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Revista Brasileira de
História da Educação




                 www.abdr.org.br
                abdr@abdr.org.br
              denuncie a cópia ilegal
Revista Brasileira de História da Educação
Publicação quadrimestral da Sociedade Brasileira de História da Educação – SBHE
Revista                                                Sociedade Brasileira de História da Educação – SBHE

                                                       A Sociedade Brasileira de História da Educação
Conselho Diretor                                       (SBHE), fundada em 28 de setembro de 1999, é uma
Dermeval Saviani (Unicamp); Marta Maria Chagas         sociedade civil sem fins lucrativos, pessoa jurídica
de Carvalho (USP); Ana Waleska Pollo Campos            de direito privado. Tem como objetivos congregar
Mendonça (PUC-Rio); Libânia Nacif Xavier (UFRJ).       profissionais brasileiros que realizam atividades de
                                                       pesquisa e/ou docência em História da Educação e
Comissão Editorial                                     estimular estudos interdisciplinares, promovendo
Dislane Zerbinatti Moraes (USP)                        intercâmbios com entidades congêneres nacionais e
Bruno Bontempi Jr. (USP)                               internacionais e especialistas de áreas afins. É filiada
Carlos Eduardo Vieira (UFPR)                           à ISCHE (International Standing Conference for the
Lúcia Maria da Franca Rocha (UFBA)                     History of Education), a Associação Internacional
Secretaria – Patrícia Aparecida do Amparo              de História da Educação.

Conselho Consultivo                                    Diretoria Nacional
Membros nacionais:                                     Presidente: Cláudia Alves (UFF)
Álvaro Albuquerque (U fa c ); Ana Chrystina            Vice-presidente: Wenceslau Gonçalves Neto (UFU)
Venancio Mignot (Uerj); Clarice Nunes (UFF e           Secretária: Rosa Lydia Teixeira Corrêa (PUC-PR)
Unesa); Décio Gatti Jr. (UFU); Denice B. Catani        Tesoureiro: Elomar Antonio Callegaro Tambara (Ufpel)
(USP); Ester Buffa (Ufscar); Gilberto Luiz Alves
(U ems ); Jane Soares de Almeida (U nesp ); José       Diretores Regionais
Silvério Baia Horta (UFRJ); Luciano Mendes de          Norte:
Faria Filho (UFMG); Lúcio Kreutz (Unisinos); Maria     Titular: Andréa Lopes Dantas (Ufac)
Arisnete Câmara de Moraes (UFRN); Maria de             Suplente: Clarice Nascimento de Melo (UFPA)
Lourdes de A. Fávero (UFRJ); Maria do Amparo           Nordeste:
Borges Ferro (UFPI); Maria Helena Camara Bastos        Titular: Diomar das Graças Motta (UFMA)
(PUC-RS); Maria Stephanou (UFRGS); Marta Maria         Suplente: Antonio Carlos Pinheiro Ferreira (UFPB)
de Araújo (UFRN); Paolo Nosella (Ufscar).              Centro-Oeste:
                                                       Titular: Margarita Victória Rodriguez (UCDB)
Membros internacionais:                                Suplente: Maurides Batista de Macedo Filha (UCG/UFG)
Anne-Marie Chartier (França); António Nóvoa            Sudeste:
(Portugal); Antonio Viñao Frago (Espanha); Dario       Titular: Esther Buffa (Ufscar)
Ragazzini (Itália); David Hamilton (Suécia); Nicolás   Suplente: Regina Helena da Silva Simões (Ufes)
Cruz (Chile); Roberto Rodriguez (México); Rogério      Sul:
Fernandes (Portugal); Silvina Gvirtz (Argentina);      Titular: Flávia Werle (Unisinos)
Thérèse Hamel (Canadá).                                Suplente: Norberto Dallabrida (Udesc)

              COMERCIALIZAÇÃO                          Secretaria
                                                       Rev. Bras. de História da Educação
          Editora Autores Associados                   Faculdade de Educação da USP
       Av. Albino J. B. de Oliveira, 901               Avenida da Universidade, 308
       CEP 13084-008 – Barão Geraldo                   Bloco A – sala 128
                 Campinas (SP)                         05508-900 – São Paulo - SP
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  e-mail: editora@autoresassociados.com.br             E-mail: rbhe@sbhe.org.br
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Indexada em/Indexed in:                                •	 IRESIE	–	Banco	de	Datos	sobre	Educación	
                                                          Iberoamericana
•	 BBE	–	Bibliografia	Brasileira	da	Educação/             http://132.248.192.241/ñiisue/www/index.html
   Centro de Informação e Biblioteca em                •	 Latindex	–	Sistema	Regional	de	Información	
   Educação (Brasil-cibec/inep)                           en Línea para Revistas Científicas de América
   http://www.inep.gov.br/pesquisa/thesaurus              Latina, el Caribe, España y Portugal
•	 Edubase	–	Base	de	Dados	da	Unicamp	                    http://www.latindex.unam.mx
   (Brasil, FE/Unicamp)                                •	 Clase	–	Base	de	datos	bibliográfica	de	
   http://www.bibli.fae.unicamp.br/edubase.htm            revistas de ciências sociales y humanas
•	 Divisão	de	Periódicos	da	UnB	(Brasil)                  http://dgb.unam.mx/clase.html
   http://www.bce.unb.br
•		Base	de	dados	da	Fundação	Carlos	Chagas             Versão on-line/version online:
   http://www.fcc.org.br/biblioteca/dbfcc.html         http://www.sbhe.org.br/
ISSN 1519-5902



                           setembro/dezembro     2009   no 21




H                Revista Brasileira de


    ISTóRIA
      da
  EDUCAÇÃO
                          SBHE
Sociedade Brasileira de História da Educação




A publicação deste no 17 da Revista Brasileira de História da
Educação contou com o apoio financeiro da Coordenação de
Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (capes)
Revista Brasileira de História da Educação, n. 21, 218 p., set.-dez. 2009.

A RBHE tem o objetivo de divulgar a produçao científica nacional e internacional sobre História
e Historiografia da Educação, que se revele de interesse para as grandes áreas de pesquisa
em Educação e em História, abrindo novos horizontes de discussão e estimulando debates
interdisciplinares.


    Revista Brasileira de História da Educação, SBHE, Ed. Autores Associados, SP-
    Campinas, 2001

    Quadrimestral
    Publicação da Sociedade Brasileira de História da Educação

    ISSN 1519-5902




EditoRa autoREs associados Ltda.
Uma editora educativa a serviço da cultura brasileira

av. albino J. B. de oliveira, 901 | Barão Geraldo | cEP 13084-008
campinas-sP | telefone: (55) (19) 3249-2800 | Fax: (55) (19) 3249-2801
e-mail: editora@autoresassociados.com.br | catálogo on-line: www.autoresassociados.com.br

conselho Editorial “Prof. casemiro dos Reis Filho”
Bernardete A. Gatti
Carlos Roberto Jamil Cury
Dermeval Saviani
Gilberta S. de M. Jannuzzi
Maria Aparecida Motta
Walter E. Garcia

diretor Executivo
Flávio Baldy dos Reis

coordenadora Editorial
Érica Bombardi

Revisão
Edson Estavarengo Júnior

diagramação e composição
DPG Editora

Projeto Gráfico, Arte Final
Érica Bombardi

impressão e acabamento
Gráfica Paym
Sumário




coNtENts                                                                  7


EditoRiaL                                                                  9


aRtiGos

Entrelaçamentos e troca cultural na história da educação:
mobilizando John dewey no período entre guerras                           13
Noah W. Sobe

intelectuais e professores: identidades sociais em formação no
século XiX brasileiro                                                     39
Arlette Medeiros Gasparello e Heloisa de Oliveira Santos Villela

Elaboração de hábitos civilizados na constituição das relações
entre professores e alunos (1827-1927)                                    61
Cynthia Greive Veiga

Encontros e desencontros no processo de constituição do ensino
superior no Paraná: 1912-1922                                             93
Névio de Campos

Nacionalização do ensino catarinense na Primeira República (1911-1920)   123
Dorval do Nascimento

a política educacional catarinense no projeto desenvolvimentista
modernizador da década de 1960                                           145
Letícia Carneiro Aguiar
Produção de diferentes significados de ser professor no
Rio Grande do sul (1940-1960)                             177
Claudemir de Quadros


REsENHa

adoro odiar meu professor: o aluno entre a ironia
e o sarcasmo pedagógico                                   207
Jeová Santana


RELaÇÃo dos PaREcERistas AD HOC (2009)                    215


oRiENtaÇÃo aos coLaBoRadoREs                              217
Contents




EditoRiaL                                                              9


aRticLEs

Entanglements and intercultural exchange in the history
of education: mobilizing John dewey in the interwar era               14
Noah W. Sobe

intellectuals and teachers: social identities being developed
in Brazil in the 19th century                                         40
Arlette Medeiros Gasparello and Heloisa de Oliveira Santos Villela

Preparation of civilized habits in the constitution of relations
between teachers and students (1827-1927)                             62
Cynthia Greive Veiga

agreements and disagreements during the process of creation
of higher education in Paraná: 1912-1922                              94
Névio de Campos

Nationalization of teaching in santa catarina during the
First Republic (1911-1920)                                           124
Dorval do Nascimento

the education catarinense policy in developmental modernizer
project at 1960’s                                                    146
Letícia Carneiro Aguiar
the production of different meanings of being a teacher
in Rio Grande do sul (1940-1960)                          178
Claudemir de Quadros


BooK REViEW

adoro odiar meu professor: o aluno entre a ironia e o
sarcasmo pedagógico                                       207
Jeová Santana


List oF AD HOC REViWERs (2009)                            215


GuidEs FoR autHoRs                                        217
Editorial



                                      Editorial




     a Revista Brasileira de História da Educação (RBHE), dando
continuidade ao seu projeto editorial, que consiste em ser um espaço
de discussão e divulgação da pesquisa acadêmica da área de história da
educação, publica o seu número 21.
     Nesta edição apresentamos sete artigos e uma resenha, tratando de
temas e abordagens historiográficas que, esperamos, sejam pertinentes ao
campo de pesquisa em educação e que possam ensejar novos caminhos
de investigação.
     Noah W. sobe, no artigo “Entrelaçamentos e troca cultural na história
da educação: mobilizando John dewey no período entre guerras”, discute
as limitações que envolvem o uso da categoria analítica da “transferência”
para entender as trocas culturais em história da educação. defende, em
contrapartida, a abordagem de uma “história entrelaçada”, que possa dar
conta das características de circulação, apropriação e particularização das
ideias pedagógicas e práticas escolares em todo o mundo. aplica essa
abordagem no exame da propagação do nome de John dewey e de suas
ideias na região dos Bálcãs.
     arlette Medeiros Gasparello e Heloisa de oliveira santos Villela,
com o artigo “intelectuais e professores: identidades sociais em forma-
ção no século XiX brasileiro”, tratam da formação da identidade social
de professores secundários, nível de ensino ainda pouco pesquisado,
tomando como base dados sobre a carreira docente e interações sociais

Revista Brasileira de História da Educação, n° 21, p. 9-12, set./dez. 2009   9
Editorial


de professores do colégio Pedro ii e Escola Normal de Niterói, na
segunda metade do século XIX. A pesquisa identificou o processo de
constituição de um grupo de intelectuais que passam a se reconhecer
como professores, sem se afastarem do grupo dos letrados e agregando,
em suas faces sociais, as práticas do ofício de ensinar.
     cynthia Greive Veiga, em “Elaboração de hábitos civilizados na
constituição das relações entre professores e alunos (1827-1927)”,
investigou as mudanças nas concepções e práticas de disciplina e
comportamento de alunos e professores na escola pública primária no
Brasil, especificamente na província e estado de Minas Gerais, no século
XiX e primeira metade do século XX. segundo a pesquisadora, houve
historicamente um esforço para a superação de ações de violência na
escola, efetuando-se, nessa medida, um processo civilizatório conforme
é entendido por Norbert Elias, autor que é utilizado como referencial
teórico da pesquisa.
     Névio de campos estuda, por meio do texto “Encontros e desen-
contros no processo de constituição do ensino superior no Paraná: 1912-
1922”, a organização do ensino superior nesse estado, privilegiando a
análise da concepção de ensino superior, do contexto de interações sociais
dos grupos de intelectuais envolvidos com o projeto universitário, além
das suas relações com o estado do Paraná e com os órgãos do Estado
federal. debruça-se na história da criação da universidade do Paraná em
l9l2 e seu desmembramento em Faculdades de Engenharia, de Medicina
e de direito, em 1915, bem como de suas equiparações às congêneres
oficiais nos anos de 1920 e 1922.
     dorval do Nascimento examina, no artigo “Nacionalização do ensino
catarinense na Primeira República (1911-1920)”, o processo de homo-
geneização cultural ocorrido sob a influência das medidas adotadas pelo
governo do estado, no âmbito do ensino, as quais visavam nacionalizar
as populações de origem étnica estrangeira entre l911 (Reforma orestes
Guimarães) e a Primeira Guerra Mundial.
     Letícia carneiro aguiar compreende, em “a política educacional
catarinense no projeto desenvolvimentista modernizador da década de
1960”, a especificidade da história da educação em Santa Catarina. Para

10                Revista Brasileira de História da Educação, n° 21, p. 9-12, set./dez. 2009
Editorial


tanto traça relações com o ideário desenvolvimentista e modernizador do
Estado nacional, demonstrando como as questões educacionais passam
a ser pensadas em perspectiva global e economicista.
     Finalizando essas breves referências aos artigos, nos detemos no
texto de claudemir de Quadros, que investiga, em “Produção de dife-
rentes significados de ser professor no Rio Grande do Sul (1940-1960)”,
a elaboração de discursos instituídos como “verdades” sobre o que seria
“ser professor” nesse período histórico. No âmbito de uma intensa re-
forma educacional conduzida pelo Estado, o tema da profissionalização
do magistério emergiu como proeminente para a constituição de um
sistema educativo moderno e levou a uma série de ações para modificar
o perfil dos professores.
     Publicamos ainda a resenha de Jeová santana, sobre o livro Adoro
odiar meu professor: o aluno entre a ironia e o sarcasmo pedagógico.
     Em razão de um descuido de redação e revisão, o Editorial da edição
de número 20 (maio/ago. de 2009) publicou a informação incorreta de que a
RBHE seria “a única revista acadêmica brasileira especializada na temática
de história da educação”. Em verdade, a comunidade de historiadores da
educação conta ainda com mais três excelentes periódicos especializados:
História da Educação, publicado pela associação sul-Riograndense de
Pesquisadores em História da Educação (Asphe)/universidade Federal
de Pelotas (Ufpel) desde 1997; Histedbr On-Line, publicada pelo Grupo
de Estudos e Pesquisas em “História, sociedade e Educação no Brasil”
(histedbr), da Faculdade de Educação da universidade Estadual de
campinas (UnicAmp), desde 2002; e Cadernos de História da Educação,
publicado pelo Núcleo de Estudos e Pesquisas em História e Historiografia
da Educação da universidade Federal de uberlândia (uFu) desde 2002. a
comissão Editorial da RBHE vem a público desculpar-se pelo equívoco e
esclarecer que não houve a intenção de ocultar a existência dos periódicos
congêneres, com os quais contamos positivamente em favor dos objetivos
comuns de divulgar estudos, fomentar debates acadêmicos e apoiar docen-
tes e discentes no ensino e na pesquisa em história da educação.
     Por motivos alheios à nossa vontade, ainda, foi impresso incorre-
tamente o endereço da professora cristina araújo, autora do artigo “a

Revista Brasileira de História da Educação, n° 21, p. 9-12, set./dez. 2009   11
Editorial


Reforma Antônio Carneiro Leão no final dos anos de l920”, publicado
na revista n. 19. Expressamos nosso pedido de desculpas à autora e apro-
veitamos para solicitar aos leitores que anotem as informações de contatos
corretas: Endereço: Rua Mizael Montenegro, 72, ap. 601 – Parnamirim –
Recife-PE – cEP 52060-130; e-mails: cristinraujo18@hotmail.com e
chicamendonca@gmail.com.
     Boa leitura!

                                                             A Comissão Editorial




12                Revista Brasileira de História da Educação, n° 21, p. 9-12, set./dez. 2009
Noah W. soBE



        Entrelaçamentos e troca cultural
            na história da educação:
mobilizando John Dewey no período entre guerras


                                                                       Noah W. sobe*         1




                                                                                         **
                                                  tradução: Bruno Bontempi Jr.           2




                          Resumo:
                          Este artigo discute as características e as deficiências das
                          pesquisas sobre “transferência” e defende que uma abordagem
                          de “história entrelaçada” pode ser vantajosamente aplicada para
                          pensar as trocas culturais em história da educação. tenta ilustrar
                          esse método mediante o exame das interseções entre as “viagens”
                          de John dewey e suas ideias e os diferentes desenvolvimentos
                          educacionais nos Bálcãs no início do século XX.

                          Palavras-chave:
                          trocas interculturais; historiografia; história global; John
                          Dewey; Iugoslávia; teoria comparativa; transferências em
                          educação.




*  doutor pela universidade de Wisconsin-Madison, professor assistente do Programa
   de Estudos de Políticas Educacionais e culturais da Escola de Educação da uni-
   versidade Loyola, de chicago.
** doutor em educação pela Pontifícia universidade católica de são Paulo (Puc-
   sP). Professor da Faculdade de Educação da universidade de são Paulo (usP). o
   tradutor agradece as colaborações de Vitor de Marchi e Felipe tillier.


Revista Brasileira de História da Educação, n° 21, p. 13-38, set./dez. 2009              13
Entrelaçamentos e troca cultural na história da educação



       Entanglements and intercultural
     exchange in the history of education:
       mobilizing John Dewey in the interwar era


                                                               Noah W. sobe
                                       translation: Bruno Bontempi Jr.


                 Abstract:
                 this article discuss the characteristics and shortfalls of “transfer”
                 research and proposes that an “entangled history” approach can
                 be usefully applied to thinking about intercultural exchanges in
                 the history of education. it attempts to illustrate this method by
                 examining the intersections between the “travels” of John dewey
                 and his ideas and educational developments in the Balkans in
                 the early twentieth century.

                 Keywords:
                 cross-cultural exchange; historiography; global history; John
                 Dewey; Yugoslavia; comparative theory; educational transfer.




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     tensões entre métodos e objetos e entre pesquisadores e suas cate-
gorias de análise são endêmicas ao conhecimento histórico. Na história
da educação, essas questões tornam-se particularmente críticas em torno
do tópico das trocas interculturais. Quando os historiadores examinam
“transferências”, “empréstimos”, “cruzamentos” e “trocas”, demarcam
posições sobre como tais entidades são percebidas; que tipos de posições
externas se encontram, ou não, disponíveis para os pesquisadores; assim
como sobre o modo como se formam o “híbrido” e o “puro”. Para ilustrar
algumas dessas questões pode-se tomar a sucinta (e crítica) narração
que a historiografia da educação americana ofereceu há quatro décadas
pelo notável historiador da educação Lawrence cremin. de acordo com
cremin, esta tem sido a narrativa-padrão sobre o desenvolvimento das
instituições educacionais nos Estados unidos:

          os colonizadores vieram da Europa trazendo uma variedade de postu-
      ras sobre a educação; em geral, o atraso reinava soberano, exceto na Nova
      inglaterra, onde as escolas haviam sido inicialmente erguidas para aniquilar
      satã, o velho enganador. Essas escolas da Nova inglaterra destinavam-se a se
      tornar o fundamento sobre o qual o sistema público de educação deveria mais
      tarde ser erigido. Ao final do século XVIII, torna-se patente que os modos
      europeus não estavam funcionando e que a nova nação precisaria de outro
      tipo de educação para poder nutrir e perpetuar o seu distintivo modo de vida.
      seguiram-se diversos esforços para popularizar o ensino, tais como as escolas
      dominicais, infantis, lancasterianas, porém, nenhum se mostrou adequado às
      necessidades da sociedade que emergia. Eis que Horace Mann, Henry Barnard,
      John Pierce e outros lançaram uma grande cruzada pela educação pública, na
      qual as forças do progresso enfrentaram as forças da reação por mais de uma
      geração. Por volta de 1860, o conflito estava vencido, exceto no Sul, isto é,
      onde a vitória teria de esperar a regeneração conduzida pelos filantropos do
      Norte em fins do século XIX. Por conseguinte, a história é a do refinamento,
      melhoria e extensão da educação pública em resposta às condições de uma
      civilização democrático-industrial [cremin, 1970, p. x].




