SlideShare uma empresa Scribd logo
1 de 12
Baixar para ler offline
MIOPIA EM MARKETING
                                          Theodore Levitt
                                   Harvard Business Review – jul/ago/1960

                   A visão curta de muitas empresas, que as impede de definir a-
                   dequadamente suas possibilidades de mercado, é o tema deste
                     artigo ⎯ verdadeiro clássico da literatura especializada.

                 Theodore Levitt é professor de Administração de empresas na Escola de
                 Administração de Empresas da Universidade de Harvard.
                 Autor de numerosos artigos sobre temas econômicos, políticos de adminis-
                 tração de empresas e de marketing, inclusive deste premiado e célebre Mi-
                 opia em Marketing, publicado na Harvard Business Review; ganhador, por
                 quatro vezes, do Prêmio McKinsey para artigos da Harvard Business Revi-
                 ew; ganhador do prêmio da Academia de Administração de Empresas, atri-
                 buído aos mais importantes livros de negócios do ano, em 1972, com Inno-
                 vation in Marketing; ganhador do Prêmio John Hancok de Excelência em
                 Jornalismo de Negócios, em 1969; ganhador do Prêmio Charles Coolidge
                 Partin para “O Homem de Marketing do Ano”, em 1970.

      Todo setor de atividade importante já foi em      cinematográficas tiveram que passar por drástica
alguma ocasião um “setor de rápida expansão”. Al-       reorganização. Algumas simplesmente desaparece-
guns setores que agora atravessam uma onda de en-       ram. Todas ficaram em dificuldades não por causa
tusiasmo expansionista estão, contudo, sob a ameaça     da invasão da TV, mas devido à sua própria miopia.
da decadência. Outros, tidos como setores de rápida     Como no caso das ferrovias, Hollywood não soube
expansão em fase de amadurecimento, na realidade        definir corretamente seu ramo de negócio. Julgava
pararam de crescer. Em todos os casos, a razão pela     estar no setor cinematográfico, quando na realidade
qual o desenvolvimento é ameaçado, retardado ou         seu setor era o de entretenimento. “Cinema” impli-
detido não é porque o mercado está saturado. É por-     cava um produto específico, limitado. Isto produzia
que houve uma falha administrativa.                     uma satisfação ilusória, que desde o início levou os
                                                        produtores de filmes a encarar a televisão como uma
       PROPÓSITOS FATÍDICOS                             ameaça. Hollywood desdenhou da televisão e rejei-
       A falha está na cúpula. Os diretores responsá-   tou-a, quando deveria tê-la acolhido com agrado,
veis por ela são, em última análise, aqueles que se     como uma nova oportunidade ⎯ uma oportunidade
ocupam das metas e diretrizes de maior amplitude,       de expandir o setor do entretenimento.
Assim:                                                        Hoje a televisão representa um negócio maior
       • As estradas de ferro não pararam de desen-     do que foi, em qualquer época, a indústria cinemato-
volver-se porque se reduziu a necessidade de trans-     gráfica, tacanhamente definida. Se Hollywood se
porte de passageiros e carga. Isso aumentou. As fer-    tivesse preocupado com o cliente (fornecendo entre-
rovias estão presentemente em dificuldades não por-     tenimento) e não com um produto (fazendo filmes).
que essa necessidade passou a ser atendida por ou-      Teria passado pelas dificuldades financeiras pelas
tros (automóveis, caminhões, aviões e até telefones),   quais passou? Duvido. O que no fim salvou Holly-
mas sim porque não foi atendida pelas próprias es-      wood e determinou seu recente renascimento foi a
tradas de ferro. Elas deixaram que outros lhes tiras-   onda de novos e jovens roteiristas, produtores e dire-
sem seus clientes por se considerarem empresas fer-     tores, cujo êxito obtido anteriormente na televisão
roviárias, em vez de companhias de transporte. A        liquidou as velhas empresas cinematográficas e der-
razão pela qual erraram na definição de seu ramo foi    rubou seus grandes nomes.
estarem com o espírito voltado para o setor ferroviá-         Há outros exemplos menos patentes de negó-
rio e não para o setor de transportes; preocupavam-     cios que arriscaram ou arriscam agora seu futuro por
se com o produto em vez de se preocuparem com o         definirem impropriamente seus objetivos. Mais adi-
cliente.                                                ante discutirei detalhadamente alguns deles e anali-
       • Hollywood por pouco não foi totalmente ar-     sarei as diretrizes que causaram os problemas. Por
rasada pela televisão. Todas as antigas empresas        ora talvez seja interessante mostrar o que uma admi-
nistração com o espírito totalmente voltado para o      de transporte muito mais importante do que em geral
cliente pode fazer para manter em desenvolvimento       se acredita).
um setor de rápida expansão, mesmo depois de esgo-             O que falta às estradas de ferro não é oportu-
tadas as oportunidades óbvias, mediante a apresenta-    nidade, mas sim um pouco de engenhosidade e au-
ção de dois exemplos há muito conhecidos. São eles      dácia administrativa que as engrandeceram. Até um
o nylom e o vidro, representados especificamente        amador como Jacques Barzum é capaz de ver o que
por E. I. DuPont de Nemours & Company e Corning         está faltando!
Glass Works.                                                   “Dói-me ver a organização material e social
      Ambas essas companhias são dotadas de gran-       mais avançada do século passado afundar em igno-
de capacidade técnica. Sua orientação para o produto    minioso desprestígio por falta de ampla imaginação
é indiscutível. Mas isto por si só não explica seu      que a construiu. O que está faltando é a vontade das
sucesso. Afinal, quem é que, orgulhosamente, tinha      companhias de sobreviver e de atender ao público
o espírito mais voltado para o produto e com ele        com engenhosidade e habilidade.”
mais se preocupava do que as antigas indústrias têx-
teis da Nova Inglaterra, que foram tão completamen-           AMEAÇA DE OBSOLESCÊNCIA
te massacradas? As DuPonts e as Cornings foram                É impossível mencionar-se um único setor in-
bem sucedidas sobretudo não por causa de sua orien-     dustrial de importância que em alguma época não
tação para o produto e as pesquisas mas porque tam-     tenha merecido a designação mágica de “setor de
bém se preocuparam intensamente com o cliente. É        rápida expansão”. Em todos os casos, a força de que
um constante estado de alerta para oportunidades de     o setor estava dotado residia na superioridade
aplicar seu Know-how técnico, na criação de usos        inigualável de seu produto. Parecia nada haver que o
capazes de satisfazer às necessidades do cliente, que   substituísse efetivamente. Ele mesmo era um substi-
explica a quantidade prodigiosa de novos produtos       tuto bem superior do produto cujo lugar no mercado
que colocam com êxito no mercado. Não fosse uma         havia vitoriosamente ocupado. Contudo, uma após
observação aguda do cliente, estaria errada a escolha   outra, todas essa famosas indústrias passaram a ser
da maior parte desses produtos, e nada adiantando       alvo de uma ameaça. Examinemos rapidamente al-
seus métodos de venda.                                  gumas delas escolhendo desta vez exemplos que até
      O alumínio também continua sendo um setor         o momento têm recebido pouca atenção:
de rápida expansão, graças aos esforços envidados
por duas companhias fundadas no tempo da guerra e              • Lavagem a seco
que se lançaram, deliberadamente, à criação de nos             Foi outrora um setor de rápida expansão que
usos que satisfizessem às necessidades do cliente.      oferecia as mais animadoras perspectivas. Numa
Sem a Kaiser Aluminium & Chemical Corporation e         época em que se usava muita roupa de lã, imagine o
a Reynolds Metals Company, a atual demanda de           que foi a possibilidade de, afinal, lavá-la com segu-
alumínio seria muitíssimo menor do que é.               rança a facilidade. Foi um verdadeiro “estouro”.
                                                               No entanto, passados trinta anos desse “estou-
      ERRO DE ANÁLISE                                   ro”, a indústria da lavagem a seco se encontra em
      Alguns poderiam argumentar que é tolice           dificuldade. De onde veia a concorrência? De um
comparar o caso das estradas de ferro com o alumí-      método de lavagem melhor? Não. Veio das fibras
nio ou o do cinema com o do vidro. O alumínio e o       sintéticas e dos aditivos químicos, que fizeram dimi-
vidro não são por natureza tão versáteis que suas       nuir a necessidade de se recorrer à lavagem a seco.
respectivas indústrias têm forçosamente de ter mais     Mas não é só isso. Uma mágica poderosa ⎯ o ul-
oportunidades de expansão do que as estradas de         trassom ⎯ espreita os acontecimentos, pronta para
ferro e o cinema? Este ponto de vista leva exatamen-    tornar a lavagem química a seco totalmente obsole-
te ao erro de que tenho falado. Ele define uma indús-   ta.
tria ou um produto ou uma soma de conhecimento
de forma tão tacanha que acaba determinando seu                • Energia elétrica
envelhecimento prematuro. Quando falamos de “es-               É outro produto supostamente “sem sucedâ-
tradas de ferro” devemos estar certos de que na ver-    neo” coloca num pedestal de irresistível expansão.
dade nos referimos a “transportes”. Como transpor-      Quando apareceu a lâmpada incandescente, acaba-
tadoras, as ferrovias ainda têm muita possibilidade     ram os lampiões a querosene. Depois a roda de água
de substancial desenvolvimento. Não ficam assim         e a máquina a vapor foram reduzidas a trapos pela
limitadas ao setor ferroviário (muito embora, em        flexibilidade, eficiência, simplicidade e a própria
minha opinião, o trem seja potencialmente, um meio      facilidade de se construírem motores elétricos. As
                                                        empresas de energia elétrica continuam nadando em
prosperidade, enquanto os lares se transformam em        mesquinho dos supermercados ao comprador inte-
verdadeiros museus de engenhocas movidas a eletri-       ressado no preço limitava a expansão do seu merca-
cidade. Como se pode errar investindo nessas em-         do. Eles tinham de ir procurar seus fregueses num
presas, que não têm pela frente concorrência nem         raio de vários quilômetros em torno de suas lojas.
nada, a não ser sua própria expansão?                    Quando aparecessem os imitadores, haveria liquida-
      Mas, examinando-se melhor a situação, a im-        ções por atacado, à medida que caísse o movimento.
pressão que se tem não é tão agradável. Cerca de         O grande volume de vendas dos supermercados era
vinte companhias de natureza diversa estão bem           atribuído em parte à novidade que representavam.
adiantadas na construção de uma potente pilha quí-       Basicamente, o povo queria mercearias localizadas a
mica, que poderia ficar num armário escondido em         pequenas distâncias. Se as lojas do bairro “cooperas-
cada casa, emitindo silenciosamente energia elétrica.    sem com seus fornecedores prestassem atenção às
Os fios elétricos que tornam vulgares tantas partes      despesas e melhorassem o serviço”, teriam sido ca-
da cidade serão eliminados. Como o serão também          pazes de agüentar a concorrência até que ela desapa-
os intermináveis esburacamentos das ruas e as faltas     recesse.
de luz quando há tempestades. Assoma igualmente                Não desapareceu nunca. As cadeias descobri-
no horizonte a energia solar, campo que da mesma         ram que para sobreviver tinham de entrar no negócio
forma vem sendo desbravado por empresas diversas         de supermercados. Isso significa a destruição em
daquelas que atualmente fornecem energia elétrica.       massa de seus enormes investimentos em pontos de
      Quem diz que as companhias de luz e força          esquina e dos sistemas adotados de distribuição e
não têm concorrências? Talvez representem hoje           comercialização. As empresas com “a coragem de
monopólios naturais; mas amanhã talvez sofram            suas convicções” mantiveram resolutamente a filo-
morte natural. Para evitar que isto aconteça, elas       sofia da mercearia da esquina. Ficaram com seu or-
também terão de criar pilhas e meios de aproveitar a     gulho, mas perderam a camisa.
energia solar e outras fontes de energia. Para pode-
rem sobreviver, elas próprias terão de tramar a obso-           CICLO AUTO-ILUSÓRIO
lescência daquilo que agora é seu ganha-pão.                    Mas a memória é curta. Para as pessoas que
                                                         hoje, confiantemente, saúdam os messias gêmeos da
      • Mercearias                                       eletrônica e da indústria química, é difícil, por e-
      Muita gente acha difícil acreditar que já houve    xemplo, imaginar que esses dois setores de desen-
um negócio florescente conhecido pelo nome de            volvimento “galopante” poderão ir mal. Provavel-
“armazém da esquina”. O supermercado tomou seu           mente tampouco poderiam imaginar como um ho-
lugar com poderosa eficiência. Contudo, as grandes       mem de negócios razoavelmente sensato poderia ter
cadeias de mercearias da década de 1930 escaparam        sido tão míope como foi o famoso milionário de
por um triz de serem completamente destruídas pela       Boston que, inadvertidamente, há cinqüenta anos,
expansão agressiva dos supermercados autônomos.          condenou seus herdeiros à pobreza ao determinar
O primeiro supermercado autêntico foi inaugurado         que todo o seu dinheiro fosse sempre aplicado ex-
em 1930 na localidade de Jamaica, em Long Island         clusivamente em títulos das companhias de bondes
(subúrbio de Nova York). Já em 1933 os supermer-         elétricos. Sua afirmação póstuma de que “sempre
cados floresciam na Califórnia. Ohio e Pensilvânia.      haverá uma grande demanda para transportes urba-
As antigas cadeias de mercearias, porém, arrogan-        nos eficientes” não serve de consolo para seus her-
temente os ignoravam. Quando decidiram tomar             deiros, que ganham a vida enchendo tanques de ga-
conhecimento deles, fizeram-no com expressões de         solina em postos de serviço.
escárnio, tais como “mixaria”, “coisas do tempo do              Não obstante, em rápido levantamento que fiz
onça”, “vendinhas do interior” e “oportunistas sem       recentemente num grupo de inteligentes empresá-
ética”.                                                  rios, quase a metade deles expressou a opinião de
      O diretor de uma das grandes cadeias declarou,     que seria difícil prejudicar seus herdeiros vinculando
em certa ocasião, que achava “difícil acreditar que as   seus bens permanentemente à indústria eletrônica.
pessoas percorram quilômetros em seus automóveis         Quando lhes apresentei o exemplo dos bondes de
para comprar gêneros alimentícios, sacrificando o        Boston, todos disseram em coro: “É diferente!” Mas
serviço pessoal que as cadeias aperfeiçoaram e aos       é mesmo? Basicamente, as duas situações não são
quais a Sra. Consumidora estava acostumada”. Em          iguais?
1936, os participantes da Convenção Nacional de                 Acredito que na verdade não exista o que se
Atacadistas de Secos e Molhados e a Associação de        chama de setor de rápida expansão. Há apenas com-
Merceeiros de Nova Jersey ainda afirmavam que            panhias organizadas e dirigidas de forma a aprovei-
nada havia a temer. Disseram então que o apelo           tar as oportunidades de expansão. As indústrias que
acreditam estar subindo pela escada rolante automá-       são tem uma história invejável. Conquanto haja al-
tica da expansão invariavelmente descem para a es-        guma apreensão, presentemente, com respeito ao seu
tagnação. A história de todos os negócios “de rápida      ritmo de desenvolvimento, à indústria mesma tende
expansão”, mortos ou moribundos, revela um ciclo          a ser otimista. Acredito, porém, que se possa de-
auto-ilusório de grande ascensão e queda desperce-        monstrar que ela está sofrendo uma mudança fun-
bida. Há quatro condições que em geral provocam           damental, embora típica. Não somente está deixando
este ciclo:                                               de ser um negócio de rápida expansão como pode
      1 – A crença de que o desenvolvimento é as-         até ser um setor em decadência, relativamente a ou-
segurado por uma população em crescimento e mais          tros. Embora haja ampla consciência do fato, creio
opulenta;                                                 que dentro de 25 anos a indústria do petróleo talvez
      2 – A crença de que não há substituto que pos-      venha a encontrar-se na mesma situação de um pas-
sa concorrer com o principal produto da indústria;        sado de glórias, em que estão agora as estradas de
      3 – Fé exagerada na produção em massa e nas         ferro. Apesar de suas atividades pioneiras no desen-
vantagens na queda rápida dos custos unitários, à         volvimento e aplicação do método de valor atual de
medida que aumenta a produção;                            avaliação de investimentos, em relação com os em-
      4 – A preocupação com um produto que se             pregados e no trabalho em países atrasados, o setor
presta à experimentação científica cuidadosamente         do petróleo constitui um exemplo contristador de
controlada, ao aperfeiçoamento e à redução dos cus-       como a fatuidade e a obstinação podem transformar
tos de fabricação.                                        uma boa oportunidade em quase uma catástrofe.
       Eu gostaria de começar a examinar com al-          Uma das características deste e de outros setores que
gum detalhe cada uma dessas condições. A fim de           muito acreditaram nas conseqüências benéficas de
argumentar de forma mais ousada possível, usarei          uma população em crescimento, sendo ao mesmo
como ilustração três setores: petróleo, automóveis e      tempo empreendimentos com um produto genérico
eletrônica. Falarei particularmente do petróleo por-      para o qual parecia não haver concorrente, é que
que abrange um número maior de anos e porque              cada companhia tem procurado sobrepor-se aos seus
passou por mais vicissitudes. Não somente esses três      competidores aperfeiçoando o que já está fazendo.
setores gozam de excelente reputação entre o públi-       Isto tem lógica, é claro, quando se parte do princípio
co em geral e também são alvo da confiança dos            de que as vendas estão ligadas a setores da popula-
investidores sofisticados, como ainda seus adminis-       ção do país, pois os clientes só podem comparar
tradores se tornaram conhecidos devido à sua menta-       produtos tomando característica por característica.
lidade progressista em diversos campos, tais como         Acredito ser significativo, por exemplo, que, desde
os de controle financeiro, pesquisas de produtos e        que John D. Rockefeller enviou lampiões a querose-
treinamento de dirigentes. Se a obsolescência é ca-       ne gratuitamente para a China, a indústria do petró-
paz de paralisar até essas indústrias, então pode o-      leo nada tenha feito de realmente extraordinário para
correr em qualquer outra.                                 criar um mercado para seu produto. As grandes con-
                                                          tribuições feitas pela própria indústria limitam-se à
      O MITO DA POPULAÇÃO                                 tecnologia da prospecção, produção e refino de pe-
      A crença de que os lucros são assegurados por       tróleo.
uma população em crescimento e mais opulenta é
profunda em todos os setores. Ela alivia as apreen-              PROCURANDO ENCRENCA
sões que todos temos, compreensivamente, com res-                Em outras palavras, esse setor tem concentra-
peito ao futuro. Se os consumidores se estão multi-       do seus esforços na melhora da eficiência na obten-
plicando e também usando mais nosso produto ou            ção e fabricação de seu produto e não verdadeira-
serviço, podemos encarar o futuro com muito maior         mente no aperfeiçoamento de seu produto genérico
sossego do que se o mercado se estivesse reduzindo.       ou sua comercialização. Mais ainda seu principal
Um mercado em expansão evita que o fabricante             produto tem sido continuamente definido com a ex-
