1. ISSN 1984-2279
O Atendimento Educacional Especializado (AEE) e o aluno com autismo:
a voz dos professores da sala de recursos multifuncionais1
Marily Oliveira Barbosa2
Neiza de Lourdes Frederico Fumes3
RESUMO
O atendimento educacional especializado (AEE) veio estabelecer novas formas
de agir frente aos alunos com deficiência, auxiliando na permanência com
qualidade destes alunos dentro da escola. Em se tratando do aluno com
autismo, a sua entrada é relativamente recente e desperta na escola situações
desafiadoras. O objetivo deste estudo é desvelar o entendimento do professor
do AEE sobre o autismo e identificar as ações realizadas no AEE para os
alunos com autismo. Este estudo é de cunho qualitativo, pois visa obter a visão
dos pesquisados sobre o assunto em questão. Para isso utilizamos como
instrumento a entrevista semi-estruturada e para a análise de dados nos
apoiamos na análise de conteúdo. Os resultados demonstraram que todas as
professoras diziam-se ser favoráveis à inclusão desses alunos no ensino
regular e demonstraram possuir conhecimento sobre o autismo. As ações do
AEE ocorriam de formas diferenciadas, sempre de acordo com as
necessidades de cada aluno, com atividades complementares, auxiliando no
processo de ensino aprendizagem. A totalidade das professoras relataram os
desafios e a satisfação em observar os avanços educacionais de seus alunos.
Para melhorar o AEE existe a necessidade de uma parceria entre a escola e
família.
Palavras chaves: Atendimento Educacional Especializado (AEE); autismo;
professores.
INTRODUÇÃO
A entrada de alunos com deficiência no ambiente escolar vem passando
por inúmeras transformações, embora ainda muitos sejam os entraves para
garantir os direitos a esta população de frequentarem a escola regular.
Diversos mecanismos, como decretos, leis e resoluções começaram a
1
Eixo temático: Transtornos globais do desenvolvimento. Indicação da categoria:
comunicação
2
Mestranda no programa de pós-graduação em educação brasileira pela Universidade
Federal de Alagoas e integrante do Núcleo de Estudos em Educação e Diversidade
(NEEDI). Agência de fomento: CAPES.
3
Docente do Centro de Educação da Universidade Federal de Alagoas e
coordenadora do Núcleo de Estudos em Educação e Diversidade (NEEDI).
2416
2. ISSN 1984-2279
aparecer através das reivindicações da sociedade, com o intuito de assegurar
este direito. No Brasil, a Constituição Federal de 1988 mobilizou o país em
relação aos direitos individuais e sociais, estabelecendo que todos são iguais
perante a lei, portanto todos tem direitos, inclusive à mesma educação. Sendo
assim, o direito do aluno com deficiência adentrar na escola regular foi
mencionado no artigo 208 ao indicar que o atendimento educacional
especializado para o aluno com deficiência deve ocorrer preferencialmente na
rede regular de ensino (BRASIL 1988).
A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDBEN) 9394, de
1996, dedicou um capítulo para a educação especial e definiu-a como uma
modalidade de educação escolar, oferecida preferencialmente na rede regular
de ensino (BRASIL, 1996).
Esta definição da Educação Especial como modalidade de ensino
manteve-se na Política Nacional de Educação Especial na perspectiva da
Educação Inclusiva (2008). Vejamos:
Uma modalidade de ensino que perpassa todos os níveis,
etapas e modalidades, realiza o atendimento educacional
especializado, disponibiliza os serviços e recursos próprios
desse atendimento e orienta os alunos e seus professores
quanto a sua utilização nas turmas comuns do ensino regular
(BRASIL, 2008).
Veltrone e Mendes (2011) mencionam que atualmente a política de
educação especial está vinculada ao atendimento educacional especializado,
que tem por objetivo incluir a todos na rede regular de ensino, respeitando a
diversidade e buscando os apoios necessários para a entrada e permanência
dos alunos com deficiência. O atendimento educacional especializado tem a
função:
identificar, elaborar e organizar recursos pedagógicos e de
acessibilidade que eliminem as barreiras para a plena
participação dos alunos, considerando suas necessidades
específicas. As atividades desenvolvidas no atendimento
educacional especializado diferenciam-se daquelas realizadas
na sala de aula comum, não sendo substitutivas à
escolarização. Esse atendimento complementa e/ou
suplementa a formação dos alunos com vistas à autonomia e
independência na escola e fora dela (BRASIL, 2008).