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Entrelaçamentos e troca cultural na história da educação


      o objetivo dessa referência não é o de mais uma vez sublinhar o
truísmo de que os historiadores acomodam seus objetos de investigação
e quadros interpretativos às circunstâncias e preocupações de seu pró-
prio tempo. antes, a precisa caricatura de cremin – que poderia ainda
ser usada para caracterizar certas apresentações da história da educação
nos Estados unidos em manuais – ajuda-nos a focar a atenção nos
modos como noções tais como autoctonismo, propriedade e enraiza-
mento vinculam-se a ideias de progresso e modernidade, assim como
a uma noção de “sociedade” como domínio singular, coextensiva a um
território nacional e abrangendo uma população descontínua e isolada,
mesmo sendo ao mesmo tempo diversa e estratificada1. Embora no caso
da história da educação escolar nos Estados unidos haja um interesse
crescente em trazer à cena trocas globais sob modos mais nuançados e
superar o provincianismo das abordagens centradas no Estado-nação,
muitos desses trabalhos ainda operam com o que eu caracterizaria como
“paradigma da transferência”. Neste artigo, discuto as características e
as deficiências das pesquisas sobre “transferência” e defendo que uma
abordagem de “história intrincada” pode ser vantajosamente aplicada
para pensar trocas culturais em história da educação – algo que tento
ilustrar mediante um exame das interseções que se podem encontrar entre
as “viagens” de J. dewey e suas ideias e os diferentes desenvolvimentos
educacionais nos Bálcãs no início do século XX.
      como sugere o esquema de cremin, um modo de contrastar a
educação puritana da Nova inglaterra no século XVi com a reforma da
escola pública do século XiX é caracterizar a primeira como provisória,
insustentável “seminaturalização” dos modelos europeus de educação.
Nessa visão, o movimento de reforma da escola pública elementar teria
sido mais propriamente afinado com as necessidades e circunstâncias do



1.   atualmente o campo da sociologia pode parecer, por vezes, inundado de críticas
     a esses tradicionais conceitos centrais; acredito que Nikolas Rose (1999, 2007)
     ofereça uma das mais incisivas observações sobre como racionalidades políticas
     alteram-se ao longo do tempo e como nossas ferramentas e esquemas analíticos
     também precisam mudar.


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“mundo novo”2. Para uma interpretação como essa é preciso não tomar
as reformas da escola pública elementar como tendo surgido de maneira
endógena. Reformadores notáveis como calvin stone e Horace Mann
realizaram propaladas viagens de estudos à Europa. Entretanto, apli-
cando o ponto de vista da “transferência” pode-se argumentar tanto que
aquilo que os reformadores tomaram de empréstimo foi adequadamente
adaptado, como que a lição ou o exemplo estrangeiro foram subsumidos
no discurso reformador doméstico e funcionaram como estratégias de
legitimação ou de “escandalização” (para usar a linguagem proposta pelo
especialista em educação comparada Gita steiner-Khamsi, 2002)3. ambas
as alternativas deslocam as intervenções e ações da elite de reformadores
para o primeiro plano, e ambas as leituras iluminam o que, inspirando-
se em Michael Werner e Bénédicte Zimmermann (2006), poderíamos
considerar como sendo as quatro limitações da pesquisa sobre conexões
interculturais derivadas de um quadro de referência de transferência.
     Em primeiro lugar, estudos sobre transferência tendem a assumir
pontos fixos de saída e chegada. O quadro exclusivamente diacrônico
(isto é, a análise de algo concebido como um processo que se desenrola
no tempo em estágios concretos e absolutamente discerníveis) pode
significar, por exemplo, que os métodos monitoriais do início do século
XiX, associados a J. Lancaster e a. Bell são analisados apenas como
se tivessem partido de um ponto central coerente e chegado a distintos
contextos como se fossem uma reforma pedagógica variegadamente
“recebida”. Embora essa estratégia possa oferecer um melhor conhe-
cimento sobre como a educação muda ao longo do tempo, arrisca-se
com ela a obscurecer a complexidade das conexões e entrecruzamentos
que engendram certas formas culturais e padrões sociais, e não outros.
Pensa-se, por exemplo, na tendência dos estudos coloniais de saírem do
esteio exclusivo de uma mítica dinâmica “centro-periferia”, em vez de


2.   Ver, em parte, tyack (1967, p. 5).
3.   uma terceira alternativa, é claro, é ver Horace Mann tomar inspiração na Prússia
     como uma perversão dos ideais democráticos americanos. Ver, por exemplo, Gatto
     (2001).


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Entrelaçamentos e troca cultural na história da educação


buscarem meios de dar conta das múltiplas redes de relações (assim como
da natureza multidirecional dessas relações)4. No estudo da educação
comparada anglo-americana permanece forte o desejo de modelar as
partidas e chegadas das transferências educacionais (cf. Phillips & ochs,
2004; Rappleye, 2006). deixando de lado questões de teoria geral nas
ciências sociais, os quadros rígidos de referência limitados por um estrito
paradigma de transferência não servem perfeitamente às preferências
gerais dos historiadores por narrativas complexas e de complexidade
crescente, explicações muito elaboradas e conclusões experimentais
     Em segundo lugar, as categorias analíticas usadas no estudo de uma
transferência (por exemplo, “adaptação”, “translação”, “origem”) são
frequentemente consideradas invariáveis. a historicidade desses mesmos
conceitos escapa à análise, podendo haver uma irônica re-introdução das
perspectivas nacionais. Eu diria que as ferramentas conceituais usadas
para discernir o quanto algo se “adapta” a uma determinada situação
representa um grande ponto cego. Parece suficientemente claro que a
noção de “adaptação” tenha potenciais implicações de darwinismo social,
mas talvez valha a pena mencionar o corpus de conhecimentos da botâ-
nica, zoologia e medicina, criado ao longo do século XiX, em torno das
questões de aclimatação. como mostra o trabalho de Michael osbourne,
juntamente com a etnografia as ciências da aclimatação foram cruciais
apêndices dos projetos coloniais e imperiais, interessados que eram
pelo modo como os organismos poderiam ser removidos com sucesso
de um clima para outro. isso tudo respondia ao interesse de otimizar as
iniciativas de reorganização econômica e administração social que eram
partes e parcelas do projeto colonial (osborne, 1994, 2000). a “teoria da
aclimatação” tornou-se uma idée fixe (em francês no original) no campo
da educação comparativa, em virtude, em grande parte, da persistente
reciclagem das injunções do antigo comparativista inglês, Michael sadler,
em 1902, de que os reformadores da educação,


4.   Ver, por exemplo, steinmetz (2007) e stoler (2006). a esse respeito, é muito ins-
     trutivo o trabalho de serge Gruzinski (2002) sobre as múltiplas trocas culturais
     mobilizadas nos contatos coloniais europeus.


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          Vagam prazerosamente entre os sistemas educacionais do mundo, como
      uma criança que anda pelo jardim, e colhem uma flor… e presumem que se
      espetarmos o que tivermos apanhado no solo de casa, haveremos de ter uma
      planta viva [Bereday, 1962]5.


     ironicamente, portanto, a despeito de sua expressa sensibilidade e
seu interesse pelas características singulares dos diferentes “contextos”,
os estudos de transferência sempre se fragilizam pela relutância em
historiar e desestabilizar suas categorias analíticas.
     Em terceiro lugar, mesmo que em princípio os estudos de transferên-
cia sejam projetados para romper o isolamento da pesquisa centrada na
nação, por mostrar interconexões, interdependências e a permeabilidade
das fronteiras, o seu resultado pode ser mesmo o de reificar e re-introduzir
referências nacionais. o paradigma da transferência, como foi visto
anteriormente no substantivo juízo de cremin, pode tautologicamente
inserir o enquadre nacional como se as demandas de progresso e avanço
de algum modo requeressem (na mitologia, e não na prática) que um
dado sistema educacional necessariamente possuísse um caráter singular
e “nacional”6. Mesmo considerando os modos como o lancasterianismo
foi “importado” para os Estados unidos e dando crédito à importância
que ele possa ter tido na mudança geral das estratégias de ensino de
individuais para simultâneas, o gesto analítico de “internacionalizar” a
narrativa histórica é consideravelmente fragilizado quando uma prática
ou teoria educacional em circulação é vista – como ocorre frequente-
mente – como se viesse ao encontro de um “distintivo modo de vida” ou
de dadas “necessidades” de uma determinada “sociedade emergente”.
     Muito do que foi mencionado poderia ser intitulado como que
Werner e Zimmermann denominam “deficiência de reflexividade”, que
caracterizaria muitas pesquisas de transferência (Werner & Zimmermann,


5.   Ver também sadler (1907, p. 595).
6.   Em minha opinião, as mais consistentes e cativantes críticas da presumível distin-
     tividade dos padrões educacionais nacionais vêm dos sociólogos neoinstitucionais.
     Ver, por exemplo, Ramirez e Meyer (2002).


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Entrelaçamentos e troca cultural na história da educação


2006, p. 36). de todo modo, como uma quarta área de limitação vale
mencionar a dificuldade que têm os paradigmas de transferência em
reconhecer e analisar “cruzamentos em X”: os recíprocos, reversíveis e
múltiplos vetores de movimentos e trocas. Embora haja ocasiões em que
as inter-relações sejam estritamente bilaterais, é provavelmente mais fre-
quente o caso em que trocas e empréstimos/circulações culturais ocorrem
dentro de densas teias de relações. a multiplicidade e complexidade das
redes em que pessoas e ideias viajam nem sempre se prestam a análises
bilaterais e diacrônicas de transferência.
     A fim de tentar lidar com algumas das deficiências mencionadas, irei
agora elaborar uma abordagem de “histórias entrelaçadas”, que procura
colocar o fenômeno da interação no centro da análise. o restante deste
artigo discute as trocas culturais que emergiram quando “John dewey”
e ideias deweyanas circularam pelo recentemente criado Estado da iu-
goslávia nos anos de 1920 e 1930. O filósofo americano, famoso por ter
fundado a Escola Laboratório em chicago e que lecionou por vários anos
na universidade de columbia, nunca palestrou na iugoslávia, muito em-
bora seus escritos tenham sido traduzidos e tenham penetrado no discurso
pedagógico iugoslavo de modos fascinantes e imprevistos. dewey pode
também ser considerado uma “persona conceitual” (deleuze & Guattari,
1994) – um, na multidão de pensadores da educação de status icônico
que povoam a literatura pedagógica pelo mundo e em torno de quem um
alicerce comum de projetos modernizadores poderia se basear. trato aqui
do “Dewey iugoslavo” como uma figura local particular (e variegada),
e não como um mero simulacro do “original”. Nesse particular, sigo o
trabalho de thomas Popkewitz, que sugere que os escritos de dewey
devam ser tratados como se incorporassem “um conjunto particular de
conceitos e interpretações sobre o mundo e o ser que não é simplesmente
o de dewey” (Popkewitz, 2005, p. 6). Embora haja considerável valência
no modo como dewey é “visto” pelo mundo, também é evidente que
Dewey não funciona como um significante vazio, para o qual qualquer
significado possa ser aposto. Popkewitz sugere que o trabalho de Dewey
deva ser visto como a incorporação de três principais teses culturais: (1)
a noção de que o indivíduo é um agente de mudanças com “responsabili-

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dade pelo progresso pessoal e coletivo”; (2) a prática de ordenamento e
cálculo de tempo – dominantemente inscrevendo o futuro no presente –
com o objetivo de controlar essa ação; (3) a recolocação da ciência como
método da vida cotidiana, menos para dar a certeza da Fé do que para ser
uma ferramenta para a efetivação de planos de operação (idem, ibidem,
pp. 16-25). ação, domínio do tempo e ciência não são, no esquema de
Popkewitz, “variações de um mesmo tema”. antes, envolvem diferentes
configurações – configurações culturais que tanto relacionam identidades
coletivas com individualidades, como incluem outros conhecimentos e
práticas culturais para modelar a modernidade e o ser “moderno”.
     No que se segue meu ponto de partida é buscar trocas, interseções e
entrecruzamentos entre John dewey e a iugoslávia no período entre as
grandes guerras. Primeiramente, discuto as outras figuras que cruzaram
e “trocaram” ideias com dewey quando este circulou pela iugoslávia.
Em seguida, continuo focando os entrelaçamentos e examinando os
textos servo-croatas que introduziram dewey na literatura pedagógica
iugoslava.


Dewey nas prateleiras da Iugoslávia 7

    O pedagogo iugoslavo Salih Ljubunčić, informando sobre o avan-
çado estado da educação na tchecoslováquia em 1934, disse o seguinte
sobre a literatura educacional tcheca:

          Em suas resenhas, livros e palestras alguns pedagogos estrangeiros são
      mencionados. uma coisa é característica, entretanto: os pedagogos germâ-
      nicos são bem pouco mencionados, não importando se são austríacos ou
      alemães. Em vez disso, enfatizam-se tolstoi, J. dewey, M. Montessori e
      outros [Ljubunčić, 1934, pp. 52-53].




7.   o material desta e das duas seções seguintes deste artigo foi apresentado em sobe
     (2008). Esse material foi re-editado e traduzido com permissão.


Revista Brasileira de História da Educação, n° 21, p. 13-38, set./dez. 2009        21
Entrelaçamentos e troca cultural na história da educação


     Nessa breve afirmação, que dispõe “J. Dewey” ao lado de outras
figuras de destaque, pode-se quase literalmente vislumbrar uma prateleira
na biblioteca itinerante8 que circulou e reuniu dewey na iugoslávia. o
fato de dewey ter sido mencionado por um iugoslavo especialista em
pedagogia, como indicação de que os tchecos estavam judiciosamente
dando as costas aos germânicos, mostra claramente como a assimilação
de dewey na iugoslávia teve lugar em um campo de múltiplas trocas
culturais. as relações entre as nações eslavas da Europa central e
Europa oriental foram capitais. uma solidariedade pan-eslava diante
desse “outro” germânico foi um dos principais aspectos da grade pela
qual dewey foi pensado entre os iugoslavos. o arrolamento de dewey,
visto anteriormente, coloca-o em meio a uma multidão de pensadores
de status icônico similar. Referências a pensadores en mass [em francês,
no original], assim como na mencionada ênfase tcheca em “tolstoi,
J. dewey, spencer, M. Montessori e outros”, exercem uma função de
credenciamento, de trazer figuras globais às particulares relações locais.
seria um erro, entretanto, ver neste fenômeno um mero jogo semiótico.
Embora seja provável que listagens como essa possam ser encontradas
pelo mundo em muitos contextos, há nesta uma especificidade que prova
ser possível escavar historicamente o particular “J. dewey” encontrado
no texto iugoslavo de 1934. Não é fortuita a presença de tolstoi como
um de seus companheiros de prateleira; a disposição tcheca para essa
coleção de “pedagogos estrangeiros” não é, do mesmo modo, acidental.
     as interações com a tchecoslováquia foram uma parte central da
modernização reflexiva da criança, do professor e da escola na Iugoslávia9.
Era uma “modernidade” singular, ainda que certas noções de ação e de
subjetividade tenham sido por meio dela globalizados. o livro de salih
Ljubunčić sobre a escolarização e a educação na Tchecoslováquia baseou-
se em um tempo considerável de observação direta da educação tcheca, mas
rapidamente evoluiu para uma viagem de estudos de duas semanas àquele
país. Em 1933, Ljubunčić liderou um grupo de trinta professores iugoslavos


8.   tomo emprestado esse conceito de Marc depaepe.
9.   Para uma discussão mais extensa desse tópico, ver sobe (2008).


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em uma excursão a Zagreb, Viena, Bratislava e partes da tchecoslováquia
(olín, Brno, Pardubica, Hradec Kralovy e Prague), onde tiveram acesso a
importantes inovações educacionais (Ljubunčić, 1933). Um preconceito
contra as influências educacionais germânicas atravessa o texto e aparece
em todo o itinerário da viagem de estudos. tendo passado por Viena, o
grupo visitou escolas criadas por tchecos que viviam na cidade. Em rela-
tório publicado no periódico de professores, escrito em língua eslovena,
um dos participantes da viagem-estudo de Ljubunčić, de 1933, descreveu
a visita à escola comenius em Viena e observou: “para começar, sentimos
a hospitalidade eslava no meio dessa existência como estrangeiros, que
nos aqueceu” (debenak, 1933, pp. 10-11). Essa escola não era só um lugar
em que os visitantes iugoslavos se sentiram particularmente bem-vindos,
mas a que consideravam uma das mais modernas construções da cidade.
o caráter avançado das escolas tchecas em Viena, a antiga capital dos
Habsburgo, era para os iugoslavos uma afirmação da perseverança nacional.
o itinerário vienense da viagem de estudos iugoslava aponta para uma das
condições que conduzem ao interesse iugoslavo particularmente forte pela
tchecoslováquia, a de que os dois países eram entendidos como se com-
partilhassem um “destino histórico” similar. ambas eram “jovens” nações
recém-independentes, que haviam em parte emergido do desmantelamento
do Império Austro-Húngaro com o fim da Primeira Guerra Mundial. Esse
momento era referido com frequência na literatura iugoslava como uma
restauração da independência que fora negada durante o período de con-
trole dos Habsburgo – e adicionalmente, pelos iugoslavos otomanos. Na
introdução ao seu estudo sobre a Tchecoslováquia, Ljubunčić (1934, p. 5)
culpava os iugoslavos por “não olharem para além das fronteiras da peda-
gogia austríaca e alemã”. com sua independência os iugoslavos deveriam
agora se interessar por “romances (franceses e italianos) e pela pedagogia
anglo-saxônica (inglesa e americana)”, escreveu. a tchecoslováquia havia
com sucesso se libertado dessas influências e estava gozando propriamente
sua independência nacional, como indicava sua particular estante, na qual
“J. dewey” fora encontrado em 1934.
     ao lado da temporalidade compartilhada pelos dois povos que vi-
viam um momento de libertação nacional, ou no presente pós-colonial,

Revista Brasileira de História da Educação, n° 21, p. 13-38, set./dez. 2009   23
Entrelaçamentos e troca cultural na história da educação


tchecos e iugoslavos compartilham um conjunto de afiliações eslavas.
servo-croata, tcheco e eslovaco são idiomas linguisticamente correla-
tos, formam parte de um grupo que também inclui o polonês, o russo, o
búlgaro e o bielorusso.
      As afinidades eslavas ajudaram, por exemplo, a fazer da Tchecoslo-
váquia o destino mais comum dos viajantes iugoslavos no período entre
guerras. tchecos eram “nossos irmãos do norte” e a tchecoslováquia
era vista como “o mais avançado país eslavo”. Essa construção cultural
da familiaridade eslava suavizou o caminho para que a tchecoslováquia
aparecesse aos iugoslavos como um modelo acessível de modernidade.
Em seu texto sobre a educação tcheca, Ljubunčić apontou a pronunciada
influência americana em pedagogos tchecos, tais como Vaclav Přihoda,
stanislav Vrána e Jan Úher. Ele foi ainda mais longe ao sugerir que um
dos avanços encontrados na américa poderiam ser levados à iugoslá-
via, mirando-se na tchecoslováquia. uma resenha do livro em Ucitelj
(Professor), o mais proeminente periódico educacional iugoslavo no
período entre guerras, apontou que, em sua conclusão, mais uma vez o sr.
Ljubunčić indicou “as características eslavas, ou mais especificamente, as
características tchecas de todo esse movimento, que, em verdade, recebe
a influência dos pedagogos americanos”. Além disso, o autor espera que
“o humanismo eslavo espiritualize a cultura prática americana e tcheca, e
que a escola tcheca reformada esteja na tchecoslováquia acima de tudo”
(Učitelj, 1934, pp. 243-246).
     o eslavo era considerado, como se pode ver, como tendo o potencial
de preservar um grau de legitimidade local e autenticidade nacional diante
das modernas influências americanas na esfera educacional. Há, ainda,
uma intimação clara no comentário de Ljubunčić, de que os próprios
eslavos tinham algo a oferecer à américa. o encantamento sugerido na
ideia do humanismo eslavo tendo o potencial de espiritualizar a américa
é alusivo a outras discussões contemporâneas da “alma” ou “espírito”
eslavo como um aspecto condutor e motivador da realidade. a espiri-
tualização da pedagogia americana aqui invocada pode ser vista como
uma proposta para o “encantamento” da reforma educacional; um gesto
em direção a fundar e consagrar finalmente os alicerces ontológicos e

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epistêmicos da atividade e do pensamento nos encantamentos espirituais
que o mundo oferecia.
      a encarnação iugoslava de “J. dewey” pela tchecoslováquia não
era um gesto errático. Na prateleira em exame dewey foi associado a
um compromisso para com a distintividade étnica dos eslavos. a cultura
prática da ação que o trabalho de dewey prognosticava havia sido retraba-
lhada de acordo com as “características eslavas”. Não se deve, entretanto,
pretender que essas características eram noções culturais estáticas que
a priori precediam o texto de Ljubunčić. É evidente que nos escritos de
Ljubunčić – por exemplo, na descrição da hospitalidade eslava – que a
“filiação eslava” que sustentava a compatibilidade da Tchecoslováquia
como modelo para estudo dos iugoslavos vinha sendo culturalmente
construída pelas mesmas viagens e interações, e por esses textos. o
posicionamento de Dewey por Ljubunčić como influência meritória na
tchecoslováquia conectava-se à imagem dos eslavos como uma forma
de encantamento. Essa conexão com os eslavos significava não só que
dewey fora agregado às tradições locais e regionais, mas que o dewey
iugoslavo de fato detinha o potencial de apoiar e manter a fabricação de
tradições como uma fonte de encantamento.
      a importância cultural dos eslavos na iugoslávia de entre guerras
ajuda a explicar a proximidade de “J. dewey” e “tolstoi”. o novelista
russo e pensador Leon tolstoi havia gerido escolas experimentais nos
anos de 1890, sendo Yasnaya Polyana a mais famosa, onde desenvolveu
programas “direcionados aos alunos”10, a que escritores iugoslavos sem-
pre se referem como “ensino livre”. Especialistas como sergei Hessen
(russo emigrado que diversas vezes se fixara em universidades alemãs,
tchecas e polonesas, e de quem circularam largamente na iugoslávia nos
anos de 1920 e 1930 trabalhos de educação comparada sobre escolas
soviéticas e americanas) apontou as consideráveis semelhanças entre os
dois homens (Nowacki, 1973). Mais do que o fato de terem comparti-
lhado o compromisso de gerir escolas experimentais, o foco nos escritos
de dewey sobre a “vida” da criança e sobre a educação como modo de