tenha de se preocupar muito ou usar sua imaginação.       pressão mais acanhada possível, isto é, gasolina, em
Se o raciocínio é a reação intelectual a um problema,     lugar de energia, combustível ou transporte. Esta
então a ausência de problemas conduz à ausência de        atitude tem contribuído para que:
raciocínio. Se nosso produto conta com mercado em                - Os principais aperfeiçoamentos na qualida-
expansão automática, não nos precisamos preocupar         de da gasolina tendam a não ter origem na indús-
muito com a maneira de expandi-lo.                        tria do petróleo. Da mesma forma, o desenvolvimen-
      Um dos exemplos mais interessantes com refe-        to de sucedâneos de qualidade superior é feito fora
rência a este fato é o da indústria do petróleo. Prova-   da indústria do petróleo, como mostrarei mais adian-
velmente, nosso mais antigo setor de rápida expan-        te.
- As principais inovações no setor de Marke-       de alimentar os lampiões de todo o mundo deu ori-
ting de combustíveis para automóveis surjam em            gem a uma exagerada promessa de desenvolvimento.
companhias de petróleo pequenas e novas, cuja pre-        As perspectivas eram semelhantes às que existem
ocupação primordial não é a produção ou refino.           agora no setor com relação à gasolina em outras par-
Estas são as companhias responsáveis pelos postos         tes do mundo. Mal pode esperar que nas nações sub-
de gasolina com várias bombas, que se multiplicam         desenvolvidas passe a haver um carro em cada gara-
rapidamente, com sua ênfase bem sucedida em áreas         gem.
grandes e bem divididas, serviço rápido e eficiente e           Na época dos lampiões a querosene, as com-
gasolina de boa qualidade a preços baixos.                panhias concorriam entre si e contra o gás, procu-
       Assim sendo, a indústria do petróleo está pro-     rando melhorar as características do querosene com
curando encrenca, que virá de fora. Mais cedo ou          respeito à iluminação. De repente, o impossível a-
mais tarde, nesta terra de ávidos inventores e empre-     conteceu. Edison inventou uma lâmpada que não
sários, aparecerá com certeza uma ameaça. As pos-         dependia de forma alguma do óleo cru. Não fosse o
sibilidades de isto acontecer se tornarão mais            uso crescente de querosene em aquecedores de am-
evidentes quando passarmos à seguinte crença              biente, a lâmpada incandescente teria então acabado
perigosa de muitos administradores. Para que haja         completamente com o petróleo como setor de rápida
continuidade, já que esta segunda da crença está          expansão. O petróleo teria servido para pouco mais
estreitamente ligada à primeira, manterei o mesmo         do que graxa para eixos.
exemplo.                                                        - Depois vieram de novo a ruína e a salvação.
       INDISPENSABILIDADE                                 Ocorreram duas grandes inovações, nenhuma das
       A indústria do petróleo está perfeitamente         quais surgidas dentro do setor do petróleo. O desen-
convencida de que não há substituto que possa con-        volvimento bastante bem sucedido dos sistemas de
correr com seu principal produto, a gasolina; ou, se      calefação doméstica a carvão tornou o aquecedor de
houver, que continuará sendo um derivado do óleo          ambiente obsolescente. Enquanto perdia o equilíbrio,
cru, tal como é o óleo diesel ou o querosene para         o setor recebeu seu maior impulso de todos os tem-
jatos.                                                    pos ( o motor de combustão interna, também vindo
       Há uma grande dose de otimismo forçado nes-        de fora. E quando a prodigiosa expansão do consu-
ta remissa. O problema é que a maioria das compa-         mo de gasolina finalmente começou a estabilizar-se
nhias e refinação possuem enormes reservas de óleo        na década de 1920, surgiu como que por milagre o
cru. E estas só têm valor se houver um mercado para       aquecedor central a óleo cru. Mais uma vez, a salva-
os produtos em que pode ser transformado o petró-         ção viera de uma invenção e de uma conquista feitas
leo. Daí a crença obstinada na permanência da supe-       por pessoas estranhas ao setor. E quando o mercado
rioridade competitiva dos combustíveis para auto-         começo o contrário.
móveis, extraídos do óleo cru.
       Esta idéia persiste, a despeito de todas as pro-         ATRASO EM DETROIT
vas históricas em contrário. Essas provas mostram               Isto pode parecer uma regra elementar do co-
não somente que o petróleo nunca foi um produto de        mércio, mas não é por isso que deixa de ser infringi-
qualidade superior para qualquer fim durante muito        da constantemente. Com toda certeza, é mais infrin-
tempo como também que o respectivo setor nunca            gida do que seguida. Tomemos, por exemplo, a in-
foi realmente um negócio de rápida expansão. Foi          dústria automobilística:
uma sucessão de negócios diversos que atravessaram              Neste setor a produção em massa é mais famo-
os habituais ciclos históricos de crescimento, matu-      sa, mais respeitada e causa o maior impacto em toda
ridade e decadência. Sua sobrevivência geral se deve      a sociedade. Seu sucesso está ligado à absolutamente
a uma série de felizes coincidências, escapando mi-       indispensável mudança anual de modelo, política
lagrosamente da completa obsolescência ou, no úl-         que torna a orientação para o cliente uma premente
timo momento e por um fator inesperado, da ruína          necessidade. Em conseqüência, as empresas auto-
total.                                                    mobilísticas gastam anualmente milhões de dólares
                                                          em pesquisas junto aos consumidores. Todavia, o
      OS PERIGOS DO PETRÓLEO                              fato de que os novos carros compactos estão sendo
      Relatarei de forma sucinta apenas os principais     tão bem vendidos em seu primeiro ano de produção
episódios:                                                mostra que as amplas pesquisas de Detroit durante
      - Primeiro, o óleo cru era sobretudo um medi-       muito tempo deixaram de revelar o que os fregueses
camento popular. Mas antes mesmo de passar essa           realmente desejavam. Detroit não ficou convencida
“onda”, a procura aumentou grandemente com uso            de que eles queriam algo diferente do que lhes vinha
de óleo cru nos lampiões a querosene. A perspectiva
sendo oferecido até que perdeu milhões de fregueses     estreita de que o lucro vem essencialmente da pro-
para outros fabricantes de carros pequenos.             dução a baixo custo.
       Como pôde durar tanto este inacreditável atra-          O QUE FORD PÔS EM PRIMEIRO LU-
so no atendimento das necessidades dos consumido-       GAR
res? Por que as pesquisas não revelaram as preferên-           Os atrativos em matéria de lucro oferecidos
cias dos consumidores antes que as próprias decisões    pela produção em massa têm evidentemente seu lu-
destes últimos por ocasião de compra revelassem a       gar nos planos e na estratégia da administração de
verdadeira situação? Não é para isso que existem as     negócios, mas deve sempre seguir-se a uma preocu-
pesquisas ⎯ para descobrir o que vai acontecer an-      pação pelo cliente. Esta é uma das mais importantes
tes eu o fato aconteça? A resposta é que, na verdade,   lições que podemos tirar do comportamento contra-
Detroit jamais pesquisou as necessidades dos fre-       ditório de Henry Ford. De certa maneira, Ford foi ao
gueses. Somente pesquisou suas preferências entre       mesmo tempo o mais brilhante e o mais insensato
as coisas que já tinha decidido oferecer-lhes. Isso     negociante da história dos Estados Unidos. Foi in-
porque Detroit tem seu espírito voltado sobretudo       sensato porque se recusou a dar aos fregueses qual-
para o produto e não para o cliente. Admitindo o fato   quer coisa que não fosse um automóvel preto. Foi
de que o cliente tem necessidades que o fabricante      brilhante porque idealizou um sistema de produção
deve procurar atender, Detroit em geral age como se     destinado a atender as necessidades do mercado. Em
a questão pudesse ser completamente resolvida me-       geral nós o homenageamos por um motivo errado:
diante mudanças no produto. Uma vez ou outra o          seu gênio em matéria de produção. Na realidade, ele
financiamento também recebe atenção, mas isso faz       era um gênio em marketing. Acreditamos que ele
mais para vender do que para possibilitar a compra      conseguiu reduzir o preço de venda e assim vender
pelo freguês.                                           milhões de automóveis a 500 dólares cada um graças
       Quanto a atender outras necessidades do clien-   à sua invenção da linha de montagem de diminuía os
te, o que está sendo feito não é suficiente para se     custos. Na realidade, ele inventou a linha de monta-
poder escrever a respeito. As mais importantes das      gem porque concluíra que, a 500 dólares por unida-
necessidades não satisfeitas são ignoradas ou quando    de, ele poderia vender milhões de automóveis. A
muito são tratadas como enteadas. Reterem-se essas      produção em massa foi o resultado e não a causa dos
necessidades aos pontos de venda e aos serviços de      preços baixos.
conserto e manutenção dos veículos. Detroit consi-             Ford salientava constantemente este ponto,
dera de importância secundária tais necessidades.       mas uma nação de administradores de empresas ori-
Isso é evidenciado pelo fato de que as áreas de vare-   entados para a produção se recusa a aprender a lição
jo e manutenção da indústria automobilística não        que ele deu. Eis sua política de ação, em explicação
pertencem, não são geridas nem são controladas          sucinta dada por ele mesmo:
pelos fabricantes. Produzido o automóvel, as coisas            “Nossa política consiste em reduzir o preço,
ficam em grande parte nas mãos incapazes do re-         ampliar as atividades e melhorar o artigo. Note-se
vendedor. Representativo da atitude distante de De-     que a redução de preço vem em primeiro lugar.
troit é o fato de que embora a manutenção gere exce-    Nunca consideramos fixos quaisquer custos. Por
lentes oportunidades de vendas e de lucros, somente     isso, primeiro reduzimos o preço até o ponto em que
57 dos 7 mil revendedores Chevrolet têm atendimen-      acreditamos que haverá mais vendas. Então tratamos
to noturno.                                             de fixar esse preço, sem nos importar com os custos.
       Os proprietários de automóveis vêm manifes-      O novo preço força os custos a baixar. O procedi-
tando repetidamente sua insatisfação com respeito à     mento mais comum é calcular os custos e então de-
manutenção e seu receio de comprar outros carros        terminar o preço. Embora esse método possa ser
dentro do atual sistema de venda. As apreensões e       científico num sentido restrito, não é científico num
problemas que sofrem por ocasião da compra e na         sentido lato, pois de que serve saber o custo se ele
manutenção de seu automóvel são provavelmente           apenas lhe revela que você não pode fabricar o arti-
mais intensos e mais comuns hoje do que eram há         go a um preço ao qual possa ser vendido? Mais im-
trinta anos. No entanto, as companhias automobilís-     portante, porém, é o fato de que, embora se possa
ticas não parecem ouvir ou aceitar as sugestões dos     calcular um custo ⎯ e é claro que todos os nossos
consumidores angustiados. Se por acaso eles ouvem,      custos são cuidadosamente calculados ⎯, ninguém
deve ser através do filtro de suas próprias preocupa-   sabe qual deveria ser esse custo. Uma das formas de
ções com a produção. As atividades de marketing         descobrir (…) é estabelecer um preço tão baixo que
ainda são consideradas uma conseqüência necessária      força todos do lugar a chegar ao seu ponto máximo
do produto e não o contrário, como deveria ser. Isto    de eficiência. O preço baixo faz com que todo o
é herança da produção em massa, com sua noção           mundo lute para conseguir lucros. Fazemos mais
descobertas, relacionadas com a fabricação e venda,      quer combustíveis que melhor se adaptem às neces-
usando este método forçado do que com qualquer           sidades dos usuários, produzidos ou não de maneira
outro método de investigação despreocupada.” ‘           diferente e com outras matérias-primas que não se-
                                                         jam petróleo.
       PROVINCIANISMO DE PRODUTO                               Eis algumas das atividades a que companhias
       As tentadoras possibilidades de lucro através     estranhas ao setor do petróleo se vêm dedicando:
de baixos custos unitários de produção talvez repre-           • Mais e uma dúzia de empresas já possuem
sentem a mais séria das atitudes auto-ilusórias de       modelos avançados de sistemas de energia que, ao
que pode padecer uma companhia, particularmente          serem aperfeiçoados, substituirão o motor de com-
uma companhia “de rápida expansão”, na qual um           bustão interna e acabarão com a necessidade de se
aumento da procura aparentemente garantido já ten-       usar gasolina. O mérito maior de cada um desses
de a solapar uma preocupação adequada com a im-          sistemas é o fato de eliminar as freqüentes paradas
portância do marketing e dos clientes.                   para reabastecimento, que irritam e fazem perder
       A conseqüência habitual desta preocupação es-     tempo. A maioria desses sistemas consiste me pilhas
treita com as chamadas questões concretas é que, ao      idealizadas de forma a gerar eletricidade diretamente
invés de crescer, o negócio piora. Em geral significa    de produtos químicos, sem combustão. Em geral
que o produto não consegue adaptar-se aos padrões        usam produtos químicos não derivados do petróleo
constantemente modificados das necessidades e gos-       ⎯ quase sempre hidrogênio e oxigênio.
tos do consumidor, aos novos e diferentes processos            • Várias outras companhias têm modelos de
e práticas de marketing ou aos desenvolvimentos de       baterias elétricas destinadas a acionar automóveis.
produtos em setores concorrentes ou complementa-         Uma delas é uma fábrica de aviões, que vem traba-
res. O setor em questão está com a atenção tão con-      lhando conjuntamente com diversas empresas de
centrada em seu próprio produto específico que não       fornecimento de energia elétrica. Estas últimas espe-
consegue ver como ele se está tornando obsoleto.         ram poder usar sua capacidade geradora das horas
       O exemplo clássico é o da indústria de chico-     que não sejam de pico para fornecer a eletricidade
tes para carruagens. Não haveria aperfeiçoamento do      necessária para regenerar as baterias durante a noite,
produto que pudesse salvá-lo da condenação à mor-        quando são ligadas nas tomadas. Outra companhia,
te. Se, entretanto, esse negócio se tivesse definido     também interessada em desenvolver baterias, é uma
como parte do setor de transportes e não da indústria    firma de produtos eletrônicos de tamanho médio,
de chicotes para carruagens, talvez tivesse sobrevi-     com larga experiência em pequenas pilhas, que criou
vido. Teria feito aquilo que sempre acompanha a          em suas atividades ligadas a aparelhos para ouvido.
sobrevivência, isto é, teria mudado. Se tivesse pelo     Essa trabalha em colaboração com uma indústria
menos se definido como parte do setor de estimulan-      automobilística. Aperfeiçoamentos recentes, surgi-
tes ou catalisadores de uma fonte de energia, talvez     dos da necessidade de acumuladores miniaturizados
tivesse sobrevivido transformando-se em fabricante       de alta potência para uso em foguetes, tornam pró-
de, digamos, correias de ventilador ou purificadores     ximo o aparecimento de uma bateria relativamente
de ar.                                                   pequena, capaz de suporta grandes cargas ou eleva-
       O que poderá algum dia ser um exemplo mais        ções bruscas de tensão. A aplicação de diodos de
clássico é, voltando uma vez mais ao assunto, a in-      germânio e as baterias que utilizam chapas sinteriza-
dústria do petróleo. Tendo deixado que outros lhe        das e técnicas relacionadas com o níquel-cádmio
arrebatassem ótimas oportunidades (por exemplo:          prometem uma revolução em nossas fontes de ener-
gás natural, já mencionado, combustíveis para mís-       gia.
seis e lubrificantes para motores a jato), esperar-se-         • Os sistemas de conversão da energia solar
ia que esse setor tomasse providência para que isso      também vêm sendo alvo de atenção cada vez maior.
jamais voltasse a acontecer. Mas não é bem assim.        Um dirigente de indústria automobilística de Detroit
Está havendo no momento novas conquistas em sis-         geralmente cauteloso em suas afirmações, aventou
temas de combustíveis destinados especificamente a       recentemente a possibilidade de que até 1980 sejam
automóveis. Não somente essas conquistas estão           comuns os carros movidos a energia solar.
sendo feitas por firmas estranhas ao setor do petró-           Quanto às companhias de petróleo, estão mais
leo como este vem, quase sistematicamente, igno-         ou menos “observando os acontecimentos”, como
rando-as, plenamente satisfeito em seu firme apego       me disse um diretor de departamento de pesquisas.
ao produto. É a história do lampião a querosene con-     Algumas estão fazendo um pouco de pesquisas com
tra a lâmpada incandescente que se repete. A indús-      pilhas, mas limitando-se quase sempre a criar bateri-
tria do petróleo está procurando melhorar os com-        as alimentadas por hidrocarbonetos. Nenhuma se
bustíveis de hidrocarbonetos em vez de criar quais-      dedica com entusiasmo à pesquisa de pilhas, baterias
ou geradores solares. Nenhuma aplica em pesquisas,              Acabar completamente com sua impopularida-
nessas áreas extremamente importantes, sequer uma        de significa eliminá-lo. Ninguém gosta de coletor de
fração do que gasta em coisas corriqueiras, tais co-     impostos, nem mesmo daquele que seja jovial e sim-
mo a redução de depósitos na câmara de combustão         pático. Ninguém gosta de interromper uma viagem
dos motores a gasolina. Uma importante companhia         para comprar um produto fantasma, mesmo que
de petróleo de funcionamento integrado fez uma           quem o venda seja um famoso Adônis ou uma Vê-
rápida análise da questão das pilhas e concluiu que,     nus sedutora. Portanto, as companhias que vêm tra-
embora “as companhias que nela trabalham ativa-          balhando na descoberta de exóticos combustíveis
mente manifestem sua crença no sucesso final (…),        sucedâneos dos atuais estão indo diretamente para os
a ocasião e a magnitude de seu impacto estão por         braços abertos dos irritados motoristas. A consecu-
demais distantes para justificar o reconhecimento de     ção de seu objetivo é inevitável, não porque estejam
seu valor em nossas previsões”.                          criando algo que é tecnologicamente superior ou
      Poder-se-ia, é claro, perguntar: Por que deveri-   mais sofisticado, mas sim porque estão atendendo a
am as companhias de petróleo agir de maneira dife-       uma forte necessidade do cliente. Também estão
rente? As pilhas químicas, as baterias ou a energia      eliminando odores prejudiciais e a poluição do ar.
solar não acabariam com suas atuais linhas de                   Uma vez que reconheçam a lógica do atendi-
produtos? A resposta é que realmente acabariam. E        mento do cliente por outro sistema de energia, as
essa é exatamente a razão por que as empresas de         companhias e petróleo verão que nada lhes resta
petróleo deveriam construir essas unidades               senão trabalhar na descoberta de um combustível
fornecedoras de energia antes que seus concorrentes      eficiente e de longa duração (ou um meio de forne-
o façam, para que não se transformem em                  cer os atuais combustíveis sem aborrecer os motoris-
companhias pertencentes a um setor inexistente.          tas), como as grandes cadeias de mercearias tiveram
      Seus administradores tenderiam a fazer aquilo      de transformar-se em supermercados e os fabricantes
que é necessário para sua própria preservação se se      de válvulas precisaram passar a fazer semiconduto-
considerassem como parte do setor de energia. Mas        res. Em seu próprio benefício, as companhias de
nem isso seria suficiente, se insistissem em manter-     petróleo terão de destruir seus próprios bens, que
