa que precisa ser “consertada”. E outra, pelo
medo de que, se a terapia não der resultado, sua vergonha e seu
fracasso serão confirmados oficial e publicamente.
Passada a crise de desregulação emocional, a pessoa com
sintomas Borderline pode sentir‐se envergonhada e
constrangida. Porém normalmente não expressa a sua vergonha,
nem procura justificar seu comportamento, nem pede desculpas
– mais uma vez porque, se admitisse sua culpa, poderia tornar‐se
alvo de mais crítica. Ou então simplesmente porque ela mesma
não consegue se perdoar.
Sua vergonha pode intensificar‐se rapidamente, externando‐se
em forma de tristeza, medo e raiva. A raiva, por ser uma emoção
extremamente forte, frequentemente prevalecerá sobre as
outras.
2. Raiva
Uma pessoa com sintomas Borderline pode ter um acesso de
raiva a troco de aparentemente nada: uma coisa mínima fora do
lugar, um pequeno atraso, uma palavra descuidada, uma ligeira
mudança de planos ‐ esses eventos remetem não só à vergonha
mas também a uma hipersensibilidade a crítica, a uma
insegurança básica. A raiva tem a função, entre outras coisas, de
criar uma barreira contra três sentimentos básicos que conduzem
à baixa de auto‐estima – vulnerabilidade, impotência, e
21
22. abandono. Porém, incontrolada e mal usada, acaba atrapalhando
a nossa vida, e nessa ânsia de nos defender desses perigos,
partimos para o ataque.
Veremos mais adiante algumas dicas para atenuar acessos de
raiva.
3. Impulsividade
De modo geral, nossas emoções podem ser desencadeadas por
sinais, indícios, impressões ou “vibrações” vindos do ambiente ao
nosso redor, e nosso “sistema imunológico emocional”, por
assim dizer, automaticamente procura interpretar o significado
desses sinais.
No caso das pessoas com sintomas Borderline, o significado
destes sinais pode ser interpretado erroneamente, levando à
impulsividade e comportamentos aparentemente injustificados.
A impulsividade pode ser vista como uma tendência a agir com
pouco ou nenhum planejamento para reduzir o impacto de
estímulos adversos. Esta reação automática pode ser essencial
para sua sobrevivência quando você tiver que fugir de um perigo
real, como desviar de um outro carro ou fugir de um cachorro
bravo. Entretanto, dependendo do contexto e da intensidade da
resposta, a impulsividade pode ser uma característica
disfuncional que gera sérios problemas na vida do Borderline.
A impulsividade extrema pode levar a comportamentos de risco,
tais como imprudência ao volante, jogatina, libertinagem,
promiscuidade, associação com pessoas à margem da lei, excesso
de consumismo, viagens repentinas, obsessão por cirurgias
plásticas, distúrbios alimentares como anorexia e bulimia,
autolesão, tudo com o mesmo objetivo básico: aliviar a dor
emocional através de uma alta dose de adrenalina ou através de
outras fontes de dor que suplantem a dor original.
22
23.
Um fator que talvez contribua para esta impulsividade é uma
possível diferença na organização dos circuitos neurais. Pesquisas
recentes com ressonância magnética funcional mostram que o
cérebro em descanso das pessoas com sintomas Borderline
mostra maior ativação do córtex pré‐frontal (a parte do cérebro
que parece ser responsável pela análise e tomada de decisões,
servindo também como freio de agressão) do que em pessoas
sem sintomas Borderline.
Isto se traduz em uma percepção mais aguçada de ameaças,
geralmente na área emocional. Quando a ameaça é percebida ou
efetivamente se materializa, o córtex pré‐frontal “desliga” e o
sistema límbico “acende”. Como conseqüência, a pessoa com
sintomas Borderline reage de forma reativa e impulsiva, tendo
seu processo decisório inibido. Isto muitas vezes leva a uma
desregulação emocional e extrema personalização – em outras
palavras, ela não só percebe uma ameaça, mas acredita que
esteja especificamente direcionada a ela.
Um dos moderadores da atividade no córtex pré‐frontal é a
serotonina, que é o neurotransmissor modulador das vias senso‐
perceptivas responsáveis pela sensação de dor, e que também
contribui para o melhor controle do impulso sexual, da
agressividade e da ansiedade. Cogita‐se que deficiências no
metabolismo da serotonina (e na quantidade e sensibilidade de
seus receptores) possam exacerbar os sintomas Borderline.
O aspecto positivo desta visão neurobiológica é que este quadro
pode ser aos poucos modificado através do pensamento
(durante o processo da terapia Cognitiva comportamental, por
exemplo), à medida que o córtex pré‐frontal vai sendo reativado
e re‐programado. Isto permite que as emoções se transformem
de impulsivas para ponderadas. E essa é uma das principais metas
a ser buscada.
23
24. 4. Variações de humor
Uma das principais características da
pessoa com sintomas Borderline é a
sua imprevisível e drástica variação
de humor. Sua alta sensibilidade e
reatividade emocionais prejudicam
seu processo cognitivo, seu
raciocínio, sua tomada de decisões,
sua auto‐confiança. Seu humor tende
a oscilar de forma mais rápida do que
ocorre em alguns outros distúrbios comportamentais (como o
bipolar, por exemplo), podendo mudar diversas vezes no decurso
de poucas horas. Isso cria um clima de insegurança geral tanto
para a própria pessoa quanto para seus amigos e familiares.
A amídala, uma parte do sistema límbico, parece ter participação
nesta labilidade/instabilidade emocional. Sua função principal é o
processamento de emoções e o armazenamento de lembranças
emocionais. Serve também como o sistema de alarme do
cérebro, acendendo as reações de fuga ou luta. A amídala recebe
informacoes sensoriais do corpo através do tálamo e envia
mensagens para muitas outras áreas, inclusive o rosto, ativando
expressões faciais, além de estar associada com o olfato. As
pessoas com sintomas Borderline em alguns estudos mostraram
ter amídalas bem mais ativas do que a maioria da população,
levando a uma intensificação nas reações emocionais a quase
todas as situações de vida, colocando‐as em estado praticamente
constante de alerta e prontidão.