10. Ver Blaisdell (2000).


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Entrelaçamentos e troca cultural na história da educação


vida poderiam ser vistos como portando uma estreita semelhança com
a noção de “vida” de tolstoi. colocar tolstoi na mesma prateleira de
spencer, Montessori e dewey levou tolstoi a comunicar-se com eles, e
colocá-lo na mesma classe de outras personagens que circularam inter-
nacionalmente. a presença de um herói eslavo na prateleira com dewey
era, assim, outro modo pelo qual uma construção cultural do eslavo se
entrelaçava na composição do dewey iugoslavo.
     Embora na lista de pedagogos estrangeiros na tchecoslováquia
feita por Ljubunčić Dewey seja enfaticamente separado de quaisquer
escritores germânicos, isso não ocorre em todos os casos. Em outras
obras iugoslavas, dewey é estreitamente associado a Georg Kerschens-
teiner. Entretanto, Dewey é tipicamente apresentado como uma figura
maior nessa relação11. Nos fluxos e redes que entrelaçaram Dewey e
Kerschensteiner na Iugoslávia, o filósofo americano estava solidamente
em vantagem. a visão de atividade de dewey aparece assim no mapa
cultural iugoslavo como se estivesse inserindo uma conexão (como uma
influência formativa) para a teorização pedagógica do trabalho e da edu-
cação manual e vocacional. Quando os pedagogos tchecos ocuparam-se
da américa, os escritores iugoslavos enfatizaram o quanto “américa”
era “naturalizada” e retrabalhada para ficar de acordo com o “tcheco” e
o “eslavo”. isso não ocorreu nos casos em que iugoslavos destacaram as
maneiras como os pedagogos germânicos ocuparam-se da américa. tal
como foi apresentado pelos iugoslavos, o dewey que viajou na mesma
prateleira que Georg Kerschensteiner não havia sido germanizado. Em
vez disso, a representação cultural foi a de um movimento pedagógico
germânico que devia tributos à américa, mais do que uma consciente
apropriação da américa. de todo modo, como circulou de modos dife-
rentes em cada uma dessas órbitas, dewey ajudou a teorizar “trabalho”
para os educadores iugoslavos por meio de suas ideias sobre a ação e
seu lugar como princípio de ordenamento no pensamento e nos pro-
cessos educativos. Na iugoslávia, dewey apareceu, por um lado, como
uma figura moderada cujo pragmatismo americano poderia explicar

11. Para mais discussões a respeito, ver sobe (2008, pp. 78-84).


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legitimamente certas teorias pedagógicas germânicas; por outro lado,
como uma figura cujas ideias sobre cultura prática e ação prática foram
consideradas extremamente contributivas para uma “naturalização”,
que nesse caso foi entendido como a “espiritualização” que se poderia
esperar que ocorresse quando os tchecos (e por extensão, os iugoslavos)
trouxessem “J. dewey” para o mundo “eslavo”.


Traduzindo Dewey para o servo-croata

     Nos anos de 1920 e 1930, os trabalhos do especialista francês em
educação, Edouard Claparède, foram particularmente significativos na
penetração dos escritos de dewey na iugoslávia. assim como o dewey
conceitual que apareceu na iugoslávia, o que apareceu em comentários
textuais foi também uma construção local particular. claparède foi uma
parte importante dessa construção, provavelmente, como um dos mais
amplamente circulados e influentes dentre os interlocutores de Dewey
no país. Por causa de sua estatura como renomado especialista em
psicologia na universidade de Genebra e fundador do instituto Rous-
seau, claparéde era, por si mesmo, uma persona conceitual de estatura
internacional. a questão primordial aqui, entretanto, é a embalagem de
dewey por claparède. claparède foi um condutor para a chegada dos
escritos de dewey na iugoslávia – um “envelope” que afetou o modo
como os “conteúdos” foram lidos. o que claparède ofereceu foi um
esquema para pensar em dewey. Esse foi um esquema, como se nota,
que apoiou o “eslavo” como um objeto de conhecimento de significado
dado e orientado para a atividade na formação da educação iugoslava.
a contribuição-chave de claparède para fazer o dewey iugoslavo in-
teligível era pensar nos encantamentos e desencantamentos que foram
alcançados no fazer-se dos sujeitos modernos, escolas modernas e modos
de vida modernos.
     Na iugoslávia, claparède foi discutido como um notório defensor do
child-study e um pioneiro da pedagogia experimental. Ele viu na peda-
gogia de dewey três elementos primordiais: no esquema de claparède,

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Entrelaçamentos e troca cultural na história da educação


as ideias educacionais de dewey eram antes de tudo “genéticas”, o que
significa dizer que a educação não ocorre vinda de fora, mas de dentro
da criança. Em segundo lugar, a pedagogia de dewey poderia ser vista
como “funcional”, o que significava que as atividades escolares eram
um instrumento de desenvolvimento espiritual que levassem em conta
o presente e o futuro. Em terceiro lugar, era “social”, o que significava
que preparava o indivíduo para desempenhar um papel produtivo na
sociedade ampla. a esquematização de dewey apareceu pela primei-
ra vez em 1913, na introdução de uma coleção de artigos de dewey
traduzidos para o francês (claparède, 1913). o ensaio de claparède
foi publicado também em servo-croata, em 1918, em um periódico, e
novamente em 1920, como um panfleto (Klapared, 1920) em uma série
de publicações sobre pedagogia editadas por Milan Šević, o diretor da
faculdade de pedagogia da universidade de Belgrado. o mesmo ensaio
de claparède sobre dewey reapareceu em 1930, quando uma suma de
duas páginas foi publicada no jornal Ucitelj (Dirić, 1930). Graças às
amplas circulações e recirculações dos textos de Claparéde, pensar em
Dewey como se oferecesse uma pedagogia genética, funcional e social
adentrou à Iugoslávia.
     [deve-se notar que iugoslávia não foi o único país eslavo da Europa
central e oriental a tomar contato com dewey por meio de claparède. o
ensaio de claparède também era frequentemente citado na tchecoslová-
quia. Especialmente à luz das percepções anteriormente vistas, é muito
interessante descobrir que em seu livro de 1930, sobre a educação nos
Estados unidos, Jan Úher dedicou-se, ao menos parcialmente, a explicar
as ideias educacionais de dewey para seus leitores tchecos pelo esquema
apresentado no ensaio de claparède (Úher, 1930, pp. 103-106). Esse
recurso a claparède não é particularmente surpreendente, exceto pelo
fato de o livro de Úher ter sido expressamente escrito depois e com base
em suas viagens de estudo aos Estados unidos.]
     No esquema conceitual de claparède, os aspectos genéticos da fi-
losofia educacional de Dewey diziam respeito a suas ideias sobre o de-
senvolvimento e sobre como o professor deveria responder aos desejos e
interesses das crianças. o que dewey oferecia, de acordo com claparède,

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era um “entendimento dos interesses [das crianças] com um sintoma ge-
nético” e um modo pelo qual “podemos seguir a natureza da criança”12.
Pode-se notar de passagem que a noção de desenvolvimento elaborada
por dewey, por exemplo, em Democracia e educação, difere bastante
da concepção de um desenvolvimento genético que pudesse ser nutrido
e monitorado seguindo-se as expressões dos interesses das crianças. o
ponto fundamental para os objetivos desta análise é que essa última ideia
percorreu a iugoslávia como uma apresentação autorizada de dewey. a
leitura claparediana de dewey, de fato, põe uma ênfase extremamente
forte na centralidade da educação na criança, em “genética” – uma ênfase
que parece ter sido preferencialmente adotada na iugoslávia.
     Em sua tradução para o servo-croata, o ensaio de claparède foi
prefaciado por uma introdução escrita por Milan Šević, que indica como
os encantamentos e desencantamentos estavam presentes em seu pensa-
mento sobre educação e suas dimensões “genéticas”. apresentando os
conceitos de claparède/dewey aos quais seus leitores estariam prestes a
ser expostos, Šević opinou: “todos têm certo capital em suas aspirações e
impulsos, que devem ser perseguidos a fim de avançar”. E continuava: “o
problema da educação é este: descobrir esse capital” (Šević, 1920, p. 4).
Com essa afirmação Šević ligava a categorização genética de Claparède
a uma teoria do progresso, um “avanço”. Esse “capital” estaria oculto
na criança. o estudo da criança [child-study] poderia revelar algo desse
capital genético e uma pedagogia centrada na criança o poderia alimen-
tar. ainda, embora o “capital genético” fosse algo considerado nato na
criança, ele não era estático. os iugoslavos leram por meio de claparède
que, para dewey, a mente não era um sistema estático, mas um processo
dinâmico. Essa “genética” tinha desse modo, não o caráter de um deter-
minismo a priori, mas o de um material apropriado e “natural” para ser
trabalhado pelos educadores. Os desencantamentos de um modo científico
de pensar e agir tomaram forma ao buscarem as aspirações e interesses
das crianças e educarem-nas por meio deles. Mediante pesquisa no campo
da pedagogia experimental e em institutos como o instituto Rousseau, de

12. Esses excertos foram traduzidos do servo-croata (Klapared, 1920).


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Entrelaçamentos e troca cultural na história da educação


claparède, os cientistas da educação poderiam estudar cuidadosamente
os interesses e as atividades das crianças como formas sintomáticas da
natureza infantil. a entidade “natural”, “genética” tão bem alojada no
interior da criança era, entretanto, o objeto denegado da ciência e uma
“coisa” indefinível a que se atribuía uma intencionalidade encantada.
Quanto a isso, parece haver conexões entre as ideias de claparède sobre
o “genético” e do vitalismo de Henry Bergson13, com a natureza interior,
genética, da criança, servindo como um “élan vital” [em francês no
original]. Graças à categorização de claparède, a abordagem moderna
para ensinar e pensar a respeito dos interesses da criança que circulou,
associada a dewey pela iugoslávia, era a que construiu encantamentos
e desencantamentos em gestos relacionados. E, por analogia, o “eslavo”
poderia ser, de modo similar, entendido como um espírito interior e
motivador, que precisava ser encontrado pelos eslavos.
     os aspectos funcionais da pedagogia de dewey eram compatíveis com
uma psicologia funcional que, para claparède, guardava a promessa de
renovar a psicologia associacionista com um entendimento da consciên-
cia como menos estática e mais afinada à adaptabilidade ao ambiente, no
sentido darwinista. como foi mencionado, claparède enfatizava a dinâmica
como oposta às representações estáticas da mente, que era uma ênfase que
correspondia à visão do homem como unidade com integridade funcional
em adaptação a suas necessidades e a seu ambiente. as atividades da criança
eram um tópico importante a esse respeito, e claparède apontou que os
educadores precisavam ter certeza de que a atividade e o trabalho da criança
estivessem de acordo com suas “necessidades internas” (Klapared, 1920,
p. 23). como “funcionais”, as atividades da criança teriam assim o potencial
de fornecer uma superfície para intervenções pedagógicas. as conexões
entre psicologia funcional, dewey e o movimento da escola do trabalho de
Kerschensteiner foram apontados em um survey iugoslavo, especialmente
comissionado da educação tcheca, que foi publicado em servo-croata em
1938. Em uma passagem que capta muitos dos temas previamente discu-


13. claparède estava familiarizado com a obra de Bergson, ainda que questionasse
    algumas de suas proposições (tröhler, 2005).


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tidos nesse capítulo, um inspetor escolar eslovaco chamado Franjo Musil
explicava a leitores iugoslavos o desenvolvimento histórico da didática
tcheca. a história de Musil era notadamente similar ao que disse salih
Ljubunčić sobre a prateleira de livros de “Tolstoi, J. Dewey, Spencer, M.
Montessori” anteriormente mencionada. de acordo com Musil, até 1918
as pedagogias alemãs e austríacas haviam sido empurradas sobre uma
tchecoslováquia que, com a independência pós-1918, era capaz de escolher
mais livremente o que melhor servisse a suas necessidades educacionais.
o movimento da escola livre, que enfatizava “métodos ativos” e eclipsava
o “aprendizado passivo” de informação (como sob o antigo regime) era
visto por Musil como tendo sido formado “sob influência de estudos em
psicologia funcional, que libertava as crianças para se desenvolverem por
meio de um conjunto de atividades que aperfeiçoassem suas inclinações”.
isso levava, como ele apontava, à organização da educação em torno de
“centros de interesse da criança”. a prateleira de Musil, de líderes pedago-
gos nessa área, incluía “Montessori, decroly, claparède e, em particular,
dewey”. Na viagem dessa biblioteca à iugoslávia, pode-se apontar que a
teorização de atividade de dewey foi tomada como um conceito-chave,
garantindo o foco no trabalho da criança. Musil afirmava que esse impulso
tinha mesmo levado ao estabelecimento de “trabalho manual educativo”,
sendo estabelecido como uma matéria escolar requerida para os meninos
na tchecoslováquia (Musil, 1938, p. 28). Mais uma vez dewey viajou na
iugoslávia em companhia de Kerschensteiner. aqui, ele também se fez
acompanhar de Claparède e da psicologia funcional, e figura como uma
profética promessa de redenção social mediante o trabalho pedagógico
centrado na atividade da criança.
     os aspectos sociais da pedagogia de dewey estavam, na visão de
claparède, impregnadas em todas as ideias de dewey. Ele aponta que
dewey respondia às sociedades contemporâneas (“as novas condições
de nossa nova civilização”), em que crianças eram restringidas de muitas
das ocupações naturais que outrora foram adequadas para “desenvolver
o instinto social”. No ensaio, claparède sugeria uma ampla preocupa-
ção com a anomia, ao mencionar a perda da vida familiar e o fenômeno
do trabalho dos pais fora de casa, significando que as crianças não eram

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Entrelaçamentos e troca cultural na história da educação


obrigadas a trabalhar ou fazer suas tarefas. claparède concluía que apenas
a escola poderia ordenar a vida social contemporânea. E, em direção a
esse fim, recorreu ao conceito de Dewey de “escola como uma pequena
comunidade”. Recorreu também a Kerschensteiner e à noção de trabalho
manual como “o melhor tipo de tarefa para o trabalho cooperativo inter-
pessoal” e ao “trabalho em comunidade” (Klapared, 1920, p. 25), como
estratégias educacionais que poderiam redimir a sociedade. Milan Šević,
em sua introdução à obra de claparède, também se dedicou à questão so-
bre o que permitiria às pessoas viverem juntas. Ele tomou de empréstimo
o conceito de desenvolvimento coletivo da responsabilidade individual e
da razão saudável, de claparède e dewey, como traço característico da
vida social produtiva na contemporaneidade. a esse respeito, tanto para
Šević como para Claparède, um dos pontos centrais sobre Dewey não
era apenas que ele pensava tais coisas, mas que as levava à frente – uma
observação já discutida aqui. Eram oferecidas ações práticas e uma ação
de re-estruturação humana, visando ao objetivo de reparar a sociedade e
levá-la adiante como uma bem-sucedida empresa humana.
     a teorização da “ação” atribuída a dewey na tradução para o
servo-croata foi, como foi visto, vinculada a um moderno modo de vida
organizado em coerência com a independência individual, a autossus-
tentação, o autogoverno. o ser moderno que poderia ser vislumbrado e
fabricado mediante o uso pedagógico apropriado do trabalho, atividades
e interesses da criança, era constituído por meio de suas próprias ações.
Esse modo de agir era tanto um fazer como um modo de vida, porquanto
a ação ligada a interesses/curiosidade/disposições gerava princípios de
reflexão e critérios para avaliar o conhecimento. Na fabricação iugos-
lava de dewey como persona e no comentário textual de sua obra, a
“atividade da criança” era vista como promovendo a base sólida para
uma confiável intervenção no indivíduo e para reconstituição do social
como um domínio de interação e mutualismo. além disso, sua atividade
foi encantada com uma finalidade condutora e desencantada nas ações
educacionais dos reformadores, orientadas para o progresso, que se adap-
tavam a um conjunto de funções e responsabilidades adotadas. teorizando
a criança ativa e atuante de Dewey através do “eslavo” significaria que

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a intencionalidade da ação poderia ser dessacralizada, desencantada e
implantada na sociedade – e poderia ser ao mesmo tempo naturalizada
e re-encantada ao ser implantada na espiritualização de uma “genética
eslava”, individual e social.


Conclusão

     As seções anteriores procuraram exemplificar os usos de uma abor-
dagem de “história entrelaçada” na história da educação. Em lugar de um
paradigma diacrônico de transferência, que se centra no trânsito de uma
dada prática ou teoria de um contexto para outro, tentei mostrar como as
múltiplas camadas de análises e um olhar analítico profundamente focado
na complexidade das formações culturais podem nos ajudar a entender
os modos como se deu a intersecção de dewey e iugoslávia nos anos de
1920 e 1930. E, melhor do que focar apenas no ponto preciso de inter-
secção, ou no momento de contato, tentei olhar de modo mais amplo os
processos e interesses em jogo e direcionar a atenção para outras ideias
e atividades que estiveram imbricadas nessas ocasiões de cruzamento e
trocas. Werner e Zimmerman argumentam que uma abordagem de história
entrelaçada “requer um observados ativo para construí-la, e, somente em
um movimento de vai-e-vem entre pesquisador e objeto, faz com que
tomem forma as dimensões empíricas e reflexivas da histoire croisée”
[em francês no original] (Werner & Zimmermann, 2006, p. 39). No que
foi examinado, comecei com a afirmação de que o Dewey iugoslavo não
era um simulacro, mas que seria formado de múltiplos arranjos de troca
intercultural. isso me levou a questionar as “rotas” pelas quais dewey
“viajou” à iugoslávia, a quem foi associado e como “ele” foi transformado
pelos objetos e pessoas como os quais foi enredado.
     ao tentar entender esse entrelaçamento particular, cogitei de que seria
interessante passar um bom tempo “fora” da iugoslávia. convenci-me e
defendi em outros escritos que no período entre guerras a tchecoslová-
quia aparecia como um ponto de referência criticamente importante no
pensamento iugoslavo sobre educação escolar e modernidade. Nesse caso,

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Entrelaçamentos e troca cultural na história da educação


fica muito evidente que o Dewey iugoslavo não tem um ponto de partida
definido nos Estados Unidos, mas que os iugoslavos o inserem em suas
discussões e textos de uma miríade de conversações atuais – algumas nos
círculos de pedagogia experimental, e outras centradas em um nacionalismo
étnico que via a influência cultural alemã como uma horrenda ameaça.
tentei situar minha análise nos circuitos e redes de interação pelos quais
dewey atravessou o pensamento iugoslavo sobre o professor, o aluno e o
papel social da escola. isso me fez examinar “companheiros de pratelei-
ra” e “traduções”, menos para uma história das publicações das versões
servo-croatas das obras de John dewey, e mais com o interesse no material
preliminar e nos diagramas esquemáticos mediante os quais ele foi levado
aos leitores iugoslavos. como visto, isso me levou a olhar para Genebra,
mas também, e novamente, para a tchecoslováquia.
      Quando se atenta ao que os iugoslavos disseram sobre Dewey fica
evidente o fato de que estavam muito cientes de seu estatuto “estrangeiro”
e “americano”, porém, viram que as ideias e perspectivas apresentadas
por dewey poderiam ser espiritualizadas pelos eslavos. Minha tentativa
de lidar seriamente com essa noção e de averiguar o que estava havendo
por meio de encantamentos e desencantamentos é uma tentativa de evitar
impor um modelo de “aclimatação” de nacionalização e, no lugar dele,
usar seriamente os conceitos usados naquele tempo – os conceitos que
muitos iugoslavos parecem ter usado para entender como dewey poderia/
iria ser mudado no “mundo eslavo”. Em suas próprias conceituações, era
um mundo de ação e pensamento no qual coisas “iugoslavas” tinham um
dado significado, porém, não único e exclusivo. Dewey, com seu mundo,
foi “entrecruzado” em torno das questões de como a individualidade po-
deria ser mais bem relacionada à identidade coletiva e que conhecimentos
e práticas poderiam ser utilizados para dar forma e realidade distinta à
modernidade e à construção de sujeitos propriamente “modernos”.