2417
3. ISSN 1984-2279
Diante do exposto, consideramos que o atendimento educacional
especializado veio estabelecer novas formas de agir frente aos alunos com
deficiência, auxiliando assim na permanência com qualidade destes alunos
dentro da escola. O AEE deve ser realizado na sala de recursos multifuncionais
(SRM), que “são ambientes dotados de equipamentos, mobiliários e materiais
didáticos e pedagógicos para a oferta do AEE”, para a realização, além dos
equipamentos, a escola deve possuir um professor especializado que atue no
atendimento aos alunos com deficiência, inclusive aos alunos com autismo
(BRASIL, 2011).
A Resolução CNE/CEB 4/2009 define que fica sob responsabilidade do
professor do AEE organizar os serviços e recursos pedagógicos para cada
aluno, bem como acompanhar a aplicabilidade deles na sala do ensino regular
e ainda orientar professores e familiares sobre estes recursos. Sendo assim
observamos que muitas responsabilidades foram delegadas a este professor e
que cabe a ele conhecer os diferentes aspectos dos alunos atendidos pela
educação especial, para assim auxiliar no desenvolvimento destes dentro da
sala de aula regular.
O público alvo a ser atendido pela educação especial é extenso,
principalmente ao pensarmos que o AEE deve auxiliar a todos os alunos, com
suas diferentes peculiaridades. Em se tratando do aluno com Transtorno Global
do desenvolvimento, mais especificamente o autismo, foco da nossa pesquisa
Belisário Filho (2010, p. 15), apoiado nos estudos de Kanner e Asperger, indica
que:
O autismo se caracteriza pela presença de um
desenvolvimento acentuadamente prejudicado na interação
social e comunicação, além de um repertório marcantemente
restrito de atividades e interesses. As manifestações desse
transtorno variam imensamente a depender do nível de
desenvolvimento e idade.
Os alunos com autismo apresentam diversas formas de ser e agir, com
respostas diferentes entre si. Bridi, Fortes e Bridi Filho (2006) afirmam que
muitos profissionais da área da educação enfrentam certo temores em relação
aos procedimentos com o aluno com autismo, pois alegam não se sentirem
preparados para lidar com eles, por desconhecerem as peculiaridades destes
2418
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alunos, temendo assim uma possível intervenção pedagógica junto à eles. Por
outro lado, concordamos com Cunha e Mata (2006) que consideram que o
contato com os alunos autistas auxilia na mudança de paradigma destes
professores gerando assim mudanças atitudinais e redimensionando o fazer
pedagógico.
Silva (2010) salienta que a proposta de inclusão, quando se trata da
inclusão de alunos com autismo, demanda grandes desafios à escola como um
todo e principalmente ao professor que irá lidar diretamente com o aluno.
Considerando estes aspectos, o objetivo deste estudo é desvelar o
entendimento do professor do AEE sobre o autismo e identificar as ações
realizadas no AEE para os alunos com autismo.
METODOLOGIA
Esta pesquisa é de natureza qualitativa. Costa (2001) menciona que
este tipo de pesquisa se origina com uma realidade que não pode ser
quantificada, trabalhando com a subjetividade dos participantes, em particular
com as suas atitudes, valores, crenças, e buscando compreender suas
respostas de forma a tornar o problema mais explícito.
Flick (2009) relata que os métodos qualitativos consideram a
comunicação do pesquisador com o campo e seus membros como parte
explícita da produção do conhecimento e se caracteriza pela interação direta
entre o pesquisador e o objeto de estudo.
Para obtermos os dados da pesquisa utilizamos a entrevista
semiestruturada. O objetivo deste tipo de entrevista “é revelar o conhecimento
existente de tal modo que se possa expressá-lo na forma de respostas,
tornando-se assim, acessível à interpretação” (FLICK, 2009, p.153). A
entrevista semiestruturada é definida como um processo de entrevista que
consiste em perguntas escolhidas de antemão com o objetivo de extrair
informações dos entrevistados, podendo quando necessário acrescentar novas
perguntas, visando resultados importantes para a pesquisa em questão
(ANGROSINO, 2009).
2419
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Antes da realização da entrevista foi realizado um levantamento a
respeito dos alunos com autismo na cidade de Maceió, através do Censo
Escolar municipal (2011), em que foram identificadas 20 alunos com autismo
matriculados na rede. De posse desta informação, encaminhamo-nos às
escolas para negociar o acesso à instituição, porém em alguns casos, as
informações não se confirmaram – em algumas escolas não havia alunos com
autismo matriculados.