5. Sensibilidade sensorial / ansiedade
As pessoas com sintomas Borderline frequentemente
apresentam alta sensibilidade, não só a cheiros, mas também a
outros estímulos sensoriais, tais como texturas (tecidos, etc.),
ruídos (interpretando como ofensivos alguns sons que nao
24
25. incomodam os outros), sabores, luminosidade, e assim por
diante.
As pesquisas também indicam que pode haver uma conexão
entre a ansiedade, a impulsividade e variações de humor. A
ansiedade é geralmente uma das primeiras características
observadas por terapeutas ao lidar com pessoas posteriormente
diagnosticadas com Borderline (assim como a depressão).
Se fosse promovida uma conscientização maior entre pais e
professores quanto à importância da detecção precoce de
ansiedade e sensibilidade exacerbadas em crianças, talvez elas
pudessem ser ensinadas técnicas de “coping” para aprender a
lidar melhor com essas características, evitando assim o
desenvolvimento de problemas mais sérios no futuro.
6. Sensibilidade a crítica
As pessoas com sintomas Borderline têm tendência a reagir de
forma inesperadamente radical a críticas e rejeições percebidas
ou imaginadas; a evitar tarefas, reuniões
ou interações sociais em que possa
surgir qualquer rejeição implícita; a
monitorar constantemente as reações
dos outros para detectar algum indício,
por mais sutil que seja, de desaprovação
no seu radar emocional; e a vivenciar
antecipadamente emoções negativas
com base em supostas rejeições futuras.
Quando tal rejeição ou crítica é percebida ou efetivamente
ocorre, principalmente quando parte de uma pessoa com a qual
tenha um forte vínculo afetivo, isto gera ondas de raiva,
hostilidade e às vezes até violência física. Mais uma vez, isso tem
a ver com vergonha e medo de julgamento. De qualquer forma,
uma pessoa com sintomas Borderline vai se julgar severamente
25
26. por causa da vergonha (sou uma má pessoa) e vai se rejeitar (não
mereço aceitação).
Além disso, por mais paradoxal que pareça, pode voltar‐se contra
as pessoas que lhe estendem a mão e oferecem aceitação,
porque acha que no fundo não merece tal aceitação.
Esta é a lei de “efeito e causa”, assim explicada por uma pessoa
com sintomas Borderline:
“O mundo opera no sentido de “efeito e causa” (e não ao contrário).
Se eu sinto coisas de uma certa forma, vou procurar retroativamente
uma causa para as mesmas – uma causa que não possa ser atribuída
a mim! Pois se for, eu seria julgada como estando errada. E eu não
aguento ser julgada como errada.”
7. Interpretação equivocada de emoções
O processamento de informações, ou seja, o processamento
cognitivo e emocional, é intimamente relacionado ao nosso
sistema neurobiológico. Alterações nesse processamento são
frequentemente o primeiro sinal observado pelos parentes e
próximos de que tem algo na pessoa amada que foge à regra.
Mesmo afirmações aparentemente neutras podem ser
interpretadas de forma emocional, e levadas pessoalmente,
causando reações imprevistas. Pode ser algo tão inócuo como –
“você está bonita hoje” (reação personalizada, focando na
palavra “hoje”: por que você diz isso, tou feia nos outros dias?), e assim
por diante.
O transtorno de personalidade Borderline geralmente apresenta
obstáculos à comunicação habitual. As palavras dos outros
parecem sofrer uma distorção “no ar”, uma mutação inexplicável
entre o instante em que são proferidas e o momento em que são
ouvidas, absorvidas e interpretadas pela pessoa com sintomas
26
27. Borderline, muitas vezes já com conotação negativa, acusatória,
crítica.
Pesquisas recentes realizadas por Larry Siever e Barbara Stanley
indicam que alguns elementos químicos no cérebro, tais como a
ocitocina, bem como o nosso sistema opióide endógeno, afetam
nossa capacidade de confiar nos outros e firmar relacionamentos.
Cada área do cérebro possui uma função específica e precisa
estar corretamente conectada com locais neuroanatômicos
específicos para que todos os sistemas funcionem
adequadamente em harmonia. Também existem muitos
neurotransmissores e neuropeptídios (hormônios) envolvidos na
regulação destes sistemas que afetam as formas de percepção de
atos e palavras.
Alguns estudos também
mostram que as emoções
negativas são processadas de
forma distinta das positivas,
usando estruturas e viajando por
circuitos neurais diferentes. Os
gatilhos negativos parecem
provocar respostas mais intensas do que os positivos. Por
aparentemente possuírem uma propensão inata a enxergar as
coisas pelo lado negativo, as pessoas com sintomas Borderline
podem encontrar mais dificuldade em administrar relações
interpessoais, levando tudo para o campo pessoal e assim
intensificando suas reações.
Um aspecto interessante – e relevante – indicado por pesquisas
usando ressonância magnética funcional é que as pessoas com
sintomas Borderline, em comparação com a maioria da
população, parecem ter uma reação muito mais intensa e
negativa a expressões faciais neutras, interpretando‐as como
ameaçadoras, suspeitas, enigmáticas, negativas.
27
28. Isto é algo a ser levado em conta tanto pelos familiares quanto
pelos terapeutas. Pois os parentes, confrontados com acessos de
raiva, geralmente procuram manter sua calma a qualquer custo –
e acabam exacerbando a explosão emocional, por ter sua reação
controlada interpretada como desinteresse, raiva contida, crítica,
desamor, condescendência, etc. E os terapeutas, que
normalmente procuram manter‐se objetivos e impassíveis
durante suas sessões, podem estar transmitindo, em vez de
segurança e tranqüilidade, algo muito diferente. A pessoa com
sintomas Borderline de modo geral parece preferir uma forma de
comunicação mais emocional, clara e vigorosa, porém sempre
sem crítica ou julgamento.
