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As múltiplas formas de censura no cinema brasileiro: 1970 – 1980.




                                                     WILLIAM DE SOUZA NUNES MARTINS*1




       Durante o período militar no Brasil a Divisão de Censura e Diversões Públicas (DCDP)
teve um destacado papel como agência que visou coibir a livre atuação das produções artísticas.
Responsável também pela censura cinematográfica, influenciou a maneira com que os diretores
encaminhavam suas películas para que pudessem exibir seus filmes sem problemas com a
censura.
       O objetivo deste artigo é discutir as múltiplas formas de censura pela qual passava o
filme nacional para conseguir ser exibido tanto internamente como externamente.


Cinema – Ditadura Militar – Censura
        Durante os governos militares foram criadas instituições responsáveis pelo
financiamento artístico e cultural e que, embora diretamente ligadas ao governo, tomavam
decisões que geravam conflitos com outros organismos governamentais. Essa situação foi
resultado de um mecanismo complexo. Ao mesmo tempo em que uma instituição recebia
incentivos do Estado voltados para a produção cinematográfica, outra instância foi responsável
pela censura dessas mesmas produções. Nesse sentido, a Embrafilme, criada em 1969 e ligada
ao Ministério da Educação e Cultura, pode ser caracterizada como uma agência que determinou
políticas voltadas para o cinema, enquanto a Divisão de Censura e Diversões Públicas (DCDP),
ligada diretamente a Polícia Federal, funcionou como uma agência executora de políticas
coercitivas na esfera das diversões públicas.
       A existência dessas instituições evidencia uma faceta da produção cinematográfica que
marcou todo o período militar. Ou seja, a existência de uma instituição que financiava o cinema,
que optamos por chamar de Estado financiador, e outra que censurava o que era produzido,
doravante chamado de Estado censor. Ao mesmo tempo em que promovia a produção
cinematográfica, o regime militar possuía um rígido e bem estruturado aparelho censório,
regulamentado por uma série de instrumentos de caráter legal anteriores a este período.
       As raízes da censura no Brasil remontam à chegada da família real. A partir de então, foi
introduzida no território a imprensa e as primeiras leis de caráter censório. Não se poderia

1
 * Doutorando no Programa de Pós-Graduação em História Social (PPGHIS) na Universidade Federal do Rio de
Janeiro (UFRJ). williamdesnmartins@yahoo.com.br

                                                                                                           29
publicar sem prévio exame dos censores reais e eram proibidas declarações contra o governo, a
religião católica e os bons costumes sociais.2
       Foi a partir de 1930 que se começou a pensar na institucionalização da censura em um
órgão criado para tal fim, no qual os funcionários seriam especializados. Em 1932, foi criado o
Departamento Oficial de Propaganda (DOP) que tinha como uma das responsabilidades exercer
a censura de divertimentos. No mesmo ano foi estabelecida a nacionalização do serviço de
censura dos filmes cinematográficos. Já naquele momento, nenhum filme poderia ser exibido
em território nacional sem um certificado do Ministério da Educação e Saúde Pública.3
        Em substituição ao DOP, foi criado em 1934 o Departamento de Propaganda e Difusão
Cultural (DPDC), que tinha como objetivo central ser um órgão técnico destinado a estudar e
orientar a utilização do cinematógrafo. Na DPDC estava contemplada a censura
cinematográfica, exercida por uma comissão composta por um representante do Ministério de
Justiça e Negócios Interiores, um do Ministério da Educação e Saúde, um do Ministério do
Exterior, um do Juizado de Menores, um representante do chefe de Polícia e um membro da
Associação Brasileira de Produtores Cinematográficos.4
       Com o golpe do Estado Novo e a outorga da Constituição de 1937, a censura de
diversões públicas foi finalmente oficializada em uma constituição. Mas foi com a criação do
Departamento de Imprensa e Propaganda (DIP)5 que se logrou burocratizar a censura tornando-
a mais padronizada e eficiente em seus objetivos.6
        As atribuições do DIP eram muitas. O órgão era responsável por centralizar, coordenar e
orientar a propaganda nacional, além de servir como elemento auxiliar de informação dos
ministérios e entidades públicas e privadas no que tangia a questão da propaganda. Também era
incumbência do DIP a fiscalização do turismo, o incentivo a tradução de autores brasileiros e o
estímulo à escrita de obras nacionais. No entanto, o que mais se destacou no funcionamento do
órgão foram as atribuições relativas à censura, pois cabia ao departamento analisar e, quando
fosse necessário, vetar as obras cinematográficas – além das peças teatrais, dos programas de
rádio, da literatura social e política e da imprensa -, também estando encarregado de orientar o
governo federal para a redução de impostos dos filmes educativos. Igualmente era atribuição do
órgão promover premiações para o estímulo ao cinema.7

2
  SMITH, Anne-Marie. Um acordo forçado: o consentimento da imprensa à censura no Brasil. Rio de Janeiro:
Editora FGV, 2000. p. 22. Também a respeito da censura a imprensa durante o período ver: LUSTOSA, Isabel.
Insultos impressos: a guerra dos jornalistas na independência (1821 – 1823). São Paulo: Companhia das Letras,
2000.
3
  Decreto n. 21.240 de 24 de abr de 1932.
4
  Decreto n. 24.651. 10 de jul. de 1934.
5
  Decreto-lei n. 1915 de 27 de dez. de 1939.
6
  STEPHANOU, Alexandre Ayub. O procedimento racional e técnico da censura federal brasileira como órgão
público: um processo de modernização burocrática e seus impedimentos (1964 – 1988). Porto Alegre: Tese de
doutorado apresentada ao curso de Pós-graduação em História da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande
do Sul, 2004. p. 15. Sobre censura no Estado Novo, ver: GOULART, Silvana. Sob a verdade oficial: ideologia,
propaganda e censura no Estado Novo. São Paulo: Marco Zero, 1990.
7
  Decreto-lei. n. 1915 de 27 de dez. de 1939.

                                                                                                            30
Em fins do Estado Novo, a polícia encarregada da censura foi reformulada em
Departamento Federal de Segurança Pública (DFSP) e passou a integrar o Ministério da Justiça
e Negócios Interiores. Em 1945, foi criado o Serviço de Censura de Diversões Públicas (SCDP),
ligado ao DFSP.8 No ano seguinte, foi aprovado o regulamento do SCDP que continha treze
capítulos, que procurava dar conta das várias questões no âmbito artístico, desde a censura
prévia até relativas ao direito autoral.9
       A partir da publicação da lei estavam estabelecidas, dentre outros assuntos, que nenhum
filme poderia ser exibido ao público sem censura prévia e sem um certificado de aprovação
fornecido pelo SCDP; que os certificados seriam válidos por cinco anos a contar da data da
aprovação do filme e que os censores poderiam recomendar para menores de idade os filmes


             capazes de despertar os bons sentimentos, as tendências artísticas, a curiosidade
             cientifica, o amor à pátria, à família e o respeito às instituições.10



       Também ficava estipulado que a impropriedade dos filmes poderia ser declarada para
crianças até 10, 14, ou para maiores de 18 anos. No que se refere ao processo técnico da
censura, ficava compreendido nessa lei que o filme alvo de cortes teria as cenas inapropriadas
anotadas no formulário preenchido pelo censor. Da mesma forma, o boletim deveria informar se
o filme seria classificado como “educativo” e, no caso de um filme nacional, se era de “boa
qualidade e livre para exportação”. As licenças negadas para a exportação do filme nacional
aconteciam quando


             contivesse vistas desprimorosas para o Brasil, estivesse mal fotografado ou não
             recomendasse a arte nacional no estrangeiro, ou ainda se contivesse vistas de
             zonas que interessassem à defesa e segurança nacionais.11



       A legislação censória entrou em vigor em 1946, ano em que o Brasil retomou o caminho
da democracia. A entrada de Eurico Gaspar Dutra em substituição a Getúlio Vargas
representava a volta de um presidente eleito pelo voto. De fato, a maioria dos vetos à produção
cinematográfica ocorridas durante o regime militar esteve embasada na legislação censória de
1946, embora, durante o período em questão tenha havido outras leis censórias que visaram
complementá-la.




8
  Decreto-lei n. 8462 de 26 de dez. de 1945.
9
  Decreto n. 20.493 de 24 de jan. de 1946.
10
   Decreto n. 20.493 de 24/01/1946. Art. 12.
11
   Idem.