se imobilizados pelas garras apertadas de sua taca-      lhes têm proporcionado lucros tão elevados. Não há
nha orientação para o produto. Devem eles conside-       otimismo com respeito ao futuro que as livre da ne-
rar sua tarefa o atendimento das necessidades dos        cessidade de praticar esta forma de “destruição cria-
clientes e não a prospecção, o refino e mesmo a ven-     tiva”.
da de petróleo. Uma vez que a direção de uma em-                Saliento tanto esta necessidade por acreditar
presa considere verdadeiramente sua tarefa atender       que os administradores precisam fazer um esforço
às necessidades de transportes do povo, ninguém          muito grande para libertar-se das formas convencio-
poderá impedi-la de criar sua própria expansão, ex-      nais. Nos dias que correm, é muito fácil para uma
traordinariamente lucrativa.                             companhia ou um setor de atividade deixar que seu
                                                         senso de objetivo seja dominado pela economia da
      “DESTRUIÇÃO CRIATIVA”                              produção total, dando origem a uma orientação para
      Como as palavras custam pouco e as ações           o produto perigosamente desequilibrada. Em resu-
muito, talvez convenha mostrar o que implica e a         mo, se os administradores agem sem plena consci-
que conduz este raciocínio. Vamos iniciar pelo co-       ência do que está acontecendo, tendem invariavel-
meço ⎯ o cliente. Pode-se demonstrar que quem            mente a considerar-se pessoas empenhadas em pro-
dirige automóvel detesta o aborrecimento e a perda       duzir bens e serviços e não em atender clientes.
de tempo que acarreta a necessidade de comprar           Conquanto não cheguem ao extremo de dizer aos
gasolina. Na verdade não compramos gasolina. Não         seus vendedores: “Vocês coloquem a mercadoria;
podemos vê-la, nem prová-la, nem senti-la no tato,       nós nos preocupamos com os lucros”, podem, sem
nem avaliá-la, nem experimentá-la realmente. O que       saber, estar precisamente pondo em prática um mé-
compramos é o direito de continuar a dirigir nossos      todo de paulatina decadência. O destino histórico de
carros. O posto de gasolina é como um coletor de         muitos e muitos setores de rápida expansão tem sido
impostos a quem somo obrigados a pagar uma taxa          seu provincianismo suicida em matéria de produto.
periódica para uso de nossos carros. Isto torna o pos-
to de gasolina uma instituição essencialmente impo-            PESQUISAS E DESENVOLVIMENTO
pular. Jamais poderá tornar-se popular ou agradável,           Outro grande perigo para o desenvolvimento
mas somente menos impopular, menos desagradá-            constante de uma firma surge quando a cúpula ad-
vel.                                                     ministrativa fica totalmente paralisada pelas possibi-
                                                         lidades de lucro oferecidas pelas pesquisas e desen-
volvimento técnico. Como ilustração, citarei primei-     quinas, tubos de ensaio, linhas de produção e mesmo
ro uma nova indústria ⎯ a eletrônica ⎯ e depois          balanços. As abstrações para as quais se sentem in-
voltarei a falar uma vez mais das companhias de          clinados são aquelas que podem ser p
petróleo. Comparando um novo exemplo com outro                  ostas à prova ou manipuladas no laboratório;
já conhecido, espero salientar a difusão e o caráter     ou, se não puderem ser submetidas a provas, que
insidioso de uma maneira perigosa de pensar.             sejam funcionais, como é o caso dos axiomas de
                                                         Euclides. Em resumo, os administradores das novas
       “MARKETING” FRAUDADO                              e fascinantes companhias de rápida expansão ten-
       No caso da eletrônica, o maior perigo com que     dem a ter preferência por essas atividades que se
se defrontam as novas e fascinantes companhias do        prestam a cuidadoso estudo, experimentação e con-
setor não é o fato de não darem bastante atenção às      trole, os quais representam a realidade concreta e
atividades de pesquisa e desenvolvimento, mas sim        prática do laboratório, da oficina, dos livros.
por lhes darem atenção demais. E pouco importa, no              Ficam fraudadas as realidades do mercado. Os
caso o fato de que as companhias eletrônicas que se      consumidores são imprevisíveis, variáveis, volúveis,
desenvolvem mais rapidamente devem sua posição           estúpidos, míopes, teimosos e em geral maçantes.
de destaque à muita ênfase que dão às pesquisas          Não é isso o que dizem os engenheiros-
técnicas. Elas saltaram para uma situação de abun-       administradores, mas bem no fundo é isso que eles
dância aproveitando a inesperada onda de uma re-         pensam. E isso explica o fato de eles se concentra-
ceptividade geral singularmente forte a novas idéias     rem naquilo que sabem e que podem controlar, ou
técnicas. Além disso, seu êxito iniciou-se no merca-     seja, a pesquisa, engineering e fabricação do produ-
do praticamente garantido dos subsídios militares e      to. A ênfase na produção se torna particularmente
graças aos pedidos de origem militar, que em muitos      atraente quando o produto pode ser fabricado a cus-
casos precedem mesmo a existência de instalação          tos unitários cada vez menores. Não há forma mais
para a fabricação dos produtos. Sua expansão, em         convidativa de ganhar dinheiro do que pelo funcio-
outras palavras, realizou-se quase sem nenhuma ati-      namento da fábrica a todo vapor.
vidade de marketing.                                            Presentemente, a orientação desequilibrada
       Essas companhias vêm-se desenvolvendo, as-        com ênfase na ciência, engineering e produção de
sim, em condições perigosamente próximas da ilu-         tantas indústrias eletrônicas vêm funcionando razoa-
são de que um produto de qualidade superior se ven-      velmente bem porque estão explorando novas áreas
derá por si só. Tendo criado uma companhia bem           nas quais as Forças Armadas desbravaram mercados
sucedida pela fabricação de um produto superior,         praticamente garantidos. Essas empresas se encon-
não é de causar surpresa que seus dirigentes conti-      tram na agradável situação de precisar prover e não
nuem a ter o espírito voltado mais para o produto do     na de encontrar mercados: de não precisar descobrir
que para as pessoas que o consomem. Surge assim a        o que o freguês necessita e quer, mas atender às suas
filosofia de que o crescimento constante é uma ques-     novas demandas específicas, por ele reveladas es-
tão de contínua inovação e aperfeiçoamento do pro-       pontaneamente. Se uma equipe de consultores tives-
duto.                                                    se sido incumbida especificamente de idealizar uma
       Vários outros fatores contribuem para fortale-    situação comercial calculada de forma a evitar o
cer a manter essa crença:                                aparecimento e desenvolvimento de uma posição,
       1 – Porque os produtos eletrônicos são alta-      em marketing, orientada para o cliente, não poderia
mente complexos e sofisticados surge um desequilí-       Ter produzido nada melhor do que as condições que
brio entre a administração e os engenheiros e cientis-   acabo de descrever.
tas. Isto dá origem a uma predisposição em favor da
pesquisa e da produção, em detrimento das ativida-              TRATAMENTO DE ENTEADO
des de marketing. A organização tende a acreditar               A indústria do petróleo é um notável exemplo
que sua tarefa é fabricar coisas e não satisfazer às     de como ciência, a tecnologia e a produção em mas-
necessidades dos clientes. O marketing é tratado         sa podem desviar todo um grupo de companhias de
como uma atividade residual, “outra coisa”, que pre-     sua principal tarefa. Admitindo-se que o consumidor
cisa ser feita depois de executada a função vital de     seja de qualquer forma estudado (o que não é mui-
criação e fabricação do produto.                         to), o ponto central é sempre a obtenção de informa-
       2 – A esta predisposição em favor da pesquisa,    ções destinadas a ajudar as companhias e petróleo a
desenvolvimento e fabricação do produto acrescen-        melhorar o que agora estão fazendo. Elas procuram
ta-se a predisposição em favor das variáveis contro-     descobrir temas de publicidade mais convincentes,
láveis. Os engenheiros e cientistas sentem-se “em        campanhas de promoção de vendas mais eficientes,
casa” no mundo de coisas concretas, tais como má-        qual a participação no mercado das diversas empre-
sas, o de que o povo gosta ou não gosta com respeito      é mais provável e evidencia sua condição de entea-
aos postos de serviço e companhias de petróleo e          do).
assim por diante. Ao procurar proporcionar satisfa-              A ordem na qual são relacionadas as quatro á-
ção ao cliente, ninguém parece estar tão interessado      reas funcionais também trai a alienação da indústria
em aprofundar-se no conhecimento das necessidades         relativamente ao consumidor. Nela está implícito
básicas do homem que o setor poderia tentar atender,      que suas atividades começam com a prospecção de
quanto em aprofundar-se no conhecimento das pro-          petróleo e terminam com a distribuição a partir da
priedades básicas da matéria-prima com a qual             refinaria. A verdade, porém, segundo me parece, é
trabalham as companhias.                                  que essas atividades começam com necessidade que
       Raramente se fazem perguntas básicas referen-      o consumidor tem de tais produtos. Dessa posição
tes a fregueses e mercados. Os últimos têm condição       fundamental deve-se retroceder para áreas de impor-
de enteado. Reconhece-se que existem, que precisam        tância cada vez menor, até parar, finalmente, na
ser cuidados, mas não que merecem muita preocu-           “prospecção de petróleo”.
pação ou desvelada atenção. Ninguém se impressio-
na tanto com os fregueses que são seus vizinhos co-              COMEÇO E FIM
mo com o petróleo eu existe no Deserto do Saara.                 É de importância capital a compreensão por
Nada ilustra melhor a situação de abandono do mar-        todos os empresários de que um setor de atividade
keting do que o tratamento que lhe tem sido dado          representa um processo de atendimento do cliente e
nos órgãos de divulgação do setor.                        não de produção de bens. Qualquer indústria começa
       A edição do centenário da American Petro-          com o freguês e suas necessidades; não como uma
leum Institute Quarterly em 1959 para comemorar a         patente, matéria-prima ou habilidade para vender.
descoberta de petróleo em Titusville, Estado da Pen-      Partindo das necessidades do freguês, a indústria se
silvânia, continha 21 matérias que proclamavam a          desenvolve de trás para diante, preocupando-se pri-
grandeza do setor. Somente uma delas falava das           meiro com a conversão física da satisfação do clien-
realizações no campo de marketing e era apenas uma        te. Retrocede, depois, um pouco mais, criando as
reportagem ilustrada sobre a evolução da arquitetura      coisas pelas quais essa satisfação é em parte conse-
dos postos de serviço. A edição continha também           guida. A maneira pela qual essas coisas são criadas é
uma seção especial sobre “Novos Horizontes”, des-         indiferente para o freguês, de onde se infere que a
tinada a mostrar o papel magnífico que o petróleo         forma particular de fabricação, industrialização ou o
desempenharia no futuro dos Estados Unidos. O tom         que quer que seja não pode ser considerado um as-
era de exuberante otimismo, não se dando a entender       pecto vital do negócio. Finalmente, retrocede-se
uma vez sequer que o petróleo poderia ter algum           ainda um pouco mais para encontrar as matérias-
forte competidor. Até mesmo a referência feita à          primas necessárias para a fabricação dos produtos.
energia atômica era um animado relato de como o                  O que há de irônico em algumas indústrias ori-
petróleo colaboraria para que a energia atômica ti-       entadas para a pesquisa e o desenvolvimento técnico
vesse êxito. Não havia nenhuma preocupação de que         é que os cientistas que ocupam os altos cargos exe-
a opulência da indústria do petróleo pudesse ser a-       cutivos nada têm de científicos quando definem as
meaçada ou qualquer indício de que um dos “novos          necessidades e objetivos gerais de suas companhias.
horizontes” poderia conter novas e melhores formas        Eles violam as duas primeiras regras do método ci-
de servir os atuais fregueses do petróleo.                entífico de ação: Ter consciência e definir os pro-
       Mas o exemplo mais revelador do tratamento         blemas de suas companhias e, depois aventar hipóte-
de enteado, dado ao marketing, era outra série espe-      ses verificáveis para sua solução. Eles têm espírito
cial de pequenos artigos sobre “O Potencial Revolu-       científico somente naquilo que for cômodo, tais co-
cionário da Eletrônica”. Sob esse título geral, apare-    mo experiências de laboratório e com produtos. A
cia no índice a seguinte lista de artigos:                razão pela qual o cliente (e, com ele, o atendimento
       • “Na Prospecção de Petróleo”.                     de suas mais fortes necessidades) não é considerado
       • “Nas Operações de Produção”.                     “o problema” não é por se acreditar que tal problema
       • “Nos Processos de Refino”.                       não existe, mas sim porque uma vida inteira de or-
       • “Nas Operações com Oleodutos”.                   ganização condicionou os administradores a ficarem
       É significativo o fato de que estão relacionadas   sempre voltados para o outro lado. O marketing é
todas as principais áreas funcionais do setor, exceto     um enteado.
a de marketing. Por que? Ou se acredita que na ele-              Não quero dizer que a parte de vendas é igno-
trônica não há potencial revolucionário para o mar-       rada. Longe disso. Mas vendas, repito, não é marke-
keting de petróleo (o que é obviamente errado) ou os      ting. Conforme já assinalei, a parte de vendas se
redatores se esqueceram de incluir essa parte (o que      preocupa com os truques e as técnicas de fazer com
que as pessoas troquem seu dinheiro por um produ-       deslocam suavemente pelo ar a 3.000 metros de alti-
to. Não se preocupa com os valores aos quais diz        tude, transportando cem cidadãos de juízo perfeito,
respeito a troca. E, ao contrário do que invariavel-    que se distraem bebendo Martini. Idéias como essa
mente faz o marketing, não vê no conjunto das ativi-    representaram rudes golpes contra as estradas de
dades comerciais um esforço global para descobrir,      ferro.
criar, suscitar e atender às necessidades dos fregue-          O que, especificamente, devem fazer outras
ses. O freguês é alguém que está “lá adiante” e que,    companhias para não ter esse fim? Em que consiste a
mediante um golpe bem dado, pode abrir mão de seu       orientação para o cliente? Estas perguntas foram
dinheirinho.                                            respondidas em parte pelos exemplos e análise pre-
       Na realidade, nem mesmo a parte de vendas é      cedentes. Seria necessário outro artigo para mostrar
alvo de muita atenção em algumas firmas de espírito     com detalhe o que é necessário em setores específi-
tecnológico. Por haver um mercado praticamente          cos. De qualquer maneira, é evidente que a formação
garantido para o escoamento abundante de seus no-       de uma companhia com eficiente orientação para o
vos produtos, na verdade elas nem sabem bem o que       cliente exige muito mais do que boas intenções ou
é um mercado. É como se elas fizessem parte de          truques promocionais; exige o conhecimento pro-
uma economia planejada, mandando seus produtos          fundo de questões de organização humana e lideran-
rotineiramente da fábrica para o varejo. A concen-      ça. Por enquanto, permitam-me dar apenas uma idéia
tração de seus esforços nos produtos, sempre bem        de alguns requisitos gerais.
sucedida, tende a convencê-las do acerto de sua ati-
tude, sem conseguir ver que sobre o mercado come-             SENSAÇÃO PROFUNDA DE GRANDE-
çam a formar-se nuvens negras.                          ZA
                                                               Obviamente, a companhia precisa fazer o que
       CONCLUSÃO                                        exige a necessidade de sobrevivência. Precisa adap-
       Há menos de 75 anos, as estradas de ferro a-     tar-se às exigências do mercado e o mais cedo que
mericanas gozavam de uma profunda lealdade de           puder. Mas a mera sobrevivência é uma aspiração
parte dos astutos freqüentadores da Wall Street. Mo-    medíocre. Qualquer um pode sobreviver de uma
narcas europeus nelas investiam muito dinheiro.         forma ou de outra: até mesmo um vagabundo das
Acreditava-se que teriam eterna riqueza todos aque-     sarjetas. A vantagem é sobreviver galantemente, é
les que pudessem amealhar alguns milhares de dóla-      sentir a emoção intensa da maestria comercial; não
res para aplicá-los em ações das ferrovias. Nenhum      sentir apenas o odor agradável do sucesso, mas ex-
outro meio de transporte poderia competir com as        perimentar a sensação profunda de grandeza empre-
estradas de ferro em velocidade, flexibilidade, dura-   sarial. Nenhuma organização pode atingir a grandeza
bilidade, economia e potencial de desenvolvimento.      sem um líder vigoroso que é impelido para a frente
Disse a respeito Jacques Barzun: “Na passagem do        por sua vibrante vontade de vencer. Ele deve ter uma
século, era uma instituição, uma imagem do homem,       visão de grandiosidade, visão que possa atrair arden-
uma tradição, um código de honra, uma fonte de          tes seguidores em enormes quantidades. No mundo
poesia, uma sementeira dos sonhos da infância, um       dos negócios, os seguidores são os clientes. Para
brinquedo sublime e a mais solene das máquinas ⎯        atrair esses clientes, toda a empresa deve ser consi-
depois do carro fúnebre ⎯ que marcam as épocas          derada um organismo destinado a criar e atender a
da vida de um homem.”                                   clientela. A administração não deve julgar que sua
       Mesmo depois do advento dos automóveis,          tarefa é fabricar produtos, mas sim proporcionar as
caminhões e aviões, os magnatas das estradas de         satisfações que angariam cliente. Deve propagar esta
ferro permaneciam imperturbavelmente seguros de         idéia (e tudo que ela significa e exige) por todos os
si. Se há sessenta anos alguém lhe dissesse que no      cantos da organização. Deve fazer isto sem parar,
prazo de trinta anos estariam arruinados, sem um        com vontade, de forma a excitar e estimular as pes-
tostão no bolso, implorando subvenções do governo,      soas que nela se encontram. Se assim não for feito, a
pensariam estar falando com um louco completo.          companhia não passará de uma série de comparti-
Tal futuro simplesmente não era considerado possí-      mentos, sem um fortalecedor senso de objetivo e
vel. Não era sequer um assunto que se pudesse dis-      direção.
cutir, uma pergunta que se pudesse fazer ou uma                Em resumo, a organização precisa aprender a
questão que uma pessoa em são juízo consideraria        considerar sua função, não a produção de bens ou
merecedora de especulação. Só pensar nisso já era       serviços, mas a aquisição de clientes, a realização de
uma demonstração de insanidade. Contudo, muitas         coisas que levarão as pessoas a querer trabalhar com
idéias loucas têm agora aceitação normal, como por      ela. Ao próprio dirigente máximo cabe obrigatoria-
exemplo a de tubos de metal de 100 toneladas que se     mente a responsabilidade pela criação deste ambien-
te, deste ponto de vista, desta atitude, desta aspira-
ção. Ele próprio deve lançar o estilo da companhia,
sua orientação e suas metas. Isto significa que ele
precisa saber exatamente para onde ele mesmo dese-
ja ir, assegurando-se de que a organização toda este-
ja entusiasmadamente ciente disso. Este é um dos
primeiros requisitos da liderança, pois, a menos que
ele saiba para onde está indo, qualquer caminho o
conduzirá a esse local.
       Se servir qualquer caminho, então o dirigente
máximo da empresa pode muito bem arrumar sua
pasta e ir pescar. Se uma organização não souber ou
não tiver interesse em saber para onde está indo, não
precisa fazer propaganda desse fato com um chefe
protocolar. Todos perceberão depressa.