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                                                     Endereço para correspondência:
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                                                         Rua Harmonia, 445, ap. 63
                                                                      são Paulo-sP
                                                                    cEP 05425-000
                                                          E-mail: bontempi@usp.br



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                                                     Noah W. sobe
                                        1227 West Lunt ave, apt 1a
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                                            E-mail: nsobe@luc.edu

                                        Recebido em: 15 nov. 2008
                                       aprovado em: 28 maio 2009




38   Revista Brasileira de História da Educação, n° 21, p. 13-38, set./dez. 2009
arlette Medeiros GasPaRELLo e Heloisa de oliveira santos ViLLELa



                Intelectuais e professores:
                 identidades sociais em formação
                     no século XIX brasileiro *                        1




                                         arlette Medeiros Gasparello**                     2




                                   Heloisa de oliveira santos Villela***               3




                          Resumo:
                          o artigo trata da formação da identidade social dos professores
                          secundários na segunda metade do século XiX a partir da análise
                          de dados sobre carreira docente, produção, atividades acadêmicas
                          e interações sociais de 78 professores do colégio de Pedro ii,
                          na corte, e da Escola Normal de Niterói, na província do Rio
                          de Janeiro. A pesquisa identificou nesse período o processo
                          de constituição de um grupo de intelectuais que passou a se
                          reconhecer como professores, uma profissão que não os afastava
                          do grupo de letrados, mas agregava uma conotação específica,
                          o ofício de ensinar.

                          Palavras-chave:
                          intelectuais; profissão docente; identidade social; professores
                          secundários; professor/autor.




*   uma primeira versão da temática abordada neste texto foi apresentada no iii con-
    gresso Brasileiro de História da Educação, em curitiba (PR), em novembro de 2004.
** doutora em história da educação pela Pontifícia universidade católica de são
    Paulo (Puc-sP) e professora do Programa de Pós-Graduação em Educação da
    universidade Federal Fluminense (uFF).
*** doutora em história da educação pela universidade de são Paulo (usP) e professora
    do Programa de Pós-Graduação em Educação da universidade Federal Fluminense
    (uFF).


Revista Brasileira de História da Educação, n° 21, p. 39-60, set./dez. 2009                39
intelectuais e professores



     Intellectuals and teachers:
     social identities being developed
        in Brazil in the 19 th century


                           arlette Medeiros Gasparello
                      Heloisa de oliveira santos Villela


           Abstract:
           the essay is about the formation of the social identity of high-
           school teachers during the second half of the 19th century. the
           study was based on information on the teaching career, academic
           production and activities, and social interactions of 78 teachers
           of the Pedro ii school, in the Neutral Municipality of Rio de
           Janeiro, and the Niterói Normal school, in the Province of Rio
           de Janeiro. our study pointed out the formation of a group of
           intellectuals that began identifying themselves as teachers,
           remaining men of letters, but aggregating a specific connotation,
           the activity of teaching.

           Keywords:
           intellectuals; teaching profession; social identity; high school
           teachers; teacher/author.




40      Revista Brasileira de História da Educação, n° 21, p. 39-60, set./dez. 2009
arlette Medeiros GasPaRELLo e Heloisa de oliveira santos ViLLELa


          talvez, então, possamos contribuir para que as nossas percepções do
      movimento social do passado sejam menos parciais do que tem sido até agora,
      inserindo a educação e a sua história nesse impulso constante de produção
      e reprodução antropológica do homem que é a própria história do seu saber
      [Fernandes, 2004, p. 804].




Introdução

     as pesquisas sobre a formação docente no Brasil1 têm abordado
quase que exclusivamente a formação de professores primários, de modo
que uma referência à formação de professores é geralmente entendida
como alusiva à formação do professor, ou das professoras desse nível
de ensino. as contribuições de pesquisas históricas sobre a formação de
professores secundários são escassas e analisam, sobretudo, os cursos
das Faculdades de Filosofia instituídas no século XX que licenciavam os
professores para as diferentes disciplinas do ensino secundário.
     catani (2000, p. 586 passim), ao levantar dados relativos à produção
histórica sobre a profissão docente no Brasil, verificou que embora seja
significativo o número de estudos acerca da formação de professores, o
termo “história da profissão docente” apareceu recentemente nos estudos
da área. constatou também a incidência de uma periodização que toma
como marcos momentos mais recentes. segundo a autora, nas teses e
dissertações predominam análises cujo eixo central localiza-se na di-
mensão “organização da categoria profissional e relações com o Estado”.
     segundo catani (2000), no conjunto das teses e dissertações voltadas
para o estudo da profissão, apenas uma – Educação como apostolado –,
de Elza Nadai (1991), trata das representações, imagens e símbolos ela-
borados por um grupo de professores que estudou ou atuou em escolas
oficiais secundárias, normais e superiores entre os anos de 1930 e 1970.


1.   a respeito da produção de estudos históricos sobre formação de professores consultar
     catani (2000) e tanuri (2000).


Revista Brasileira de História da Educação, n° 21, p. 39-60, set./dez. 2009           41
intelectuais e professores


as demais não priorizam a formação do professor secundário, apenas
a do professor primário, o que ratifica a quase inexistência de trabalhos
significativos que focalizem a formação de quadros para o nível secun-
dário de ensino.
     Neste artigo apresentamos o processo de formação da identidade
social do grupo de professores secundários na segunda metade do século
XIX na Corte e na província fluminense com base nos dados sociocul-
turais dos autores de livros didáticos2 do período. Nosso propósito foi
acompanhar o processo de autoconstituição de um grupo socioprofis-
sional a partir de suas experiências sociais no magistério secundário e
superior e no interior de uma rede de sociabilidades. Essa questão foi
desenvolvida na primeira fase de uma pesquisa3 que procura analisar, na
produção didática dos professores secundários, o movimento instituinte
de campos de saberes, como as disciplinas escolares e as novas formas
de ensinar e aprender – ou seja, os conteúdos pedagógicos e os saberes
específicos dos textos produzidos para o ensino no período 1860 a 1890.
     consideramos que o estudo do modo de formação de uma identidade
social exige uma perspectiva relacional na qual o historiador deve se
interrogar sobre a experiência dos indivíduos em suas relações sociais,
inscritas na “rede de compromissos, das expectativas e dos laços de re-
ciprocidade que a vida em sociedade lhes impõe” (cerutti, 1998, p. 204).
uma perspectiva, portanto, na qual o processo social que se efetiva está
no centro da análise, na medida em que se preocupa em definir a expe-
riência e o interesse dos atores no interior dos vínculos sociais, já que
“o percurso dos indivíduos no interior de diferentes meios – a família,
o trabalho, a vida social – desenha seu horizonte social” (idem, ibidem,
p. 241). Nessa perspectiva, a pesquisa se orientou para a construção de


2.   Na época, o termo mais usual no Brasil era compêndio. No século passado, firmou-
     se o uso da expressão livro didático, que engloba toda a produção que se destina ao
     ensino. Sobre livro didático e historiografia didática, ver, dentre outros, Bittencourt
     (1993), choppin (1991, 1992), Munakata (1997), Johnsen (1996) e Gasparello (2004).
3.   A pesquisa obteve apoio financeiro e bolsas de iniciação científica da Fundação de
     amparo à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro (fAperj) e do conselho Nacional
     de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq).


42                   Revista Brasileira de História da Educação, n° 21, p. 39-60, set./dez. 2009
arlette Medeiros GasPaRELLo e Heloisa de oliveira santos ViLLELa


um perfil sociocultural do grupo em questão, com a utilização de diversas
fontes, como biografias, enciclopédias, discursos, memórias e textos pu-
blicados sobre os mesmos, além de documentos escolares das instituições
em que os sujeitos da pesquisa tiveram atuação docente. dentre esses,
os documentos e registros das secretarias das escolas, atas de reuniões,
anuários, periódicos e impressos das instituições, atos e publicações dos
órgãos da administração escolar.


Os lugares institucionais

     selecionamos para análise dos sujeitos e suas práticas culturais o
então Colégio de Pedro II (atual colégio Pedro ii) e a Escola Normal
de Niterói, capital da província do Rio de Janeiro, por serem instituições
reconhecidas como modelares nesse período e por seus professores pu-
blicarem livros didáticos que se tornaram referências para outras escolas
secundárias do país. tais livros produzidos para o ensino foram adotados
pelos liceus provinciais e estabelecimentos secundários da corte e do
império brasileiro por um longo tempo, em virtude do prestígio de seus
autores e das instituições às quais estavam ligados4.
     o Colégio de Pedro II foi fundado no período regencial, em 1837,
com o objetivo de servir de modelo de instituição secundária. sua função
como matriz de um curso regular de estudos seriados foi se fortalecendo,
não sem retrocessos, ao longo do século XiX, em oposição aos tradi-
cionais exames preparatórios, então em voga no país, que permitiam o
acesso ao ensino superior, independente da exigência de comprovação de
estudos secundários completos. o importante papel atribuído pelo gover-
no imperial a essa instituição pode ser visto como a correspondência, na
educação, ao processo de centralização política na construção do Estado
nacional brasileiro, na medida em que o caráter de modelo fortaleceu a
institucionalização de uma forma secundária no país, em consonância


4.   sobre o ensino secundário e o colégio Pedro ii, consultar Haidar (1972), doria
     (1997), andrade (1999) e Gasparello (2004).


Revista Brasileira de História da Educação, n° 21, p. 39-60, set./dez. 2009     43
intelectuais e professores


com a política de unidade nacional implementada pelo governo central.
como assinala Gasparello (2004, p. 40), o Colégio de Pedro II, situado
no Rio de Janeiro, construiu uma história institucional com forte traço
de ligação com as outras regiões do império brasileiro:

         o elemento simbólico de sua localização – a corte – era reforçado com
     o nome escolhido, o do imperador. Por sua vez, o próprio d. Pedro ii ajudou
     a fortalecer o caráter imperial do colégio – termo que em geral precedia a
     referência ao estabelecimento – estreitando sua ligação com o regime, ao pres-
     tigiar com sua presença e apoio as atividades do colégio [grifos do original].


     Bernardo Pereira de Vasconcelos5, em seu discurso fundador, justifi-
cara a iniciativa pela necessidade de um modelo de instrução secundária
a ser seguido pelos demais estabelecimentos, orientação que alimentou a
centralidade exercida pelo colégio nesse tipo de ensino. Por determinação
constitucional6 competia às províncias legislar sobre a instrução primária
e secundária, mas o governo imperial promoveu uma ação reguladora no
setor, com a criação de dispositivos de controle do ensino secundário,
como as regulamentações sobre os exames preparatórios7 e a instituição
da categoria de colégios equiparados ao colégio de Pedro ii.
     a Escola Normal de Niterói foi uma importante instituição de
formação de professores no império. criada em 1835, exerceu grande
influência nas decisões sobre a esfera educacional durante o século
XIX. Segundo Mattos (1990), a província fluminense funcionou como
um laboratório de práticas que eram estendidas a todo o país devido à
supremacia que os políticos fluminenses exerciam em nível nacional e

5.   a criação do imperial colégio deveu-se principalmente à iniciativa do ministro
     Bernardo Pereira de Vasconcellos, juntamente com o então regente araújo Lima.
     o discurso foi publicado no anuário n. 1 do colégio (sobre o assunto, ver, entre
     outros, doria, 1997, e andrade, 1999).
6.   ato adicional de 1834.
7.   Os exames preparatórios constituíram a principal via de acesso oficial ao ensino
     superior e persistiu durante todo o império até a Primeira República, período em que
     a forma escolar secundária não estava completamente institucionalizada em todo o
     país como curso regular de ensino (cf. Haidar, 1972, Gasparello, 2004, entre outros).


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arlette Medeiros GasPaRELLo e Heloisa de oliveira santos ViLLELa


cujas bases se encontravam em Niterói, capital da província do Rio de
Janeiro. É interessante lembrar que a própria Corte só teria a sua primeira
Escola Normal pública funcionando em 1881, quando a da província já
fora criada há 46 anos.
     o grupo político conservador que assumiu a liderança da província
após a autonomia administrativa prevista pelo ato adicional de 1834
valorizou a criação de uma instituição de formação de professores. tal
instituição foi vista como de importância fundamental para a difusão
dos princípios de ordem e civilização pelos quais esse grupo lutava e
ao seu projeto de direção política dos vários segmentos da população.
Nesse sentido valorizaram a instrução destinada ao povo e a consequente
formação dos agentes capazes de realizá-la (Villela, 1990).
     a Escola Normal da província do Rio de Janeiro foi criada, então,
com o objetivo de preparar professores para ensinar nas escolas primárias
existentes e nas que seriam criadas a partir daquele projeto de expansão
da instrução pública. desde o momento de sua criação, e por sua posição
geográfica privilegiada de proximidade com a Corte em relação às de-
mais províncias, exerceu por muitas décadas uma função de instituição
paradigmática na formação de professores primários, contrapondo-se às
práticas comuns de admissão de mestres leigos ao magistério público.
     as duas instituições representam, com suas histórias, o movimento
de institucionalização de dois campos importantes do universo educacio-
nal brasileiro em construção no século XiX – o secundário e a formação
de professores. apesar de suas diferenças de gênese e desenvolvimento,
foram escolhidas como foco central de análise em razão de seus agentes
fundamentais: os professores/autores de obras didáticas que, pela circuns-
tância de atuarem muitas vezes em ambas as instituições e outras congê-
neres de sua época, contribuíram com seus livros e aulas na construção
das pedagogias e currículos das disciplinas escolares em formação, ao
mesmo tempo em que vivenciavam um processo de autoformação de um
grupo com identidade profissional ligada à docência.
     No interior dessas instituições de ensino desenvolviam-se importan-
tes movimentos instituintes relacionados às práticas culturais próprias
aos processos escolares e às funções docentes, com a construção de

Revista Brasileira de História da Educação, n° 21, p. 39-60, set./dez. 2009   45
intelectuais e professores


dispositivos pedagógicos que conformaram a instituição secundária e a
formação de professores, dentre eles os estatutos, regulamentos, progra-
mas e matérias escolares, exames, concursos, estudos seriados e novas
formas de ensinar e aprender.
     de qualquer modo, torna-se importante destacar as diferenças/se-
melhanças marcantes que distinguem as duas instituições. o prestigioso
colégio, ensino secundário de caráter humanista, era pago, para estudantes
do sexo masculino que se destinavam aos estudos superiores; a Escola
Normal era gratuita, para ambos os sexos, com um ensino de cunho pro-
fissionalizante: o ofício de ensinar. A uni-las, o processo de consolidação
da política imperial como elemento instituidor do secundário e do normal.
Este último não era ensino primário nem se caracterizava como secundário,
mas dele se aproximava por ser superior ao ensino elementar. ao mesmo
tempo, dele se distinguia, por ser destinado a instruir os futuros mestres de
ensino de primeiras letras e não a preparar candidatos aos cursos superiores,
futuros membros da alta administração, como bacharéis e políticos, além
de outras funções emergentes na burocracia estatal do país.
     No período focalizado, constituído pelas últimas décadas do regi-
me imperial, ocorreram transformações sensíveis no contexto político,
cultural e econômico da sociedade brasileira. No setor educacional as
mudanças incluíram o aumento do número de escolas8 e o estímulo go-
vernamental à publicação de livros para o ensino, com o investimento
do setor editorial nessa produção. Nesse período, o governo brasileiro
implementou uma série de medidas e procedimentos que tiveram como
objetivo solucionar um problema existente nas escolas e que representava
um sério obstáculo ao bom andamento das questões ligadas à instrução
pública: a falta de livros e outros materiais escolares. Essa questão foi
objeto de preocupação do Estado, com uma série de medidas que sina-
lizam os primeiros passos para a instituição de uma política pública do
livro didático no Brasil (Gasparello, 2007).


8.   Nas últimas décadas do Império houve um aumento significativo no número de
     escolas (de 3.561 para 7.500) e na proporção de escolas em relação à população
     (de 1,2 para 2,1) (Hallewell, 1985).


46                 Revista Brasileira de História da Educação, n° 21, p. 39-60, set./dez. 2009
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     o Brasil oferecia condições e perspectivas atraentes para o estabele-
cimento de firmas editoriais, com a estabilidade política e a receptividade
crescente à cultura francesa, associada a tudo que representava progresso
e civilização. das livrarias instaladas nessa época, algumas pertenciam
a franceses, como Plancher ou Villeneuve, que emigraram e se estabe-
leceram no Brasil e outras foram instaladas como filiais de firmas já
existentes em Paris (Hallewell, 1985)9. É também a partir desse momento
que as editoras se envolverão com a comercialização de obras de autores
didáticos brasileiros – negócio que se tornará altamente lucrativo nas
décadas seguintes –, respondendo a demanda do Estado que estimulava
a elaboração de livros dedicados ao ensino e baseados nos programas
oficiais. Nesse contexto, professores do Colégio de Pedro II e da Escola
Normal da província fluminense passaram a elaborar compêndios a partir
de suas experiências em sala de aula tornando-se, autores e suas obras,
um material privilegiado para a análise das bases da pedagogia nacional
em construção nesse momento. Em 1861, por exemplo, foi publicado o
primeiro livro de história do Brasil por um professor do colégio Pedro ii,
Lições de história do Brasil, de Joaquim Manuel de Macedo, que iniciou
a linhagem dos professores/autores didáticos para a cadeira10 de história
do colégio. Na Escola Normal, tal fato ocorreu com a publicação, em
1874, do Compêndio de Pedagogia do professor da 1a cadeira da escola,
antonio Marciano da silva Pontes11.

9.  A mais importante dessas firmas foi a Garnier Frères, que funcionou no Brasil de
    1844 a 1934. Baptiste Louis Garnier parece ter sido o primeiro editor brasileiro
    a encarar a impressão e a edição como atividades completamente separadas, um
    princípio já usual em Paris e Londres (Hallewell, 1985).
10. o termo era utilizado para designar, ao mesmo tempo, uma especialidade dos estudos
    que constava dos programas oficiais e um cargo/função pública a ser assumido pelo
    respectivo professor – o catedrático – no colégio Pedro ii, nos estabelecimentos
    equiparados e nos institutos superiores, como: cadeira de História e Geografia;
    cadeira de Corografia e História do Brasil; cadeira de Latim (Gasparello, 2004).
11. a obra foi organizada a partir de apostilas que eram ditadas aos alunos. a primeira
    edição do Compêndio de Pedagogia é de 1874, segundo afirmam os relatórios do
    diretor da Escola Normal de Niterói nesse período. Entretanto, até o momento, as
    duas primeiras edições não foram localizadas, apenas a terceira, que é de 1881,
    editada pela Tipografia do Fluminense (Villela, 2002).