8. Distorção de “fatos” / memória emocional /
atemporalidade
As pessoas com sintomas Borderline podem chegar a distorcer
fatos ocorridos, em situações nas quais:
é menos doloroso mentir do que confessar a verdade;
querem dar uma impressão melhor à outra pessoa do
que elas têm de si mesmas;
querem evitar crítica ou autocrítica;
não conseguem enxergar a “verdade” por causa de
seu “raciocínio” emocional.
Se a pessoa a quem elas contam a sua versão dos fatos tem
probabilidade de julgá‐la como “má” ou “imperfeita”, a
expectativa da desaprovação desencadeia, primeiro, a
sensibilidade e reação à rejeição, e depois a vergonha, porque a
pessoa com sintomas Borderline realmente acredita, no fundo,
que, se ela confessar a verdade, os outros vão descobrir que ela é
uma “má pessoa” e vão acabar por rejeitá‐la totalmente.
Algo que sempre precisa ser levado em conta é que:
A “verdade” da pessoa com sintomas Borderline é sua
emoção.
28
29. A pessoa com sintomas Borderline não necessariamente se
baseia naquilo que vê, ouve, testemunha ‐ baseia‐se mais no que
ela sente, e interpreta as coisas através das “lentes emocionais”
de suas experiências, mesmo que tal interpretação seja
divergente dos “fatos” externos presenciados pelos outros à sua
volta.
E uma pessoa tomada por fortes emoções não consegue aceitar,
assimilar, arquivar ou reconhecer informações que não
confirmem ou não justifiquem tal emoção, conforme evidencia o
seguinte depoimento:
“As lembranças são como pastas no meu arquivo mental. Já que estou
sempre sendo julgada, eu uso esses arquivos seletivamente, assim como os
advogados no seu trabalho. Desta forma, somente serão utilizadas as
lembranças que se adéquam aos meus sentimentos do momento. Pois as
lembranças que apresentam provas contrárias aos meus sentimentos não
serão consideradas como provas admissíveis – ou então serão alteradas para
preservar a minha inocência.”
Portanto, ela estará mais propensa a re‐interpretar ou gerar
“fatos” alternativos que possam corroborar o que está sentindo.
Na sua visão, não está efetivamente “mentindo”, mas sim
salientando ou selecionando “fatos” para respaldar sua forte
reação emotiva à situação vivida.
É muito importante entender este processo que leva a pessoa
com sintomas Borderline a contar inverdades, pois as mesmas
podem ser altamente prejudiciais e ofensivas às pessoas à sua
volta, que, por desconhecerem o transtorno e suas
características, não sabem que não devem levar essas acusações
pessoalmente, e que não devem tentar se defender das mesmas,
pois estas são um reflexo de ataque ou contra‐ataque sobre o
qual a pessoa com sintomas Borderline tem pouco ou nenhum
controle.
29
30. Às vezes as pessoas com sintomas Borderline relatam eventos
para amigos, parentes e terapeutas de forma bem diferente do
que efetivamente aconteceram. Podem até acusar seus pais de
abuso, sem fundamento na realidade vivenciada pelos outros. É
importante, portanto, ter uma visão mais clara de como funciona
o processo de elaboração de lembranças emocionais
(envolvendo a amídala, o hipocampo, lobo temporal, entre
outros) para entender melhor eventuais divergências de fatos
ocorridos.
Frequentemente, por ter uma forte desconfiança do mundo e das
pessoas que a cercam, a pessoa com sintomas Borderline se
sente vulnerável e impotente. E já que as suas emoções podem
ser desencadeadas e desreguladas com tanta facilidade e rapidez,
de forma tão dolorosa, ela quer proteger‐se contra essa dor, e
pode enxergar sua vulnerabilidade como uma forma de abuso
emocional pelos outros, em vista da intensidade da dor que isso
acarreta. Em consequência, ela pode incorporar essa percepção à
sua memória e “história pessoal” como se de fato tivesse sofrido
abusos concretos.
Devemos também lembrar do aspecto de atemporalidade ‐ a
pessoa com sintomas Borderline tende a fazer uma conexão
direta e atemporal entre experiências emocionais do passado e
acontecimentos atuais, porque a sensação para ela é uma só ‐
não faz diferença se algo aconteceu há uma hora ou há vinte anos
atrás. Por conseguinte, pode acabar agindo com base na soma de
suas lembranças emocionais, com uma intensidade que aos
outros parece desproporcional à situação presente:
“Todo tempo é presente. Se algo me incomoda agora, é diretamente
relacionado à maior dor que já senti – e essa dor vem se juntar ao presente
também. O tempo não cura feridas porque, na realidade, o tempo não passa.
Tudo – passado, presente, e futuro – está sempre no aqui e no agora.”
30
31. Portanto, se algo no ambiente da pessoa com sintomas
Borderline a remete a uma memória implícita ou emocional, e se
ela interpreta algo equivocadamente de forma personalizada,
suas emoções são deflagradas sem que ela saiba por que,
reativando seguidamente a experiência emocional do passado.
Eventos ou palavras que magoaram a pessoa no passado
parecem ser revividos com o mesmo (ou até maior) grau de dor,
sofrimento e intensidade emocional, como se tivessem acabado
de acontecer, independente da cronologia real. A dificuldade
inerente que as pessoas com sintomas Borderline têm em deixar
para trás lembranças desagradáveis faz com que vivam em
constante sofrimento, o qual não é atenuado nem compensado
por lembranças de bons momentos.