                                                                                                 31
A SCDP era centralizada no Rio de Janeiro. Em 1961, o presidente Jânio Quadros
concedeu aos estados da federação o direito de exercer censura individualmente. 12 Embora com
a existência das SCDP’s estaduais, a SCDP central continuou existindo, no entanto, passando a
ter conflitos de competência entre elas.
        Após o Golpe civil-militar de 1964 e a implantação do regime militar, as SCDP’s
regionais continuaram existindo, mas pouco a pouco a idéia de um órgão central e mais ativo foi
fortalecida. Em 1965 foi inaugurado o novo prédio da polícia federal em Brasília e, em 1966 o
Serviço de Censura de Diversões Públicas foi centralizado no distrito federal. Apenas um ano
após o golpe, a censura de diversões públicas foi centralizada, fato que nos evidencia que esta
centralização foi um dos projetos iniciais do regime militar. Em 1973, a SCDP finalmente
passou a ter o nome de Divisão de Censura e Diversões Públicas (DCDP), sigla que vai ficar
conhecida da população durante a década de 1970 e 80, pois ao entrarem no cinema ou ao verem
um programa televisivo o certificado do órgão aparecerá na tela.13
        Em 1968, o governo Costa e Silva publicou a lei n. 5536 que dispunha sobre a censura a
obras cinematográficas e teatrais e também criava o Conselho Superior de Censura. 14 A lei,
publicada antes do AI-5, determinava que as obras artísticas fossem censuradas para efeito
classificatório e também com sua liberação total ou parcial e deixava claro que o filme não
poderia ser contrário à segurança nacional


            e ao regime representativo e democrático, à ordem e ao decoro públicos, aos
            bons costumes, ou ofensivas às coletividades ou às religiões ou, ainda, capazes
            de incentivar preconceitos de raça ou de lutas de classes.15



        Além de reafirmar elementos contidos na lei de 1946, a lei de 1968 assegurou que a
censura cinematográfica deveria ser realizada por comissões constituídas de três integrantes, os
técnicos de censura. Estes, anteriormente chamados de censores federais, integrariam o quadro
de pessoal do Departamento de Polícia Federal e, como exigência ao cargo, deveriam
obrigatoriamente ser formados em curso superior na área de Ciências Sociais, Direito, Filosofia,
Jornalismo, Pedagogia ou Psicologia.16 Antes da promulgação dessa lei, a exigência do curso
superior para censor federal não existia, por isso, funcionários já integrantes do serviço público
federal iam sendo realocados na DCDP conforme as necessidades funcionais do órgão.


12
   Decreto n. 50518 de 1961.
13
   Para evitar confusão com as siglas utilizadas, adotei a nomenclatura de DCDP mesmo para os casos que datam de
antes de 1972. Assim, todas as referências estão relacionadas a censura federal.
14
   Lei. n. 5.536 de 21 de novembro de 1968. Embora o Conselho Superior de Censura tenha sido criado por lei a
partir desta lei, só começou a funcionar no final da década de 1970. A respeito do CSC ver: ALBIN, Ricardo
Cravo. Driblando a censura: de como o cutelo vil incidiu na cultura. Rio de Janeiro: Gryphus, 2002.
15
   Lei n. 5536 de 21 de novembro de 1968. Art. 3.
16
   Idem. Art. 14. Parágrafos 1- 3.

                                                                                                             32
Dentre as atribuições da DCDP, estavam a censura prévia de peças teatrais, letras
musicais, programação televisiva, atividades circenses, radiofusão e livros.17 Da mesma forma, a
Divisão era responsável pela fiscalização da programação de eventos públicos.
       A partir da década de 1970, os censores ganharam um novo aliado. O livro intitulado
Censura Federal fazia um apanhado das principais leis sobre censura no país. A seleção de leis
foi compilada por Carlos Rodrigues e contou com prefácio do então presidente do Instituto
Nacional do Cinema, Ricardo Cravo Albin, e ficou conhecida como “a bíblia dos censores”, já
que o livro continha as principais leis sobre a censura e era de manuseio fácil e rápido para o
trabalho do técnico de censura.18
       Durante todo o período de funcionamento, a DCDP passou por algumas mudanças e por
uma grande rotatividade de diretores. Entre 1964 e 1988, a divisão teve 13 responsáveis, quais
sejam: Edísio Gomes de Matos (1964), Pedro José Chediak (1964 – 1966), Antônio Romero
Lago (1966 – 1967), General Fulgêncio Façanha (1967), Coronel Aloísio Muhlethaler (1968 –
1969), Wilson Aguiar (1970), Geová Lemos Cavalcante (1971), Rogério Nunes (1972 – 1979)
que permaneceu maior período, Wilson de Queiroz Garcia (1979), José Vieira Madeira (1979 –
1981), Solange Hernandes (1981 – 1984), Coriolano Fagundes (1985 – 1986) e o diretor que
fechou as portas da divisão, Raymundo Eustáquio de Mesquita (1987 – 1988).
        A DCDP não teve as suas atividades imediatamente interrompidas com o fim do regime
militar, somente com a Constituição de 1988 a censura passou da esfera de influência do
Ministério da Justiça para o da Educação, restando apenas a finalidade de estabelecer
classificação etária.19
       É importante diferenciar as formas de censura que eram exercidas pela DCDP. Dessa
forma, estabeleço entre censura política e moral as possibilidades de um filme ter cenas vetadas
ou, eventualmente, ter a proibição de sua exibição em território nacional.
       A censura em si é um ato político, entrementes, quando aqui é diferenciada a censura
moral da política procura-se estabelecer uma distinção dos motivos pelos quais os filmes eram
censurados. Quando o filme era vetado ou tinha cenas cortadas por mostrar imagens que
pudessem degradar a moral cristã da sociedade brasileira, classifico como moral. Esse tipo de
censura foi apoiado durante muitos anos por parcelas da sociedade civil, como por exemplo, na
década de 1920 com a Liga pela Moralidade ou durante o regime militar por cartas da


17
   A DCDP não era diretamente responsável pela censura a livros, essa só era feita quando havia ofício ministerial
para que tal fosse exercida.
18
   RODRIGUES, Carlos. Censura Federal. Brasília: C.R.Editora, 1971.
19
   No quinto capítulo da constituição de 1988 fica expresso que é vetada qualquer censura de natureza política,
ideológica e artística. No terceiro parágrafo ficava acertado que competiria à lei federal regular as diversões e
espetáculos públicos, cabendo ao Poder Público informar sobre as faixas etárias a que não se recomendem, locais e
horários em que sua apresentação se mostre inadequada e também de estabelecer os meios legais que garantam à
pessoa e à família a possibilidade de se defenderem de programas ou programações de rádio e televisão que
contrariem o disposto no art. 221, bem como da propaganda de produtos, práticas e serviços que possam ser
nocivos à saúde e ao meio ambiente.

                                                                                                                33
população exigindo vetos em produções artísticas.20 A censura política também esteve presente
nas películas cinematográficas, mas não podemos identificar aí a tônica dos vetos. Como
censura política, identificamos os casos nos quais o filme não pôde ser exibido ou teve cenas
vetadas por atentar contra a Segurança Nacional.
       O discurso da DCDP caminhava no sentido da proteção da sociedade contra a
imoralidade. Em 1970, concedendo uma entrevista para a revista Veja, o então chefe da censura,
Wilson Aguiar, foi inquirido sobre quais eram os motivos que justificavam a censura. Ele
respondeu que


             a censura baseia-se nas exigências da média da moralidade. É evidente que o
             comportamento dos grupos sociais de Ipanema, Copacabana e certas zonas de São Paulo
             é mais aberto. Mas o que nós procuramos é a média da moralidade brasileira.21



        Pode-se perceber nitidamente esta dimensão moral quando analisamos as justificativas
utilizadas pelos censores para os vetos. A grande maioria foi justificada em nome da
preservação dos valores tradicionais da família brasileira. Sob esta tópica, circularam os mais
variados assuntos, desde a defesa do catolicismo, até à assuntos polêmicos do período como
entorpecentes, divórcio, referência ao homossexualismo, dentre outros.
        A censura de diversões públicas foi mais um instrumento do aparelho repressivo
montado pelo regime militar,22 porém fica explícito que a censura de cunho moral foi
orgulhosamente exercida pelos censores que tinham a idéia de fazer uma triagem das imagens e
mensagens que eram perniciosas à população. No entanto, a censura política, que era feita pela
mesma DCDP, era assumida com certo constrangimento quando os censores escreviam os
pareceres sobre as películas.23 Também percebe-se uma proporção bastante diminuta de
pareceres censórios enfocando questões políticas, provavelmente, porque sabedores das
restrições a que seriam submetidos, os cineastas procurassem ao máximo lapidar os filmes para
que não fossem vetados.
       A atuação da DCDP durante a ditadura militar era de controlar várias formas de
produção artística. No entanto, o cinema possuiu um caráter diferenciado. Em primeiro lugar
isso deveu-se ao fato desse campo possuir uma forte agência estatal, ligada ao Ministério da
Educação e Cultura, financiadora de filmes, que eventualmente poderiam ser vetados pela
20
   A esse respeito ver artigo de: FICO, Carlos. “Prezada censura”: cartas ao regime militar. In: Topoi: Revista de
História. Rio de Janeiro: Programa de Pós-graduação em História Social da UFRJ / 7 Letras, set. 2002, n. 5, pp. 251
-283.
21
   Veja. 7 de out. De 1970. p. 74.
22
   Esse aparelho repressivo montado pelo regime militar englobava as seguintes instâncias: censura à imprensa,
censura de diversões públicas, espionagem, polícia política e propaganda. Para maior detalhamento sobre o assunto
ver: FICO, Carlos. Espionagem, polícia política, censura e propaganda: os pilares básicos da repressão In
FERREIRA, Jorge e DELGADO, Lucilia Almeida Neves (orgs). O Brasil Republicano: o tempo da ditadura –
regime militar e movimentos sociais em fins do século XX. Rio de Janeiro: Civilização brasileira, 2003.
23
   FICO, Carlos. “Prezada censura”: cartas ao regime militar. Op. cit. p. 259.