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Revista Brasileira de História da Educação

  • 1. Revista Brasileira de História da Educação www.abdr.org.br abdr@abdr.org.br denuncie a cópia ilegal
  • 2. Revista Brasileira de História da Educação Publicação quadrimestral da Sociedade Brasileira de História da Educação – SBHE Revista Sociedade Brasileira de História da Educação – SBHE A Sociedade Brasileira de História da Educação Conselho Diretor (SBHE), fundada em 28 de setembro de 1999, é uma Dermeval Saviani (Unicamp); Marta Maria Chagas sociedade civil sem fins lucrativos, pessoa jurídica de Carvalho (USP); Ana Waleska Pollo Campos de direito privado. Tem como objetivos congregar Mendonça (PUC-Rio); Libânia Nacif Xavier (UFRJ). profissionais brasileiros que realizam atividades de pesquisa e/ou docência em História da Educação e Comissão Editorial estimular estudos interdisciplinares, promovendo Dislane Zerbinatti Moraes (USP) intercâmbios com entidades congêneres nacionais e Bruno Bontempi Jr. (USP) internacionais e especialistas de áreas afins. É filiada Carlos Eduardo Vieira (UFPR) à ISCHE (International Standing Conference for the Lúcia Maria da Franca Rocha (UFBA) History of Education), a Associação Internacional Secretaria – Patrícia Aparecida do Amparo de História da Educação. Conselho Consultivo Diretoria Nacional Membros nacionais: Presidente: Cláudia Alves (UFF) Álvaro Albuquerque (U fa c ); Ana Chrystina Vice-presidente: Wenceslau Gonçalves Neto (UFU) Venancio Mignot (Uerj); Clarice Nunes (UFF e Secretária: Rosa Lydia Teixeira Corrêa (PUC-PR) Unesa); Décio Gatti Jr. (UFU); Denice B. Catani Tesoureiro: Elomar Antonio Callegaro Tambara (Ufpel) (USP); Ester Buffa (Ufscar); Gilberto Luiz Alves (U ems ); Jane Soares de Almeida (U nesp ); José Diretores Regionais Silvério Baia Horta (UFRJ); Luciano Mendes de Norte: Faria Filho (UFMG); Lúcio Kreutz (Unisinos); Maria Titular: Andréa Lopes Dantas (Ufac) Arisnete Câmara de Moraes (UFRN); Maria de Suplente: Clarice Nascimento de Melo (UFPA) Lourdes de A. Fávero (UFRJ); Maria do Amparo Nordeste: Borges Ferro (UFPI); Maria Helena Camara Bastos Titular: Diomar das Graças Motta (UFMA) (PUC-RS); Maria Stephanou (UFRGS); Marta Maria Suplente: Antonio Carlos Pinheiro Ferreira (UFPB) de Araújo (UFRN); Paolo Nosella (Ufscar). Centro-Oeste: Titular: Margarita Victória Rodriguez (UCDB) Membros internacionais: Suplente: Maurides Batista de Macedo Filha (UCG/UFG) Anne-Marie Chartier (França); António Nóvoa Sudeste: (Portugal); Antonio Viñao Frago (Espanha); Dario Titular: Esther Buffa (Ufscar) Ragazzini (Itália); David Hamilton (Suécia); Nicolás Suplente: Regina Helena da Silva Simões (Ufes) Cruz (Chile); Roberto Rodriguez (México); Rogério Sul: Fernandes (Portugal); Silvina Gvirtz (Argentina); Titular: Flávia Werle (Unisinos) Thérèse Hamel (Canadá). Suplente: Norberto Dallabrida (Udesc) COMERCIALIZAÇÃO Secretaria Rev. Bras. de História da Educação Editora Autores Associados Faculdade de Educação da USP Av. Albino J. B. de Oliveira, 901 Avenida da Universidade, 308 CEP 13084-008 – Barão Geraldo Bloco A – sala 128 Campinas (SP) 05508-900 – São Paulo - SP Pabx/Fax: (19) 3249-2800 Tel.: (11) 3091-3099 – ramal 262 e-mail: editora@autoresassociados.com.br E-mail: rbhe@sbhe.org.br www.autoresassociados.com.br Indexada em/Indexed in: • IRESIE – Banco de Datos sobre Educación Iberoamericana • BBE – Bibliografia Brasileira da Educação/ http://132.248.192.241/ñiisue/www/index.html Centro de Informação e Biblioteca em • Latindex – Sistema Regional de Información Educação (Brasil-cibec/inep) en Línea para Revistas Científicas de América http://www.inep.gov.br/pesquisa/thesaurus Latina, el Caribe, España y Portugal • Edubase – Base de Dados da Unicamp http://www.latindex.unam.mx (Brasil, FE/Unicamp) • Clase – Base de datos bibliográfica de http://www.bibli.fae.unicamp.br/edubase.htm revistas de ciências sociales y humanas • Divisão de Periódicos da UnB (Brasil) http://dgb.unam.mx/clase.html http://www.bce.unb.br • Base de dados da Fundação Carlos Chagas Versão on-line/version online: http://www.fcc.org.br/biblioteca/dbfcc.html http://www.sbhe.org.br/
  • 3. ISSN 1519-5902 setembro/dezembro 2009 no 21 H Revista Brasileira de ISTóRIA da EDUCAÇÃO SBHE Sociedade Brasileira de História da Educação A publicação deste no 17 da Revista Brasileira de História da Educação contou com o apoio financeiro da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (capes)
  • 4. Revista Brasileira de História da Educação, n. 21, 218 p., set.-dez. 2009. A RBHE tem o objetivo de divulgar a produçao científica nacional e internacional sobre História e Historiografia da Educação, que se revele de interesse para as grandes áreas de pesquisa em Educação e em História, abrindo novos horizontes de discussão e estimulando debates interdisciplinares. Revista Brasileira de História da Educação, SBHE, Ed. Autores Associados, SP- Campinas, 2001 Quadrimestral Publicação da Sociedade Brasileira de História da Educação ISSN 1519-5902 EditoRa autoREs associados Ltda. Uma editora educativa a serviço da cultura brasileira av. albino J. B. de oliveira, 901 | Barão Geraldo | cEP 13084-008 campinas-sP | telefone: (55) (19) 3249-2800 | Fax: (55) (19) 3249-2801 e-mail: editora@autoresassociados.com.br | catálogo on-line: www.autoresassociados.com.br conselho Editorial “Prof. casemiro dos Reis Filho” Bernardete A. Gatti Carlos Roberto Jamil Cury Dermeval Saviani Gilberta S. de M. Jannuzzi Maria Aparecida Motta Walter E. Garcia diretor Executivo Flávio Baldy dos Reis coordenadora Editorial Érica Bombardi Revisão Edson Estavarengo Júnior diagramação e composição DPG Editora Projeto Gráfico, Arte Final Érica Bombardi impressão e acabamento Gráfica Paym
  • 5. Sumário coNtENts 7 EditoRiaL 9 aRtiGos Entrelaçamentos e troca cultural na história da educação: mobilizando John dewey no período entre guerras 13 Noah W. Sobe intelectuais e professores: identidades sociais em formação no século XiX brasileiro 39 Arlette Medeiros Gasparello e Heloisa de Oliveira Santos Villela Elaboração de hábitos civilizados na constituição das relações entre professores e alunos (1827-1927) 61 Cynthia Greive Veiga Encontros e desencontros no processo de constituição do ensino superior no Paraná: 1912-1922 93 Névio de Campos Nacionalização do ensino catarinense na Primeira República (1911-1920) 123 Dorval do Nascimento a política educacional catarinense no projeto desenvolvimentista modernizador da década de 1960 145 Letícia Carneiro Aguiar
  • 6. Produção de diferentes significados de ser professor no Rio Grande do sul (1940-1960) 177 Claudemir de Quadros REsENHa adoro odiar meu professor: o aluno entre a ironia e o sarcasmo pedagógico 207 Jeová Santana RELaÇÃo dos PaREcERistas AD HOC (2009) 215 oRiENtaÇÃo aos coLaBoRadoREs 217
  • 7. Contents EditoRiaL 9 aRticLEs Entanglements and intercultural exchange in the history of education: mobilizing John dewey in the interwar era 14 Noah W. Sobe intellectuals and teachers: social identities being developed in Brazil in the 19th century 40 Arlette Medeiros Gasparello and Heloisa de Oliveira Santos Villela Preparation of civilized habits in the constitution of relations between teachers and students (1827-1927) 62 Cynthia Greive Veiga agreements and disagreements during the process of creation of higher education in Paraná: 1912-1922 94 Névio de Campos Nationalization of teaching in santa catarina during the First Republic (1911-1920) 124 Dorval do Nascimento the education catarinense policy in developmental modernizer project at 1960’s 146 Letícia Carneiro Aguiar
  • 8. the production of different meanings of being a teacher in Rio Grande do sul (1940-1960) 178 Claudemir de Quadros BooK REViEW adoro odiar meu professor: o aluno entre a ironia e o sarcasmo pedagógico 207 Jeová Santana List oF AD HOC REViWERs (2009) 215 GuidEs FoR autHoRs 217
  • 9. Editorial Editorial a Revista Brasileira de História da Educação (RBHE), dando continuidade ao seu projeto editorial, que consiste em ser um espaço de discussão e divulgação da pesquisa acadêmica da área de história da educação, publica o seu número 21. Nesta edição apresentamos sete artigos e uma resenha, tratando de temas e abordagens historiográficas que, esperamos, sejam pertinentes ao campo de pesquisa em educação e que possam ensejar novos caminhos de investigação. Noah W. sobe, no artigo “Entrelaçamentos e troca cultural na história da educação: mobilizando John dewey no período entre guerras”, discute as limitações que envolvem o uso da categoria analítica da “transferência” para entender as trocas culturais em história da educação. defende, em contrapartida, a abordagem de uma “história entrelaçada”, que possa dar conta das características de circulação, apropriação e particularização das ideias pedagógicas e práticas escolares em todo o mundo. aplica essa abordagem no exame da propagação do nome de John dewey e de suas ideias na região dos Bálcãs. arlette Medeiros Gasparello e Heloisa de oliveira santos Villela, com o artigo “intelectuais e professores: identidades sociais em forma- ção no século XiX brasileiro”, tratam da formação da identidade social de professores secundários, nível de ensino ainda pouco pesquisado, tomando como base dados sobre a carreira docente e interações sociais Revista Brasileira de História da Educação, n° 21, p. 9-12, set./dez. 2009 9
  • 10. Editorial de professores do colégio Pedro ii e Escola Normal de Niterói, na segunda metade do século XIX. A pesquisa identificou o processo de constituição de um grupo de intelectuais que passam a se reconhecer como professores, sem se afastarem do grupo dos letrados e agregando, em suas faces sociais, as práticas do ofício de ensinar. cynthia Greive Veiga, em “Elaboração de hábitos civilizados na constituição das relações entre professores e alunos (1827-1927)”, investigou as mudanças nas concepções e práticas de disciplina e comportamento de alunos e professores na escola pública primária no Brasil, especificamente na província e estado de Minas Gerais, no século XiX e primeira metade do século XX. segundo a pesquisadora, houve historicamente um esforço para a superação de ações de violência na escola, efetuando-se, nessa medida, um processo civilizatório conforme é entendido por Norbert Elias, autor que é utilizado como referencial teórico da pesquisa. Névio de campos estuda, por meio do texto “Encontros e desen- contros no processo de constituição do ensino superior no Paraná: 1912- 1922”, a organização do ensino superior nesse estado, privilegiando a análise da concepção de ensino superior, do contexto de interações sociais dos grupos de intelectuais envolvidos com o projeto universitário, além das suas relações com o estado do Paraná e com os órgãos do Estado federal. debruça-se na história da criação da universidade do Paraná em l9l2 e seu desmembramento em Faculdades de Engenharia, de Medicina e de direito, em 1915, bem como de suas equiparações às congêneres oficiais nos anos de 1920 e 1922. dorval do Nascimento examina, no artigo “Nacionalização do ensino catarinense na Primeira República (1911-1920)”, o processo de homo- geneização cultural ocorrido sob a influência das medidas adotadas pelo governo do estado, no âmbito do ensino, as quais visavam nacionalizar as populações de origem étnica estrangeira entre l911 (Reforma orestes Guimarães) e a Primeira Guerra Mundial. Letícia carneiro aguiar compreende, em “a política educacional catarinense no projeto desenvolvimentista modernizador da década de 1960”, a especificidade da história da educação em Santa Catarina. Para 10 Revista Brasileira de História da Educação, n° 21, p. 9-12, set./dez. 2009
  • 11. Editorial tanto traça relações com o ideário desenvolvimentista e modernizador do Estado nacional, demonstrando como as questões educacionais passam a ser pensadas em perspectiva global e economicista. Finalizando essas breves referências aos artigos, nos detemos no texto de claudemir de Quadros, que investiga, em “Produção de dife- rentes significados de ser professor no Rio Grande do Sul (1940-1960)”, a elaboração de discursos instituídos como “verdades” sobre o que seria “ser professor” nesse período histórico. No âmbito de uma intensa re- forma educacional conduzida pelo Estado, o tema da profissionalização do magistério emergiu como proeminente para a constituição de um sistema educativo moderno e levou a uma série de ações para modificar o perfil dos professores. Publicamos ainda a resenha de Jeová santana, sobre o livro Adoro odiar meu professor: o aluno entre a ironia e o sarcasmo pedagógico. Em razão de um descuido de redação e revisão, o Editorial da edição de número 20 (maio/ago. de 2009) publicou a informação incorreta de que a RBHE seria “a única revista acadêmica brasileira especializada na temática de história da educação”. Em verdade, a comunidade de historiadores da educação conta ainda com mais três excelentes periódicos especializados: História da Educação, publicado pela associação sul-Riograndense de Pesquisadores em História da Educação (Asphe)/universidade Federal de Pelotas (Ufpel) desde 1997; Histedbr On-Line, publicada pelo Grupo de Estudos e Pesquisas em “História, sociedade e Educação no Brasil” (histedbr), da Faculdade de Educação da universidade Estadual de campinas (UnicAmp), desde 2002; e Cadernos de História da Educação, publicado pelo Núcleo de Estudos e Pesquisas em História e Historiografia da Educação da universidade Federal de uberlândia (uFu) desde 2002. a comissão Editorial da RBHE vem a público desculpar-se pelo equívoco e esclarecer que não houve a intenção de ocultar a existência dos periódicos congêneres, com os quais contamos positivamente em favor dos objetivos comuns de divulgar estudos, fomentar debates acadêmicos e apoiar docen- tes e discentes no ensino e na pesquisa em história da educação. Por motivos alheios à nossa vontade, ainda, foi impresso incorre- tamente o endereço da professora cristina araújo, autora do artigo “a Revista Brasileira de História da Educação, n° 21, p. 9-12, set./dez. 2009 11
  • 12. Editorial Reforma Antônio Carneiro Leão no final dos anos de l920”, publicado na revista n. 19. Expressamos nosso pedido de desculpas à autora e apro- veitamos para solicitar aos leitores que anotem as informações de contatos corretas: Endereço: Rua Mizael Montenegro, 72, ap. 601 – Parnamirim – Recife-PE – cEP 52060-130; e-mails: cristinraujo18@hotmail.com e chicamendonca@gmail.com. Boa leitura! A Comissão Editorial 12 Revista Brasileira de História da Educação, n° 21, p. 9-12, set./dez. 2009
  • 13. Noah W. soBE Entrelaçamentos e troca cultural na história da educação: mobilizando John Dewey no período entre guerras Noah W. sobe* 1 ** tradução: Bruno Bontempi Jr. 2 Resumo: Este artigo discute as características e as deficiências das pesquisas sobre “transferência” e defende que uma abordagem de “história entrelaçada” pode ser vantajosamente aplicada para pensar as trocas culturais em história da educação. tenta ilustrar esse método mediante o exame das interseções entre as “viagens” de John dewey e suas ideias e os diferentes desenvolvimentos educacionais nos Bálcãs no início do século XX. Palavras-chave: trocas interculturais; historiografia; história global; John Dewey; Iugoslávia; teoria comparativa; transferências em educação. * doutor pela universidade de Wisconsin-Madison, professor assistente do Programa de Estudos de Políticas Educacionais e culturais da Escola de Educação da uni- versidade Loyola, de chicago. ** doutor em educação pela Pontifícia universidade católica de são Paulo (Puc- sP). Professor da Faculdade de Educação da universidade de são Paulo (usP). o tradutor agradece as colaborações de Vitor de Marchi e Felipe tillier. Revista Brasileira de História da Educação, n° 21, p. 13-38, set./dez. 2009 13
  • 14. Entrelaçamentos e troca cultural na história da educação Entanglements and intercultural exchange in the history of education: mobilizing John Dewey in the interwar era Noah W. sobe translation: Bruno Bontempi Jr. Abstract: this article discuss the characteristics and shortfalls of “transfer” research and proposes that an “entangled history” approach can be usefully applied to thinking about intercultural exchanges in the history of education. it attempts to illustrate this method by examining the intersections between the “travels” of John dewey and his ideas and educational developments in the Balkans in the early twentieth century. Keywords: cross-cultural exchange; historiography; global history; John Dewey; Yugoslavia; comparative theory; educational transfer. 14 Revista Brasileira de História da Educação, n° 21, p. 13-38, set./dez. 2009
  • 15. Noah W. soBE tensões entre métodos e objetos e entre pesquisadores e suas cate- gorias de análise são endêmicas ao conhecimento histórico. Na história da educação, essas questões tornam-se particularmente críticas em torno do tópico das trocas interculturais. Quando os historiadores examinam “transferências”, “empréstimos”, “cruzamentos” e “trocas”, demarcam posições sobre como tais entidades são percebidas; que tipos de posições externas se encontram, ou não, disponíveis para os pesquisadores; assim como sobre o modo como se formam o “híbrido” e o “puro”. Para ilustrar algumas dessas questões pode-se tomar a sucinta (e crítica) narração que a historiografia da educação americana ofereceu há quatro décadas pelo notável historiador da educação Lawrence cremin. de acordo com cremin, esta tem sido a narrativa-padrão sobre o desenvolvimento das instituições educacionais nos Estados unidos: os colonizadores vieram da Europa trazendo uma variedade de postu- ras sobre a educação; em geral, o atraso reinava soberano, exceto na Nova inglaterra, onde as escolas haviam sido inicialmente erguidas para aniquilar satã, o velho enganador. Essas escolas da Nova inglaterra destinavam-se a se tornar o fundamento sobre o qual o sistema público de educação deveria mais tarde ser erigido. Ao final do século XVIII, torna-se patente que os modos europeus não estavam funcionando e que a nova nação precisaria de outro tipo de educação para poder nutrir e perpetuar o seu distintivo modo de vida. seguiram-se diversos esforços para popularizar o ensino, tais como as escolas dominicais, infantis, lancasterianas, porém, nenhum se mostrou adequado às necessidades da sociedade que emergia. Eis que Horace Mann, Henry Barnard, John Pierce e outros lançaram uma grande cruzada pela educação pública, na qual as forças do progresso enfrentaram as forças da reação por mais de uma geração. Por volta de 1860, o conflito estava vencido, exceto no Sul, isto é, onde a vitória teria de esperar a regeneração conduzida pelos filantropos do Norte em fins do século XIX. Por conseguinte, a história é a do refinamento, melhoria e extensão da educação pública em resposta às condições de uma civilização democrático-industrial [cremin, 1970, p. x]. Revista Brasileira de História da Educação, n° 21, p. 13-38, set./dez. 2009 15
  • 16. Entrelaçamentos e troca cultural na história da educação o objetivo dessa referência não é o de mais uma vez sublinhar o truísmo de que os historiadores acomodam seus objetos de investigação e quadros interpretativos às circunstâncias e preocupações de seu pró- prio tempo. antes, a precisa caricatura de cremin – que poderia ainda ser usada para caracterizar certas apresentações da história da educação nos Estados unidos em manuais – ajuda-nos a focar a atenção nos modos como noções tais como autoctonismo, propriedade e enraiza- mento vinculam-se a ideias de progresso e modernidade, assim como a uma noção de “sociedade” como domínio singular, coextensiva a um território nacional e abrangendo uma população descontínua e isolada, mesmo sendo ao mesmo tempo diversa e estratificada1. Embora no caso da história da educação escolar nos Estados unidos haja um interesse crescente em trazer à cena trocas globais sob modos mais nuançados e superar o provincianismo das abordagens centradas no Estado-nação, muitos desses trabalhos ainda operam com o que eu caracterizaria como “paradigma da transferência”. Neste artigo, discuto as características e as deficiências das pesquisas sobre “transferência” e defendo que uma abordagem de “história intrincada” pode ser vantajosamente aplicada para pensar trocas culturais em história da educação – algo que tento ilustrar mediante um exame das interseções que se podem encontrar entre as “viagens” de J. dewey e suas ideias e os diferentes desenvolvimentos educacionais nos Bálcãs no início do século XX. como sugere o esquema de cremin, um modo de contrastar a educação puritana da Nova inglaterra no século XVi com a reforma da escola pública do século XiX é caracterizar a primeira como provisória, insustentável “seminaturalização” dos modelos europeus de educação. Nessa visão, o movimento de reforma da escola pública elementar teria sido mais propriamente afinado com as necessidades e circunstâncias do 1. atualmente o campo da sociologia pode parecer, por vezes, inundado de críticas a esses tradicionais conceitos centrais; acredito que Nikolas Rose (1999, 2007) ofereça uma das mais incisivas observações sobre como racionalidades políticas alteram-se ao longo do tempo e como nossas ferramentas e esquemas analíticos também precisam mudar. 16 Revista Brasileira de História da Educação, n° 21, p. 13-38, set./dez. 2009