Foram confirmados nove alunos com autismo regularmente
matriculados em cinco escolas municipais. A partir da identificação deste
universo, convidamos as professoras das salas de recurso multifuncional que
atuavam diretamente com estes alunos para participar da pesquisa. Após estes
professores terem aceitado tomar parte do estudo, realizamos as entrevistas
em seu ambiente de trabalho. Estas foram gravadas em mp4 e a seguir
transcritas.
Posteriormente às entrevistas e transcrições, foi realizada uma leitura
juntamente com uma análise minuciosa e exaustiva de todos os dados, e, a
partir destes, foram levantadas as categorias. Neste processo fez-se uso da
análise de conteúdo. Minayo (2004, p. 209) menciona que este tipo de análise
“[...] consiste em descobrir os núcleos de sentido que compõem uma
comunicação cuja presença ou frequência signifiquem alguma coisa para o
objeto analítico visado”, a análise desdobra-se em três etapas: pré-análise;
exploração do material e tratamento dos resultados obtidos e interpretação.
Através da direção da análise de conteúdo, foram criadas as
categorias, denominadas como: Entendimento dos professores sobre o autismo
e o Atendimento Educacional Especializado voltado ao aluno com autismo.
RESULTADOS E DISCUSSÃO DOS DADOS
Começamos a apresentação dos resultados com a descrição de
algumas características dos participantes da pesquisa, que pode ser vista no
quadro 1. Vale salientar que os nomes são fictícios para preservar a identidade
dos sujeitos envolvidos nela.
2420
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Quadro1. Características dos participantes da pesquisa
Professor Formação Pós-graduação Tempo Alunos com Série Escola
da SRM inicial de autismo
atuação
Eliana Letras Psicopedagogia Márcio Ens. infantil II A
e Educação 3 anos
Especial. Fernando Ens. A
fundamental I
Márcia Ens. B
Sônia Psicologia Psicologia fundamental I
Jurídica e 9 anos Anildo Ens. C
Educação fundamental I
Especial. Elton Ens. D
fundamental I
Samanta Pedagogia Psicopedagogia Ernesto Ens. infantil II E
4 meses Carlos Ens. infantil I E
Kaldy Ens. infantil I E
Dircel Ens. infantil I E
Girlene Pedagogia Psicopedagogia 9 anos Antônio Ens. F
fundamental I
Nivaldo Ens. F
fundamental I
Em relação às escolas pesquisadas, pudemos ressaltar que todas elas
eram de âmbito público e de nível municipal. Todas possuíam diversos alunos
com deficiência regularmente matriculados, entre eles os alunos com autismo.
As escolas A e B possuíam uma sala de recursos multifuncionais, do tipo 1, e
possuíam professores especializados que atuavam nessas salas no período
matutino e vespertino. Por outro lado, as escolas C e D não possuíam SRM e,
por isso o atendimento dos alunos com deficiência era realizado na escola B,
pela professora Sônia.
Todas as professoras possuíam formação em nível superior e
especialização na área, conforme a exigência da Política Nacional de
Educação Especial na perspectiva da Educação Inclusiva (BRASIL, 2008).
Especificamente, todas tinham formação em nível de pós-graduação lato senso
em Psicopedagogia e Educação Especial. Dito isso, todas tiveram disciplinas
em sua formação que tratavam sobre a Educação Especial e nestas disciplinas
houve alguma menção sobre o autismo. Além disto, todas as professoras já
haviam participado de cursos de pequena duração relacionados à temática do
autismo.
O tempo de atuação das professoras participantes nas SRMs era entre
quatro meses e nove anos. Cabe ressaltar que a professora que estava há 4
2421
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meses na SRMs atuava na rede pública de ensino havia cinco anos e possuía
em sua sala um aluno com autismo.
Conforme a fala das professoras, todos os alunos com autismo
atendidos por elas possuíam diagnóstico, participavam dos atendimentos da
SRMs duas vezes por semana e complementavam esse atendimento com
sessões com fonoaudiologia e terapia ocupacional. O aluno Ernesto, além
destas intervenções, participava de sessões de equoterapia e Educação Física.
Todos os alunos possuíam plano de atendimento individual e participavam de
avaliações contínuas realizadas pelas professoras da SRM. Cabe aqui
ressaltar que os alunos Márcio, Antônio e Nivaldo possuíam auxiliar de sala
exclusiva, disponibilizado pela secretaria municipal de ensino. Vejamos mais
detalhadamente os pontos de vista dos professores através das categorias a
seguir.