                                                                                                                34
censura. A outra peculiaridade do campo cinematográfico dizia respeito às diferentes formas de
censura aos filmes.
         A DCDP censurava filmes nacionais, estrangeiros, cartazes de filmes bem como os
trailers que seriam exibidos antes das películas. Além disso, fazia também a censura aos curtas-
metragens, tipo de produção que foi inclusive incentivado pelo próprio regime militar.24
        Vale lembrar que a lei de 1946 previa que todo o filme nacional ou estrangeiro deveria
ser classificado pelo órgão censor. Poderia ser colocado na categoria de “educativo”,
“recomendado para a juventude” e, tratando-se de filme nacional, deveria ser classificado
também como de “boa qualidade” e “livre para exportação”. A censura cinematográfica se
diferenciava dos outros campos artísticos, pois o produtor de filmes lutava tanto para a liberação
do filme para o público interno, como para que o mesmo pudesse ter a chancela de ‘Boa
Qualidade’ e ‘Livre para Exportação’. Esse fato denota uma dupla jornada do produtor para a
liberação.
        Vale notar que as décadas de 1960 e 1970 foram privilegiadas para o surgimento de
vários movimentos artísticos e culturais que conseguiram mudar as concepções estéticas
vigentes. Isso aconteceu tanto no campo cinematográfico e das artes teatrais como no musical.
Assim, nos teatros eram encenadas peças baseadas nas novas concepções do Oficina e do Arena,
nos palcos, o Tropicalismo era cantado ao som das guitarras elétricas e, no cinema, dois
movimentos marcaram a cinematografia nacional e, no primeiro caso a mundial: o Cinema
Novo e o Cinema Marginal.25 Observe-se que, concomitantemente ao surgimento de
manifestações esteticamente notáveis, como o Cinema Novo, o desenrolar da produção cultural
brasileira nos anos 1960, deu-se em um contínuo processo de massificação do consumo de
divertimentos que, de algum modo, foi capaz, inclusive, de abranger aquelas expressões mais
estetizadas.
        De fato, o Cinema Novo foi o primeiro movimento de vanguarda do cinema brasileiro.
Embora não tenha originalmente se apresentado como escola estética, manifestou-se
coletivamente através da insatisfação de cineastas com o tipo de produção realizada pelas
grandes companhias cinematográficas. Os cineastas considerados do Cinema Novo tinham em
comum a preocupação com problemas sociais e tentaram fazer uma reflexão sobre a identidade
nacional brasileira. Assim, temos um movimento eminentemente político que, além de pensar
sobre questões sociais, também discutia sobre a questão cinematográfica brasileira e, nesse
sentido, se contrapunham à massificação dos filmes estrangeiros no Brasil.




24
   Havia a obrigatoriedade do certificado da DCDP para qualquer tipo de exibição pública de películas, obrigando
todos os produtores a enviarem seus filmes para a DCDP.
25
   Sobre esses tópicos, ver dentre outros: XAVIER, Ismael. Alegorias do subdesenvolvimento: cinema novo,
tropicalismo e cinema marginal. São Paulo: editora brasiliense, 1993.

                                                                                                               35
Em fins da década de 1960 e começo de 1970 teve início, em São Paulo, um movimento
criativo que levou o público novamente para as salas de projeção. Os filmes eram oriundos da
região paulista conhecida como “Boca do Lixo”. Esse espaço urbano, nas imediações da Estação
da Luz, era onde tradicionalmente estavam os escritórios de produtores, distribuidoras e
diretores. Também era o lugar conhecido pelas boates e pela zona de meretrício. Os filmes que
saíram dessa região marcaram uma nova estética cinematográfica e ficaram conhecidos como
Cinema Marginal. O Cinema Marginal foi oriundo dos desdobramentos do Cinema Novo, mas
com uma clara crítica ao movimento que o precedeu. Os cineastas ligados ao “marginal”
extrapolam o significado de experimentação e descambam para a representação da
marginalidade e do amoralismo.26
       Os filmes que saíam desse pólo tinham como temáticas recorrentes o adultério, a
homossexualidade, o tráfico de drogas, a bissexualidade, as taras sexuais e a violência. Um dos
tipos de filme originados da “Boca” foi a comédia erótica, conhecida como pornochanchada. A
produção aliava a comédia de costumes, característica das chanchadas dos anos 1950, com
picardia e erotismo, temperos básicos dos filmes originários da Boca do Lixo. De fato, a
expressão pornochanchada reuniu um amplo conjunto de filmes bastante diversificados, mas que
tinham como temática principal: a lubricidade.27
       A pornochanchada serviu como experimentalismo para o cinema nacional e dividia-se
em diversos subgêneros, como o pornô-drama, o pornô-terror, o pornopolicial, pornoaventura e
o pornowestern. No seu início, era dotada de pouca malícia, mas, com o passar do tempo, elas
foram mostrando cada vez mais o corpo feminino e masculino e apelando para piadas
elementares de duplo sentido.
      A pornochanchada ficou, por distintos motivos, sob a mira tanto de parcelas moralistas da
sociedade e críticos cinematográficos, como da censura. Para parcelas da sociedade, os filmes
eram moralmente reprováveis em uma comunidade na qual prevalecia a ética cristã; com
semelhante motivação, a censura visava resguardar um determinado tipo de moral e, para isso,
vetava ou excluía dos filmes grande parte das cenas que pudessem ofender a moralidade da
sociedade. Para os críticos cinematográficos, os filmes eram mal acabados e de péssima
qualidade artística.
     No entanto, as comédias eróticas tinham grande apelo popular e foram muito produzidas,
sendo um filão de mercado, pois os filmes eram sucesso de público. Por exemplo, entre os anos
de 1970 e 1975, das 25 maiores bilheterias, 9 eram pornochanchadas, com destaque para o filme
de Pedro Carlos Rovai, A Viúva Virgem. Lançado em 1972, ficou em cartaz durante sete
semanas alcançado um público de 2.549.741 pessoas.28

26
   Sobre o Cinema Marginal ver, entre outros: RAMOS, Fernão. Cinema Marginal (1968/1973): a representação em
seu limite. São Paulo: Brasiliense, 1987. XAVIER, Ismael. Alegorias do subdesenvolvimento. Op. cit.
27
   ABREU, Nuno César. Verbete: pornochanchada. In RAMOS, Fernão e MIRANDA, Luiz Felipe. (org)
Enciclopédia do cinema brasileiro. São Paulo: SENAC, 2000. pp. 431 – 433.
28
   ABREU, Nuno César. Verbete: pornochanchada. In RAMOS, Fernão e MIRANDA, Luiz Felipe. Enciclopédia
do cinema brasileiro. São Paulo: Editora Senac, 2000.

                                                                                                         36
Devido as inovações estéticas no cinema brasileiro, os técnicos de censura quando iam
analisar um filme nacional, se deparavam tanto com filmes que eram incentivados pelo governo,
como por exemplo, os filmes históricos, como com as películas que sabidamente causava
espanto a parcelas da população pelo excesso de erotismo.
      Quando o produtor enviava seu filme para a DCDP, poderia ser a película liberada
integralmente, liberada com cortes ou interditada, além da classificação etária. Também deveria
receber a chancela de livre para exportação, que daria ao filme mais possibilidade de auferir
lucros para os produtores.
       Caso o filme fosse liberado integralmente poderia ser exibido nas salas de cinema tal
como foi enviado à DCDP. Este foi o caso do filme Independência ou Morte, de Carlos
Coimbra, que teve como atores principais Tarcísio Meira, no papel de Pedro I e Gloria Menezes,
representando a Marquesa de Santos. O parecer do censor enalteceu as características do filme
afirmando que


            trata-se de um filme excelente sobre a vida de D. Pedro I, seus amores, sua política, sua
            corte, seus triunfos e seus fracassos como homem e Imperador.

            (...)

            Filme de ótima qualidade digno do povo e suas tradições, em face do equilíbrio, bom
            senso e fidelidade ao enfocar os personagens e ambiência históricas, no Brasil, de 1816
            a 1831.

            Pelo exposto, sugerimos a liberação do filme em pauta – Independência ou morte –
            para maiores de 10 (dez) anos sem qualquer restrição.29



        Grande parte dos processos de censura referente aos filmes apresenta a liberação das
películas com algum tipo de corte, fosse de ordem política ou moral. Como já foi mencionado
nesse artigo, a maioria dos filmes era censurada por questões morais. O filme Vai trabalhar
vagabundo de Hugo Carvana, teve nos papéis principais o próprio diretor e Odete Lara. A
entrada do processo do filmes na DCDP aconteceu em 1973, que foi liberado com restrição
máxima de idade, sendo que os produtores deveriam fazer dois cortes o primeiro na


            cena de entrega da encomenda à amiga de Dino, a partir da segunda vez em que o
            empregado bate a porta. Ainda na segunda parte, cortar cena do banho e do colóquio, e
            partir do momento em que o personagem gordo, de meia idade, anuncia que vai tomar
            banho, até momento em que os três se reúnem, já vestidos na sala.




29
  AN. Divisão regional do Arquivo Nacional no Distrito Federal. Fundo DCDP. Série: Censura Prévia. Subsérie:
programação cinematográfica Parecer do filme: Independência ou morte. Datado de 25 de agosto de 1972.