        Fonte: Biblioteca da Universidade de Har-
vard.

Mais conteúdo relacionado

Semelhante a Miopia original

Levit 1960 miopia em marketing
Levit 1960 miopia em marketingLevit 1960 miopia em marketing
Levit 1960 miopia em marketingDaniela Duarte
 
PCBM - Kodak - CASE.pdf marketing administrativo do
PCBM - Kodak - CASE.pdf marketing administrativo doPCBM - Kodak - CASE.pdf marketing administrativo do
PCBM - Kodak - CASE.pdf marketing administrativo doLarissaWendySantos
 
As Orientações Estratégicas da Inovação em Produtos Populares
As Orientações Estratégicas da Inovação em Produtos Populares As Orientações Estratégicas da Inovação em Produtos Populares
As Orientações Estratégicas da Inovação em Produtos Populares Mario Nascimento
 
A era da revolução - Teodore Levitt, um marco histórico na era do novo marketing
A era da revolução - Teodore Levitt, um marco histórico na era do novo marketingA era da revolução - Teodore Levitt, um marco histórico na era do novo marketing
A era da revolução - Teodore Levitt, um marco histórico na era do novo marketingMirna Sales
 
Artigo - Kodak: Uma Morte Anunciada
Artigo - Kodak: Uma Morte AnunciadaArtigo - Kodak: Uma Morte Anunciada
Artigo - Kodak: Uma Morte AnunciadaCaput Consultoria
 
Trabalho caso kodak
Trabalho caso kodakTrabalho caso kodak
Trabalho caso kodakInesOli
 