  • 17. Noah W. soBE “mundo novo”2. Para uma interpretação como essa é preciso não tomar as reformas da escola pública elementar como tendo surgido de maneira endógena. Reformadores notáveis como calvin stone e Horace Mann realizaram propaladas viagens de estudos à Europa. Entretanto, apli- cando o ponto de vista da “transferência” pode-se argumentar tanto que aquilo que os reformadores tomaram de empréstimo foi adequadamente adaptado, como que a lição ou o exemplo estrangeiro foram subsumidos no discurso reformador doméstico e funcionaram como estratégias de legitimação ou de “escandalização” (para usar a linguagem proposta pelo especialista em educação comparada Gita steiner-Khamsi, 2002)3. ambas as alternativas deslocam as intervenções e ações da elite de reformadores para o primeiro plano, e ambas as leituras iluminam o que, inspirando- se em Michael Werner e Bénédicte Zimmermann (2006), poderíamos considerar como sendo as quatro limitações da pesquisa sobre conexões interculturais derivadas de um quadro de referência de transferência. Em primeiro lugar, estudos sobre transferência tendem a assumir pontos fixos de saída e chegada. O quadro exclusivamente diacrônico (isto é, a análise de algo concebido como um processo que se desenrola no tempo em estágios concretos e absolutamente discerníveis) pode significar, por exemplo, que os métodos monitoriais do início do século XiX, associados a J. Lancaster e a. Bell são analisados apenas como se tivessem partido de um ponto central coerente e chegado a distintos contextos como se fossem uma reforma pedagógica variegadamente “recebida”. Embora essa estratégia possa oferecer um melhor conhe- cimento sobre como a educação muda ao longo do tempo, arrisca-se com ela a obscurecer a complexidade das conexões e entrecruzamentos que engendram certas formas culturais e padrões sociais, e não outros. Pensa-se, por exemplo, na tendência dos estudos coloniais de saírem do esteio exclusivo de uma mítica dinâmica “centro-periferia”, em vez de 2. Ver, em parte, tyack (1967, p. 5). 3. uma terceira alternativa, é claro, é ver Horace Mann tomar inspiração na Prússia como uma perversão dos ideais democráticos americanos. Ver, por exemplo, Gatto (2001). Revista Brasileira de História da Educação, n° 21, p. 13-38, set./dez. 2009 17
  • 18. Entrelaçamentos e troca cultural na história da educação buscarem meios de dar conta das múltiplas redes de relações (assim como da natureza multidirecional dessas relações)4. No estudo da educação comparada anglo-americana permanece forte o desejo de modelar as partidas e chegadas das transferências educacionais (cf. Phillips & ochs, 2004; Rappleye, 2006). deixando de lado questões de teoria geral nas ciências sociais, os quadros rígidos de referência limitados por um estrito paradigma de transferência não servem perfeitamente às preferências gerais dos historiadores por narrativas complexas e de complexidade crescente, explicações muito elaboradas e conclusões experimentais Em segundo lugar, as categorias analíticas usadas no estudo de uma transferência (por exemplo, “adaptação”, “translação”, “origem”) são frequentemente consideradas invariáveis. a historicidade desses mesmos conceitos escapa à análise, podendo haver uma irônica re-introdução das perspectivas nacionais. Eu diria que as ferramentas conceituais usadas para discernir o quanto algo se “adapta” a uma determinada situação representa um grande ponto cego. Parece suficientemente claro que a noção de “adaptação” tenha potenciais implicações de darwinismo social, mas talvez valha a pena mencionar o corpus de conhecimentos da botâ- nica, zoologia e medicina, criado ao longo do século XiX, em torno das questões de aclimatação. como mostra o trabalho de Michael osbourne, juntamente com a etnografia as ciências da aclimatação foram cruciais apêndices dos projetos coloniais e imperiais, interessados que eram pelo modo como os organismos poderiam ser removidos com sucesso de um clima para outro. isso tudo respondia ao interesse de otimizar as iniciativas de reorganização econômica e administração social que eram partes e parcelas do projeto colonial (osborne, 1994, 2000). a “teoria da aclimatação” tornou-se uma idée fixe (em francês no original) no campo da educação comparativa, em virtude, em grande parte, da persistente reciclagem das injunções do antigo comparativista inglês, Michael sadler, em 1902, de que os reformadores da educação, 4. Ver, por exemplo, steinmetz (2007) e stoler (2006). a esse respeito, é muito ins- trutivo o trabalho de serge Gruzinski (2002) sobre as múltiplas trocas culturais mobilizadas nos contatos coloniais europeus. 18 Revista Brasileira de História da Educação, n° 21, p. 13-38, set./dez. 2009
  • 19. Noah W. soBE Vagam prazerosamente entre os sistemas educacionais do mundo, como uma criança que anda pelo jardim, e colhem uma flor… e presumem que se espetarmos o que tivermos apanhado no solo de casa, haveremos de ter uma planta viva [Bereday, 1962]5. ironicamente, portanto, a despeito de sua expressa sensibilidade e seu interesse pelas características singulares dos diferentes “contextos”, os estudos de transferência sempre se fragilizam pela relutância em historiar e desestabilizar suas categorias analíticas. Em terceiro lugar, mesmo que em princípio os estudos de transferên- cia sejam projetados para romper o isolamento da pesquisa centrada na nação, por mostrar interconexões, interdependências e a permeabilidade das fronteiras, o seu resultado pode ser mesmo o de reificar e re-introduzir referências nacionais. o paradigma da transferência, como foi visto anteriormente no substantivo juízo de cremin, pode tautologicamente inserir o enquadre nacional como se as demandas de progresso e avanço de algum modo requeressem (na mitologia, e não na prática) que um dado sistema educacional necessariamente possuísse um caráter singular e “nacional”6. Mesmo considerando os modos como o lancasterianismo foi “importado” para os Estados unidos e dando crédito à importância que ele possa ter tido na mudança geral das estratégias de ensino de individuais para simultâneas, o gesto analítico de “internacionalizar” a narrativa histórica é consideravelmente fragilizado quando uma prática ou teoria educacional em circulação é vista – como ocorre frequente- mente – como se viesse ao encontro de um “distintivo modo de vida” ou de dadas “necessidades” de uma determinada “sociedade emergente”. Muito do que foi mencionado poderia ser intitulado como que Werner e Zimmermann denominam “deficiência de reflexividade”, que caracterizaria muitas pesquisas de transferência (Werner & Zimmermann, 5. Ver também sadler (1907, p. 595). 6. Em minha opinião, as mais consistentes e cativantes críticas da presumível distin- tividade dos padrões educacionais nacionais vêm dos sociólogos neoinstitucionais. Ver, por exemplo, Ramirez e Meyer (2002). Revista Brasileira de História da Educação, n° 21, p. 13-38, set./dez. 2009 19
  • 20. Entrelaçamentos e troca cultural na história da educação 2006, p. 36). de todo modo, como uma quarta área de limitação vale mencionar a dificuldade que têm os paradigmas de transferência em reconhecer e analisar “cruzamentos em X”: os recíprocos, reversíveis e múltiplos vetores de movimentos e trocas. Embora haja ocasiões em que as inter-relações sejam estritamente bilaterais, é provavelmente mais fre- quente o caso em que trocas e empréstimos/circulações culturais ocorrem dentro de densas teias de relações. a multiplicidade e complexidade das redes em que pessoas e ideias viajam nem sempre se prestam a análises bilaterais e diacrônicas de transferência. A fim de tentar lidar com algumas das deficiências mencionadas, irei agora elaborar uma abordagem de “histórias entrelaçadas”, que procura colocar o fenômeno da interação no centro da análise. o restante deste artigo discute as trocas culturais que emergiram quando “John dewey” e ideias deweyanas circularam pelo recentemente criado Estado da iu- goslávia nos anos de 1920 e 1930. O filósofo americano, famoso por ter fundado a Escola Laboratório em chicago e que lecionou por vários anos na universidade de columbia, nunca palestrou na iugoslávia, muito em- bora seus escritos tenham sido traduzidos e tenham penetrado no discurso pedagógico iugoslavo de modos fascinantes e imprevistos. dewey pode também ser considerado uma “persona conceitual” (deleuze & Guattari, 1994) – um, na multidão de pensadores da educação de status icônico que povoam a literatura pedagógica pelo mundo e em torno de quem um alicerce comum de projetos modernizadores poderia se basear. trato aqui do “Dewey iugoslavo” como uma figura local particular (e variegada), e não como um mero simulacro do “original”. Nesse particular, sigo o trabalho de thomas Popkewitz, que sugere que os escritos de dewey devam ser tratados como se incorporassem “um conjunto particular de conceitos e interpretações sobre o mundo e o ser que não é simplesmente o de dewey” (Popkewitz, 2005, p. 6). Embora haja considerável valência no modo como dewey é “visto” pelo mundo, também é evidente que Dewey não funciona como um significante vazio, para o qual qualquer significado possa ser aposto. Popkewitz sugere que o trabalho de Dewey deva ser visto como a incorporação de três principais teses culturais: (1) a noção de que o indivíduo é um agente de mudanças com “responsabili- 20 Revista Brasileira de História da Educação, n° 21, p. 13-38, set./dez. 2009
  • 21. Noah W. soBE dade pelo progresso pessoal e coletivo”; (2) a prática de ordenamento e cálculo de tempo – dominantemente inscrevendo o futuro no presente – com o objetivo de controlar essa ação; (3) a recolocação da ciência como método da vida cotidiana, menos para dar a certeza da Fé do que para ser uma ferramenta para a efetivação de planos de operação (idem, ibidem, pp. 16-25). ação, domínio do tempo e ciência não são, no esquema de Popkewitz, “variações de um mesmo tema”. antes, envolvem diferentes configurações – configurações culturais que tanto relacionam identidades coletivas com individualidades, como incluem outros conhecimentos e práticas culturais para modelar a modernidade e o ser “moderno”. No que se segue meu ponto de partida é buscar trocas, interseções e entrecruzamentos entre John dewey e a iugoslávia no período entre as grandes guerras. Primeiramente, discuto as outras figuras que cruzaram e “trocaram” ideias com dewey quando este circulou pela iugoslávia. Em seguida, continuo focando os entrelaçamentos e examinando os textos servo-croatas que introduziram dewey na literatura pedagógica iugoslava. Dewey nas prateleiras da Iugoslávia 7 O pedagogo iugoslavo Salih Ljubunčić, informando sobre o avan- çado estado da educação na tchecoslováquia em 1934, disse o seguinte sobre a literatura educacional tcheca: Em suas resenhas, livros e palestras alguns pedagogos estrangeiros são mencionados. uma coisa é característica, entretanto: os pedagogos germâ- nicos são bem pouco mencionados, não importando se são austríacos ou alemães. Em vez disso, enfatizam-se tolstoi, J. dewey, M. Montessori e outros [Ljubunčić, 1934, pp. 52-53]. 7. o material desta e das duas seções seguintes deste artigo foi apresentado em sobe (2008). Esse material foi re-editado e traduzido com permissão. Revista Brasileira de História da Educação, n° 21, p. 13-38, set./dez. 2009 21
  • 22. Entrelaçamentos e troca cultural na história da educação Nessa breve afirmação, que dispõe “J. Dewey” ao lado de outras figuras de destaque, pode-se quase literalmente vislumbrar uma prateleira na biblioteca itinerante8 que circulou e reuniu dewey na iugoslávia. o fato de dewey ter sido mencionado por um iugoslavo especialista em pedagogia, como indicação de que os tchecos estavam judiciosamente dando as costas aos germânicos, mostra claramente como a assimilação de dewey na iugoslávia teve lugar em um campo de múltiplas trocas culturais. as relações entre as nações eslavas da Europa central e Europa oriental foram capitais. uma solidariedade pan-eslava diante desse “outro” germânico foi um dos principais aspectos da grade pela qual dewey foi pensado entre os iugoslavos. o arrolamento de dewey, visto anteriormente, coloca-o em meio a uma multidão de pensadores de status icônico similar. Referências a pensadores en mass [em francês, no original], assim como na mencionada ênfase tcheca em “tolstoi, J. dewey, spencer, M. Montessori e outros”, exercem uma função de credenciamento, de trazer figuras globais às particulares relações locais. seria um erro, entretanto, ver neste fenômeno um mero jogo semiótico. Embora seja provável que listagens como essa possam ser encontradas pelo mundo em muitos contextos, há nesta uma especificidade que prova ser possível escavar historicamente o particular “J. dewey” encontrado no texto iugoslavo de 1934. Não é fortuita a presença de tolstoi como um de seus companheiros de prateleira; a disposição tcheca para essa coleção de “pedagogos estrangeiros” não é, do mesmo modo, acidental. as interações com a tchecoslováquia foram uma parte central da modernização reflexiva da criança, do professor e da escola na Iugoslávia9. Era uma “modernidade” singular, ainda que certas noções de ação e de subjetividade tenham sido por meio dela globalizados. o livro de salih Ljubunčić sobre a escolarização e a educação na Tchecoslováquia baseou- se em um tempo considerável de observação direta da educação tcheca, mas rapidamente evoluiu para uma viagem de estudos de duas semanas àquele país. Em 1933, Ljubunčić liderou um grupo de trinta professores iugoslavos 8. tomo emprestado esse conceito de Marc depaepe. 9. Para uma discussão mais extensa desse tópico, ver sobe (2008). 22 Revista Brasileira de História da Educação, n° 21, p. 13-38, set./dez. 2009
  • 23. Noah W. soBE em uma excursão a Zagreb, Viena, Bratislava e partes da tchecoslováquia (olín, Brno, Pardubica, Hradec Kralovy e Prague), onde tiveram acesso a importantes inovações educacionais (Ljubunčić, 1933). Um preconceito contra as influências educacionais germânicas atravessa o texto e aparece em todo o itinerário da viagem de estudos. tendo passado por Viena, o grupo visitou escolas criadas por tchecos que viviam na cidade. Em rela- tório publicado no periódico de professores, escrito em língua eslovena, um dos participantes da viagem-estudo de Ljubunčić, de 1933, descreveu a visita à escola comenius em Viena e observou: “para começar, sentimos a hospitalidade eslava no meio dessa existência como estrangeiros, que nos aqueceu” (debenak, 1933, pp. 10-11). Essa escola não era só um lugar em que os visitantes iugoslavos se sentiram particularmente bem-vindos, mas a que consideravam uma das mais modernas construções da cidade. o caráter avançado das escolas tchecas em Viena, a antiga capital dos Habsburgo, era para os iugoslavos uma afirmação da perseverança nacional. o itinerário vienense da viagem de estudos iugoslava aponta para uma das condições que conduzem ao interesse iugoslavo particularmente forte pela tchecoslováquia, a de que os dois países eram entendidos como se com- partilhassem um “destino histórico” similar. ambas eram “jovens” nações recém-independentes, que haviam em parte emergido do desmantelamento do Império Austro-Húngaro com o fim da Primeira Guerra Mundial. Esse momento era referido com frequência na literatura iugoslava como uma restauração da independência que fora negada durante o período de con- trole dos Habsburgo – e adicionalmente, pelos iugoslavos otomanos. Na introdução ao seu estudo sobre a Tchecoslováquia, Ljubunčić (1934, p. 5) culpava os iugoslavos por “não olharem para além das fronteiras da peda- gogia austríaca e alemã”. com sua independência os iugoslavos deveriam agora se interessar por “romances (franceses e italianos) e pela pedagogia anglo-saxônica (inglesa e americana)”, escreveu. a tchecoslováquia havia com sucesso se libertado dessas influências e estava gozando propriamente sua independência nacional, como indicava sua particular estante, na qual “J. dewey” fora encontrado em 1934. ao lado da temporalidade compartilhada pelos dois povos que vi- viam um momento de libertação nacional, ou no presente pós-colonial, Revista Brasileira de História da Educação, n° 21, p. 13-38, set./dez. 2009 23
  • 24. Entrelaçamentos e troca cultural na história da educação tchecos e iugoslavos compartilham um conjunto de afiliações eslavas. servo-croata, tcheco e eslovaco são idiomas linguisticamente correla- tos, formam parte de um grupo que também inclui o polonês, o russo, o búlgaro e o bielorusso. As afinidades eslavas ajudaram, por exemplo, a fazer da Tchecoslo- váquia o destino mais comum dos viajantes iugoslavos no período entre guerras. tchecos eram “nossos irmãos do norte” e a tchecoslováquia era vista como “o mais avançado país eslavo”. Essa construção cultural da familiaridade eslava suavizou o caminho para que a tchecoslováquia aparecesse aos iugoslavos como um modelo acessível de modernidade. Em seu texto sobre a educação tcheca, Ljubunčić apontou a pronunciada influência americana em pedagogos tchecos, tais como Vaclav Přihoda, stanislav Vrána e Jan Úher. Ele foi ainda mais longe ao sugerir que um dos avanços encontrados na américa poderiam ser levados à iugoslá- via, mirando-se na tchecoslováquia. uma resenha do livro em Ucitelj (Professor), o mais proeminente periódico educacional iugoslavo no período entre guerras, apontou que, em sua conclusão, mais uma vez o sr. Ljubunčić indicou “as características eslavas, ou mais especificamente, as características tchecas de todo esse movimento, que, em verdade, recebe a influência dos pedagogos americanos”. Além disso, o autor espera que “o humanismo eslavo espiritualize a cultura prática americana e tcheca, e que a escola tcheca reformada esteja na tchecoslováquia acima de tudo” (Učitelj, 1934, pp. 243-246). o eslavo era considerado, como se pode ver, como tendo o potencial de preservar um grau de legitimidade local e autenticidade nacional diante das modernas influências americanas na esfera educacional. Há, ainda, uma intimação clara no comentário de Ljubunčić, de que os próprios eslavos tinham algo a oferecer à américa. o encantamento sugerido na ideia do humanismo eslavo tendo o potencial de espiritualizar a américa é alusivo a outras discussões contemporâneas da “alma” ou “espírito” eslavo como um aspecto condutor e motivador da realidade. a espiri- tualização da pedagogia americana aqui invocada pode ser vista como uma proposta para o “encantamento” da reforma educacional; um gesto em direção a fundar e consagrar finalmente os alicerces ontológicos e 24 Revista Brasileira de História da Educação, n° 21, p. 13-38, set./dez. 2009
  • 25. Noah W. soBE epistêmicos da atividade e do pensamento nos encantamentos espirituais que o mundo oferecia. a encarnação iugoslava de “J. dewey” pela tchecoslováquia não era um gesto errático. Na prateleira em exame dewey foi associado a um compromisso para com a distintividade étnica dos eslavos. a cultura prática da ação que o trabalho de dewey prognosticava havia sido retraba- lhada de acordo com as “características eslavas”. Não se deve, entretanto, pretender que essas características eram noções culturais estáticas que a priori precediam o texto de Ljubunčić. É evidente que nos escritos de Ljubunčić – por exemplo, na descrição da hospitalidade eslava – que a “filiação eslava” que sustentava a compatibilidade da Tchecoslováquia como modelo para estudo dos iugoslavos vinha sendo culturalmente construída pelas mesmas viagens e interações, e por esses textos. o posicionamento de Dewey por Ljubunčić como influência meritória na tchecoslováquia conectava-se à imagem dos eslavos como uma forma de encantamento. Essa conexão com os eslavos significava não só que dewey fora agregado às tradições locais e regionais, mas que o dewey iugoslavo de fato detinha o potencial de apoiar e manter a fabricação de tradições como uma fonte de encantamento. a importância cultural dos eslavos na iugoslávia de entre guerras ajuda a explicar a proximidade de “J. dewey” e “tolstoi”. o novelista russo e pensador Leon tolstoi havia gerido escolas experimentais nos anos de 1890, sendo Yasnaya Polyana a mais famosa, onde desenvolveu programas “direcionados aos alunos”10, a que escritores iugoslavos sem- pre se referem como “ensino livre”. Especialistas como sergei Hessen (russo emigrado que diversas vezes se fixara em universidades alemãs, tchecas e polonesas, e de quem circularam largamente na iugoslávia nos anos de 1920 e 1930 trabalhos de educação comparada sobre escolas soviéticas e americanas) apontou as consideráveis semelhanças entre os dois homens (Nowacki, 1973). Mais do que o fato de terem comparti- lhado o compromisso de gerir escolas experimentais, o foco nos escritos de dewey sobre a “vida” da criança e sobre a educação como modo de 10. Ver Blaisdell (2000). Revista Brasileira de História da Educação, n° 21, p. 13-38, set./dez. 2009 25
  • 26. Entrelaçamentos e troca cultural na história da educação vida poderiam ser vistos como portando uma estreita semelhança com a noção de “vida” de tolstoi. colocar tolstoi na mesma prateleira de spencer, Montessori e dewey levou tolstoi a comunicar-se com eles, e colocá-lo na mesma classe de outras personagens que circularam inter- nacionalmente. a presença de um herói eslavo na prateleira com dewey era, assim, outro modo pelo qual uma construção cultural do eslavo se entrelaçava na composição do dewey iugoslavo. Embora na lista de pedagogos estrangeiros na tchecoslováquia feita por Ljubunčić Dewey seja enfaticamente separado de quaisquer escritores germânicos, isso não ocorre em todos os casos. Em outras obras iugoslavas, dewey é estreitamente associado a Georg Kerschens- teiner. Entretanto, Dewey é tipicamente apresentado como uma figura maior nessa relação11. Nos fluxos e redes que entrelaçaram Dewey e Kerschensteiner na Iugoslávia, o filósofo americano estava solidamente em vantagem. a visão de atividade de dewey aparece assim no mapa cultural iugoslavo como se estivesse inserindo uma conexão (como uma influência formativa) para a teorização pedagógica do trabalho e da edu- cação manual e vocacional. Quando os pedagogos tchecos ocuparam-se da américa, os escritores iugoslavos enfatizaram o quanto “américa” era “naturalizada” e retrabalhada para ficar de acordo com o “tcheco” e o “eslavo”. isso não ocorreu nos casos em que iugoslavos destacaram as maneiras como os pedagogos germânicos ocuparam-se da américa. tal como foi apresentado pelos iugoslavos, o dewey que viajou na mesma prateleira que Georg Kerschensteiner não havia sido germanizado. Em vez disso, a representação cultural foi a de um movimento pedagógico germânico que devia tributos à américa, mais do que uma consciente apropriação da américa. de todo modo, como circulou de modos dife- rentes em cada uma dessas órbitas, dewey ajudou a teorizar “trabalho” para os educadores iugoslavos por meio de suas ideias sobre a ação e seu lugar como princípio de ordenamento no pensamento e nos pro- cessos educativos. Na iugoslávia, dewey apareceu, por um lado, como uma figura moderada cujo pragmatismo americano poderia explicar 11. Para mais discussões a respeito, ver sobe (2008, pp. 78-84). 26 Revista Brasileira de História da Educação, n° 21, p. 13-38, set./dez. 2009