                                                                                                           37
Corta cenas intercaladas de ato sexual entre Dino e a empregada (preta) a partir do
            momento em que Dino vai tirar a roupa, até momento em que aparece sentado na cama,
            já vestido.30



       Foi o caso também do filme Aleluia, Gretchen que foi liberado com classificação etária
para 18 anos e tendo os produtores que fazer dois cortes. O enredo conta a história de uma
família que fugiu da Alemanha durante o período nazista e se fixou no Brasil. Mesmo sendo um
filme de fundo histórico, o censor para justificar os cortes alegava que o filme continha cenas
que pressupunham um relacionamento sexual.31
        Também poderia a película ter sua interdição total requerida pelo censor. Foi o caso do
parecer da técnica de censura Luzia Maria Barcellos, que sugeriu o veto total ao filme América
do sexo, filme dirigido por Leon Hirsman, Flávio Moreira da Costa, Rozemberg Filho e Rubem
Maya. A censora constatou que os cortes que seriam necessários para a liberação do filmes eram
tantos, que a película acabaria por ficar sem sentido, desse modo, só era possível a interdição
total da obra.32
       Quanto ao tipo de veto, já afirmamos que estes poderiam ser por questões políticas ou
por questões morais. Também, segundo a legislação censória de 1946, os filmes poderiam ser
vetados para exportação.33
       Os filmes também poderiam ser liberados para a exibição no Brasil e, no entanto, não
receberem a chancela de “boa qualidade” e “livre para exportação”. Caso curioso foi o filme do
grupo Os trapalhões, Aladim e a Lâmpada Maravilhosa. Nem o grande sucesso do grupo no
cinema e na televisão impediu que os censores Gláucia Soares e Onofre da Silva, ao analisar o
processo do filme, assinassem o relatório dizendo que


            a qualidade técnica e mesmo o próprio filme em si são de recomendação duvidosa, razão pela
            qual deixamos de atribuir-lhe o requisito de “boa qualidade” e “livre para exportação”, de vez
            que acreditamos possa no exterior dar uma imagem falsa do nosso cinema.34




30
   AN. Divisão regional do Arquivo Nacional no Distrito Federal. Fundo DCDP. Série: Censura Prévia. Subsérie:
programação cinematográfica Parecer do filme: Vai trabalhar Vagabundo. Datado de 9 de novembro de 1973.
31
   AN. Divisão regional do Arquivo Nacional no Distrito Federal. Fundo DCDP. Série: filmes. Processo do filme
Aleluia, Gretchen. Datado de 5 de julho de 1976.
32
   AN. Divisão regional do Arquivo Nacional no Distrito Federal. Fundo DCDP. Série: filmes. Processo do filme
América do sexo. Datado de 29 de julho de 1970.
33
   Decreto n. 20493 de 24 de Jan. de 1946. Art. 37 § 2.
34
   AN. Divisão regional do Arquivo Nacional no Distrito Federal. Fundo DCDP. Série: programação
cinematográfica. Processo do filme Aladim e a lâmpada maravilhosa. Datado de 10 de janeiro de 1974.

                                                                                                             38
Dos processos pesquisados, a não liberação para exportação foi minoria. A preocupação
da DCDP era muito mais com o público interno do que externo. Os filmes que continham cenas
de sexo e nudez poderiam ser aqui cortados e classificados com a faixa etária máxima, mas
normalmente eram liberados para exportação.
        Por vezes, após receber a resposta da DCDP, mesmo o filme tendo sido liberado com
cortes, os produtores poderiam entrar com pedido de revisão da censura. Outra análise dos
técnicos de censura foi a questão da faixa etária na qual o filme era incluído.
       Os níveis etários para as diversões públicas foram estabelecidos pelos Decretos n. 20.493,
de 24 de janeiro de 1946 e 37.008, de 8 de março de 1955 e pela portaria n. 492 de 10 de
setembro de 1962.
        De acordo com os decretos, o espetáculo poderia ser visto por maiores de 5, 10, 14, 16 e
18 anos. As normas para classificação de espetáculos destinadas aos menores de idade possuíam
seis capítulos. Esses tentavam dar conta de uma normatização para a classificação. Sendo assim,
o quinto capítulo, intitulado Aplicação dos critérios gerais na fixação dos níveis de idade se
subdividia em doze tópicos que deveriam ser observadas pelos censores. Quais sejam:
Capacidade de compreensão, o censor deveria estar atento em proibir para menores de 18, 16, 14
e 10 anos os espetáculos que ultrapassem a capacidade de compreensão de cada um dos níveis
etários; sensualidade, era proibido para menores em geral os filmes que estimulassem a
sensualidade, também eram proibidos para menores de 18 anos os


               casos de homossexualismo e outras taras sexuais, curras e qualquer espécie de violência
               sexual, cenas de orgia e de desregramentos (principalmente aquelas que participem menores).
               Os que explorem com deliberado erotismo cenas de alcova ou apresentem práticas sexuais,
               nudismo, strip-tease e danças indecentes.35



       Igualmente eram proibidos para menores de idade questão divididas nos seguintes
tópicos: cenas e situações de desentendimento familiar; religião, cenas que desrespeitasse alguma
convicção religiosa; civismo, cenas de desrespeito as instituições nacionais; senso social, temas
que atentasse contra o senso social deveriam estar fora das vistas das crianças e jovens; sentido
de dever; verdade, nesse tópico ficou claro que qualquer espetáculo que mostrasse a vitória da
mentira, hipocrisia e traição deveriam ser banidos das vistas do menores de 18 anos; crime;
violência, medo e angústia eram os últimos três tópicos que orientavam os censores.
        Durante o regime militar existiam duas formas de censura. A censura à imprensa, que
nunca foi reconhecida pelos sucessivos governos militares e a censura de diversões públicas, que
era estimulada tanto pelo governo como por parcelas da sociedade civil.




35
     RODRIGUES, Carlos. Censura Federal. Brasília: C.RE.Editora, 1971. pp. 210-211.

                                                                                                             39
A censura que era feita pela DCDP açambarcava a programação de rádio, as letras de
música, as atividades circenses, as peças teatrais, a programação televisiva e os filmes que eram
exibidos em território nacional. A censura feita aos filmes cinematográficos denota uma
preocupação na manutenção de um determinado tipo de moral na sociedade. Sendo assim, as
cenas que supostamente poderiam atentar para uma quebra na estrutura social ou desvirtuamento
da moral cristã eram vetadas pelos técnicos de censura. Embora a DCDP também estivesse
pronta para fazer a censura política as películas cinematográficas, não foi a tônica da instituição
durante os anos de existência, isso provavelmente se deveu ao fato dos produtores
cinematográficos que, sabendo os rigores pelos quais os filmes deveriam passar, não produziam
obras que sabidamente fossem contrárias aos ditames da lei de Segurança Nacional36.
        Também foi exposto que o produtor cinematográfico tinha que percorrer um caminho
mais árduo do que outras obras artísticas para ter a liberação total de sua obra, pois além da
classificação etária, havia a liberação tanto interna quanto externa dos filmes.
        Assim, os diretores e produtores cinematográficos sofriam múltiplas formas de censura.
Ao analisar um filme, o técnico de censura avaliava tanto o que era bom para que a população
brasileira assistisse, como opinava sobre o que o público internacional deveria ver sobre o Brasil
nas telas cinematográficas..




36
     A lei de Segurança Nacional foi outorgada em 1967 e posteriormente alterada por uma nova Lei de 1969.

                                                                                                             40
Referências bibliográficas:


ALBIN, Ricardo Cravo. Driblando a censura: de como o cutelo vil incidiu na cultura. Rio de
Janeiro: Gryphus, 2002.
AMANCIO, Tunico. Artes e manhas da EMBRAFILME: cinema estatal brasileiro em sua época
de ouro (1977 – 1981). Niterói: Editora da universidade Federal Fluminense, 2000.
BERNARDET, Jean-Claude. Historiografia clássica do cinema brasileiro. São Paulo:
Annablume, 1995.
FICO, Carlos. Além do golpe: versões e controvérsias sobre o golpe de 1964 e a Ditadura
Militar. Rio de Janeiro: Record, 2004.
FICO, Carlos. “Prezada censura”: cartas ao regime militar. In: Topoi: Revista de História. Rio
de Janeiro: Programa de Pós-graduação em História Social da UFRJ / 7 Letras, set. 2002, n. 5,
pp. 251 -283
GALVÃO, Maria Rita Eliezer - Burguesia e Cinema: o caso Vera Cruz. Rio de Janeiro:
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GOMES, Paulo Emílio Sales. Cinema: trajetória no subdesenvolvimento. São Paulo: Paz e
Terra, 1996.
LEITE, Sidney Ferreira. Cinema brasileiro: das origens a retomada. São Paulo: Perseu abramo,
2005.
MALAFAIA, Wolney Vianna. De chumbo e de ouro: política cultural de cinema em tempos
sombrios (1974 -1979). Rio de Janeiro: Dissertação de mestrado PPGHIS/UFRJ, 1996.
MELLO, Alcino Teixeira de. (org) Legislação do cinema brasileiro: resoluções do INC,
convênios, acordos, planos, instruções, circulares, portarias. Rio de Janeiro: Embrafilme, 1978.
RAMOS, Fernão. (org) História do cinema brasileiro. São Paulo: Art Editora, 1987.
RAMOS, Fernão e MIRANDA, Luiz Felipe. (org). Enciclopédia do cinema brasileiro. São
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ROCHA, Glauber. Revisão crítica do cinema brasileiro. Rio de Janeiro: Editora civilização
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RODRIGUES, Carlos. Censura Federal. Brasília: C.R.Editora, 1971.
SIMIS, Anita. Estado e cinema no Brasil. São Paulo: ANNABLUME, 1996.
SIMÕES, Inimá. Roteiro da intolerância: a censura cinematográfica no Brasil. São Paulo:
Editora Senac, 1999.
SOARES, Gláucio Ary Dillon. A censura durante o regime autoritário. In Revista Brasileira de
ciências sociais, vol. 4. no 10. p. 34