Entendimento dos professores sobre o autismo
Ao buscar junto às professoras entrevistadas o entendimento que cada
uma delas possuía sobre o autismo as respostas foram diversas, embora
apresentassem concepções similares entre si. Vejamos a seguir a opinião das
professoras:
O autismo ainda é uma incógnita, porque cada criança autista
tem muito mais individualidade do que uma criança que não
tem autismo. Cada uma tem uma condição diferenciada, cada
uma é uma caixinha de surpresa (Professora Eliana).
Assim... o autismo é como se fosse uma caixinha de surpresa.
Cada criança age de um jeito. O autista é uma pessoa normal,
igual a todo mundo e ele tem os mesmos direitos, ele tem que
ir para a sala de aula e só assim ele vai desenvolver a sua vida
social, junto com outras crianças. E tem de ser tratada igual às
outras crianças (Professora Samanta).
No recorte da professora Samanta fica evidenciado que, independente
da criança possuir o autismo, ela tem os mesmos direitos que todos os
cidadãos, inclusive de frequentarem a mesma escola, fato citado por diversos
documentos legais (BRASIL, 1988; 1996; 2008).
2422
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Corroborando com os dispositivos legais, Cintra, Jesuino e Proença
(2010) mencionam que a oportunidade de interação do aluno com autismo no
ambiente escolar é a base para o seu desenvolvimento, como para o de
qualquer outra criança.
Ao buscar junto às professoras entrevistas a definição do autismo, elas
recorreram as suas concepções pessoais, inclusive relataram sobre a não
existência de uma “cura” para o autismo. Vejamos o que elas nos dizem:
Eu definiria como uma doença da alma, um transtorno da alma
porque existe algum motivo daquela criança estar vivendo em
outro mundo, né? Pode não ser o motivo aparente, pode ser
uma família totalmente estruturada, mas existe algum motivo.
Tanto é que a medicina tenta encontrar alguma coisa genética,
de disfunção biológica, química e não consegue encontrar
(Professora Eliana).
O autismo é a criança estar no mundinho dela e aos poucos
com a ajuda de todos, ele vai acordando e enxergando o
mundo da gente, vai deixando o mundinho dele de lado e vindo
para o da gente. O autismo pra mim é isso, porque é uma
síndrome que até hoje não tem cura, mas que com um bom
tratamento com pessoas especializadas o autista consegue
desenvolver assim uma vida social, tendo o apoio tanto da
família como de profissionais multifuncionais (Professora
Samanta).
De fato, o atendimento junto às crianças com autismo deve ter um
caráter multidisciplinar, isto é, ser realizado por vários profissionais
especializados, com cada caso sendo avaliado de forma particularizada,
tentando identificar suas necessidades e potencialidades, estimulando as
habilidades presentes em cada criança, objetivando combater os
comportamentos indesejáveis e mal adaptados que interferem no
desenvolvimento da criança com autismo (BANDIM, 2010).
Em relação à questão da caracterização da criança com autismo, as
professoras apontaram para um ou mais dos aspectos que compõe a tríade
que caracteriza o individuo com autismo, conforme Kanner e Asperger, citados
por Belisário Filho (2010), citaram em seus estudos. Tais menções podem ser
observadas abaixo:
O autismo é um transtorno global do desenvolvimento. É uma
criança com muita dificuldade de interação, de comunicação e
eu acho que isso é o que mais dificulta. Geralmente ele vem
2423
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associado há outras coisas, hiperatividade (Professora
Girlene).
O autismo segundo a parte teórica é aquela criança que tem
dificuldade na comunicação, no contato com a realidade, mas
ou menos isso. É um aluno igual a qualquer outro (Professora
Sônia).
Tem as características dos autistas, que é o olhar que eles não
conseguem olhar. Não tem aquela interação com a família,
principalmente com a mãe e aos poucos é o isolamento, querer
ficar sempre sozinho, se apegar a um brinquedo só. Não usar
aquele brinquedo como deveria ser usado, também gestos
sempre repetitivos, é isso (Professora Samanta).
Os indivíduos com autismo apresentam limitações significativas na
tríade: área social, de comunicação, presença de comportamento incomum e
repetitivo (LAMPREIA, 2008). Geralmente, eles apresentam dificuldade com o
contato visual, uso de gestos e expressões faciais na comunicação, brincar
com outros e fazer amizades, dificuldades de linguagem e comunicação e o
desenvolvimento precário da imaginação também são características
essenciais. Apresenta ainda atraso no desenvolvimento da linguagem, sendo
que as crianças que desenvolveram a linguagem apresentam problemas para
iniciar e manter o diálogo e a tendência de entender tudo literalmente, bem
como se utilizam da linguagem incomum, estranha ou a usa repetitivamente
(WILLIAMS, 2008).