2. implicações da concorrência perfeita
2. implicações da concorrência perfeita2. implicações da concorrência perfeita
2. implicações da concorrência perfeitaCarlos da Cruz
 
Fordismo e concorrência oligopolista
Fordismo e concorrência oligopolistaFordismo e concorrência oligopolista
Fordismo e concorrência oligopolistaMarcel Gois
 
Conceito Inovacao Disruptiva
Conceito Inovacao DisruptivaConceito Inovacao Disruptiva
Conceito Inovacao DisruptivaRafael Clemente
 
A civilização industrial - História 11ºano
A civilização industrial - História 11ºanoA civilização industrial - História 11ºano
A civilização industrial - História 11ºanoRaQuel Oliveira
 
A Estratégia do Oceano Azul.pdf.pdf
A Estratégia do Oceano Azul.pdf.pdfA Estratégia do Oceano Azul.pdf.pdf
A Estratégia do Oceano Azul.pdf.pdfZOOTECNIA HOLISTICA
 
Makers - The New Industrial Revolution
Makers - The New Industrial RevolutionMakers - The New Industrial Revolution
Makers - The New Industrial RevolutionCAOS Focado
 

Semelhante a Miopia original (20)

Miopia em Marketing
Miopia em MarketingMiopia em Marketing
Miopia em Marketing
 
A miopia em marketing
A miopia em marketingA miopia em marketing
A miopia em marketing
 
Levit 1960 miopia em marketing
Levit 1960 miopia em marketingLevit 1960 miopia em marketing
Levit 1960 miopia em marketing
 
Inovação E Espírito Empreendedor
Inovação E  Espírito  EmpreendedorInovação E  Espírito  Empreendedor
Inovação E Espírito Empreendedor
 
PCBM - Kodak - CASE.pdf marketing administrativo do
PCBM - Kodak - CASE.pdf marketing administrativo doPCBM - Kodak - CASE.pdf marketing administrativo do
PCBM - Kodak - CASE.pdf marketing administrativo do
 
As Orientações Estratégicas da Inovação em Produtos Populares
As Orientações Estratégicas da Inovação em Produtos Populares As Orientações Estratégicas da Inovação em Produtos Populares
As Orientações Estratégicas da Inovação em Produtos Populares
 
A era da revolução - Teodore Levitt, um marco histórico na era do novo marketing
A era da revolução - Teodore Levitt, um marco histórico na era do novo marketingA era da revolução - Teodore Levitt, um marco histórico na era do novo marketing
A era da revolução - Teodore Levitt, um marco histórico na era do novo marketing
 
Artigo - Kodak: Uma Morte Anunciada
Artigo - Kodak: Uma Morte AnunciadaArtigo - Kodak: Uma Morte Anunciada
Artigo - Kodak: Uma Morte Anunciada
 
Trabalho caso kodak
Trabalho caso kodakTrabalho caso kodak
Trabalho caso kodak
 
Artigo Mkt Global Nike
Artigo Mkt Global NikeArtigo Mkt Global Nike
Artigo Mkt Global Nike
 
2. implicações da concorrência perfeita
2. implicações da concorrência perfeita2. implicações da concorrência perfeita
2. implicações da concorrência perfeita
 
Exer 6.2 gepit
Exer 6.2   gepitExer 6.2   gepit
Exer 6.2 gepit
 
Fordismo e concorrência oligopolista
Fordismo e concorrência oligopolistaFordismo e concorrência oligopolista
Fordismo e concorrência oligopolista
 
Aula6 Cauda Longa E Economia Da Colaboracao Catia Lassalvia 28 4 08
Aula6 Cauda Longa E Economia Da Colaboracao  Catia Lassalvia 28 4 08Aula6 Cauda Longa E Economia Da Colaboracao  Catia Lassalvia 28 4 08
Aula6 Cauda Longa E Economia Da Colaboracao Catia Lassalvia 28 4 08
 
Conceito Inovacao Disruptiva
Conceito Inovacao DisruptivaConceito Inovacao Disruptiva
Conceito Inovacao Disruptiva
 
A civilização industrial - História 11ºano
A civilização industrial - História 11ºanoA civilização industrial - História 11ºano
A civilização industrial - História 11ºano
 
A Estratégia do Oceano Azul.pdf.pdf
A Estratégia do Oceano Azul.pdf.pdfA Estratégia do Oceano Azul.pdf.pdf
A Estratégia do Oceano Azul.pdf.pdf
 
Matriz Mckinsey
Matriz MckinseyMatriz Mckinsey
Matriz Mckinsey
 
Makers - The New Industrial Revolution
Makers - The New Industrial RevolutionMakers - The New Industrial Revolution
Makers - The New Industrial Revolution
 