9. Atribuição de culpa
A pessoa com sintomas Borderline pode responsabilizar os
outros (seja Deus, o destino, o mundo, a vida, os colegas de
trabalho, os pais, o cônjuge, etc.) pelos problemas percebidos,
entre outras causas porque ela mesma não quer ser vista como a
“causa” de problemas ou sofrimento. Isso a tornaria uma “má
pessoa” e, assim sendo, ela mereceria nada menos do que a
morte (parece dramático, mas a vida das pessoas com sintomas
Borderline é permeada de drama, de hipérboles, de extremos).
Portanto, é mais fácil atribuir a culpa a outras pessoas ou fatores
externos.
Isto não representa exatamente uma projeção, e sim uma
tentativa de desvio de atenção, por medo de rejeição, de crítica e
julgamento, de sofrimento. Se ela tivesse culpa “no cartório”,
isso reforçaria a sua vergonha e a sua certeza de que não
consegue fazer nada direito. Pelo seu prisma de preto ou branco,
oito ou oitenta, basta uma ponta de culpa, e ela já se sente
condenada.
31
32. Como disse um homem com Borderline para a sua esposa, ao
tentar explicar porque a culpava por tantas coisas:
“Eu quero que todo mundo concorde comigo. Se não concordam comigo,
começo a ficar ansioso. Quando você discute comigo, quando você não está
jogando no meu time, fico achando que você me considera um fracassado.
Fico extremamente irritado quando você não concorda comigo. Não sei bem
por que – simplesmente fico frustrado, e depois fico com raiva de você
porque me sinto frustrado.”
É por isso que, passado o período de desregulação emocional,
quando a pessoa com sintomas Borderline retorna a um humor
mais estável, raramente “assume responsabilidade” pelo que fez
ou disse, nos moldes do que os outros esperam – seja com um
reconhecimento de culpa, com um pedido de desculpas ou com
explicativas e justificativas.
10. Medo de abandono / medo de intimidade
Estes dois medos – tanto de abandono quanto de intimidade ‐
são os dois lados da mesma moeda – e, no mundo “preto ou
branco” da pessoa com sintomas Borderline, o medo de
intimidade pode alternar para medo do abandono muito
rapidamente, e vice‐versa.
32
33. Relacionamentos intensos e íntimos envolvem emoções muito
profundas. Infelizmente, para a pessoa com sintomas Borderline,
essas emoções podem ser apavorantes, por serem fortes,
cansativas e desgastantes demais. Por isso ela pode afastar a
pessoa amada com medo de se perder neste turbilhão de
emoções. Ela sente que não dá conta de lidar com todos os
aspectos desse envolvimento e fica com medo de perder a
percepção de seu “eu”.
Por outro lado, um dos seus maiores medos é o medo de
abandono pelas pessoas que ela preza. Assim sendo, muitas
vezes opta por terminar um relacionamento – de forma brusca e
irremediável ‐ para não ter que sofrer essa perda pressentida do
“eu”, sofrimento este alimentado tanto pelo medo de abandono
quanto pelo medo de intimidade.
Em outras palavras, a pessoa com sintomas Borderline pode
optar por cortar relações com outros para impedir que ocorra o
abandono previsto ou então para mostrar que não precisa do
outro, ou então para evitar possíveis críticas e rejeição. Assim ela
acredita poder controlar melhor a situação para mitigar seu
(potencial) sofrimento.
Mas é importante falar um pouco mais sobre a questão do
abandono, pois é necessário entender que, para uma pessoa com
sintomas Borderline, “abandono” pode significar muito mais do
que o abandono físico mais objetivamente percebido. Existem
outros tipos de abandono mais sutis que são impactantes. Por
exemplo, o sentimento de abandono pode ser deflagrado por:
sensação de falta de compreensão por parte dos outros;
dificuldade em se entrosar ou participar de um grupo;
sensação de solidão, de nostalgia;
sensação de perda pelo rompimento de um relacionamento;
morte de um animal de estimação;
mudança de residência;
33
34. perda de emprego;
medo de rejeição ao descobrir preferência por
relacionamentos com pessoas do mesmo sexo;
sensação de falta de rumo na vida;
falta de definição de identidade;
carência emocional;
percepção de rejeição, impaciência, invalidação;
morte de pessoa querida.
Uma sensação de abandono é uma ferida profunda, muitas vezes
pouco compreendida, que pode passar despercebida pelos
outros à sua volta.
11. Atitude “oito ou oitenta”
A pessoa com sintomas
Borderline tem a tendência de
ver o mundo externo ou de
forma muito positiva ou então
muito negativa, e
frequentemente oscila de forma
inesperada entre esses dois
extremos de opinião. Essa
variabilidade pode ser
extremamente frustrante e confusa para quem a ama, porque ela
pode achar alguém maravilhoso um dia, e detestável no dia
seguinte.
Por exemplo, quando uma pessoa com sintomas Borderline se
sente (para isso bastando a sua interpretação, visão, percepção
do caso) criticada por um amigo, provavelmente dirá a outros
que ele é burro, incompetente, mentiroso, traiçoeiro, etc. Ao
invés de esperar passar sua onda de revolta e raiva contra o
amigo, a pessoa com sintomas Borderline poderá impulsivamente
romper com ele de forma radical, fazendo assim com que ele se
afaste definitivamente – mais uma vez, mantendo‐se fiel à diretriz
34
35. pessoal de “abandonar antes de ser abandonada”, baseada na
seguinte crença:
“Pensamento é realidade. Se penso em algo, já é fato. Se alguém menciona
algo, já é fato.”
12. Ruminação
As pessoas com sintomas Borderline são propensas a ficar
remoendo acontecimentos e conversas para tentar detectar a
possível existência de críticas veladas ou segundas intenções por
parte de outros. Essa tendência a ficar remoendo ou ruminando
pode explicar algumas manifestações de desconfiança e medo.