Ainda sobre as características do autismo, Bandim (2010) relata que o
comprometimento na interação social na criança com autismo é amplo e
persistente, sendo um dos aspectos chave na caracterização do autismo, em
relação aos movimentos incomum e repetitivo, seriam as repetições
automáticas e uniformes de determinado ato motor complexo, pode atingir,
áreas como a mímica, gestos e linguagem.
O Atendimento Educacional Especializado voltado ao aluno com autismo
O atendimento educacional especializado para os alunos com autismo
deve funcionar de forma complementar, garantindo apoio a estes alunos,
principalmente com atividades desenvolvidas dentro da SRM (BRASIL, 2008).
2424
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A intervenção das professoras parecia se orientar nesta mesma perspectiva,
conforme podemos ver:
O AEE para mim é o complemento e suplemento para que
aquele menino [que tem autismo] não fique em desvantagem.
Porque [aluno] tem o déficit, mas aí eu vou trabalhar com ele,
para que ele assim não fique em defasagem com o outro aluno
(Professora Sônia).
Além disso, o AEE é percebido como um grande desafio pelas
professoras que enfatizam a particularidade do aluno com autismo:
Eu acho que o autismo no AEE é o maior desafio, porque não
tem receita nenhuma para a criança com autismo. Então para
mim está em construção, porque não tem receita, diferente do
de baixa visão, porque aí você tem receita, eu vou trabalhar
com lente, com isso... No autismo não tem. Então, com o que
eu vou trabalhar? Que instrumento eu tenho? Eu acho que a
gente tá formando o laboratório, criando um instrumento para
trabalhar com eles (Professora Eliana).
Estes questionamentos da professora Eliana podem ser compreendidos
pelo recente ingresso do aluno com autismo no ambiente da escola regular e
mesmo pelas muitas interrogações ainda existentes em relação ao próprio
autismo. Silva (2010) salienta que muitos professores ainda enfrentam diversas
dificuldades em lidar com os alunos com autismo, devido à necessidade de
modificar determinados atos educativos, uma vez que o aluno com autismo
requer da escola e dos professores a adoção de novas práticas pedagógicas.
O AEE, segundo Cintra, Jesuino e Proença (2010), se constitui em um
conjunto de procedimentos específicos, que auxiliam no processo de ensino e
aprendizagem do aluno, principalmente o aluno com autismo que necessita de
diversos procedimentos para que assim ele alcance a aprendizagem eficaz.
Durante a entrevista buscamos desvelar como acontece o AEE nas
escolas em que trabalhavam as professoras entrevistadas. Todas as
professoras indicaram que o atendimento destes alunos era realizado duas
vezes por semana. A professora Sônia e Eliana realizavam estes atendimentos
em duplas, no contraturno, junto com alunos com deficiência intelectual,
enquanto que as professoras Samanta e Girlene atendiam a seus alunos
sempre de forma individual e no contraturno. Vejamos como ocorrem estes
atendimentos no fragmento abaixo:
2425
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A gente [professoras do AEE] faz assim: a anamnese primeiro,
que é a história de vida com a mãe ou algum responsável,
depois faz uma avaliação, depois dessa avaliação a gente
procura saber com a mãe se ele já faz alguma atividade em
alguma instituição e faz o plano de atendimento. Eu, no caso,
faço um relatório escrito e entrego aos professores [...] e peço
um relatório para eles me contarem como é essa criança na
sala dele. Daí eu recolho e olho para descobrir alguma
habilidade para que eu possa explorar aqui na minha sala.
Também procuro a família para conhecer. Eu sempre fico
buscando algo que a criança tem de potencial (Professora
Sônia).
Além da professora Sônia, as outras professoras realizavam também a
anamnese, avaliação e a busca por parceria com os familiares do aluno com
autismo, buscando, desta forma, melhorar a interação e auxiliar no processo de
aprendizagem deste aluno. Silva (2010) considera que é através da parceria,
entre a família e a escola que o processo de aprendizagem se consolida,
auxiliando assim a eliminação de barreiras para efetivo desenvolvimento deste
aluno.