                                                                                             41
STEPHANOU, Alexandre Ayub. O procedimento racional e técnico da censura federal
brasileira como órgão público: um processo de modernização burocrática e seus impedimentos
(1964 – 1988). Porto Alegre: Tese de doutorado apresentada ao curso de Pós-graduação em
História da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, 2004.
VIANY, Alex. Introdução ao cinema brasileiro. Rio de Janeiro: Revan, 1993.
XAVIER, Ismael. Alegorias do subdesenvolvimento: cinema novo, tropicalismo e cinema
marginal. São Paulo: editora brasiliense, 1993.
WERNECK, Nelson. Síntese de história da cultura brasileira. Rio de Janeiro: Civilização
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                                                                                       42

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As múltiplas formas de censura no cinema brasileiro 1970 – 1980

  • 1. As múltiplas formas de censura no cinema brasileiro: 1970 – 1980. WILLIAM DE SOUZA NUNES MARTINS*1 Durante o período militar no Brasil a Divisão de Censura e Diversões Públicas (DCDP) teve um destacado papel como agência que visou coibir a livre atuação das produções artísticas. Responsável também pela censura cinematográfica, influenciou a maneira com que os diretores encaminhavam suas películas para que pudessem exibir seus filmes sem problemas com a censura. O objetivo deste artigo é discutir as múltiplas formas de censura pela qual passava o filme nacional para conseguir ser exibido tanto internamente como externamente. Cinema – Ditadura Militar – Censura Durante os governos militares foram criadas instituições responsáveis pelo financiamento artístico e cultural e que, embora diretamente ligadas ao governo, tomavam decisões que geravam conflitos com outros organismos governamentais. Essa situação foi resultado de um mecanismo complexo. Ao mesmo tempo em que uma instituição recebia incentivos do Estado voltados para a produção cinematográfica, outra instância foi responsável pela censura dessas mesmas produções. Nesse sentido, a Embrafilme, criada em 1969 e ligada ao Ministério da Educação e Cultura, pode ser caracterizada como uma agência que determinou políticas voltadas para o cinema, enquanto a Divisão de Censura e Diversões Públicas (DCDP), ligada diretamente a Polícia Federal, funcionou como uma agência executora de políticas coercitivas na esfera das diversões públicas. A existência dessas instituições evidencia uma faceta da produção cinematográfica que marcou todo o período militar. Ou seja, a existência de uma instituição que financiava o cinema, que optamos por chamar de Estado financiador, e outra que censurava o que era produzido, doravante chamado de Estado censor. Ao mesmo tempo em que promovia a produção cinematográfica, o regime militar possuía um rígido e bem estruturado aparelho censório, regulamentado por uma série de instrumentos de caráter legal anteriores a este período. As raízes da censura no Brasil remontam à chegada da família real. A partir de então, foi introduzida no território a imprensa e as primeiras leis de caráter censório. Não se poderia 1 * Doutorando no Programa de Pós-Graduação em História Social (PPGHIS) na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). williamdesnmartins@yahoo.com.br 29
  • 2. publicar sem prévio exame dos censores reais e eram proibidas declarações contra o governo, a religião católica e os bons costumes sociais.2 Foi a partir de 1930 que se começou a pensar na institucionalização da censura em um órgão criado para tal fim, no qual os funcionários seriam especializados. Em 1932, foi criado o Departamento Oficial de Propaganda (DOP) que tinha como uma das responsabilidades exercer a censura de divertimentos. No mesmo ano foi estabelecida a nacionalização do serviço de censura dos filmes cinematográficos. Já naquele momento, nenhum filme poderia ser exibido em território nacional sem um certificado do Ministério da Educação e Saúde Pública.3 Em substituição ao DOP, foi criado em 1934 o Departamento de Propaganda e Difusão Cultural (DPDC), que tinha como objetivo central ser um órgão técnico destinado a estudar e orientar a utilização do cinematógrafo. Na DPDC estava contemplada a censura cinematográfica, exercida por uma comissão composta por um representante do Ministério de Justiça e Negócios Interiores, um do Ministério da Educação e Saúde, um do Ministério do Exterior, um do Juizado de Menores, um representante do chefe de Polícia e um membro da Associação Brasileira de Produtores Cinematográficos.4 Com o golpe do Estado Novo e a outorga da Constituição de 1937, a censura de diversões públicas foi finalmente oficializada em uma constituição. Mas foi com a criação do Departamento de Imprensa e Propaganda (DIP)5 que se logrou burocratizar a censura tornando- a mais padronizada e eficiente em seus objetivos.6 As atribuições do DIP eram muitas. O órgão era responsável por centralizar, coordenar e orientar a propaganda nacional, além de servir como elemento auxiliar de informação dos ministérios e entidades públicas e privadas no que tangia a questão da propaganda. Também era incumbência do DIP a fiscalização do turismo, o incentivo a tradução de autores brasileiros e o estímulo à escrita de obras nacionais. No entanto, o que mais se destacou no funcionamento do órgão foram as atribuições relativas à censura, pois cabia ao departamento analisar e, quando fosse necessário, vetar as obras cinematográficas – além das peças teatrais, dos programas de rádio, da literatura social e política e da imprensa -, também estando encarregado de orientar o governo federal para a redução de impostos dos filmes educativos. Igualmente era atribuição do órgão promover premiações para o estímulo ao cinema.7 2 SMITH, Anne-Marie. Um acordo forçado: o consentimento da imprensa à censura no Brasil. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2000. p. 22. Também a respeito da censura a imprensa durante o período ver: LUSTOSA, Isabel. Insultos impressos: a guerra dos jornalistas na independência (1821 – 1823). São Paulo: Companhia das Letras, 2000. 3 Decreto n. 21.240 de 24 de abr de 1932. 4 Decreto n. 24.651. 10 de jul. de 1934. 5 Decreto-lei n. 1915 de 27 de dez. de 1939. 6 STEPHANOU, Alexandre Ayub. O procedimento racional e técnico da censura federal brasileira como órgão público: um processo de modernização burocrática e seus impedimentos (1964 – 1988). Porto Alegre: Tese de doutorado apresentada ao curso de Pós-graduação em História da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, 2004. p. 15. Sobre censura no Estado Novo, ver: GOULART, Silvana. Sob a verdade oficial: ideologia, propaganda e censura no Estado Novo. São Paulo: Marco Zero, 1990. 7 Decreto-lei. n. 1915 de 27 de dez. de 1939. 30
  • 3. Em fins do Estado Novo, a polícia encarregada da censura foi reformulada em Departamento Federal de Segurança Pública (DFSP) e passou a integrar o Ministério da Justiça e Negócios Interiores. Em 1945, foi criado o Serviço de Censura de Diversões Públicas (SCDP), ligado ao DFSP.8 No ano seguinte, foi aprovado o regulamento do SCDP que continha treze capítulos, que procurava dar conta das várias questões no âmbito artístico, desde a censura prévia até relativas ao direito autoral.9 A partir da publicação da lei estavam estabelecidas, dentre outros assuntos, que nenhum filme poderia ser exibido ao público sem censura prévia e sem um certificado de aprovação fornecido pelo SCDP; que os certificados seriam válidos por cinco anos a contar da data da aprovação do filme e que os censores poderiam recomendar para menores de idade os filmes capazes de despertar os bons sentimentos, as tendências artísticas, a curiosidade cientifica, o amor à pátria, à família e o respeito às instituições.10 Também ficava estipulado que a impropriedade dos filmes poderia ser declarada para crianças até 10, 14, ou para maiores de 18 anos. No que se refere ao processo técnico da censura, ficava compreendido nessa lei que o filme alvo de cortes teria as cenas inapropriadas anotadas no formulário preenchido pelo censor. Da mesma forma, o boletim deveria informar se o filme seria classificado como “educativo” e, no caso de um filme nacional, se era de “boa qualidade e livre para exportação”. As licenças negadas para a exportação do filme nacional aconteciam quando contivesse vistas desprimorosas para o Brasil, estivesse mal fotografado ou não recomendasse a arte nacional no estrangeiro, ou ainda se contivesse vistas de zonas que interessassem à defesa e segurança nacionais.11 A legislação censória entrou em vigor em 1946, ano em que o Brasil retomou o caminho da democracia. A entrada de Eurico Gaspar Dutra em substituição a Getúlio Vargas representava a volta de um presidente eleito pelo voto. De fato, a maioria dos vetos à produção cinematográfica ocorridas durante o regime militar esteve embasada na legislação censória de 1946, embora, durante o período em questão tenha havido outras leis censórias que visaram complementá-la. 8 Decreto-lei n. 8462 de 26 de dez. de 1945. 9 Decreto n. 20.493 de 24 de jan. de 1946. 10 Decreto n. 20.493 de 24/01/1946. Art. 12. 11 Idem. 31