Isto envolve a personalização, isto é, a atitude de levar tudo para
o campo pessoal, pois o medo de crítica e de julgamento faz com
que a pessoa com sintomas Borderline acredite que tudo, tudo
mesmo, tem a ver com ela.
A ruminação pode desencadear o “raciocínio emocional”, em que
os sentimentos se equiparam a fatos. Pois, conforme ilustrado
por um dos depoimentos acima, a pessoa com sintomas
Borderline pensa em ordem inversa, isto é, partindo do efeito
para a busca de uma causa. Assim sendo, basta ela achar que
existe uma segunda intenção para que isto se torne um fato para
ela e uma base plausível para futuras ações e reações.
A pessoa com sintomas Borderline fica mais inclinada a entrar em
processo de ruminação quando está ociosa, entediada, ou
quando sofre de insônia (o que é bastante comum, como
veremos mais adiante).
Uma forma de ajudar a combater essa tendência de remoer as
coisas é buscar se envolver em atividades prazerosas, sejam
35
36. físicas, mentais, sociais ou outras. Além disso, algumas formas de
meditação que visam a concentração no momento presente ‐
como, por exemplo, o estado de plena atenção (o mindfulness)
proposto pelo budismo, que é usado também no mundo
corporativo para combater o estresse ‐ ajudam a pessoa a
aprender a se preocupar menos com o passado e o futuro.
13. Depressão / Medicamentos
A pessoa com sintomas Borderline
muitas vezes faz uso de grandes
quantidades de bebida alcoólica
e/ou drogas para amortecer sua dor
emocional. O perigo é exacerbado pelo fato de que consegue
ingerir quantidades espantosas de medicamentos (inclusive
remédios receitados pelos seus médicos, tais como ansiolíticos,
analgésicos, antidepressivos, etc.) e/ou drogas ilícitas, ou álcool,
sem perder a consciência e sem sofrer efeitos de overdose ou
ressaca.
Infelizmente, esses remédios e drogas podem ter sérios efeitos
colaterais – muitas vezes gerando o próprio efeito que
supostamente deveriam combater (como antidepressivos que
geram pensamentos suicidas) – e podem aumentar o descontrole
emocional ou estimular a impulsividade. Por conseqüência, além
do perigo inerente, os resultados de seu uso podem acabar
gerando mais vergonha e autopunição por parte da pessoa com
sintomas Borderline.
É comum a pessoa com sintomas Borderline sentir intensa dor
emocional em diversas ocasiões durante o dia, todo dia. Já que
essas emoções são emoções básicas, como tristeza, raiva e
medo, as reações às mesmas são tanto físicas quanto mentais.
Esses estados emocionais são tão poderosos que prevalecem
sobre o pensamento racional. Ao sentir dor, independente da sua
36
37. fonte, a reação primordial do corpo e da mente é de buscar alívio
o mais rápido possível, por qualquer meio que seja.
14. Insônia
Uma das manifestações físicas
comuns de Borderline é
insônia. Isso se deve em parte
ao fato de ficar remoendo
acontecimentos (reais ou
imaginados, passados ou
futuros).
Além disso, existem indícios
de que a composição química
do cérebro da pessoa com sintomas Borderline não permita ao
organismo um eficiente aproveitamento da serotonina, um
neurotransmissor que atua como sedativo e calmante natural do
nosso corpo. Muitas pessoas com sintomas Borderline precisam
de soníferos para conseguir adormecer e acabam tomando esses
remédios em altas doses, por não surtirem efeito facilmente. A
falta de descanso adequado acaba exacerbando as
manifestações de sintomas Borderline, tais como ansiedade,
isolamento, variações de humor e sensibilidade a estresse.
15. Problemas de Interação Social
As pessoas com sintomas Borderline são frequentemente vistas
como pessoas egoístas/egocêntricas que pouco se importam com
os problemas e o sofrimento dos outros. Precisamos lembrar,
entretanto, que, já que a pessoa com sintomas Borderline age
sob o efeito de fortes emoções (principalmente negativas), ela
tem dificuldade em enxergar muito além de seu redemoinho
pessoal de preocupações.
Muitas vezes ela fica insegura em certos contextos sociais,
fazendo com que fale excessivamente, entregando‐se a longos
37
38. monólogos (geralmente sobre si mesma), usando linguagem
inapropriada ou abordando assuntos inadequados para a ocasião
e para sua platéia.
Embora possa parecer que isso seja fruto de alta auto‐estima e
uma demonstração de falta de consideração com os outros, na
realidade o que ocorre é que ela passa muito tempo procurando
detectar se as outras pessoas enxergam a sua vergonha e a
rejeitam, monitorando constantemente o seu ambiente para
captar sinais de desaprovação, às vezes manifestando
comportamentos de extrema desconfiança e até tendências
paranóicas.
Neste sentido, Larry Siever pondera que talvez níveis baixos de
opióides endógenos nas pessoas com sintomas Borderline
contribuam para intensificar suas emoções negativas e sua
sensação de vazio interior e disforia (depressão, tristeza,
melancolia, pessimismo), alimentando também sua busca
impetuosa por laços afetivos e sua reação exacerbada a uma
perda dos mesmos. Isto tem a ver com o fato de que a satisfação
geralmente obtida através de vínculos emocionais, desde a
infância, parece fugir do alcance de muitas pessoas com sintomas
Borderline.
Hoje em dia, com a facilidade de comunicação via internet e
celular, a pessoa com sintomas Borderline pode facilmente criar
uma rede de relacionamento “virtual”, o que lhe permite passar
rapidamente de mera “conhecida” para “amiga do peito”,
contando detalhes de sua vida íntima, para que os outros fiquem
com dó dela e/ou sintam admiração por ela.