As professoras Eliana e Samanta explicitaram sobre o AEE em seus
ambientes profissionais:
O atendimento para o Fernando é todo de estimulo de
aprendizagem. O Fernando está completamente inserido na
escola, então ele participa das aulas, das apresentações da
escola [...] apesar dele não ter oralidade. Ele faz tudo muito
direitinho e você nota a felicidade dele (Professora Eliana).
Cada aluno tem um plano diferente, pois cada um tem
necessidades diferentes, aí eu vou ver as necessidades de
cada um e as potencialidades. O André mal sabia escrever,
conhecia todas as letras, mas não escrevia, então eu fui
trabalhando com isso, estimulando com jogos e ele está
escrevendo e lendo. Já o outro não escreve aí eu fiz trabalho
com coordenação, principalmente a questão do limite e agora
ele já está tirando [copiando] do quadro (Professora Girlene).
O atendimento eu estou trabalhando mais a parte psicomotora
deles, com jogos, com vídeos e computador, trabalhando
também no pátio, porque o autista tem de ter interação com
outros alunos, aí vou para o pátio e faço atividades físicas com
eles (Professora Samanta).
Conforme observamos, o AEE ocorre de formas diferenciadas, sempre
de acordo com as necessidades de cada aluno, com atividades
complementares, auxiliando assim no processo de ensino aprendizagem.
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Stainback et al (1999) expõem que a aprendizagem necessita ser
individualizada de acordo com as necessidades, interesses, habilidades e
competências singulares de cada aluno, inclusive para aqueles que possuem
alguma deficiência, proporcionando assim meios para a sua permanência com
qualidade no sistema educacional. Cintra, Jesuino e Proença (2010)
mencionam que para atuar neste campo o professor tem a responsabilidade de
elaborar estratégias pedagógicas e disponibilizar recursos que favoreçam o
acesso ao currículo comum, bem como auxiliar na interação destes alunos
junto à comunidade escolar, visando o desenvolvimento da autonomia destes
alunos.
Quanto às ações realizadas pelas professoras no AEE, procuramos
conhecer como elas percebiam a ação pedagógica com alunos com autismo. A
totalidade delas relatou os desafios de se trabalhar com esses alunos, quer
seja em relação à dificuldade em lidar com eles por contas de suas
particularidades, como também em relação às professoras da sala de aula.
Outro ponto levantado por todas as professoras foi a questão do absentismo
do aluno, tanto na escola, como também no AEE. Vejamos nos recortes a
seguir:
Eu acho assim belo, mas eu acho que poderia ser melhor se
tivesse assim uma assiduidade dos alunos, das atividades, se
eles frequentassem mais a escola, eu não sei como ele se
comporta na outra escola, como ele interage (Professora
Sônia).
A presença dos alunos com autismo no ambiente escolar tornou
necessárias diversas modificações, como, por exemplo, a relação dos
professores da sala de aula comum e a do AEE, entre outras. Veltrone e
Mendes (2011) afirmam que a permanência destes alunos na escola regular
exige a união entre escola, família e o AEE, pois é através dessas parcerias
que se faz possível um atendimento de qualidade voltado para esses alunos. O
autismo é um desafio, compreendê-lo exige observação constante,
aprendizagens contínuas e, parcerias comprometidas com o desenvolvimento
educacional eficaz desses alunos.
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CONSIDERAÇÕES FINAIS
No decorrer dessa pesquisa foi possível observar que as professoras
entrevistadas possuíam conhecimentos atuais sobre o autismo. Todas as
professoras demonstraram que a escola regular é a base para o
desenvolvimento dessas crianças.
Em se tratando do AEE e do aluno com autismo, as professoras
mencionaram ser um desafio atuar junto a esses alunos. Havia barreiras no
contexto educativo, contudo estes estavam sendo rompidos e os alunos com
autismo cotidianamente estavam conseguindo realizar progressos e estes
instigavam a realização de um trabalho cada vez melhor. O AEE junto a esses
alunos ocorria de forma diferenciada para cada aluno, visando ampliar as
potencialidades individuais, auxiliando no processo de ensino aprendizagem.
Para melhorar o AEE, as professoras mencionaram a necessidade de
uma equipe multidisciplinar, bem como a existência de uma parceria entre o
AEE, escola e família, pois é através dessa união que os alunos com autismo
poderão construir aprendizados reais voltados para a sua independência na
vida. O atendimento educacional especializado se constitui como mais uma
ferramenta para auxiliar no desenvolvimento acadêmico dos alunos com
autismo, uma vez que esses têm direito a receber uma educação de qualidade
em ambientes acolhedores que promovam não apenas o aprendizado para a
vida estudantil, mas para toda a vida.
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