  • 27. Noah W. soBE legitimamente certas teorias pedagógicas germânicas; por outro lado, como uma figura cujas ideias sobre cultura prática e ação prática foram consideradas extremamente contributivas para uma “naturalização”, que nesse caso foi entendido como a “espiritualização” que se poderia esperar que ocorresse quando os tchecos (e por extensão, os iugoslavos) trouxessem “J. dewey” para o mundo “eslavo”. Traduzindo Dewey para o servo-croata Nos anos de 1920 e 1930, os trabalhos do especialista francês em educação, Edouard Claparède, foram particularmente significativos na penetração dos escritos de dewey na iugoslávia. assim como o dewey conceitual que apareceu na iugoslávia, o que apareceu em comentários textuais foi também uma construção local particular. claparède foi uma parte importante dessa construção, provavelmente, como um dos mais amplamente circulados e influentes dentre os interlocutores de Dewey no país. Por causa de sua estatura como renomado especialista em psicologia na universidade de Genebra e fundador do instituto Rous- seau, claparéde era, por si mesmo, uma persona conceitual de estatura internacional. a questão primordial aqui, entretanto, é a embalagem de dewey por claparède. claparède foi um condutor para a chegada dos escritos de dewey na iugoslávia – um “envelope” que afetou o modo como os “conteúdos” foram lidos. o que claparède ofereceu foi um esquema para pensar em dewey. Esse foi um esquema, como se nota, que apoiou o “eslavo” como um objeto de conhecimento de significado dado e orientado para a atividade na formação da educação iugoslava. a contribuição-chave de claparède para fazer o dewey iugoslavo in- teligível era pensar nos encantamentos e desencantamentos que foram alcançados no fazer-se dos sujeitos modernos, escolas modernas e modos de vida modernos. Na iugoslávia, claparède foi discutido como um notório defensor do child-study e um pioneiro da pedagogia experimental. Ele viu na peda- gogia de dewey três elementos primordiais: no esquema de claparède, Revista Brasileira de História da Educação, n° 21, p. 13-38, set./dez. 2009 27
  • 28. Entrelaçamentos e troca cultural na história da educação as ideias educacionais de dewey eram antes de tudo “genéticas”, o que significa dizer que a educação não ocorre vinda de fora, mas de dentro da criança. Em segundo lugar, a pedagogia de dewey poderia ser vista como “funcional”, o que significava que as atividades escolares eram um instrumento de desenvolvimento espiritual que levassem em conta o presente e o futuro. Em terceiro lugar, era “social”, o que significava que preparava o indivíduo para desempenhar um papel produtivo na sociedade ampla. a esquematização de dewey apareceu pela primei- ra vez em 1913, na introdução de uma coleção de artigos de dewey traduzidos para o francês (claparède, 1913). o ensaio de claparède foi publicado também em servo-croata, em 1918, em um periódico, e novamente em 1920, como um panfleto (Klapared, 1920) em uma série de publicações sobre pedagogia editadas por Milan Šević, o diretor da faculdade de pedagogia da universidade de Belgrado. o mesmo ensaio de claparède sobre dewey reapareceu em 1930, quando uma suma de duas páginas foi publicada no jornal Ucitelj (Dirić, 1930). Graças às amplas circulações e recirculações dos textos de Claparéde, pensar em Dewey como se oferecesse uma pedagogia genética, funcional e social adentrou à Iugoslávia. [deve-se notar que iugoslávia não foi o único país eslavo da Europa central e oriental a tomar contato com dewey por meio de claparède. o ensaio de claparède também era frequentemente citado na tchecoslová- quia. Especialmente à luz das percepções anteriormente vistas, é muito interessante descobrir que em seu livro de 1930, sobre a educação nos Estados unidos, Jan Úher dedicou-se, ao menos parcialmente, a explicar as ideias educacionais de dewey para seus leitores tchecos pelo esquema apresentado no ensaio de claparède (Úher, 1930, pp. 103-106). Esse recurso a claparède não é particularmente surpreendente, exceto pelo fato de o livro de Úher ter sido expressamente escrito depois e com base em suas viagens de estudo aos Estados unidos.] No esquema conceitual de claparède, os aspectos genéticos da fi- losofia educacional de Dewey diziam respeito a suas ideias sobre o de- senvolvimento e sobre como o professor deveria responder aos desejos e interesses das crianças. o que dewey oferecia, de acordo com claparède, 28 Revista Brasileira de História da Educação, n° 21, p. 13-38, set./dez. 2009
  • 29. Noah W. soBE era um “entendimento dos interesses [das crianças] com um sintoma ge- nético” e um modo pelo qual “podemos seguir a natureza da criança”12. Pode-se notar de passagem que a noção de desenvolvimento elaborada por dewey, por exemplo, em Democracia e educação, difere bastante da concepção de um desenvolvimento genético que pudesse ser nutrido e monitorado seguindo-se as expressões dos interesses das crianças. o ponto fundamental para os objetivos desta análise é que essa última ideia percorreu a iugoslávia como uma apresentação autorizada de dewey. a leitura claparediana de dewey, de fato, põe uma ênfase extremamente forte na centralidade da educação na criança, em “genética” – uma ênfase que parece ter sido preferencialmente adotada na iugoslávia. Em sua tradução para o servo-croata, o ensaio de claparède foi prefaciado por uma introdução escrita por Milan Šević, que indica como os encantamentos e desencantamentos estavam presentes em seu pensa- mento sobre educação e suas dimensões “genéticas”. apresentando os conceitos de claparède/dewey aos quais seus leitores estariam prestes a ser expostos, Šević opinou: “todos têm certo capital em suas aspirações e impulsos, que devem ser perseguidos a fim de avançar”. E continuava: “o problema da educação é este: descobrir esse capital” (Šević, 1920, p. 4). Com essa afirmação Šević ligava a categorização genética de Claparède a uma teoria do progresso, um “avanço”. Esse “capital” estaria oculto na criança. o estudo da criança [child-study] poderia revelar algo desse capital genético e uma pedagogia centrada na criança o poderia alimen- tar. ainda, embora o “capital genético” fosse algo considerado nato na criança, ele não era estático. os iugoslavos leram por meio de claparède que, para dewey, a mente não era um sistema estático, mas um processo dinâmico. Essa “genética” tinha desse modo, não o caráter de um deter- minismo a priori, mas o de um material apropriado e “natural” para ser trabalhado pelos educadores. Os desencantamentos de um modo científico de pensar e agir tomaram forma ao buscarem as aspirações e interesses das crianças e educarem-nas por meio deles. Mediante pesquisa no campo da pedagogia experimental e em institutos como o instituto Rousseau, de 12. Esses excertos foram traduzidos do servo-croata (Klapared, 1920). Revista Brasileira de História da Educação, n° 21, p. 13-38, set./dez. 2009 29
  • 30. Entrelaçamentos e troca cultural na história da educação claparède, os cientistas da educação poderiam estudar cuidadosamente os interesses e as atividades das crianças como formas sintomáticas da natureza infantil. a entidade “natural”, “genética” tão bem alojada no interior da criança era, entretanto, o objeto denegado da ciência e uma “coisa” indefinível a que se atribuía uma intencionalidade encantada. Quanto a isso, parece haver conexões entre as ideias de claparède sobre o “genético” e do vitalismo de Henry Bergson13, com a natureza interior, genética, da criança, servindo como um “élan vital” [em francês no original]. Graças à categorização de claparède, a abordagem moderna para ensinar e pensar a respeito dos interesses da criança que circulou, associada a dewey pela iugoslávia, era a que construiu encantamentos e desencantamentos em gestos relacionados. E, por analogia, o “eslavo” poderia ser, de modo similar, entendido como um espírito interior e motivador, que precisava ser encontrado pelos eslavos. os aspectos funcionais da pedagogia de dewey eram compatíveis com uma psicologia funcional que, para claparède, guardava a promessa de renovar a psicologia associacionista com um entendimento da consciên- cia como menos estática e mais afinada à adaptabilidade ao ambiente, no sentido darwinista. como foi mencionado, claparède enfatizava a dinâmica como oposta às representações estáticas da mente, que era uma ênfase que correspondia à visão do homem como unidade com integridade funcional em adaptação a suas necessidades e a seu ambiente. as atividades da criança eram um tópico importante a esse respeito, e claparède apontou que os educadores precisavam ter certeza de que a atividade e o trabalho da criança estivessem de acordo com suas “necessidades internas” (Klapared, 1920, p. 23). como “funcionais”, as atividades da criança teriam assim o potencial de fornecer uma superfície para intervenções pedagógicas. as conexões entre psicologia funcional, dewey e o movimento da escola do trabalho de Kerschensteiner foram apontados em um survey iugoslavo, especialmente comissionado da educação tcheca, que foi publicado em servo-croata em 1938. Em uma passagem que capta muitos dos temas previamente discu- 13. claparède estava familiarizado com a obra de Bergson, ainda que questionasse algumas de suas proposições (tröhler, 2005). 30 Revista Brasileira de História da Educação, n° 21, p. 13-38, set./dez. 2009
  • 31. Noah W. soBE tidos nesse capítulo, um inspetor escolar eslovaco chamado Franjo Musil explicava a leitores iugoslavos o desenvolvimento histórico da didática tcheca. a história de Musil era notadamente similar ao que disse salih Ljubunčić sobre a prateleira de livros de “Tolstoi, J. Dewey, Spencer, M. Montessori” anteriormente mencionada. de acordo com Musil, até 1918 as pedagogias alemãs e austríacas haviam sido empurradas sobre uma tchecoslováquia que, com a independência pós-1918, era capaz de escolher mais livremente o que melhor servisse a suas necessidades educacionais. o movimento da escola livre, que enfatizava “métodos ativos” e eclipsava o “aprendizado passivo” de informação (como sob o antigo regime) era visto por Musil como tendo sido formado “sob influência de estudos em psicologia funcional, que libertava as crianças para se desenvolverem por meio de um conjunto de atividades que aperfeiçoassem suas inclinações”. isso levava, como ele apontava, à organização da educação em torno de “centros de interesse da criança”. a prateleira de Musil, de líderes pedago- gos nessa área, incluía “Montessori, decroly, claparède e, em particular, dewey”. Na viagem dessa biblioteca à iugoslávia, pode-se apontar que a teorização de atividade de dewey foi tomada como um conceito-chave, garantindo o foco no trabalho da criança. Musil afirmava que esse impulso tinha mesmo levado ao estabelecimento de “trabalho manual educativo”, sendo estabelecido como uma matéria escolar requerida para os meninos na tchecoslováquia (Musil, 1938, p. 28). Mais uma vez dewey viajou na iugoslávia em companhia de Kerschensteiner. aqui, ele também se fez acompanhar de Claparède e da psicologia funcional, e figura como uma profética promessa de redenção social mediante o trabalho pedagógico centrado na atividade da criança. os aspectos sociais da pedagogia de dewey estavam, na visão de claparède, impregnadas em todas as ideias de dewey. Ele aponta que dewey respondia às sociedades contemporâneas (“as novas condições de nossa nova civilização”), em que crianças eram restringidas de muitas das ocupações naturais que outrora foram adequadas para “desenvolver o instinto social”. No ensaio, claparède sugeria uma ampla preocupa- ção com a anomia, ao mencionar a perda da vida familiar e o fenômeno do trabalho dos pais fora de casa, significando que as crianças não eram Revista Brasileira de História da Educação, n° 21, p. 13-38, set./dez. 2009 31
  • 32. Entrelaçamentos e troca cultural na história da educação obrigadas a trabalhar ou fazer suas tarefas. claparède concluía que apenas a escola poderia ordenar a vida social contemporânea. E, em direção a esse fim, recorreu ao conceito de Dewey de “escola como uma pequena comunidade”. Recorreu também a Kerschensteiner e à noção de trabalho manual como “o melhor tipo de tarefa para o trabalho cooperativo inter- pessoal” e ao “trabalho em comunidade” (Klapared, 1920, p. 25), como estratégias educacionais que poderiam redimir a sociedade. Milan Šević, em sua introdução à obra de claparède, também se dedicou à questão so- bre o que permitiria às pessoas viverem juntas. Ele tomou de empréstimo o conceito de desenvolvimento coletivo da responsabilidade individual e da razão saudável, de claparède e dewey, como traço característico da vida social produtiva na contemporaneidade. a esse respeito, tanto para Šević como para Claparède, um dos pontos centrais sobre Dewey não era apenas que ele pensava tais coisas, mas que as levava à frente – uma observação já discutida aqui. Eram oferecidas ações práticas e uma ação de re-estruturação humana, visando ao objetivo de reparar a sociedade e levá-la adiante como uma bem-sucedida empresa humana. a teorização da “ação” atribuída a dewey na tradução para o servo-croata foi, como foi visto, vinculada a um moderno modo de vida organizado em coerência com a independência individual, a autossus- tentação, o autogoverno. o ser moderno que poderia ser vislumbrado e fabricado mediante o uso pedagógico apropriado do trabalho, atividades e interesses da criança, era constituído por meio de suas próprias ações. Esse modo de agir era tanto um fazer como um modo de vida, porquanto a ação ligada a interesses/curiosidade/disposições gerava princípios de reflexão e critérios para avaliar o conhecimento. Na fabricação iugos- lava de dewey como persona e no comentário textual de sua obra, a “atividade da criança” era vista como promovendo a base sólida para uma confiável intervenção no indivíduo e para reconstituição do social como um domínio de interação e mutualismo. além disso, sua atividade foi encantada com uma finalidade condutora e desencantada nas ações educacionais dos reformadores, orientadas para o progresso, que se adap- tavam a um conjunto de funções e responsabilidades adotadas. teorizando a criança ativa e atuante de Dewey através do “eslavo” significaria que 32 Revista Brasileira de História da Educação, n° 21, p. 13-38, set./dez. 2009
  • 33. Noah W. soBE a intencionalidade da ação poderia ser dessacralizada, desencantada e implantada na sociedade – e poderia ser ao mesmo tempo naturalizada e re-encantada ao ser implantada na espiritualização de uma “genética eslava”, individual e social. Conclusão As seções anteriores procuraram exemplificar os usos de uma abor- dagem de “história entrelaçada” na história da educação. Em lugar de um paradigma diacrônico de transferência, que se centra no trânsito de uma dada prática ou teoria de um contexto para outro, tentei mostrar como as múltiplas camadas de análises e um olhar analítico profundamente focado na complexidade das formações culturais podem nos ajudar a entender os modos como se deu a intersecção de dewey e iugoslávia nos anos de 1920 e 1930. E, melhor do que focar apenas no ponto preciso de inter- secção, ou no momento de contato, tentei olhar de modo mais amplo os processos e interesses em jogo e direcionar a atenção para outras ideias e atividades que estiveram imbricadas nessas ocasiões de cruzamento e trocas. Werner e Zimmerman argumentam que uma abordagem de história entrelaçada “requer um observados ativo para construí-la, e, somente em um movimento de vai-e-vem entre pesquisador e objeto, faz com que tomem forma as dimensões empíricas e reflexivas da histoire croisée” [em francês no original] (Werner & Zimmermann, 2006, p. 39). No que foi examinado, comecei com a afirmação de que o Dewey iugoslavo não era um simulacro, mas que seria formado de múltiplos arranjos de troca intercultural. isso me levou a questionar as “rotas” pelas quais dewey “viajou” à iugoslávia, a quem foi associado e como “ele” foi transformado pelos objetos e pessoas como os quais foi enredado. ao tentar entender esse entrelaçamento particular, cogitei de que seria interessante passar um bom tempo “fora” da iugoslávia. convenci-me e defendi em outros escritos que no período entre guerras a tchecoslová- quia aparecia como um ponto de referência criticamente importante no pensamento iugoslavo sobre educação escolar e modernidade. Nesse caso, Revista Brasileira de História da Educação, n° 21, p. 13-38, set./dez. 2009 33
  • 34. Entrelaçamentos e troca cultural na história da educação fica muito evidente que o Dewey iugoslavo não tem um ponto de partida definido nos Estados Unidos, mas que os iugoslavos o inserem em suas discussões e textos de uma miríade de conversações atuais – algumas nos círculos de pedagogia experimental, e outras centradas em um nacionalismo étnico que via a influência cultural alemã como uma horrenda ameaça. tentei situar minha análise nos circuitos e redes de interação pelos quais dewey atravessou o pensamento iugoslavo sobre o professor, o aluno e o papel social da escola. isso me fez examinar “companheiros de pratelei- ra” e “traduções”, menos para uma história das publicações das versões servo-croatas das obras de John dewey, e mais com o interesse no material preliminar e nos diagramas esquemáticos mediante os quais ele foi levado aos leitores iugoslavos. como visto, isso me levou a olhar para Genebra, mas também, e novamente, para a tchecoslováquia. Quando se atenta ao que os iugoslavos disseram sobre Dewey fica evidente o fato de que estavam muito cientes de seu estatuto “estrangeiro” e “americano”, porém, viram que as ideias e perspectivas apresentadas por dewey poderiam ser espiritualizadas pelos eslavos. Minha tentativa de lidar seriamente com essa noção e de averiguar o que estava havendo por meio de encantamentos e desencantamentos é uma tentativa de evitar impor um modelo de “aclimatação” de nacionalização e, no lugar dele, usar seriamente os conceitos usados naquele tempo – os conceitos que muitos iugoslavos parecem ter usado para entender como dewey poderia/ iria ser mudado no “mundo eslavo”. Em suas próprias conceituações, era um mundo de ação e pensamento no qual coisas “iugoslavas” tinham um dado significado, porém, não único e exclusivo. Dewey, com seu mundo, foi “entrecruzado” em torno das questões de como a individualidade po- deria ser mais bem relacionada à identidade coletiva e que conhecimentos e práticas poderiam ser utilizados para dar forma e realidade distinta à modernidade e à construção de sujeitos propriamente “modernos”. Referências bibliográficas BeredAy, G. Z. F. documents: sir Michael sadler’s “study of Foreign systems 34 Revista Brasileira de História da Educação, n° 21, p. 13-38, set./dez. 2009
  • 35. Noah W. soBE of Education”. Comparative Education Review, p. 307-14, 1964. blAisdell, B. Tolstoy as teacher: Leo tolstoy’s writings on education. New York: teachers and Writers collaborative, 2000. clApArède, E. introduction. in: dewey, J. L’Ecole et l’enfant. Neuchatel/Paris: delachaux & Niestlé/Libraire Fischbacher, 1913. cremin, L. a. American education: the colonial experience, 1607-1783. New York: Harper & Row, 1970. debenAk, A. Vtisi iz učiteljske studijske ekskurzije po Čehoslovaški. Učiteljski tovaris, 10 i 11, 1933. deleUze, G.; GUAttAri, F. What is philosophy? European perspectives. New York: columbia university Press, 1994. Dirić, Z. Pedagogika Đona Đuia – Ed. Klapared. Učitelj 10, n. 6, p. 467-468, 1930. GAtto, J. t. The underground history of American education: a schoolteacher’s intimate investigation into the problem of modern schooling. New York: oxford Village Press, 2001. GrUzinski, s. The mestizo mind: the intellectual dynamics of colonization and globalization = La pensée métisse. New York: Routledge, 2002. klApAred, E. (claparède). Pedagogija Đona Đuia. Trad. Milan Šević. Beograd: Izdanje Knjižarnice Rajkovića i Dukovića, 1920. Ljubunčić, S. Naučno putovanje naših učitelja u Čehoslovačku. Napretka i Savremena Škole, n. 5 e 6, p. 141-44, 1933. ______. Školstvo i prosvjeta u Čehoslovačkoj: s osobitim obzirom na pedagošku i školsku reformu. In: ______. Biblioteka “Škole Rada”. Zagreb: Naklada a. Brusina Naslj, steiner, 1934. meyer, J. W., rAmirez, F. o.; soysAl Y. N. World expansion of mass education, 1870-1970. Sociology of Education, n. 50, p. 128-149, 1992. mUsil, F. Razvoj i današnje stanje Čehoslovačke didaktike. In: mAjstorovic, M. P. Pedagoška Čehoslovačka, 1918-1938. Beograd: izdanje Jugoslovenskog Učiteljskog Udruženja, 1938. p. 25-32. nowAcki, T. Wstęp. In: hessenowA, M. (ed.). Sergiusz Hessen: Filozofia – Kul- Revista Brasileira de História da Educação, n° 21, p. 13-38, set./dez. 2009 35
  • 36. Entrelaçamentos e troca cultural na história da educação tura – Wychowanie. Wrocław: Polska Adademia Nauk, 1973. osborne, M. a. Nature, the exotic, and the science of French colonialism, Science, technology, and society. Bloomington: indiana university Press, 1994. ______. acclimatizing the world: a history of the paradigmatic colonial science. Osiris, n. 15, p. 135-151, 2000. phillips, d.; ochs, K. (eds.). Educational Policy Borrowing: historical perspec- tives. oxford: symposium Books, 2004. popkewitz, t. s. introduction. in: ______. (ed.). Inventing the modern self and John Dewey: modernities and the traveling of pragmatism in education. New York: Palgrave Macmillan, 2005. p. xvii, 302. rAmirez, F. o.; meyer, J. W. National curricula: world models and national historical legacies. in: cArUso, M.; tenorth, H.-E. (eds.). Internationalisierung / Internationalisation. Frankfurt am Main: Peter Lang, 2002. p. 91-107. rAppleye, J. theorizing educational transfer: toward a conceptual map of the context of cross-national attraction. Research in Comparative and International Education, v. 1, n. 3, p. 223-240, 2006. rose, N. s. Powers of freedom: reframing political thought. cambridge/New York: cambridge university Press, 1999. ______. Politics of life itself: biomedicine, power and subjectivity in the twenty- first century. Princeton: Oxford: Princeton University Press, 2007. sAdler, M. continuation schools in England & elsewhere: their place in the educational system of an industrial and commercial state. Publications of the University of Manchester. Educational series, n. 1, Manchester: university Press, 1907. Sević, M. introduction. in: klApAred (claparède), E. Pedagogija Đona Đuia. Beograd: Izdanje Knjižarnice Rajkovića i Dukovića, 1920. sobe, N. W. cultivating a ‘slavic modern’: Yugoslav Beekeeping, schooling and travel in the 1920s and 1930s. Paedagogica Historica, v. 41, n. 1+2, p. 145-60, 2005. ______. slavic emotion and vernacular cosmopolitanism: Yugoslav travels to czechoslovakia in the 1920s and 1930s. in GorsUch, a. E.; koenker, d. P. (eds.). Turizm: the Russian and East European tourist under capitalism and 36 Revista Brasileira de História da Educação, n° 21, p. 13-38, set./dez. 2009