Assim, cria um contingente de pessoas que estão “do lado dela”,
compensando a sua carência afetiva, alimentando sua fome de
aceitação, validação, elogios, carinho, respeito. Isso também lhe
permite controlar melhor o desenrolar e a intensidade de
38
39. relacionamentos, inclusive seu eventual término (novamente,
garantia de que possa abandonar antes de ser abandonada).
O mesmo ímpeto de busca de aprovação muitas vezes leva as
pessoas com sintomas Borderline a se moldar, como um
camaleão, aos anseios, interesses e preferências dos que querem
impressionar e cativar, tais como namorados, surpreendendo‐os
e encantando‐os com o nível de empatia, sensibilidade e
compatibilidade demonstradas.
16. Autolesão / dor / pensamentos suicidas
Às vezes as pessoas com sintomas Borderline recorrem à
autolesão, cortando‐se com giletes ou facas, queimando‐se com
fósforos ou cigarros, arrancando mechas de cabelo, cutucando
unhas ou o rosto até sangrar.
Mas ‐ por que alguém buscaria infligir dor a si mesmo?
Aparentemente, segundo pesquisas recentes feitas pela Barbara
Stanley da Universidade de Colúmbia, a percepção de dor entre
as pessoas com sintomas Borderline diminui durante os
momentos de autolesão, ao mesmo tempo que aumentam seus
níveis de opióides endógenos (produzidos pelo próprio corpo).
Assim, quando se cortam, sentem mais um alívio psíquico do que
dor física.
É importante lembrar que o objetivo primordial desses atos de
autolesão não é chamar atenção, até porque muitos episódios
ocorrem longe dos olhares das pessoas que as amam. Às vezes,
quando não conseguem encobrir ou disfarçar os cortes ou
cicatrizes resultantes, isso acaba gerando ainda mais vergonha e
constrangimento quando os outros reparam e comentam sobre
os mesmos.
Como pode ser visto na literatura e também nos depoimentos de
pessoas com o transtorno e nos blogs mencionados,
39
41. IV. REAÇÃO DAS PESSOAS À SUA VOLTA
Se você se identificou com uma série de características descritas
acima, e viu como são comuns a tantas outras pessoas com alta
sensibilidade emocional, você poderá até constatar que, entre as
suas amizades e outros relacionamentos, você já está em contato
com pessoas com características semelhantes, com as quais você
poderá compartilhar e comentar suas novas descobertas.
Mas, e com relação aos outros à sua volta? O que você deve dizer
ou deixar de falar? Esse aspecto é bem delicado. Antes de tomar
qualquer atitude, o ideal seria que obtivesse confirmação do
diagnóstico efetivo de transtorno de personalidade Borderline,
elaborado por um profissional qualificado da área de saúde
mental.
Mas, como já comentamos, esse processo pode ser muito difícil e
demorado. Portanto, até que você consiga fazer terapia eficaz
com um profissional experiente nesta área, mesmo que seja para
tratar de alta sensibilidade emocional, ou ansiedade, depressão
ou síndrome do pânico, ou distúrbio alimentar ou
comportamental, ou algo semelhante, o importante é que você
não se sinta sozinha e desamparada. Use todas as ferramentas e
contatos possíveis para buscar apoio e compreensão, tais como
livros, blogs, amigos (sejam virtuais ou não).
Dentro de sua própria família, você corre o risco de não encontrar
muita receptividade ao falar sobre suas angústias emocionais
como possíveis sinais de um transtorno comportamental, por
uma série de motivos. Entre outros: seus pais, por exemplo,
podem achar que estão sendo acusados de ter lhe criado de
forma errada e vão reagir repelindo essa idéia e tudo que a
mesma implica (seja por sentimento de culpa ou outro); seus
parentes podem não se sentir em condições de lidar com a sua
dor e portanto vão negar que você tenha qualquer “problema”;
podem hesitar em admitir perante outros que você seja um
41
42. pouco “diferente”, uma espécie de “ovelha negra” que não se
encaixa nos padrões aceitos pela família e pela sociedade em
geral; os cônjuges ou namorados podem ficar temerosos em
dizer ou fazer algo “errado” e exacerbar seus sintomas (por
estarem “pisando em ovos”), e/ou podem ter medo de ter que
mudar algo neles mesmos para lidar com você de forma mais
compreensiva e eficaz.
Basicamente, entretanto, na maioria dos casos podemos
procurar partir do pressuposto de que estas atitudes de aparente
falta de empatia e apoio podem ser atribuídas mais a uma falta de
conhecimento e de flexibilidade, do que a uma real má vontade
ou desinteresse.
Às vezes sonhamos com um tipo de apoio e compreensão que
simplesmente não vem da forma e na hora que queremos –
nestes casos, devemos procurar aceitar as limitações dos outros,
assim como queremos que os outros aceitem as nossas. E fica
sempre aquela dúvida no ar – será que o problema está no
excesso de expectativas, ou na insuficiência do retorno
esperado?
De modo geral, as pessoas possuem um sistema de crenças
estabelecido, e têm medo de fazer mudanças. Além disso, muitas
fazem julgamentos e críticas de forma automática e praticamente
inconsciente. Rebaixar os outros não deixa de ser uma
ferramenta que algumas pessoas usam para se sentir mais
poderosas. Por isso, acham‐se no direito de julgar os outros pela
sua situação econômica, pelas suas decisões, pelo seu
comportamento, pela sua aparência, até pelo seu cansaço, falta
de ânimo, estado de saúde, e assim por diante – chamando os
outros de “fracos”, “frescos”, “incompetentes”, “lerdos”, etc.
Os conceitos rígidos, às vezes expressos de forma repetida e
enfática, com relação ao que é “certo“ ou “errado“ não levam
em conta a “possibilidade” de que as opiniões tão
42
43. orgulhosamente defendidas possam não ser a “verdade suprema
e única”... Opiniões são somente isso – opiniões. Elas podem ser
úteis para nortear a nossa própria vida e nossas ações, mas não
constituem uma verdade absoluta que deva ser obrigatoriamente
acatada por todos à nossa volta.