  • 4. A SCDP era centralizada no Rio de Janeiro. Em 1961, o presidente Jânio Quadros concedeu aos estados da federação o direito de exercer censura individualmente. 12 Embora com a existência das SCDP’s estaduais, a SCDP central continuou existindo, no entanto, passando a ter conflitos de competência entre elas. Após o Golpe civil-militar de 1964 e a implantação do regime militar, as SCDP’s regionais continuaram existindo, mas pouco a pouco a idéia de um órgão central e mais ativo foi fortalecida. Em 1965 foi inaugurado o novo prédio da polícia federal em Brasília e, em 1966 o Serviço de Censura de Diversões Públicas foi centralizado no distrito federal. Apenas um ano após o golpe, a censura de diversões públicas foi centralizada, fato que nos evidencia que esta centralização foi um dos projetos iniciais do regime militar. Em 1973, a SCDP finalmente passou a ter o nome de Divisão de Censura e Diversões Públicas (DCDP), sigla que vai ficar conhecida da população durante a década de 1970 e 80, pois ao entrarem no cinema ou ao verem um programa televisivo o certificado do órgão aparecerá na tela.13 Em 1968, o governo Costa e Silva publicou a lei n. 5536 que dispunha sobre a censura a obras cinematográficas e teatrais e também criava o Conselho Superior de Censura. 14 A lei, publicada antes do AI-5, determinava que as obras artísticas fossem censuradas para efeito classificatório e também com sua liberação total ou parcial e deixava claro que o filme não poderia ser contrário à segurança nacional e ao regime representativo e democrático, à ordem e ao decoro públicos, aos bons costumes, ou ofensivas às coletividades ou às religiões ou, ainda, capazes de incentivar preconceitos de raça ou de lutas de classes.15 Além de reafirmar elementos contidos na lei de 1946, a lei de 1968 assegurou que a censura cinematográfica deveria ser realizada por comissões constituídas de três integrantes, os técnicos de censura. Estes, anteriormente chamados de censores federais, integrariam o quadro de pessoal do Departamento de Polícia Federal e, como exigência ao cargo, deveriam obrigatoriamente ser formados em curso superior na área de Ciências Sociais, Direito, Filosofia, Jornalismo, Pedagogia ou Psicologia.16 Antes da promulgação dessa lei, a exigência do curso superior para censor federal não existia, por isso, funcionários já integrantes do serviço público federal iam sendo realocados na DCDP conforme as necessidades funcionais do órgão. 12 Decreto n. 50518 de 1961. 13 Para evitar confusão com as siglas utilizadas, adotei a nomenclatura de DCDP mesmo para os casos que datam de antes de 1972. Assim, todas as referências estão relacionadas a censura federal. 14 Lei. n. 5.536 de 21 de novembro de 1968. Embora o Conselho Superior de Censura tenha sido criado por lei a partir desta lei, só começou a funcionar no final da década de 1970. A respeito do CSC ver: ALBIN, Ricardo Cravo. Driblando a censura: de como o cutelo vil incidiu na cultura. Rio de Janeiro: Gryphus, 2002. 15 Lei n. 5536 de 21 de novembro de 1968. Art. 3. 16 Idem. Art. 14. Parágrafos 1- 3. 32
  • 5. Dentre as atribuições da DCDP, estavam a censura prévia de peças teatrais, letras musicais, programação televisiva, atividades circenses, radiofusão e livros.17 Da mesma forma, a Divisão era responsável pela fiscalização da programação de eventos públicos. A partir da década de 1970, os censores ganharam um novo aliado. O livro intitulado Censura Federal fazia um apanhado das principais leis sobre censura no país. A seleção de leis foi compilada por Carlos Rodrigues e contou com prefácio do então presidente do Instituto Nacional do Cinema, Ricardo Cravo Albin, e ficou conhecida como “a bíblia dos censores”, já que o livro continha as principais leis sobre a censura e era de manuseio fácil e rápido para o trabalho do técnico de censura.18 Durante todo o período de funcionamento, a DCDP passou por algumas mudanças e por uma grande rotatividade de diretores. Entre 1964 e 1988, a divisão teve 13 responsáveis, quais sejam: Edísio Gomes de Matos (1964), Pedro José Chediak (1964 – 1966), Antônio Romero Lago (1966 – 1967), General Fulgêncio Façanha (1967), Coronel Aloísio Muhlethaler (1968 – 1969), Wilson Aguiar (1970), Geová Lemos Cavalcante (1971), Rogério Nunes (1972 – 1979) que permaneceu maior período, Wilson de Queiroz Garcia (1979), José Vieira Madeira (1979 – 1981), Solange Hernandes (1981 – 1984), Coriolano Fagundes (1985 – 1986) e o diretor que fechou as portas da divisão, Raymundo Eustáquio de Mesquita (1987 – 1988). A DCDP não teve as suas atividades imediatamente interrompidas com o fim do regime militar, somente com a Constituição de 1988 a censura passou da esfera de influência do Ministério da Justiça para o da Educação, restando apenas a finalidade de estabelecer classificação etária.19 É importante diferenciar as formas de censura que eram exercidas pela DCDP. Dessa forma, estabeleço entre censura política e moral as possibilidades de um filme ter cenas vetadas ou, eventualmente, ter a proibição de sua exibição em território nacional. A censura em si é um ato político, entrementes, quando aqui é diferenciada a censura moral da política procura-se estabelecer uma distinção dos motivos pelos quais os filmes eram censurados. Quando o filme era vetado ou tinha cenas cortadas por mostrar imagens que pudessem degradar a moral cristã da sociedade brasileira, classifico como moral. Esse tipo de censura foi apoiado durante muitos anos por parcelas da sociedade civil, como por exemplo, na década de 1920 com a Liga pela Moralidade ou durante o regime militar por cartas da 17 A DCDP não era diretamente responsável pela censura a livros, essa só era feita quando havia ofício ministerial para que tal fosse exercida. 18 RODRIGUES, Carlos. Censura Federal. Brasília: C.R.Editora, 1971. 19 No quinto capítulo da constituição de 1988 fica expresso que é vetada qualquer censura de natureza política, ideológica e artística. No terceiro parágrafo ficava acertado que competiria à lei federal regular as diversões e espetáculos públicos, cabendo ao Poder Público informar sobre as faixas etárias a que não se recomendem, locais e horários em que sua apresentação se mostre inadequada e também de estabelecer os meios legais que garantam à pessoa e à família a possibilidade de se defenderem de programas ou programações de rádio e televisão que contrariem o disposto no art. 221, bem como da propaganda de produtos, práticas e serviços que possam ser nocivos à saúde e ao meio ambiente. 33
  • 6. população exigindo vetos em produções artísticas.20 A censura política também esteve presente nas películas cinematográficas, mas não podemos identificar aí a tônica dos vetos. Como censura política, identificamos os casos nos quais o filme não pôde ser exibido ou teve cenas vetadas por atentar contra a Segurança Nacional. O discurso da DCDP caminhava no sentido da proteção da sociedade contra a imoralidade. Em 1970, concedendo uma entrevista para a revista Veja, o então chefe da censura, Wilson Aguiar, foi inquirido sobre quais eram os motivos que justificavam a censura. Ele respondeu que a censura baseia-se nas exigências da média da moralidade. É evidente que o comportamento dos grupos sociais de Ipanema, Copacabana e certas zonas de São Paulo é mais aberto. Mas o que nós procuramos é a média da moralidade brasileira.21 Pode-se perceber nitidamente esta dimensão moral quando analisamos as justificativas utilizadas pelos censores para os vetos. A grande maioria foi justificada em nome da preservação dos valores tradicionais da família brasileira. Sob esta tópica, circularam os mais variados assuntos, desde a defesa do catolicismo, até à assuntos polêmicos do período como entorpecentes, divórcio, referência ao homossexualismo, dentre outros. A censura de diversões públicas foi mais um instrumento do aparelho repressivo montado pelo regime militar,22 porém fica explícito que a censura de cunho moral foi orgulhosamente exercida pelos censores que tinham a idéia de fazer uma triagem das imagens e mensagens que eram perniciosas à população. No entanto, a censura política, que era feita pela mesma DCDP, era assumida com certo constrangimento quando os censores escreviam os pareceres sobre as películas.23 Também percebe-se uma proporção bastante diminuta de pareceres censórios enfocando questões políticas, provavelmente, porque sabedores das restrições a que seriam submetidos, os cineastas procurassem ao máximo lapidar os filmes para que não fossem vetados. A atuação da DCDP durante a ditadura militar era de controlar várias formas de produção artística. No entanto, o cinema possuiu um caráter diferenciado. Em primeiro lugar isso deveu-se ao fato desse campo possuir uma forte agência estatal, ligada ao Ministério da Educação e Cultura, financiadora de filmes, que eventualmente poderiam ser vetados pela 20 A esse respeito ver artigo de: FICO, Carlos. “Prezada censura”: cartas ao regime militar. In: Topoi: Revista de História. Rio de Janeiro: Programa de Pós-graduação em História Social da UFRJ / 7 Letras, set. 2002, n. 5, pp. 251 -283. 21 Veja. 7 de out. De 1970. p. 74. 22 Esse aparelho repressivo montado pelo regime militar englobava as seguintes instâncias: censura à imprensa, censura de diversões públicas, espionagem, polícia política e propaganda. Para maior detalhamento sobre o assunto ver: FICO, Carlos. Espionagem, polícia política, censura e propaganda: os pilares básicos da repressão In FERREIRA, Jorge e DELGADO, Lucilia Almeida Neves (orgs). O Brasil Republicano: o tempo da ditadura – regime militar e movimentos sociais em fins do século XX. Rio de Janeiro: Civilização brasileira, 2003. 23 FICO, Carlos. “Prezada censura”: cartas ao regime militar. Op. cit. p. 259. 34