Cauda Longa
Cauda LongaCauda Longa
Cauda Longa
 

Miopia original

  • 1. MIOPIA EM MARKETING Theodore Levitt Harvard Business Review – jul/ago/1960 A visão curta de muitas empresas, que as impede de definir a- dequadamente suas possibilidades de mercado, é o tema deste artigo ⎯ verdadeiro clássico da literatura especializada. Theodore Levitt é professor de Administração de empresas na Escola de Administração de Empresas da Universidade de Harvard. Autor de numerosos artigos sobre temas econômicos, políticos de adminis- tração de empresas e de marketing, inclusive deste premiado e célebre Mi- opia em Marketing, publicado na Harvard Business Review; ganhador, por quatro vezes, do Prêmio McKinsey para artigos da Harvard Business Revi- ew; ganhador do prêmio da Academia de Administração de Empresas, atri- buído aos mais importantes livros de negócios do ano, em 1972, com Inno- vation in Marketing; ganhador do Prêmio John Hancok de Excelência em Jornalismo de Negócios, em 1969; ganhador do Prêmio Charles Coolidge Partin para “O Homem de Marketing do Ano”, em 1970. Todo setor de atividade importante já foi em cinematográficas tiveram que passar por drástica alguma ocasião um “setor de rápida expansão”. Al- reorganização. Algumas simplesmente desaparece- guns setores que agora atravessam uma onda de en- ram. Todas ficaram em dificuldades não por causa tusiasmo expansionista estão, contudo, sob a ameaça da invasão da TV, mas devido à sua própria miopia. da decadência. Outros, tidos como setores de rápida Como no caso das ferrovias, Hollywood não soube expansão em fase de amadurecimento, na realidade definir corretamente seu ramo de negócio. Julgava pararam de crescer. Em todos os casos, a razão pela estar no setor cinematográfico, quando na realidade qual o desenvolvimento é ameaçado, retardado ou seu setor era o de entretenimento. “Cinema” impli- detido não é porque o mercado está saturado. É por- cava um produto específico, limitado. Isto produzia que houve uma falha administrativa. uma satisfação ilusória, que desde o início levou os produtores de filmes a encarar a televisão como uma PROPÓSITOS FATÍDICOS ameaça. Hollywood desdenhou da televisão e rejei- A falha está na cúpula. Os diretores responsá- tou-a, quando deveria tê-la acolhido com agrado, veis por ela são, em última análise, aqueles que se como uma nova oportunidade ⎯ uma oportunidade ocupam das metas e diretrizes de maior amplitude, de expandir o setor do entretenimento. Assim: Hoje a televisão representa um negócio maior • As estradas de ferro não pararam de desen- do que foi, em qualquer época, a indústria cinemato- volver-se porque se reduziu a necessidade de trans- gráfica, tacanhamente definida. Se Hollywood se porte de passageiros e carga. Isso aumentou. As fer- tivesse preocupado com o cliente (fornecendo entre- rovias estão presentemente em dificuldades não por- tenimento) e não com um produto (fazendo filmes). que essa necessidade passou a ser atendida por ou- Teria passado pelas dificuldades financeiras pelas tros (automóveis, caminhões, aviões e até telefones), quais passou? Duvido. O que no fim salvou Holly- mas sim porque não foi atendida pelas próprias es- wood e determinou seu recente renascimento foi a tradas de ferro. Elas deixaram que outros lhes tiras- onda de novos e jovens roteiristas, produtores e dire- sem seus clientes por se considerarem empresas fer- tores, cujo êxito obtido anteriormente na televisão roviárias, em vez de companhias de transporte. A liquidou as velhas empresas cinematográficas e der- razão pela qual erraram na definição de seu ramo foi rubou seus grandes nomes. estarem com o espírito voltado para o setor ferroviá- Há outros exemplos menos patentes de negó- rio e não para o setor de transportes; preocupavam- cios que arriscaram ou arriscam agora seu futuro por se com o produto em vez de se preocuparem com o definirem impropriamente seus objetivos. Mais adi- cliente. ante discutirei detalhadamente alguns deles e anali- • Hollywood por pouco não foi totalmente ar- sarei as diretrizes que causaram os problemas. Por rasada pela televisão. Todas as antigas empresas ora talvez seja interessante mostrar o que uma admi-
  • 2. nistração com o espírito totalmente voltado para o de transporte muito mais importante do que em geral cliente pode fazer para manter em desenvolvimento se acredita). um setor de rápida expansão, mesmo depois de esgo- O que falta às estradas de ferro não é oportu- tadas as oportunidades óbvias, mediante a apresenta- nidade, mas sim um pouco de engenhosidade e au- ção de dois exemplos há muito conhecidos. São eles dácia administrativa que as engrandeceram. Até um o nylom e o vidro, representados especificamente amador como Jacques Barzum é capaz de ver o que por E. I. DuPont de Nemours & Company e Corning está faltando! Glass Works. “Dói-me ver a organização material e social Ambas essas companhias são dotadas de gran- mais avançada do século passado afundar em igno- de capacidade técnica. Sua orientação para o produto minioso desprestígio por falta de ampla imaginação é indiscutível. Mas isto por si só não explica seu que a construiu. O que está faltando é a vontade das sucesso. Afinal, quem é que, orgulhosamente, tinha companhias de sobreviver e de atender ao público o espírito mais voltado para o produto e com ele com engenhosidade e habilidade.” mais se preocupava do que as antigas indústrias têx- teis da Nova Inglaterra, que foram tão completamen- AMEAÇA DE OBSOLESCÊNCIA te massacradas? As DuPonts e as Cornings foram É impossível mencionar-se um único setor in- bem sucedidas sobretudo não por causa de sua orien- dustrial de importância que em alguma época não tação para o produto e as pesquisas mas porque tam- tenha merecido a designação mágica de “setor de bém se preocuparam intensamente com o cliente. É rápida expansão”. Em todos os casos, a força de que um constante estado de alerta para oportunidades de o setor estava dotado residia na superioridade aplicar seu Know-how técnico, na criação de usos inigualável de seu produto. Parecia nada haver que o capazes de satisfazer às necessidades do cliente, que substituísse efetivamente. Ele mesmo era um substi- explica a quantidade prodigiosa de novos produtos tuto bem superior do produto cujo lugar no mercado que colocam com êxito no mercado. Não fosse uma havia vitoriosamente ocupado. Contudo, uma após observação aguda do cliente, estaria errada a escolha outra, todas essa famosas indústrias passaram a ser da maior parte desses produtos, e nada adiantando alvo de uma ameaça. Examinemos rapidamente al- seus métodos de venda. gumas delas escolhendo desta vez exemplos que até O alumínio também continua sendo um setor o momento têm recebido pouca atenção: de rápida expansão, graças aos esforços envidados por duas companhias fundadas no tempo da guerra e • Lavagem a seco que se lançaram, deliberadamente, à criação de nos Foi outrora um setor de rápida expansão que usos que satisfizessem às necessidades do cliente. oferecia as mais animadoras perspectivas. Numa Sem a Kaiser Aluminium & Chemical Corporation e época em que se usava muita roupa de lã, imagine o a Reynolds Metals Company, a atual demanda de que foi a possibilidade de, afinal, lavá-la com segu- alumínio seria muitíssimo menor do que é. rança a facilidade. Foi um verdadeiro “estouro”. No entanto, passados trinta anos desse “estou- ERRO DE ANÁLISE ro”, a indústria da lavagem a seco se encontra em Alguns poderiam argumentar que é tolice dificuldade. De onde veia a concorrência? De um comparar o caso das estradas de ferro com o alumí- método de lavagem melhor? Não. Veio das fibras nio ou o do cinema com o do vidro. O alumínio e o sintéticas e dos aditivos químicos, que fizeram dimi- vidro não são por natureza tão versáteis que suas nuir a necessidade de se recorrer à lavagem a seco. respectivas indústrias têm forçosamente de ter mais Mas não é só isso. Uma mágica poderosa ⎯ o ul- oportunidades de expansão do que as estradas de trassom ⎯ espreita os acontecimentos, pronta para ferro e o cinema? Este ponto de vista leva exatamen- tornar a lavagem química a seco totalmente obsole- te ao erro de que tenho falado. Ele define uma indús- ta. tria ou um produto ou uma soma de conhecimento de forma tão tacanha que acaba determinando seu • Energia elétrica envelhecimento prematuro. Quando falamos de “es- É outro produto supostamente “sem sucedâ- tradas de ferro” devemos estar certos de que na ver- neo” coloca num pedestal de irresistível expansão. dade nos referimos a “transportes”. Como transpor- Quando apareceu a lâmpada incandescente, acaba- tadoras, as ferrovias ainda têm muita possibilidade ram os lampiões a querosene. Depois a roda de água de substancial desenvolvimento. Não ficam assim e a máquina a vapor foram reduzidas a trapos pela limitadas ao setor ferroviário (muito embora, em flexibilidade, eficiência, simplicidade e a própria minha opinião, o trem seja potencialmente, um meio facilidade de se construírem motores elétricos. As empresas de energia elétrica continuam nadando em
  • 3. prosperidade, enquanto os lares se transformam em mesquinho dos supermercados ao comprador inte- verdadeiros museus de engenhocas movidas a eletri- ressado no preço limitava a expansão do seu merca- cidade. Como se pode errar investindo nessas em- do. Eles tinham de ir procurar seus fregueses num presas, que não têm pela frente concorrência nem raio de vários quilômetros em torno de suas lojas. nada, a não ser sua própria expansão? Quando aparecessem os imitadores, haveria liquida- Mas, examinando-se melhor a situação, a im- ções por atacado, à medida que caísse o movimento. pressão que se tem não é tão agradável. Cerca de O grande volume de vendas dos supermercados era vinte companhias de natureza diversa estão bem atribuído em parte à novidade que representavam. adiantadas na construção de uma potente pilha quí- Basicamente, o povo queria mercearias localizadas a mica, que poderia ficar num armário escondido em pequenas distâncias. Se as lojas do bairro “cooperas- cada casa, emitindo silenciosamente energia elétrica. sem com seus fornecedores prestassem atenção às Os fios elétricos que tornam vulgares tantas partes despesas e melhorassem o serviço”, teriam sido ca- da cidade serão eliminados. Como o serão também pazes de agüentar a concorrência até que ela desapa- os intermináveis esburacamentos das ruas e as faltas recesse. de luz quando há tempestades. Assoma igualmente Não desapareceu nunca. As cadeias descobri- no horizonte a energia solar, campo que da mesma ram que para sobreviver tinham de entrar no negócio forma vem sendo desbravado por empresas diversas de supermercados. Isso significa a destruição em daquelas que atualmente fornecem energia elétrica. massa de seus enormes investimentos em pontos de Quem diz que as companhias de luz e força esquina e dos sistemas adotados de distribuição e não têm concorrências? Talvez representem hoje comercialização. As empresas com “a coragem de monopólios naturais; mas amanhã talvez sofram suas convicções” mantiveram resolutamente a filo- morte natural. Para evitar que isto aconteça, elas sofia da mercearia da esquina. Ficaram com seu or- também terão de criar pilhas e meios de aproveitar a gulho, mas perderam a camisa. energia solar e outras fontes de energia. Para pode- rem sobreviver, elas próprias terão de tramar a obso- CICLO AUTO-ILUSÓRIO lescência daquilo que agora é seu ganha-pão. Mas a memória é curta. Para as pessoas que hoje, confiantemente, saúdam os messias gêmeos da • Mercearias eletrônica e da indústria química, é difícil, por e- Muita gente acha difícil acreditar que já houve xemplo, imaginar que esses dois setores de desen- um negócio florescente conhecido pelo nome de volvimento “galopante” poderão ir mal. Provavel- “armazém da esquina”. O supermercado tomou seu mente tampouco poderiam imaginar como um ho- lugar com poderosa eficiência. Contudo, as grandes mem de negócios razoavelmente sensato poderia ter cadeias de mercearias da década de 1930 escaparam sido tão míope como foi o famoso milionário de por um triz de serem completamente destruídas pela Boston que, inadvertidamente, há cinqüenta anos, expansão agressiva dos supermercados autônomos. condenou seus herdeiros à pobreza ao determinar O primeiro supermercado autêntico foi inaugurado que todo o seu dinheiro fosse sempre aplicado ex- em 1930 na localidade de Jamaica, em Long Island clusivamente em títulos das companhias de bondes (subúrbio de Nova York). Já em 1933 os supermer- elétricos. Sua afirmação póstuma de que “sempre cados floresciam na Califórnia. Ohio e Pensilvânia. haverá uma grande demanda para transportes urba- As antigas cadeias de mercearias, porém, arrogan- nos eficientes” não serve de consolo para seus her- temente os ignoravam. Quando decidiram tomar deiros, que ganham a vida enchendo tanques de ga- conhecimento deles, fizeram-no com expressões de solina em postos de serviço. escárnio, tais como “mixaria”, “coisas do tempo do Não obstante, em rápido levantamento que fiz onça”, “vendinhas do interior” e “oportunistas sem recentemente num grupo de inteligentes empresá- ética”. rios, quase a metade deles expressou a opinião de O diretor de uma das grandes cadeias declarou, que seria difícil prejudicar seus herdeiros vinculando em certa ocasião, que achava “difícil acreditar que as seus bens permanentemente à indústria eletrônica. pessoas percorram quilômetros em seus automóveis Quando lhes apresentei o exemplo dos bondes de para comprar gêneros alimentícios, sacrificando o Boston, todos disseram em coro: “É diferente!” Mas serviço pessoal que as cadeias aperfeiçoaram e aos é mesmo? Basicamente, as duas situações não são quais a Sra. Consumidora estava acostumada”. Em iguais? 1936, os participantes da Convenção Nacional de Acredito que na verdade não exista o que se Atacadistas de Secos e Molhados e a Associação de chama de setor de rápida expansão. Há apenas com- Merceeiros de Nova Jersey ainda afirmavam que panhias organizadas e dirigidas de forma a aprovei- nada havia a temer. Disseram então que o apelo tar as oportunidades de expansão. As indústrias que
  • 4. acreditam estar subindo pela escada rolante automá- são tem uma história invejável. Conquanto haja al- tica da expansão invariavelmente descem para a es- guma apreensão, presentemente, com respeito ao seu tagnação. A história de todos os negócios “de rápida ritmo de desenvolvimento, à indústria mesma tende expansão”, mortos ou moribundos, revela um ciclo a ser otimista. Acredito, porém, que se possa de- auto-ilusório de grande ascensão e queda desperce- monstrar que ela está sofrendo uma mudança fun- bida. Há quatro condições que em geral provocam damental, embora típica. Não somente está deixando este ciclo: de ser um negócio de rápida expansão como pode 1 – A crença de que o desenvolvimento é as- até ser um setor em decadência, relativamente a ou- segurado por uma população em crescimento e mais tros. Embora haja ampla consciência do fato, creio opulenta; que dentro de 25 anos a indústria do petróleo talvez 2 – A crença de que não há substituto que pos- venha a encontrar-se na mesma situação de um pas- sa concorrer com o principal produto da indústria; sado de glórias, em que estão agora as estradas de 3 – Fé exagerada na produção em massa e nas ferro. Apesar de suas atividades pioneiras no desen- vantagens na queda rápida dos custos unitários, à volvimento e aplicação do método de valor atual de medida que aumenta a produção; avaliação de investimentos, em relação com os em- 4 – A preocupação com um produto que se pregados e no trabalho em países atrasados, o setor presta à experimentação científica cuidadosamente do petróleo constitui um exemplo contristador de controlada, ao aperfeiçoamento e à redução dos cus- como a fatuidade e a obstinação podem transformar tos de fabricação. uma boa oportunidade em quase uma catástrofe. Eu gostaria de começar a examinar com al- Uma das características deste e de outros setores que gum detalhe cada uma dessas condições. A fim de muito acreditaram nas conseqüências benéficas de argumentar de forma mais ousada possível, usarei uma população em crescimento, sendo ao mesmo como ilustração três setores: petróleo, automóveis e tempo empreendimentos com um produto genérico eletrônica. Falarei particularmente do petróleo por- para o qual parecia não haver concorrente, é que que abrange um número maior de anos e porque cada companhia tem procurado sobrepor-se aos seus passou por mais vicissitudes. Não somente esses três competidores aperfeiçoando o que já está fazendo. setores gozam de excelente reputação entre o públi- Isto tem lógica, é claro, quando se parte do princípio co em geral e também são alvo da confiança dos de que as vendas estão ligadas a setores da popula- investidores sofisticados, como ainda seus adminis- ção do país, pois os clientes só podem comparar tradores se tornaram conhecidos devido à sua menta- produtos tomando característica por característica. lidade progressista em diversos campos, tais como Acredito ser significativo, por exemplo, que, desde os de controle financeiro, pesquisas de produtos e que John D. Rockefeller enviou lampiões a querose- treinamento de dirigentes. Se a obsolescência é ca- ne gratuitamente para a China, a indústria do petró- paz de paralisar até essas indústrias, então pode o- leo nada tenha feito de realmente extraordinário para correr em qualquer outra. criar um mercado para seu produto. As grandes con- tribuições feitas pela própria indústria limitam-se à O MITO DA POPULAÇÃO tecnologia da prospecção, produção e refino de pe- A crença de que os lucros são assegurados por tróleo. uma população em crescimento e mais opulenta é profunda em todos os setores. Ela alivia as apreen- PROCURANDO ENCRENCA sões que todos temos, compreensivamente, com res- Em outras palavras, esse setor tem concentra- peito ao futuro. Se os consumidores se estão multi- do seus esforços na melhora da eficiência na obten- plicando e também usando mais nosso produto ou ção e fabricação de seu produto e não verdadeira- serviço, podemos encarar o futuro com muito maior mente no aperfeiçoamento de seu produto genérico sossego do que se o mercado se estivesse reduzindo. ou sua comercialização. Mais ainda seu principal Um mercado em expansão evita que o fabricante produto tem sido continuamente definido com a ex- tenha de se preocupar muito ou usar sua imaginação. pressão mais acanhada possível, isto é, gasolina, em Se o raciocínio é a reação intelectual a um problema, lugar de energia, combustível ou transporte. Esta então a ausência de problemas conduz à ausência de atitude tem contribuído para que: raciocínio. Se nosso produto conta com mercado em - Os principais aperfeiçoamentos na qualida- expansão automática, não nos precisamos preocupar de da gasolina tendam a não ter origem na indús- muito com a maneira de expandi-lo. tria do petróleo. Da mesma forma, o desenvolvimen- Um dos exemplos mais interessantes com refe- to de sucedâneos de qualidade superior é feito fora rência a este fato é o da indústria do petróleo. Prova- da indústria do petróleo, como mostrarei mais adian- velmente, nosso mais antigo setor de rápida expan- te.