Com relação ao conceito de “verdade” versus “mentira”,
devemos lembrar que “verdade” pode significar algo diferente
do que “fatos ocorridos”, conforme já mencionado, e até a
descrição de fatos ocorridos pode variar de uma pessoa para
outra – dez testemunhas de um acidente ou crime podem
oferecer dez relatos diferentes, e três irmãos podem recordar um
acontecimento na infância de modo inteiramente diverso.
Além disso, muitas vezes as pessoas confundem aceitação com
aprovação, e têm medo de abrir mão de sua postura habitual por
acreditar que elas mesmas serão julgadas como fracas ou
indecisas ou “sem caráter”. A tendência mais enraizada é sempre
buscar impor aos outros nossos próprios parâmetros, julgando
que nossa linha de conduta é a única certa. Muitas pessoas se
orgulham de seu discernimento, de seus preceitos morais, de
saber distinguir entre o certo e o errado, às vezes agarrando‐se
mais à sua própria necessidade de auto‐afirmação do que
pensando no bem estar e sentimentos dos outros.
É importante, entretanto, aceitar que as emoções não são nem
certas nem erradas – simplesmente são. E indispensável adquirir
uma compreensão mais ampla da força e da importância das
emoções, não necessariamente em contraposição à razão, mas
em complementação à mesma. É através do casamento
equilibrado do emocional com o racional que conseguimos
otimizar a nossa tomada de decisões na vida.
É interessante observar que os estudos da neurociência mostram
claramente que a parte emocional do cérebro aprende coisas de
um modo diferenciado da área de pensamento lógico. As
43
44. habilidades de inteligência emocional são desenvolvidas numa
região do cérebro chamada sistema límbico, que controla os
instintos, os impulsos, as motivações. Por outro lado, as
habilidades técnicas e analíticas são aprendidas no neocórtex,
que é a parte do cérebro que processa a lógica e os conceitos.
Mas, voltando a uma pergunta comum – a quem você pode ou
deve contar que você acha ou sabe que tem sintomas
Borderline? A resposta é – depende.
Primeiro, você tem que avaliar isso caso a caso, para tentar
minimizar o risco de se expor a críticas, discriminação (sim,
infelizmente tem essa possibilidade), perda de confiança.
Algumas pessoas, por desconhecimento, podem achar que você
só está querendo justificar suas próprias ações e reações ao
alegar problemas emocionais, podem começar a se distanciar, a
espalhar boatos sobre você – coisas que você certamente quer
evitar.
Depende também do relacionamento que você tem com a
pessoa, depende da forma e do momento em que você aborda e
explica o assunto, depende das idades e parentescos envolvidos,
e assim por diante. Mais uma vez, o ideal seria ter o suporte de
um profissional compassivo e experiente. Na falta do mesmo,
procure antes de mais nada sempre avaliar a fundo exatamente
por que você está querendo (ou precisando) contar a alguém
sobre seu problema, e quais são os possíveis e/ou prováveis
benefícios/riscos/conseqüências.
O caminho mais recomendável talvez seja o de informar os
outros, na medida que julgar necessário e viável, que você
simplesmente tem dificuldade em administrar suas emoções e
reações, e que você está trabalhando isto, assim como muitas
pessoas ‐ inclusive executivos de grandes empresas – freqüentam
cursos para aprender a controlar estresse e raiva.
44
45. Pode ocorrer que você realmente tenha magoado e prejudicado
outras pessoas no passado por comportamentos decorrentes de
sua impulsividade, intolerância a crítica, medo de abandono, e
outras características da alta sensibilidade emocional.
Por exemplo, você pode ter se afastado de sua família e
“adotado” a família de amigas ou namorados/cônjuges, por sentir
que nestes outros ambientes você estará menos sujeita a críticas
e cobranças. A sua dedicação e seus atos de bondade são
apreciados de uma forma que alimenta a sua auto‐estima, e lhe
faz sentir‐se mais útil e acolhida. Entretanto, talvez você não se
dê conta da dor causada aos seus familiares pelo seu
afastamento e aparente rejeição dos mesmos.
Aos poucos, com terapia e uma reprogramação de suas reações,
talvez você consiga “chegar” nessas pessoas que lhe são
importantes e começar a reconstruir seu relacionamento. Nada
como um dia após o outro, mesmo não havendo garantia de que
as coisas transcorram na forma exata que desejaríamos.
45
46. V. ABORDAGENS TERAPÊUTICAS
Não é muito comum uma pessoa com sintomas Borderline buscar
ajuda psicoterápica por iniciativa própria para o transtorno em si
– e, também, muitas vezes, mesmo quando inicia terapia e a
mesma começa a focar o transtorno, ela a abandona.
Pois, considerando que a pessoa
com sintomas Borderline sofre
intensamente com crítica e medo de
rejeição, vergonha de si mesma, e
confusão quanto aos seus próprios
sentimentos, uma abordagem que
não leva esses aspectos em conta
provavelmente não terá muito
sucesso. É importante o terapeuta
dar o mesmo tanto de importância
ao aspecto de aceitação quanto ao de necessidade de mudança,
o que otimiza as chances de continuação do tratamento.
Terapias tradicionais que partem do pressuposto de que os
comportamentos de hoje são causados por experiências do
passado muitas vezes não levam em conta os componentes
neurobiológicos do Borderline, limitando assim seu potencial de
êxito.