  • 7. censura. A outra peculiaridade do campo cinematográfico dizia respeito às diferentes formas de censura aos filmes. A DCDP censurava filmes nacionais, estrangeiros, cartazes de filmes bem como os trailers que seriam exibidos antes das películas. Além disso, fazia também a censura aos curtas- metragens, tipo de produção que foi inclusive incentivado pelo próprio regime militar.24 Vale lembrar que a lei de 1946 previa que todo o filme nacional ou estrangeiro deveria ser classificado pelo órgão censor. Poderia ser colocado na categoria de “educativo”, “recomendado para a juventude” e, tratando-se de filme nacional, deveria ser classificado também como de “boa qualidade” e “livre para exportação”. A censura cinematográfica se diferenciava dos outros campos artísticos, pois o produtor de filmes lutava tanto para a liberação do filme para o público interno, como para que o mesmo pudesse ter a chancela de ‘Boa Qualidade’ e ‘Livre para Exportação’. Esse fato denota uma dupla jornada do produtor para a liberação. Vale notar que as décadas de 1960 e 1970 foram privilegiadas para o surgimento de vários movimentos artísticos e culturais que conseguiram mudar as concepções estéticas vigentes. Isso aconteceu tanto no campo cinematográfico e das artes teatrais como no musical. Assim, nos teatros eram encenadas peças baseadas nas novas concepções do Oficina e do Arena, nos palcos, o Tropicalismo era cantado ao som das guitarras elétricas e, no cinema, dois movimentos marcaram a cinematografia nacional e, no primeiro caso a mundial: o Cinema Novo e o Cinema Marginal.25 Observe-se que, concomitantemente ao surgimento de manifestações esteticamente notáveis, como o Cinema Novo, o desenrolar da produção cultural brasileira nos anos 1960, deu-se em um contínuo processo de massificação do consumo de divertimentos que, de algum modo, foi capaz, inclusive, de abranger aquelas expressões mais estetizadas. De fato, o Cinema Novo foi o primeiro movimento de vanguarda do cinema brasileiro. Embora não tenha originalmente se apresentado como escola estética, manifestou-se coletivamente através da insatisfação de cineastas com o tipo de produção realizada pelas grandes companhias cinematográficas. Os cineastas considerados do Cinema Novo tinham em comum a preocupação com problemas sociais e tentaram fazer uma reflexão sobre a identidade nacional brasileira. Assim, temos um movimento eminentemente político que, além de pensar sobre questões sociais, também discutia sobre a questão cinematográfica brasileira e, nesse sentido, se contrapunham à massificação dos filmes estrangeiros no Brasil. 24 Havia a obrigatoriedade do certificado da DCDP para qualquer tipo de exibição pública de películas, obrigando todos os produtores a enviarem seus filmes para a DCDP. 25 Sobre esses tópicos, ver dentre outros: XAVIER, Ismael. Alegorias do subdesenvolvimento: cinema novo, tropicalismo e cinema marginal. São Paulo: editora brasiliense, 1993. 35
  • 8. Em fins da década de 1960 e começo de 1970 teve início, em São Paulo, um movimento criativo que levou o público novamente para as salas de projeção. Os filmes eram oriundos da região paulista conhecida como “Boca do Lixo”. Esse espaço urbano, nas imediações da Estação da Luz, era onde tradicionalmente estavam os escritórios de produtores, distribuidoras e diretores. Também era o lugar conhecido pelas boates e pela zona de meretrício. Os filmes que saíram dessa região marcaram uma nova estética cinematográfica e ficaram conhecidos como Cinema Marginal. O Cinema Marginal foi oriundo dos desdobramentos do Cinema Novo, mas com uma clara crítica ao movimento que o precedeu. Os cineastas ligados ao “marginal” extrapolam o significado de experimentação e descambam para a representação da marginalidade e do amoralismo.26 Os filmes que saíam desse pólo tinham como temáticas recorrentes o adultério, a homossexualidade, o tráfico de drogas, a bissexualidade, as taras sexuais e a violência. Um dos tipos de filme originados da “Boca” foi a comédia erótica, conhecida como pornochanchada. A produção aliava a comédia de costumes, característica das chanchadas dos anos 1950, com picardia e erotismo, temperos básicos dos filmes originários da Boca do Lixo. De fato, a expressão pornochanchada reuniu um amplo conjunto de filmes bastante diversificados, mas que tinham como temática principal: a lubricidade.27 A pornochanchada serviu como experimentalismo para o cinema nacional e dividia-se em diversos subgêneros, como o pornô-drama, o pornô-terror, o pornopolicial, pornoaventura e o pornowestern. No seu início, era dotada de pouca malícia, mas, com o passar do tempo, elas foram mostrando cada vez mais o corpo feminino e masculino e apelando para piadas elementares de duplo sentido. A pornochanchada ficou, por distintos motivos, sob a mira tanto de parcelas moralistas da sociedade e críticos cinematográficos, como da censura. Para parcelas da sociedade, os filmes eram moralmente reprováveis em uma comunidade na qual prevalecia a ética cristã; com semelhante motivação, a censura visava resguardar um determinado tipo de moral e, para isso, vetava ou excluía dos filmes grande parte das cenas que pudessem ofender a moralidade da sociedade. Para os críticos cinematográficos, os filmes eram mal acabados e de péssima qualidade artística. No entanto, as comédias eróticas tinham grande apelo popular e foram muito produzidas, sendo um filão de mercado, pois os filmes eram sucesso de público. Por exemplo, entre os anos de 1970 e 1975, das 25 maiores bilheterias, 9 eram pornochanchadas, com destaque para o filme de Pedro Carlos Rovai, A Viúva Virgem. Lançado em 1972, ficou em cartaz durante sete semanas alcançado um público de 2.549.741 pessoas.28 26 Sobre o Cinema Marginal ver, entre outros: RAMOS, Fernão. Cinema Marginal (1968/1973): a representação em seu limite. São Paulo: Brasiliense, 1987. XAVIER, Ismael. Alegorias do subdesenvolvimento. Op. cit. 27 ABREU, Nuno César. Verbete: pornochanchada. In RAMOS, Fernão e MIRANDA, Luiz Felipe. (org) Enciclopédia do cinema brasileiro. São Paulo: SENAC, 2000. pp. 431 – 433. 28 ABREU, Nuno César. Verbete: pornochanchada. In RAMOS, Fernão e MIRANDA, Luiz Felipe. Enciclopédia do cinema brasileiro. São Paulo: Editora Senac, 2000. 36
  • 9. Devido as inovações estéticas no cinema brasileiro, os técnicos de censura quando iam analisar um filme nacional, se deparavam tanto com filmes que eram incentivados pelo governo, como por exemplo, os filmes históricos, como com as películas que sabidamente causava espanto a parcelas da população pelo excesso de erotismo. Quando o produtor enviava seu filme para a DCDP, poderia ser a película liberada integralmente, liberada com cortes ou interditada, além da classificação etária. Também deveria receber a chancela de livre para exportação, que daria ao filme mais possibilidade de auferir lucros para os produtores. Caso o filme fosse liberado integralmente poderia ser exibido nas salas de cinema tal como foi enviado à DCDP. Este foi o caso do filme Independência ou Morte, de Carlos Coimbra, que teve como atores principais Tarcísio Meira, no papel de Pedro I e Gloria Menezes, representando a Marquesa de Santos. O parecer do censor enalteceu as características do filme afirmando que trata-se de um filme excelente sobre a vida de D. Pedro I, seus amores, sua política, sua corte, seus triunfos e seus fracassos como homem e Imperador. (...) Filme de ótima qualidade digno do povo e suas tradições, em face do equilíbrio, bom senso e fidelidade ao enfocar os personagens e ambiência históricas, no Brasil, de 1816 a 1831. Pelo exposto, sugerimos a liberação do filme em pauta – Independência ou morte – para maiores de 10 (dez) anos sem qualquer restrição.29 Grande parte dos processos de censura referente aos filmes apresenta a liberação das películas com algum tipo de corte, fosse de ordem política ou moral. Como já foi mencionado nesse artigo, a maioria dos filmes era censurada por questões morais. O filme Vai trabalhar vagabundo de Hugo Carvana, teve nos papéis principais o próprio diretor e Odete Lara. A entrada do processo do filmes na DCDP aconteceu em 1973, que foi liberado com restrição máxima de idade, sendo que os produtores deveriam fazer dois cortes o primeiro na cena de entrega da encomenda à amiga de Dino, a partir da segunda vez em que o empregado bate a porta. Ainda na segunda parte, cortar cena do banho e do colóquio, e partir do momento em que o personagem gordo, de meia idade, anuncia que vai tomar banho, até momento em que os três se reúnem, já vestidos na sala. 29 AN. Divisão regional do Arquivo Nacional no Distrito Federal. Fundo DCDP. Série: Censura Prévia. Subsérie: programação cinematográfica Parecer do filme: Independência ou morte. Datado de 25 de agosto de 1972. 37