  • 5. - As principais inovações no setor de Marke- de alimentar os lampiões de todo o mundo deu ori- ting de combustíveis para automóveis surjam em gem a uma exagerada promessa de desenvolvimento. companhias de petróleo pequenas e novas, cuja pre- As perspectivas eram semelhantes às que existem ocupação primordial não é a produção ou refino. agora no setor com relação à gasolina em outras par- Estas são as companhias responsáveis pelos postos tes do mundo. Mal pode esperar que nas nações sub- de gasolina com várias bombas, que se multiplicam desenvolvidas passe a haver um carro em cada gara- rapidamente, com sua ênfase bem sucedida em áreas gem. grandes e bem divididas, serviço rápido e eficiente e Na época dos lampiões a querosene, as com- gasolina de boa qualidade a preços baixos. panhias concorriam entre si e contra o gás, procu- Assim sendo, a indústria do petróleo está pro- rando melhorar as características do querosene com curando encrenca, que virá de fora. Mais cedo ou respeito à iluminação. De repente, o impossível a- mais tarde, nesta terra de ávidos inventores e empre- conteceu. Edison inventou uma lâmpada que não sários, aparecerá com certeza uma ameaça. As pos- dependia de forma alguma do óleo cru. Não fosse o sibilidades de isto acontecer se tornarão mais uso crescente de querosene em aquecedores de am- evidentes quando passarmos à seguinte crença biente, a lâmpada incandescente teria então acabado perigosa de muitos administradores. Para que haja completamente com o petróleo como setor de rápida continuidade, já que esta segunda da crença está expansão. O petróleo teria servido para pouco mais estreitamente ligada à primeira, manterei o mesmo do que graxa para eixos. exemplo. - Depois vieram de novo a ruína e a salvação. INDISPENSABILIDADE Ocorreram duas grandes inovações, nenhuma das A indústria do petróleo está perfeitamente quais surgidas dentro do setor do petróleo. O desen- convencida de que não há substituto que possa con- volvimento bastante bem sucedido dos sistemas de correr com seu principal produto, a gasolina; ou, se calefação doméstica a carvão tornou o aquecedor de houver, que continuará sendo um derivado do óleo ambiente obsolescente. Enquanto perdia o equilíbrio, cru, tal como é o óleo diesel ou o querosene para o setor recebeu seu maior impulso de todos os tem- jatos. pos ( o motor de combustão interna, também vindo Há uma grande dose de otimismo forçado nes- de fora. E quando a prodigiosa expansão do consu- ta remissa. O problema é que a maioria das compa- mo de gasolina finalmente começou a estabilizar-se nhias e refinação possuem enormes reservas de óleo na década de 1920, surgiu como que por milagre o cru. E estas só têm valor se houver um mercado para aquecedor central a óleo cru. Mais uma vez, a salva- os produtos em que pode ser transformado o petró- ção viera de uma invenção e de uma conquista feitas leo. Daí a crença obstinada na permanência da supe- por pessoas estranhas ao setor. E quando o mercado rioridade competitiva dos combustíveis para auto- começo o contrário. móveis, extraídos do óleo cru. Esta idéia persiste, a despeito de todas as pro- ATRASO EM DETROIT vas históricas em contrário. Essas provas mostram Isto pode parecer uma regra elementar do co- não somente que o petróleo nunca foi um produto de mércio, mas não é por isso que deixa de ser infringi- qualidade superior para qualquer fim durante muito da constantemente. Com toda certeza, é mais infrin- tempo como também que o respectivo setor nunca gida do que seguida. Tomemos, por exemplo, a in- foi realmente um negócio de rápida expansão. Foi dústria automobilística: uma sucessão de negócios diversos que atravessaram Neste setor a produção em massa é mais famo- os habituais ciclos históricos de crescimento, matu- sa, mais respeitada e causa o maior impacto em toda ridade e decadência. Sua sobrevivência geral se deve a sociedade. Seu sucesso está ligado à absolutamente a uma série de felizes coincidências, escapando mi- indispensável mudança anual de modelo, política lagrosamente da completa obsolescência ou, no úl- que torna a orientação para o cliente uma premente timo momento e por um fator inesperado, da ruína necessidade. Em conseqüência, as empresas auto- total. mobilísticas gastam anualmente milhões de dólares em pesquisas junto aos consumidores. Todavia, o OS PERIGOS DO PETRÓLEO fato de que os novos carros compactos estão sendo Relatarei de forma sucinta apenas os principais tão bem vendidos em seu primeiro ano de produção episódios: mostra que as amplas pesquisas de Detroit durante - Primeiro, o óleo cru era sobretudo um medi- muito tempo deixaram de revelar o que os fregueses camento popular. Mas antes mesmo de passar essa realmente desejavam. Detroit não ficou convencida “onda”, a procura aumentou grandemente com uso de que eles queriam algo diferente do que lhes vinha de óleo cru nos lampiões a querosene. A perspectiva
  • 6. sendo oferecido até que perdeu milhões de fregueses estreita de que o lucro vem essencialmente da pro- para outros fabricantes de carros pequenos. dução a baixo custo. Como pôde durar tanto este inacreditável atra- O QUE FORD PÔS EM PRIMEIRO LU- so no atendimento das necessidades dos consumido- GAR res? Por que as pesquisas não revelaram as preferên- Os atrativos em matéria de lucro oferecidos cias dos consumidores antes que as próprias decisões pela produção em massa têm evidentemente seu lu- destes últimos por ocasião de compra revelassem a gar nos planos e na estratégia da administração de verdadeira situação? Não é para isso que existem as negócios, mas deve sempre seguir-se a uma preocu- pesquisas ⎯ para descobrir o que vai acontecer an- pação pelo cliente. Esta é uma das mais importantes tes eu o fato aconteça? A resposta é que, na verdade, lições que podemos tirar do comportamento contra- Detroit jamais pesquisou as necessidades dos fre- ditório de Henry Ford. De certa maneira, Ford foi ao gueses. Somente pesquisou suas preferências entre mesmo tempo o mais brilhante e o mais insensato as coisas que já tinha decidido oferecer-lhes. Isso negociante da história dos Estados Unidos. Foi in- porque Detroit tem seu espírito voltado sobretudo sensato porque se recusou a dar aos fregueses qual- para o produto e não para o cliente. Admitindo o fato quer coisa que não fosse um automóvel preto. Foi de que o cliente tem necessidades que o fabricante brilhante porque idealizou um sistema de produção deve procurar atender, Detroit em geral age como se destinado a atender as necessidades do mercado. Em a questão pudesse ser completamente resolvida me- geral nós o homenageamos por um motivo errado: diante mudanças no produto. Uma vez ou outra o seu gênio em matéria de produção. Na realidade, ele financiamento também recebe atenção, mas isso faz era um gênio em marketing. Acreditamos que ele mais para vender do que para possibilitar a compra conseguiu reduzir o preço de venda e assim vender pelo freguês. milhões de automóveis a 500 dólares cada um graças Quanto a atender outras necessidades do clien- à sua invenção da linha de montagem de diminuía os te, o que está sendo feito não é suficiente para se custos. Na realidade, ele inventou a linha de monta- poder escrever a respeito. As mais importantes das gem porque concluíra que, a 500 dólares por unida- necessidades não satisfeitas são ignoradas ou quando de, ele poderia vender milhões de automóveis. A muito são tratadas como enteadas. Reterem-se essas produção em massa foi o resultado e não a causa dos necessidades aos pontos de venda e aos serviços de preços baixos. conserto e manutenção dos veículos. Detroit consi- Ford salientava constantemente este ponto, dera de importância secundária tais necessidades. mas uma nação de administradores de empresas ori- Isso é evidenciado pelo fato de que as áreas de vare- entados para a produção se recusa a aprender a lição jo e manutenção da indústria automobilística não que ele deu. Eis sua política de ação, em explicação pertencem, não são geridas nem são controladas sucinta dada por ele mesmo: pelos fabricantes. Produzido o automóvel, as coisas “Nossa política consiste em reduzir o preço, ficam em grande parte nas mãos incapazes do re- ampliar as atividades e melhorar o artigo. Note-se vendedor. Representativo da atitude distante de De- que a redução de preço vem em primeiro lugar. troit é o fato de que embora a manutenção gere exce- Nunca consideramos fixos quaisquer custos. Por lentes oportunidades de vendas e de lucros, somente isso, primeiro reduzimos o preço até o ponto em que 57 dos 7 mil revendedores Chevrolet têm atendimen- acreditamos que haverá mais vendas. Então tratamos to noturno. de fixar esse preço, sem nos importar com os custos. Os proprietários de automóveis vêm manifes- O novo preço força os custos a baixar. O procedi- tando repetidamente sua insatisfação com respeito à mento mais comum é calcular os custos e então de- manutenção e seu receio de comprar outros carros terminar o preço. Embora esse método possa ser dentro do atual sistema de venda. As apreensões e científico num sentido restrito, não é científico num problemas que sofrem por ocasião da compra e na sentido lato, pois de que serve saber o custo se ele manutenção de seu automóvel são provavelmente apenas lhe revela que você não pode fabricar o arti- mais intensos e mais comuns hoje do que eram há go a um preço ao qual possa ser vendido? Mais im- trinta anos. No entanto, as companhias automobilís- portante, porém, é o fato de que, embora se possa ticas não parecem ouvir ou aceitar as sugestões dos calcular um custo ⎯ e é claro que todos os nossos consumidores angustiados. Se por acaso eles ouvem, custos são cuidadosamente calculados ⎯, ninguém deve ser através do filtro de suas próprias preocupa- sabe qual deveria ser esse custo. Uma das formas de ções com a produção. As atividades de marketing descobrir (…) é estabelecer um preço tão baixo que ainda são consideradas uma conseqüência necessária força todos do lugar a chegar ao seu ponto máximo do produto e não o contrário, como deveria ser. Isto de eficiência. O preço baixo faz com que todo o é herança da produção em massa, com sua noção mundo lute para conseguir lucros. Fazemos mais
  • 7. descobertas, relacionadas com a fabricação e venda, quer combustíveis que melhor se adaptem às neces- usando este método forçado do que com qualquer sidades dos usuários, produzidos ou não de maneira outro método de investigação despreocupada.” ‘ diferente e com outras matérias-primas que não se- jam petróleo. PROVINCIANISMO DE PRODUTO Eis algumas das atividades a que companhias As tentadoras possibilidades de lucro através estranhas ao setor do petróleo se vêm dedicando: de baixos custos unitários de produção talvez repre- • Mais e uma dúzia de empresas já possuem sentem a mais séria das atitudes auto-ilusórias de modelos avançados de sistemas de energia que, ao que pode padecer uma companhia, particularmente serem aperfeiçoados, substituirão o motor de com- uma companhia “de rápida expansão”, na qual um bustão interna e acabarão com a necessidade de se aumento da procura aparentemente garantido já ten- usar gasolina. O mérito maior de cada um desses de a solapar uma preocupação adequada com a im- sistemas é o fato de eliminar as freqüentes paradas portância do marketing e dos clientes. para reabastecimento, que irritam e fazem perder A conseqüência habitual desta preocupação es- tempo. A maioria desses sistemas consiste me pilhas treita com as chamadas questões concretas é que, ao idealizadas de forma a gerar eletricidade diretamente invés de crescer, o negócio piora. Em geral significa de produtos químicos, sem combustão. Em geral que o produto não consegue adaptar-se aos padrões usam produtos químicos não derivados do petróleo constantemente modificados das necessidades e gos- ⎯ quase sempre hidrogênio e oxigênio. tos do consumidor, aos novos e diferentes processos • Várias outras companhias têm modelos de e práticas de marketing ou aos desenvolvimentos de baterias elétricas destinadas a acionar automóveis. produtos em setores concorrentes ou complementa- Uma delas é uma fábrica de aviões, que vem traba- res. O setor em questão está com a atenção tão con- lhando conjuntamente com diversas empresas de centrada em seu próprio produto específico que não fornecimento de energia elétrica. Estas últimas espe- consegue ver como ele se está tornando obsoleto. ram poder usar sua capacidade geradora das horas O exemplo clássico é o da indústria de chico- que não sejam de pico para fornecer a eletricidade tes para carruagens. Não haveria aperfeiçoamento do necessária para regenerar as baterias durante a noite, produto que pudesse salvá-lo da condenação à mor- quando são ligadas nas tomadas. Outra companhia, te. Se, entretanto, esse negócio se tivesse definido também interessada em desenvolver baterias, é uma como parte do setor de transportes e não da indústria firma de produtos eletrônicos de tamanho médio, de chicotes para carruagens, talvez tivesse sobrevi- com larga experiência em pequenas pilhas, que criou vido. Teria feito aquilo que sempre acompanha a em suas atividades ligadas a aparelhos para ouvido. sobrevivência, isto é, teria mudado. Se tivesse pelo Essa trabalha em colaboração com uma indústria menos se definido como parte do setor de estimulan- automobilística. Aperfeiçoamentos recentes, surgi- tes ou catalisadores de uma fonte de energia, talvez dos da necessidade de acumuladores miniaturizados tivesse sobrevivido transformando-se em fabricante de alta potência para uso em foguetes, tornam pró- de, digamos, correias de ventilador ou purificadores ximo o aparecimento de uma bateria relativamente de ar. pequena, capaz de suporta grandes cargas ou eleva- O que poderá algum dia ser um exemplo mais ções bruscas de tensão. A aplicação de diodos de clássico é, voltando uma vez mais ao assunto, a in- germânio e as baterias que utilizam chapas sinteriza- dústria do petróleo. Tendo deixado que outros lhe das e técnicas relacionadas com o níquel-cádmio arrebatassem ótimas oportunidades (por exemplo: prometem uma revolução em nossas fontes de ener- gás natural, já mencionado, combustíveis para mís- gia. seis e lubrificantes para motores a jato), esperar-se- • Os sistemas de conversão da energia solar ia que esse setor tomasse providência para que isso também vêm sendo alvo de atenção cada vez maior. jamais voltasse a acontecer. Mas não é bem assim. Um dirigente de indústria automobilística de Detroit Está havendo no momento novas conquistas em sis- geralmente cauteloso em suas afirmações, aventou temas de combustíveis destinados especificamente a recentemente a possibilidade de que até 1980 sejam automóveis. Não somente essas conquistas estão comuns os carros movidos a energia solar. sendo feitas por firmas estranhas ao setor do petró- Quanto às companhias de petróleo, estão mais leo como este vem, quase sistematicamente, igno- ou menos “observando os acontecimentos”, como rando-as, plenamente satisfeito em seu firme apego me disse um diretor de departamento de pesquisas. ao produto. É a história do lampião a querosene con- Algumas estão fazendo um pouco de pesquisas com tra a lâmpada incandescente que se repete. A indús- pilhas, mas limitando-se quase sempre a criar bateri- tria do petróleo está procurando melhorar os com- as alimentadas por hidrocarbonetos. Nenhuma se bustíveis de hidrocarbonetos em vez de criar quais- dedica com entusiasmo à pesquisa de pilhas, baterias
  • 8. ou geradores solares. Nenhuma aplica em pesquisas, Acabar completamente com sua impopularida- nessas áreas extremamente importantes, sequer uma de significa eliminá-lo. Ninguém gosta de coletor de fração do que gasta em coisas corriqueiras, tais co- impostos, nem mesmo daquele que seja jovial e sim- mo a redução de depósitos na câmara de combustão pático. Ninguém gosta de interromper uma viagem dos motores a gasolina. Uma importante companhia para comprar um produto fantasma, mesmo que de petróleo de funcionamento integrado fez uma quem o venda seja um famoso Adônis ou uma Vê- rápida análise da questão das pilhas e concluiu que, nus sedutora. Portanto, as companhias que vêm tra- embora “as companhias que nela trabalham ativa- balhando na descoberta de exóticos combustíveis mente manifestem sua crença no sucesso final (…), sucedâneos dos atuais estão indo diretamente para os a ocasião e a magnitude de seu impacto estão por braços abertos dos irritados motoristas. A consecu- demais distantes para justificar o reconhecimento de ção de seu objetivo é inevitável, não porque estejam seu valor em nossas previsões”. criando algo que é tecnologicamente superior ou Poder-se-ia, é claro, perguntar: Por que deveri- mais sofisticado, mas sim porque estão atendendo a am as companhias de petróleo agir de maneira dife- uma forte necessidade do cliente. Também estão rente? As pilhas químicas, as baterias ou a energia eliminando odores prejudiciais e a poluição do ar. solar não acabariam com suas atuais linhas de Uma vez que reconheçam a lógica do atendi- produtos? A resposta é que realmente acabariam. E mento do cliente por outro sistema de energia, as essa é exatamente a razão por que as empresas de companhias e petróleo verão que nada lhes resta petróleo deveriam construir essas unidades senão trabalhar na descoberta de um combustível fornecedoras de energia antes que seus concorrentes eficiente e de longa duração (ou um meio de forne- o façam, para que não se transformem em cer os atuais combustíveis sem aborrecer os motoris- companhias pertencentes a um setor inexistente. tas), como as grandes cadeias de mercearias tiveram Seus administradores tenderiam a fazer aquilo de transformar-se em supermercados e os fabricantes que é necessário para sua própria preservação se se de válvulas precisaram passar a fazer semiconduto- considerassem como parte do setor de energia. Mas res. Em seu próprio benefício, as companhias de nem isso seria suficiente, se insistissem em manter- petróleo terão de destruir seus próprios bens, que se imobilizados pelas garras apertadas de sua taca- lhes têm proporcionado lucros tão elevados. Não há nha orientação para o produto. Devem eles conside- otimismo com respeito ao futuro que as livre da ne- rar sua tarefa o atendimento das necessidades dos cessidade de praticar esta forma de “destruição cria- clientes e não a prospecção, o refino e mesmo a ven- tiva”. da de petróleo. Uma vez que a direção de uma em- Saliento tanto esta necessidade por acreditar presa considere verdadeiramente sua tarefa atender que os administradores precisam fazer um esforço às necessidades de transportes do povo, ninguém muito grande para libertar-se das formas convencio- poderá impedi-la de criar sua própria expansão, ex- nais. Nos dias que correm, é muito fácil para uma traordinariamente lucrativa. companhia ou um setor de atividade deixar que seu senso de objetivo seja dominado pela economia da “DESTRUIÇÃO CRIATIVA” produção total, dando origem a uma orientação para Como as palavras custam pouco e as ações o produto perigosamente desequilibrada. Em resu- muito, talvez convenha mostrar o que implica e a mo, se os administradores agem sem plena consci- que conduz este raciocínio. Vamos iniciar pelo co- ência do que está acontecendo, tendem invariavel- meço ⎯ o cliente. Pode-se demonstrar que quem mente a considerar-se pessoas empenhadas em pro- dirige automóvel detesta o aborrecimento e a perda duzir bens e serviços e não em atender clientes. de tempo que acarreta a necessidade de comprar Conquanto não cheguem ao extremo de dizer aos gasolina. Na verdade não compramos gasolina. Não seus vendedores: “Vocês coloquem a mercadoria; podemos vê-la, nem prová-la, nem senti-la no tato, nós nos preocupamos com os lucros”, podem, sem nem avaliá-la, nem experimentá-la realmente. O que saber, estar precisamente pondo em prática um mé- compramos é o direito de continuar a dirigir nossos todo de paulatina decadência. O destino histórico de carros. O posto de gasolina é como um coletor de muitos e muitos setores de rápida expansão tem sido impostos a quem somo obrigados a pagar uma taxa seu provincianismo suicida em matéria de produto. periódica para uso de nossos carros. Isto torna o pos- to de gasolina uma instituição essencialmente impo- PESQUISAS E DESENVOLVIMENTO pular. Jamais poderá tornar-se popular ou agradável, Outro grande perigo para o desenvolvimento mas somente menos impopular, menos desagradá- constante de uma firma surge quando a cúpula ad- vel. ministrativa fica totalmente paralisada pelas possibi- lidades de lucro oferecidas pelas pesquisas e desen-