Mas, uma vez oficialmente diagnosticado o transtorno, as
pessoas com Borderline são geralmente tratadas com uma
combinação de:
a. estabilizadores de humor e antidepressivos. Esses
medicamentos psicofarmacológicos devem ser receitados e
ministrados de forma extremamente criteriosa, pois podem
causar graves efeitos colaterais, que variam de pessoa para
pessoa, existindo ainda o perigo de exagero no consumo de
medicamentos, pelo fato de as pessoas com sintomas
46
47. Borderline não sentirem tão rapidamente os efeitos
esperados dos mesmos; e
b. terapias de eficácia comprovada, como a Cognitiva
Comportamental e sua derivada, a Terapia Comportamental
Dialética, que ajudam a pessoa com sintomas Borderline a
reconhecer e diferenciar e reprogramar os seus pensamentos
e sentimentos.
Cabe aos profissionais da área de saúde mental fornecer uma
descrição mais detalhada das terapias que podem ser usadas no
tratamento – oferecemos aqui somente um pequeno resumo
superficial sobre as duas acima mencionadas.
Segundo a Dra. Judith Beck, que continua desenvolvendo o
trabalho pioneiro de psicoterapia iniciado pelo seu pai, Aaron
“Tim” Beck, no Beck Institute na Filadélfia, a Terapia Cognitiva
parte do princípio de que crenças e pensamentos de uma pessoa
influenciam suas emoções, ações e sintomas físicos, e que as
técnicas específicas que o terapeuta escolhe para usar com cada
paciente devem ser individualizadas com base na Conceituação
Cognitiva deste paciente (a compreensão do terapeuta,
confirmada pelo paciente, de quais são as crenças subjacentes do
paciente; os padrões não adaptativos que ele desenvolveu para
“lidar” com estas crenças; e os pensamentos, emoções e
comportamentos diários que aparecem como resultado destas
crenças).
Por outro lado, a Terapia Comportamental Dialética – TCD foi
desenvolvida especificamente pela Dra. Marsha Linehan,
professora de psicologia na Universidade de Washington, EUA,
para tratar o transtorno de personalidade Borderline.
Essa abordagem – TCD ‐ visa ajudar a pessoa com sintomas
Borderline a vislumbrar aos poucos as tonalidades de cinza entre
seus extremos usuais de “preto ou branco” (isto é, os dilemas
dialéticos) na sua forma de agir e pensar.
47
48. A terapia individual da TCD tende a ser bastante direta e
confrontativa, e busca abordar em uma sessão semanal os
conteúdos que venham a se apresentar. A prioridade é dada à
atenção a comportamentos suicidas e auto‐destrutivos, e depois
a comportamentos que interfiram com o progresso da própria
terapia. A seguir vem assuntos ligados à qualidade de vida e à sua
melhora.
Durante a terapia individual frequentemente se discute como
melhorar as aptidões que compõem o modelo da TCD, ou como
superar os obstáculos ao desenvolvimento das mesmas. A terapia
de grupo consiste geralmente em uma sessão semanal orientada
ao desenvolvimento de habilidades específicas, divididas da
seguinte forma:
a) Atenção Plena (“mindfulness”)
b) Regulação de emoções
c) Tolerância à pressão e frustração
d) Efetividade nas relações interpessoais.
Continue sempre pesquisando (verifique tratamento disponível
em Itapira, São Paulo, por exemplo, no Instituto Bairral, liderados
pelo Dr. Sérgio Monteiro, tel. (19) 3863‐9400 (veja
http://www.doctoralia.com.br/medico/sergio+augusto+monteiro+dos
+santos-11943276; ou no Rio Grande do Sul, pela Dra. Ângela
Leggerini de Figueiredo na PUCRS (cujo telefone de consultório é
51 32227322, ou o tratamento focado em Terapia Cognitiva
Comportamental realizado pela Dra. Nilcéa Coelho na região do
Rio de Janeiro (falecomnilceacoelho@hotmail.com), Continue
também trocando idéias com outras pessoas e aprendendo cada
vez mais sobre as manifestações e características da alta
sensibilidade emocional. Novas possibilidades e respostas
surgirão, e assim você poderá encontrar ajuda para se recuperar
mais rapidamente e buscar a felicidade que você procura. Esse
movimento, essa busca, esse esforço de sua parte certamente
abrirão novos caminhos.
48
49. VI. EMOÇÕES
Conforme explicado pela Judith Beck em seu livro Terapia Cognitiva
- Teoria e Prática- Judith Beck - Ed. Artmed, as emoções "negativas"
são normais e fazem parte de nossas vidas tanto como as
emoções "positivas". É importante aprender a diferenciar os
pensamentos automáticos das emoções, a rotular a emoções e a
classificar a intensidade das emoções.
Muitas vezes as emoções vêm sem identificação específica.
Ninguém passa o dia inteiro analisando e rotulando suas próprias
emoções – agora estou feliz, agora fiquei frustrado, tou chateado, tou
deprimido, tou tenso, e assim por diante. Muitas emoções passam
como nuvens no céu, e é somente quando essas se avolumam ou
escurecem ou então se afastam para deixar o sol brilhar, que
efetivamente reparamos e nos conscientizamos do nosso estado
de espírito.
A pessoa com sintomas borderline, ao ser dominada por
sentimentos muito fortes, conflitantes e confusos, pode
encontrar dificuldade em reconhecê‐los e classificá‐los, mesmo
que este discernimento seja essencial para o desenvolvimento de
seu controle emocional. Veja a seguir uma mera amostra de como
você pode se sentir de uma hora para outra:
Abandonada, anormal, abusada, aceita, realizada, ativa,
insatisfeita, chateada, entediada, briguenta, envergonhada, alerta,
audaciosa, temerosa, sonolenta, faminta, alegre, prestativa,
saudosa, impaciente, criativa, animada, irrequieta, angustiada,
exuberante, dramática, anti-social, pasma;
ciumenta, confusa, amorosa, ignorante, iluminada, insegura,
insignificante, insultada, intelectual, inteligente, constrangida,
grata, desolada, desesperada, solitária, irritadiça, corajosa, linda,
desengonçada, sortuda, discriminada, incompreendida, gorda,
inchada, descabelada, esperta;
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