  • 37. Noah W. soBE socialism, edited by and diane P. ithaca: cornell univ. Press, 2006. p. 82-96. ______. Provincializing the worldly citizen: Yugoslav student and teacher travel and slavic cosmopolitanism in the interwar era. in: sieGel, K. Travel writing across the disciplines: theory and pedagogy. New York: Peter Lang, 2008. steiner-khAmsi, G. Re-framing educational borrowing as a policy strategy. in cArUso, M.; tenorth, H.-E. (eds.). Internationalisierung / Internationalisation. Frankfurt am Main: Peter Lang, 2002. p. 57-90. steinmetz, G. The devil’s handwriting: precoloniality and the German colonial state in Qingdao, samoa, and southwest africa, chicago studies in practices of meaning. chicago: university of chicago Press, 2007. stoler, a. L. Haunted by empire: geographies of intimacy in North american history, american encounters/global interactions. durham: duke university Press, 2006. tröhler, d. Langue as Homeland: the Genevan reception of John dewey. in: popkewitz, t. s. (ed.). Inventing the modern self and John Dewey: modernities and the traveling of pragmatism in education. New York: Peter Lang, 2005. p. 61-84. tyAck, d. B. Turning points in American educational history, Blaisdell book in education. Waltham: Blaisdell Pub. co., 1967. učiteLj. Salih Ljubunčić: Školstvo i prosvjeta u Čehoslovackoj [book review]. Učitelj, 44, n. 3, p. 234-236, 1934. Uher, J. Základy Americké Výchovy. Praha: Čin, 1930. werner, M.; zimmermAnn, B. Beyond comparison: Histoire Croisée and the Challenge of Reflexivity. History and Theory, n. 45, p. 30-50, 2006. Endereço para correspondência: Bruno Bomtempi Jr. Rua Harmonia, 445, ap. 63 são Paulo-sP cEP 05425-000 E-mail: bontempi@usp.br Revista Brasileira de História da Educação, n° 21, p. 13-38, set./dez. 2009 37
  • 38. Entrelaçamentos e troca cultural na história da educação Noah W. sobe 1227 West Lunt ave, apt 1a chicago-iL usa 60626 E-mail: nsobe@luc.edu Recebido em: 15 nov. 2008 aprovado em: 28 maio 2009 38 Revista Brasileira de História da Educação, n° 21, p. 13-38, set./dez. 2009
  • 39. arlette Medeiros GasPaRELLo e Heloisa de oliveira santos ViLLELa Intelectuais e professores: identidades sociais em formação no século XIX brasileiro * 1 arlette Medeiros Gasparello** 2 Heloisa de oliveira santos Villela*** 3 Resumo: o artigo trata da formação da identidade social dos professores secundários na segunda metade do século XiX a partir da análise de dados sobre carreira docente, produção, atividades acadêmicas e interações sociais de 78 professores do colégio de Pedro ii, na corte, e da Escola Normal de Niterói, na província do Rio de Janeiro. A pesquisa identificou nesse período o processo de constituição de um grupo de intelectuais que passou a se reconhecer como professores, uma profissão que não os afastava do grupo de letrados, mas agregava uma conotação específica, o ofício de ensinar. Palavras-chave: intelectuais; profissão docente; identidade social; professores secundários; professor/autor. * uma primeira versão da temática abordada neste texto foi apresentada no iii con- gresso Brasileiro de História da Educação, em curitiba (PR), em novembro de 2004. ** doutora em história da educação pela Pontifícia universidade católica de são Paulo (Puc-sP) e professora do Programa de Pós-Graduação em Educação da universidade Federal Fluminense (uFF). *** doutora em história da educação pela universidade de são Paulo (usP) e professora do Programa de Pós-Graduação em Educação da universidade Federal Fluminense (uFF). Revista Brasileira de História da Educação, n° 21, p. 39-60, set./dez. 2009 39
  • 40. intelectuais e professores Intellectuals and teachers: social identities being developed in Brazil in the 19 th century arlette Medeiros Gasparello Heloisa de oliveira santos Villela Abstract: the essay is about the formation of the social identity of high- school teachers during the second half of the 19th century. the study was based on information on the teaching career, academic production and activities, and social interactions of 78 teachers of the Pedro ii school, in the Neutral Municipality of Rio de Janeiro, and the Niterói Normal school, in the Province of Rio de Janeiro. our study pointed out the formation of a group of intellectuals that began identifying themselves as teachers, remaining men of letters, but aggregating a specific connotation, the activity of teaching. Keywords: intellectuals; teaching profession; social identity; high school teachers; teacher/author. 40 Revista Brasileira de História da Educação, n° 21, p. 39-60, set./dez. 2009
  • 41. arlette Medeiros GasPaRELLo e Heloisa de oliveira santos ViLLELa talvez, então, possamos contribuir para que as nossas percepções do movimento social do passado sejam menos parciais do que tem sido até agora, inserindo a educação e a sua história nesse impulso constante de produção e reprodução antropológica do homem que é a própria história do seu saber [Fernandes, 2004, p. 804]. Introdução as pesquisas sobre a formação docente no Brasil1 têm abordado quase que exclusivamente a formação de professores primários, de modo que uma referência à formação de professores é geralmente entendida como alusiva à formação do professor, ou das professoras desse nível de ensino. as contribuições de pesquisas históricas sobre a formação de professores secundários são escassas e analisam, sobretudo, os cursos das Faculdades de Filosofia instituídas no século XX que licenciavam os professores para as diferentes disciplinas do ensino secundário. catani (2000, p. 586 passim), ao levantar dados relativos à produção histórica sobre a profissão docente no Brasil, verificou que embora seja significativo o número de estudos acerca da formação de professores, o termo “história da profissão docente” apareceu recentemente nos estudos da área. constatou também a incidência de uma periodização que toma como marcos momentos mais recentes. segundo a autora, nas teses e dissertações predominam análises cujo eixo central localiza-se na di- mensão “organização da categoria profissional e relações com o Estado”. segundo catani (2000), no conjunto das teses e dissertações voltadas para o estudo da profissão, apenas uma – Educação como apostolado –, de Elza Nadai (1991), trata das representações, imagens e símbolos ela- borados por um grupo de professores que estudou ou atuou em escolas oficiais secundárias, normais e superiores entre os anos de 1930 e 1970. 1. a respeito da produção de estudos históricos sobre formação de professores consultar catani (2000) e tanuri (2000). Revista Brasileira de História da Educação, n° 21, p. 39-60, set./dez. 2009 41
  • 42. intelectuais e professores as demais não priorizam a formação do professor secundário, apenas a do professor primário, o que ratifica a quase inexistência de trabalhos significativos que focalizem a formação de quadros para o nível secun- dário de ensino. Neste artigo apresentamos o processo de formação da identidade social do grupo de professores secundários na segunda metade do século XIX na Corte e na província fluminense com base nos dados sociocul- turais dos autores de livros didáticos2 do período. Nosso propósito foi acompanhar o processo de autoconstituição de um grupo socioprofis- sional a partir de suas experiências sociais no magistério secundário e superior e no interior de uma rede de sociabilidades. Essa questão foi desenvolvida na primeira fase de uma pesquisa3 que procura analisar, na produção didática dos professores secundários, o movimento instituinte de campos de saberes, como as disciplinas escolares e as novas formas de ensinar e aprender – ou seja, os conteúdos pedagógicos e os saberes específicos dos textos produzidos para o ensino no período 1860 a 1890. consideramos que o estudo do modo de formação de uma identidade social exige uma perspectiva relacional na qual o historiador deve se interrogar sobre a experiência dos indivíduos em suas relações sociais, inscritas na “rede de compromissos, das expectativas e dos laços de re- ciprocidade que a vida em sociedade lhes impõe” (cerutti, 1998, p. 204). uma perspectiva, portanto, na qual o processo social que se efetiva está no centro da análise, na medida em que se preocupa em definir a expe- riência e o interesse dos atores no interior dos vínculos sociais, já que “o percurso dos indivíduos no interior de diferentes meios – a família, o trabalho, a vida social – desenha seu horizonte social” (idem, ibidem, p. 241). Nessa perspectiva, a pesquisa se orientou para a construção de 2. Na época, o termo mais usual no Brasil era compêndio. No século passado, firmou- se o uso da expressão livro didático, que engloba toda a produção que se destina ao ensino. Sobre livro didático e historiografia didática, ver, dentre outros, Bittencourt (1993), choppin (1991, 1992), Munakata (1997), Johnsen (1996) e Gasparello (2004). 3. A pesquisa obteve apoio financeiro e bolsas de iniciação científica da Fundação de amparo à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro (fAperj) e do conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq). 42 Revista Brasileira de História da Educação, n° 21, p. 39-60, set./dez. 2009
  • 43. arlette Medeiros GasPaRELLo e Heloisa de oliveira santos ViLLELa um perfil sociocultural do grupo em questão, com a utilização de diversas fontes, como biografias, enciclopédias, discursos, memórias e textos pu- blicados sobre os mesmos, além de documentos escolares das instituições em que os sujeitos da pesquisa tiveram atuação docente. dentre esses, os documentos e registros das secretarias das escolas, atas de reuniões, anuários, periódicos e impressos das instituições, atos e publicações dos órgãos da administração escolar. Os lugares institucionais selecionamos para análise dos sujeitos e suas práticas culturais o então Colégio de Pedro II (atual colégio Pedro ii) e a Escola Normal de Niterói, capital da província do Rio de Janeiro, por serem instituições reconhecidas como modelares nesse período e por seus professores pu- blicarem livros didáticos que se tornaram referências para outras escolas secundárias do país. tais livros produzidos para o ensino foram adotados pelos liceus provinciais e estabelecimentos secundários da corte e do império brasileiro por um longo tempo, em virtude do prestígio de seus autores e das instituições às quais estavam ligados4. o Colégio de Pedro II foi fundado no período regencial, em 1837, com o objetivo de servir de modelo de instituição secundária. sua função como matriz de um curso regular de estudos seriados foi se fortalecendo, não sem retrocessos, ao longo do século XiX, em oposição aos tradi- cionais exames preparatórios, então em voga no país, que permitiam o acesso ao ensino superior, independente da exigência de comprovação de estudos secundários completos. o importante papel atribuído pelo gover- no imperial a essa instituição pode ser visto como a correspondência, na educação, ao processo de centralização política na construção do Estado nacional brasileiro, na medida em que o caráter de modelo fortaleceu a institucionalização de uma forma secundária no país, em consonância 4. sobre o ensino secundário e o colégio Pedro ii, consultar Haidar (1972), doria (1997), andrade (1999) e Gasparello (2004). Revista Brasileira de História da Educação, n° 21, p. 39-60, set./dez. 2009 43
  • 44. intelectuais e professores com a política de unidade nacional implementada pelo governo central. como assinala Gasparello (2004, p. 40), o Colégio de Pedro II, situado no Rio de Janeiro, construiu uma história institucional com forte traço de ligação com as outras regiões do império brasileiro: o elemento simbólico de sua localização – a corte – era reforçado com o nome escolhido, o do imperador. Por sua vez, o próprio d. Pedro ii ajudou a fortalecer o caráter imperial do colégio – termo que em geral precedia a referência ao estabelecimento – estreitando sua ligação com o regime, ao pres- tigiar com sua presença e apoio as atividades do colégio [grifos do original]. Bernardo Pereira de Vasconcelos5, em seu discurso fundador, justifi- cara a iniciativa pela necessidade de um modelo de instrução secundária a ser seguido pelos demais estabelecimentos, orientação que alimentou a centralidade exercida pelo colégio nesse tipo de ensino. Por determinação constitucional6 competia às províncias legislar sobre a instrução primária e secundária, mas o governo imperial promoveu uma ação reguladora no setor, com a criação de dispositivos de controle do ensino secundário, como as regulamentações sobre os exames preparatórios7 e a instituição da categoria de colégios equiparados ao colégio de Pedro ii. a Escola Normal de Niterói foi uma importante instituição de formação de professores no império. criada em 1835, exerceu grande influência nas decisões sobre a esfera educacional durante o século XIX. Segundo Mattos (1990), a província fluminense funcionou como um laboratório de práticas que eram estendidas a todo o país devido à supremacia que os políticos fluminenses exerciam em nível nacional e 5. a criação do imperial colégio deveu-se principalmente à iniciativa do ministro Bernardo Pereira de Vasconcellos, juntamente com o então regente araújo Lima. o discurso foi publicado no anuário n. 1 do colégio (sobre o assunto, ver, entre outros, doria, 1997, e andrade, 1999). 6. ato adicional de 1834. 7. Os exames preparatórios constituíram a principal via de acesso oficial ao ensino superior e persistiu durante todo o império até a Primeira República, período em que a forma escolar secundária não estava completamente institucionalizada em todo o país como curso regular de ensino (cf. Haidar, 1972, Gasparello, 2004, entre outros). 44 Revista Brasileira de História da Educação, n° 21, p. 39-60, set./dez. 2009
  • 45. arlette Medeiros GasPaRELLo e Heloisa de oliveira santos ViLLELa cujas bases se encontravam em Niterói, capital da província do Rio de Janeiro. É interessante lembrar que a própria Corte só teria a sua primeira Escola Normal pública funcionando em 1881, quando a da província já fora criada há 46 anos. o grupo político conservador que assumiu a liderança da província após a autonomia administrativa prevista pelo ato adicional de 1834 valorizou a criação de uma instituição de formação de professores. tal instituição foi vista como de importância fundamental para a difusão dos princípios de ordem e civilização pelos quais esse grupo lutava e ao seu projeto de direção política dos vários segmentos da população. Nesse sentido valorizaram a instrução destinada ao povo e a consequente formação dos agentes capazes de realizá-la (Villela, 1990). a Escola Normal da província do Rio de Janeiro foi criada, então, com o objetivo de preparar professores para ensinar nas escolas primárias existentes e nas que seriam criadas a partir daquele projeto de expansão da instrução pública. desde o momento de sua criação, e por sua posição geográfica privilegiada de proximidade com a Corte em relação às de- mais províncias, exerceu por muitas décadas uma função de instituição paradigmática na formação de professores primários, contrapondo-se às práticas comuns de admissão de mestres leigos ao magistério público. as duas instituições representam, com suas histórias, o movimento de institucionalização de dois campos importantes do universo educacio- nal brasileiro em construção no século XiX – o secundário e a formação de professores. apesar de suas diferenças de gênese e desenvolvimento, foram escolhidas como foco central de análise em razão de seus agentes fundamentais: os professores/autores de obras didáticas que, pela circuns- tância de atuarem muitas vezes em ambas as instituições e outras congê- neres de sua época, contribuíram com seus livros e aulas na construção das pedagogias e currículos das disciplinas escolares em formação, ao mesmo tempo em que vivenciavam um processo de autoformação de um grupo com identidade profissional ligada à docência. No interior dessas instituições de ensino desenvolviam-se importan- tes movimentos instituintes relacionados às práticas culturais próprias aos processos escolares e às funções docentes, com a construção de Revista Brasileira de História da Educação, n° 21, p. 39-60, set./dez. 2009 45
  • 46. intelectuais e professores dispositivos pedagógicos que conformaram a instituição secundária e a formação de professores, dentre eles os estatutos, regulamentos, progra- mas e matérias escolares, exames, concursos, estudos seriados e novas formas de ensinar e aprender. de qualquer modo, torna-se importante destacar as diferenças/se- melhanças marcantes que distinguem as duas instituições. o prestigioso colégio, ensino secundário de caráter humanista, era pago, para estudantes do sexo masculino que se destinavam aos estudos superiores; a Escola Normal era gratuita, para ambos os sexos, com um ensino de cunho pro- fissionalizante: o ofício de ensinar. A uni-las, o processo de consolidação da política imperial como elemento instituidor do secundário e do normal. Este último não era ensino primário nem se caracterizava como secundário, mas dele se aproximava por ser superior ao ensino elementar. ao mesmo tempo, dele se distinguia, por ser destinado a instruir os futuros mestres de ensino de primeiras letras e não a preparar candidatos aos cursos superiores, futuros membros da alta administração, como bacharéis e políticos, além de outras funções emergentes na burocracia estatal do país. No período focalizado, constituído pelas últimas décadas do regi- me imperial, ocorreram transformações sensíveis no contexto político, cultural e econômico da sociedade brasileira. No setor educacional as mudanças incluíram o aumento do número de escolas8 e o estímulo go- vernamental à publicação de livros para o ensino, com o investimento do setor editorial nessa produção. Nesse período, o governo brasileiro implementou uma série de medidas e procedimentos que tiveram como objetivo solucionar um problema existente nas escolas e que representava um sério obstáculo ao bom andamento das questões ligadas à instrução pública: a falta de livros e outros materiais escolares. Essa questão foi objeto de preocupação do Estado, com uma série de medidas que sina- lizam os primeiros passos para a instituição de uma política pública do livro didático no Brasil (Gasparello, 2007). 8. Nas últimas décadas do Império houve um aumento significativo no número de escolas (de 3.561 para 7.500) e na proporção de escolas em relação à população (de 1,2 para 2,1) (Hallewell, 1985). 46 Revista Brasileira de História da Educação, n° 21, p. 39-60, set./dez. 2009
  • 47. arlette Medeiros GasPaRELLo e Heloisa de oliveira santos ViLLELa o Brasil oferecia condições e perspectivas atraentes para o estabele- cimento de firmas editoriais, com a estabilidade política e a receptividade crescente à cultura francesa, associada a tudo que representava progresso e civilização. das livrarias instaladas nessa época, algumas pertenciam a franceses, como Plancher ou Villeneuve, que emigraram e se estabe- leceram no Brasil e outras foram instaladas como filiais de firmas já existentes em Paris (Hallewell, 1985)9. É também a partir desse momento que as editoras se envolverão com a comercialização de obras de autores didáticos brasileiros – negócio que se tornará altamente lucrativo nas décadas seguintes –, respondendo a demanda do Estado que estimulava a elaboração de livros dedicados ao ensino e baseados nos programas oficiais. Nesse contexto, professores do Colégio de Pedro II e da Escola Normal da província fluminense passaram a elaborar compêndios a partir de suas experiências em sala de aula tornando-se, autores e suas obras, um material privilegiado para a análise das bases da pedagogia nacional em construção nesse momento. Em 1861, por exemplo, foi publicado o primeiro livro de história do Brasil por um professor do colégio Pedro ii, Lições de história do Brasil, de Joaquim Manuel de Macedo, que iniciou a linhagem dos professores/autores didáticos para a cadeira10 de história do colégio. Na Escola Normal, tal fato ocorreu com a publicação, em 1874, do Compêndio de Pedagogia do professor da 1a cadeira da escola, antonio Marciano da silva Pontes11. 9. A mais importante dessas firmas foi a Garnier Frères, que funcionou no Brasil de 1844 a 1934. Baptiste Louis Garnier parece ter sido o primeiro editor brasileiro a encarar a impressão e a edição como atividades completamente separadas, um princípio já usual em Paris e Londres (Hallewell, 1985). 10. o termo era utilizado para designar, ao mesmo tempo, uma especialidade dos estudos que constava dos programas oficiais e um cargo/função pública a ser assumido pelo respectivo professor – o catedrático – no colégio Pedro ii, nos estabelecimentos equiparados e nos institutos superiores, como: cadeira de História e Geografia; cadeira de Corografia e História do Brasil; cadeira de Latim (Gasparello, 2004). 11. a obra foi organizada a partir de apostilas que eram ditadas aos alunos. a primeira edição do Compêndio de Pedagogia é de 1874, segundo afirmam os relatórios do diretor da Escola Normal de Niterói nesse período. Entretanto, até o momento, as duas primeiras edições não foram localizadas, apenas a terceira, que é de 1881, editada pela Tipografia do Fluminense (Villela, 2002). Revista Brasileira de História da Educação, n° 21, p. 39-60, set./dez. 2009 47