  • 9. volvimento técnico. Como ilustração, citarei primei- quinas, tubos de ensaio, linhas de produção e mesmo ro uma nova indústria ⎯ a eletrônica ⎯ e depois balanços. As abstrações para as quais se sentem in- voltarei a falar uma vez mais das companhias de clinados são aquelas que podem ser p petróleo. Comparando um novo exemplo com outro ostas à prova ou manipuladas no laboratório; já conhecido, espero salientar a difusão e o caráter ou, se não puderem ser submetidas a provas, que insidioso de uma maneira perigosa de pensar. sejam funcionais, como é o caso dos axiomas de Euclides. Em resumo, os administradores das novas “MARKETING” FRAUDADO e fascinantes companhias de rápida expansão ten- No caso da eletrônica, o maior perigo com que dem a ter preferência por essas atividades que se se defrontam as novas e fascinantes companhias do prestam a cuidadoso estudo, experimentação e con- setor não é o fato de não darem bastante atenção às trole, os quais representam a realidade concreta e atividades de pesquisa e desenvolvimento, mas sim prática do laboratório, da oficina, dos livros. por lhes darem atenção demais. E pouco importa, no Ficam fraudadas as realidades do mercado. Os caso o fato de que as companhias eletrônicas que se consumidores são imprevisíveis, variáveis, volúveis, desenvolvem mais rapidamente devem sua posição estúpidos, míopes, teimosos e em geral maçantes. de destaque à muita ênfase que dão às pesquisas Não é isso o que dizem os engenheiros- técnicas. Elas saltaram para uma situação de abun- administradores, mas bem no fundo é isso que eles dância aproveitando a inesperada onda de uma re- pensam. E isso explica o fato de eles se concentra- ceptividade geral singularmente forte a novas idéias rem naquilo que sabem e que podem controlar, ou técnicas. Além disso, seu êxito iniciou-se no merca- seja, a pesquisa, engineering e fabricação do produ- do praticamente garantido dos subsídios militares e to. A ênfase na produção se torna particularmente graças aos pedidos de origem militar, que em muitos atraente quando o produto pode ser fabricado a cus- casos precedem mesmo a existência de instalação tos unitários cada vez menores. Não há forma mais para a fabricação dos produtos. Sua expansão, em convidativa de ganhar dinheiro do que pelo funcio- outras palavras, realizou-se quase sem nenhuma ati- namento da fábrica a todo vapor. vidade de marketing. Presentemente, a orientação desequilibrada Essas companhias vêm-se desenvolvendo, as- com ênfase na ciência, engineering e produção de sim, em condições perigosamente próximas da ilu- tantas indústrias eletrônicas vêm funcionando razoa- são de que um produto de qualidade superior se ven- velmente bem porque estão explorando novas áreas derá por si só. Tendo criado uma companhia bem nas quais as Forças Armadas desbravaram mercados sucedida pela fabricação de um produto superior, praticamente garantidos. Essas empresas se encon- não é de causar surpresa que seus dirigentes conti- tram na agradável situação de precisar prover e não nuem a ter o espírito voltado mais para o produto do na de encontrar mercados: de não precisar descobrir que para as pessoas que o consomem. Surge assim a o que o freguês necessita e quer, mas atender às suas filosofia de que o crescimento constante é uma ques- novas demandas específicas, por ele reveladas es- tão de contínua inovação e aperfeiçoamento do pro- pontaneamente. Se uma equipe de consultores tives- duto. se sido incumbida especificamente de idealizar uma Vários outros fatores contribuem para fortale- situação comercial calculada de forma a evitar o cer a manter essa crença: aparecimento e desenvolvimento de uma posição, 1 – Porque os produtos eletrônicos são alta- em marketing, orientada para o cliente, não poderia mente complexos e sofisticados surge um desequilí- Ter produzido nada melhor do que as condições que brio entre a administração e os engenheiros e cientis- acabo de descrever. tas. Isto dá origem a uma predisposição em favor da pesquisa e da produção, em detrimento das ativida- TRATAMENTO DE ENTEADO des de marketing. A organização tende a acreditar A indústria do petróleo é um notável exemplo que sua tarefa é fabricar coisas e não satisfazer às de como ciência, a tecnologia e a produção em mas- necessidades dos clientes. O marketing é tratado sa podem desviar todo um grupo de companhias de como uma atividade residual, “outra coisa”, que pre- sua principal tarefa. Admitindo-se que o consumidor cisa ser feita depois de executada a função vital de seja de qualquer forma estudado (o que não é mui- criação e fabricação do produto. to), o ponto central é sempre a obtenção de informa- 2 – A esta predisposição em favor da pesquisa, ções destinadas a ajudar as companhias e petróleo a desenvolvimento e fabricação do produto acrescen- melhorar o que agora estão fazendo. Elas procuram ta-se a predisposição em favor das variáveis contro- descobrir temas de publicidade mais convincentes, láveis. Os engenheiros e cientistas sentem-se “em campanhas de promoção de vendas mais eficientes, casa” no mundo de coisas concretas, tais como má- qual a participação no mercado das diversas empre-
  • 10. sas, o de que o povo gosta ou não gosta com respeito é mais provável e evidencia sua condição de entea- aos postos de serviço e companhias de petróleo e do). assim por diante. Ao procurar proporcionar satisfa- A ordem na qual são relacionadas as quatro á- ção ao cliente, ninguém parece estar tão interessado reas funcionais também trai a alienação da indústria em aprofundar-se no conhecimento das necessidades relativamente ao consumidor. Nela está implícito básicas do homem que o setor poderia tentar atender, que suas atividades começam com a prospecção de quanto em aprofundar-se no conhecimento das pro- petróleo e terminam com a distribuição a partir da priedades básicas da matéria-prima com a qual refinaria. A verdade, porém, segundo me parece, é trabalham as companhias. que essas atividades começam com necessidade que Raramente se fazem perguntas básicas referen- o consumidor tem de tais produtos. Dessa posição tes a fregueses e mercados. Os últimos têm condição fundamental deve-se retroceder para áreas de impor- de enteado. Reconhece-se que existem, que precisam tância cada vez menor, até parar, finalmente, na ser cuidados, mas não que merecem muita preocu- “prospecção de petróleo”. pação ou desvelada atenção. Ninguém se impressio- na tanto com os fregueses que são seus vizinhos co- COMEÇO E FIM mo com o petróleo eu existe no Deserto do Saara. É de importância capital a compreensão por Nada ilustra melhor a situação de abandono do mar- todos os empresários de que um setor de atividade keting do que o tratamento que lhe tem sido dado representa um processo de atendimento do cliente e nos órgãos de divulgação do setor. não de produção de bens. Qualquer indústria começa A edição do centenário da American Petro- com o freguês e suas necessidades; não como uma leum Institute Quarterly em 1959 para comemorar a patente, matéria-prima ou habilidade para vender. descoberta de petróleo em Titusville, Estado da Pen- Partindo das necessidades do freguês, a indústria se silvânia, continha 21 matérias que proclamavam a desenvolve de trás para diante, preocupando-se pri- grandeza do setor. Somente uma delas falava das meiro com a conversão física da satisfação do clien- realizações no campo de marketing e era apenas uma te. Retrocede, depois, um pouco mais, criando as reportagem ilustrada sobre a evolução da arquitetura coisas pelas quais essa satisfação é em parte conse- dos postos de serviço. A edição continha também guida. A maneira pela qual essas coisas são criadas é uma seção especial sobre “Novos Horizontes”, des- indiferente para o freguês, de onde se infere que a tinada a mostrar o papel magnífico que o petróleo forma particular de fabricação, industrialização ou o desempenharia no futuro dos Estados Unidos. O tom que quer que seja não pode ser considerado um as- era de exuberante otimismo, não se dando a entender pecto vital do negócio. Finalmente, retrocede-se uma vez sequer que o petróleo poderia ter algum ainda um pouco mais para encontrar as matérias- forte competidor. Até mesmo a referência feita à primas necessárias para a fabricação dos produtos. energia atômica era um animado relato de como o O que há de irônico em algumas indústrias ori- petróleo colaboraria para que a energia atômica ti- entadas para a pesquisa e o desenvolvimento técnico vesse êxito. Não havia nenhuma preocupação de que é que os cientistas que ocupam os altos cargos exe- a opulência da indústria do petróleo pudesse ser a- cutivos nada têm de científicos quando definem as meaçada ou qualquer indício de que um dos “novos necessidades e objetivos gerais de suas companhias. horizontes” poderia conter novas e melhores formas Eles violam as duas primeiras regras do método ci- de servir os atuais fregueses do petróleo. entífico de ação: Ter consciência e definir os pro- Mas o exemplo mais revelador do tratamento blemas de suas companhias e, depois aventar hipóte- de enteado, dado ao marketing, era outra série espe- ses verificáveis para sua solução. Eles têm espírito cial de pequenos artigos sobre “O Potencial Revolu- científico somente naquilo que for cômodo, tais co- cionário da Eletrônica”. Sob esse título geral, apare- mo experiências de laboratório e com produtos. A cia no índice a seguinte lista de artigos: razão pela qual o cliente (e, com ele, o atendimento • “Na Prospecção de Petróleo”. de suas mais fortes necessidades) não é considerado • “Nas Operações de Produção”. “o problema” não é por se acreditar que tal problema • “Nos Processos de Refino”. não existe, mas sim porque uma vida inteira de or- • “Nas Operações com Oleodutos”. ganização condicionou os administradores a ficarem É significativo o fato de que estão relacionadas sempre voltados para o outro lado. O marketing é todas as principais áreas funcionais do setor, exceto um enteado. a de marketing. Por que? Ou se acredita que na ele- Não quero dizer que a parte de vendas é igno- trônica não há potencial revolucionário para o mar- rada. Longe disso. Mas vendas, repito, não é marke- keting de petróleo (o que é obviamente errado) ou os ting. Conforme já assinalei, a parte de vendas se redatores se esqueceram de incluir essa parte (o que preocupa com os truques e as técnicas de fazer com
  • 11. que as pessoas troquem seu dinheiro por um produ- deslocam suavemente pelo ar a 3.000 metros de alti- to. Não se preocupa com os valores aos quais diz tude, transportando cem cidadãos de juízo perfeito, respeito a troca. E, ao contrário do que invariavel- que se distraem bebendo Martini. Idéias como essa mente faz o marketing, não vê no conjunto das ativi- representaram rudes golpes contra as estradas de dades comerciais um esforço global para descobrir, ferro. criar, suscitar e atender às necessidades dos fregue- O que, especificamente, devem fazer outras ses. O freguês é alguém que está “lá adiante” e que, companhias para não ter esse fim? Em que consiste a mediante um golpe bem dado, pode abrir mão de seu orientação para o cliente? Estas perguntas foram dinheirinho. respondidas em parte pelos exemplos e análise pre- Na realidade, nem mesmo a parte de vendas é cedentes. Seria necessário outro artigo para mostrar alvo de muita atenção em algumas firmas de espírito com detalhe o que é necessário em setores específi- tecnológico. Por haver um mercado praticamente cos. De qualquer maneira, é evidente que a formação garantido para o escoamento abundante de seus no- de uma companhia com eficiente orientação para o vos produtos, na verdade elas nem sabem bem o que cliente exige muito mais do que boas intenções ou é um mercado. É como se elas fizessem parte de truques promocionais; exige o conhecimento pro- uma economia planejada, mandando seus produtos fundo de questões de organização humana e lideran- rotineiramente da fábrica para o varejo. A concen- ça. Por enquanto, permitam-me dar apenas uma idéia tração de seus esforços nos produtos, sempre bem de alguns requisitos gerais. sucedida, tende a convencê-las do acerto de sua ati- tude, sem conseguir ver que sobre o mercado come- SENSAÇÃO PROFUNDA DE GRANDE- çam a formar-se nuvens negras. ZA Obviamente, a companhia precisa fazer o que CONCLUSÃO exige a necessidade de sobrevivência. Precisa adap- Há menos de 75 anos, as estradas de ferro a- tar-se às exigências do mercado e o mais cedo que mericanas gozavam de uma profunda lealdade de puder. Mas a mera sobrevivência é uma aspiração parte dos astutos freqüentadores da Wall Street. Mo- medíocre. Qualquer um pode sobreviver de uma narcas europeus nelas investiam muito dinheiro. forma ou de outra: até mesmo um vagabundo das Acreditava-se que teriam eterna riqueza todos aque- sarjetas. A vantagem é sobreviver galantemente, é les que pudessem amealhar alguns milhares de dóla- sentir a emoção intensa da maestria comercial; não res para aplicá-los em ações das ferrovias. Nenhum sentir apenas o odor agradável do sucesso, mas ex- outro meio de transporte poderia competir com as perimentar a sensação profunda de grandeza empre- estradas de ferro em velocidade, flexibilidade, dura- sarial. Nenhuma organização pode atingir a grandeza bilidade, economia e potencial de desenvolvimento. sem um líder vigoroso que é impelido para a frente Disse a respeito Jacques Barzun: “Na passagem do por sua vibrante vontade de vencer. Ele deve ter uma século, era uma instituição, uma imagem do homem, visão de grandiosidade, visão que possa atrair arden- uma tradição, um código de honra, uma fonte de tes seguidores em enormes quantidades. No mundo poesia, uma sementeira dos sonhos da infância, um dos negócios, os seguidores são os clientes. Para brinquedo sublime e a mais solene das máquinas ⎯ atrair esses clientes, toda a empresa deve ser consi- depois do carro fúnebre ⎯ que marcam as épocas derada um organismo destinado a criar e atender a da vida de um homem.” clientela. A administração não deve julgar que sua Mesmo depois do advento dos automóveis, tarefa é fabricar produtos, mas sim proporcionar as caminhões e aviões, os magnatas das estradas de satisfações que angariam cliente. Deve propagar esta ferro permaneciam imperturbavelmente seguros de idéia (e tudo que ela significa e exige) por todos os si. Se há sessenta anos alguém lhe dissesse que no cantos da organização. Deve fazer isto sem parar, prazo de trinta anos estariam arruinados, sem um com vontade, de forma a excitar e estimular as pes- tostão no bolso, implorando subvenções do governo, soas que nela se encontram. Se assim não for feito, a pensariam estar falando com um louco completo. companhia não passará de uma série de comparti- Tal futuro simplesmente não era considerado possí- mentos, sem um fortalecedor senso de objetivo e vel. Não era sequer um assunto que se pudesse dis- direção. cutir, uma pergunta que se pudesse fazer ou uma Em resumo, a organização precisa aprender a questão que uma pessoa em são juízo consideraria considerar sua função, não a produção de bens ou merecedora de especulação. Só pensar nisso já era serviços, mas a aquisição de clientes, a realização de uma demonstração de insanidade. Contudo, muitas coisas que levarão as pessoas a querer trabalhar com idéias loucas têm agora aceitação normal, como por ela. Ao próprio dirigente máximo cabe obrigatoria- exemplo a de tubos de metal de 100 toneladas que se mente a responsabilidade pela criação deste ambien-
  • 12. te, deste ponto de vista, desta atitude, desta aspira- ção. Ele próprio deve lançar o estilo da companhia, sua orientação e suas metas. Isto significa que ele precisa saber exatamente para onde ele mesmo dese- ja ir, assegurando-se de que a organização toda este- ja entusiasmadamente ciente disso. Este é um dos primeiros requisitos da liderança, pois, a menos que ele saiba para onde está indo, qualquer caminho o conduzirá a esse local. Se servir qualquer caminho, então o dirigente máximo da empresa pode muito bem arrumar sua pasta e ir pescar. Se uma organização não souber ou não tiver interesse em saber para onde está indo, não precisa fazer propaganda desse fato com um chefe protocolar. Todos perceberão depressa. Fonte: Biblioteca da Universidade de Har- vard.