  • 10. Corta cenas intercaladas de ato sexual entre Dino e a empregada (preta) a partir do momento em que Dino vai tirar a roupa, até momento em que aparece sentado na cama, já vestido.30 Foi o caso também do filme Aleluia, Gretchen que foi liberado com classificação etária para 18 anos e tendo os produtores que fazer dois cortes. O enredo conta a história de uma família que fugiu da Alemanha durante o período nazista e se fixou no Brasil. Mesmo sendo um filme de fundo histórico, o censor para justificar os cortes alegava que o filme continha cenas que pressupunham um relacionamento sexual.31 Também poderia a película ter sua interdição total requerida pelo censor. Foi o caso do parecer da técnica de censura Luzia Maria Barcellos, que sugeriu o veto total ao filme América do sexo, filme dirigido por Leon Hirsman, Flávio Moreira da Costa, Rozemberg Filho e Rubem Maya. A censora constatou que os cortes que seriam necessários para a liberação do filmes eram tantos, que a película acabaria por ficar sem sentido, desse modo, só era possível a interdição total da obra.32 Quanto ao tipo de veto, já afirmamos que estes poderiam ser por questões políticas ou por questões morais. Também, segundo a legislação censória de 1946, os filmes poderiam ser vetados para exportação.33 Os filmes também poderiam ser liberados para a exibição no Brasil e, no entanto, não receberem a chancela de “boa qualidade” e “livre para exportação”. Caso curioso foi o filme do grupo Os trapalhões, Aladim e a Lâmpada Maravilhosa. Nem o grande sucesso do grupo no cinema e na televisão impediu que os censores Gláucia Soares e Onofre da Silva, ao analisar o processo do filme, assinassem o relatório dizendo que a qualidade técnica e mesmo o próprio filme em si são de recomendação duvidosa, razão pela qual deixamos de atribuir-lhe o requisito de “boa qualidade” e “livre para exportação”, de vez que acreditamos possa no exterior dar uma imagem falsa do nosso cinema.34 30 AN. Divisão regional do Arquivo Nacional no Distrito Federal. Fundo DCDP. Série: Censura Prévia. Subsérie: programação cinematográfica Parecer do filme: Vai trabalhar Vagabundo. Datado de 9 de novembro de 1973. 31 AN. Divisão regional do Arquivo Nacional no Distrito Federal. Fundo DCDP. Série: filmes. Processo do filme Aleluia, Gretchen. Datado de 5 de julho de 1976. 32 AN. Divisão regional do Arquivo Nacional no Distrito Federal. Fundo DCDP. Série: filmes. Processo do filme América do sexo. Datado de 29 de julho de 1970. 33 Decreto n. 20493 de 24 de Jan. de 1946. Art. 37 § 2. 34 AN. Divisão regional do Arquivo Nacional no Distrito Federal. Fundo DCDP. Série: programação cinematográfica. Processo do filme Aladim e a lâmpada maravilhosa. Datado de 10 de janeiro de 1974. 38
  • 11. Dos processos pesquisados, a não liberação para exportação foi minoria. A preocupação da DCDP era muito mais com o público interno do que externo. Os filmes que continham cenas de sexo e nudez poderiam ser aqui cortados e classificados com a faixa etária máxima, mas normalmente eram liberados para exportação. Por vezes, após receber a resposta da DCDP, mesmo o filme tendo sido liberado com cortes, os produtores poderiam entrar com pedido de revisão da censura. Outra análise dos técnicos de censura foi a questão da faixa etária na qual o filme era incluído. Os níveis etários para as diversões públicas foram estabelecidos pelos Decretos n. 20.493, de 24 de janeiro de 1946 e 37.008, de 8 de março de 1955 e pela portaria n. 492 de 10 de setembro de 1962. De acordo com os decretos, o espetáculo poderia ser visto por maiores de 5, 10, 14, 16 e 18 anos. As normas para classificação de espetáculos destinadas aos menores de idade possuíam seis capítulos. Esses tentavam dar conta de uma normatização para a classificação. Sendo assim, o quinto capítulo, intitulado Aplicação dos critérios gerais na fixação dos níveis de idade se subdividia em doze tópicos que deveriam ser observadas pelos censores. Quais sejam: Capacidade de compreensão, o censor deveria estar atento em proibir para menores de 18, 16, 14 e 10 anos os espetáculos que ultrapassem a capacidade de compreensão de cada um dos níveis etários; sensualidade, era proibido para menores em geral os filmes que estimulassem a sensualidade, também eram proibidos para menores de 18 anos os casos de homossexualismo e outras taras sexuais, curras e qualquer espécie de violência sexual, cenas de orgia e de desregramentos (principalmente aquelas que participem menores). Os que explorem com deliberado erotismo cenas de alcova ou apresentem práticas sexuais, nudismo, strip-tease e danças indecentes.35 Igualmente eram proibidos para menores de idade questão divididas nos seguintes tópicos: cenas e situações de desentendimento familiar; religião, cenas que desrespeitasse alguma convicção religiosa; civismo, cenas de desrespeito as instituições nacionais; senso social, temas que atentasse contra o senso social deveriam estar fora das vistas das crianças e jovens; sentido de dever; verdade, nesse tópico ficou claro que qualquer espetáculo que mostrasse a vitória da mentira, hipocrisia e traição deveriam ser banidos das vistas do menores de 18 anos; crime; violência, medo e angústia eram os últimos três tópicos que orientavam os censores. Durante o regime militar existiam duas formas de censura. A censura à imprensa, que nunca foi reconhecida pelos sucessivos governos militares e a censura de diversões públicas, que era estimulada tanto pelo governo como por parcelas da sociedade civil. 35 RODRIGUES, Carlos. Censura Federal. Brasília: C.RE.Editora, 1971. pp. 210-211. 39
  • 12. A censura que era feita pela DCDP açambarcava a programação de rádio, as letras de música, as atividades circenses, as peças teatrais, a programação televisiva e os filmes que eram exibidos em território nacional. A censura feita aos filmes cinematográficos denota uma preocupação na manutenção de um determinado tipo de moral na sociedade. Sendo assim, as cenas que supostamente poderiam atentar para uma quebra na estrutura social ou desvirtuamento da moral cristã eram vetadas pelos técnicos de censura. Embora a DCDP também estivesse pronta para fazer a censura política as películas cinematográficas, não foi a tônica da instituição durante os anos de existência, isso provavelmente se deveu ao fato dos produtores cinematográficos que, sabendo os rigores pelos quais os filmes deveriam passar, não produziam obras que sabidamente fossem contrárias aos ditames da lei de Segurança Nacional36. Também foi exposto que o produtor cinematográfico tinha que percorrer um caminho mais árduo do que outras obras artísticas para ter a liberação total de sua obra, pois além da classificação etária, havia a liberação tanto interna quanto externa dos filmes. Assim, os diretores e produtores cinematográficos sofriam múltiplas formas de censura. Ao analisar um filme, o técnico de censura avaliava tanto o que era bom para que a população brasileira assistisse, como opinava sobre o que o público internacional deveria ver sobre o Brasil nas telas cinematográficas.. 36 A lei de Segurança Nacional foi outorgada em 1967 e posteriormente alterada por uma nova Lei de 1969. 40
  • 13. Referências bibliográficas: ALBIN, Ricardo Cravo. Driblando a censura: de como o cutelo vil incidiu na cultura. Rio de Janeiro: Gryphus, 2002. AMANCIO, Tunico. Artes e manhas da EMBRAFILME: cinema estatal brasileiro em sua época de ouro (1977 – 1981). Niterói: Editora da universidade Federal Fluminense, 2000. BERNARDET, Jean-Claude. Historiografia clássica do cinema brasileiro. São Paulo: Annablume, 1995. FICO, Carlos. Além do golpe: versões e controvérsias sobre o golpe de 1964 e a Ditadura Militar. Rio de Janeiro: Record, 2004. FICO, Carlos. “Prezada censura”: cartas ao regime militar. In: Topoi: Revista de História. Rio de Janeiro: Programa de Pós-graduação em História Social da UFRJ / 7 Letras, set. 2002, n. 5, pp. 251 -283 GALVÃO, Maria Rita Eliezer - Burguesia e Cinema: o caso Vera Cruz. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1981. GOMES, Paulo Emílio Sales. Cinema: trajetória no subdesenvolvimento. São Paulo: Paz e Terra, 1996. LEITE, Sidney Ferreira. Cinema brasileiro: das origens a retomada. São Paulo: Perseu abramo, 2005. MALAFAIA, Wolney Vianna. De chumbo e de ouro: política cultural de cinema em tempos sombrios (1974 -1979). Rio de Janeiro: Dissertação de mestrado PPGHIS/UFRJ, 1996. MELLO, Alcino Teixeira de. (org) Legislação do cinema brasileiro: resoluções do INC, convênios, acordos, planos, instruções, circulares, portarias. Rio de Janeiro: Embrafilme, 1978. RAMOS, Fernão. (org) História do cinema brasileiro. São Paulo: Art Editora, 1987. RAMOS, Fernão e MIRANDA, Luiz Felipe. (org). Enciclopédia do cinema brasileiro. São Paulo: Editora Senac, 2000. ROCHA, Glauber. Revisão crítica do cinema brasileiro. Rio de Janeiro: Editora civilização brasileira, 1963. RODRIGUES, Carlos. Censura Federal. Brasília: C.R.Editora, 1971. SIMIS, Anita. Estado e cinema no Brasil. São Paulo: ANNABLUME, 1996. SIMÕES, Inimá. Roteiro da intolerância: a censura cinematográfica no Brasil. São Paulo: Editora Senac, 1999. SOARES, Gláucio Ary Dillon. A censura durante o regime autoritário. In Revista Brasileira de ciências sociais, vol. 4. no 10. p. 34 41
  • 14. STEPHANOU, Alexandre Ayub. O procedimento racional e técnico da censura federal brasileira como órgão público: um processo de modernização burocrática e seus impedimentos (1964 – 1988). Porto Alegre: Tese de doutorado apresentada ao curso de Pós-graduação em História da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, 2004. VIANY, Alex. Introdução ao cinema brasileiro. Rio de Janeiro: Revan, 1993. XAVIER, Ismael. Alegorias do subdesenvolvimento: cinema novo, tropicalismo e cinema marginal. São Paulo: editora brasiliense, 1993. WERNECK, Nelson. Síntese de história da cultura brasileira. Rio de Janeiro: Civilização brasileira: 1978. 42