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Aluno não se adaptou a aulas especiais e voltou para a escola do bairro.
Professora da rede municipal do RS cursou libras para ensinar a turma.
Ana Carolina MorenoDo G1, em São Paulo




                                                     Crianças são alfabetizadas em português e em
libras (Foto: Jean Schwarz / Agência RBS)

Os 19 alunos de uma turma do 1º ano do Fundamental no Rio Grande do Sul estão sendo
alfabetizados em duas línguas: português e libras, a linguagem brasileira de sinais. Em nome da
inclusão de um dos alunos, que desenvolveu surdez profunda depois de contrair meningite
quando era bebê, o colégio desenvolveu uma parceria inovadora. E o resultado vem beneficiando
toda a classe.
Filho de ex-alunos da Escola Municipal Professor Gilberto Jorge Gonçalves da Silva, na periferia
de Porto Alegre, o garoto, hoje com oito anos, estudou lá desde o jardim de infância, mas foi
transferido para um colégio especial para surdos ao iniciar o ciclo de alfabetização, em 2010.
Como não se adaptou à nova rotina e à longa distância entre a casa e a escola, a mãe do aluno
decidiu fazer uma campanha para rematricular a criança no colégio do bairro.
saiba mais
         Estudantes de medicina aprendem libras para atender pacientes surdos
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A campanha deu certo. O menino voltou à antiga escola. Para recebê-lo, a orientadora
educacional da instituição, Suzana Moreira Pacheco, criou um sistema de parceria com a escola
especial para surdos Salomão Watnick, também da rede municipal. Desde agosto do ano
passado, um estagiário foi contratado para servir de intérprete.
Três vezes por semana, o garoto frequenta a escola regular, onde a professora Valéria Cé
Guerisoli guia a turma de 19 crianças na alfabetização com letras e sinais.
Nos outros dias, ele participa de atividades na escola especial, onde pode interagir com outras
crianças surdas.
Segundo Suzana, a Prefeitura de Porto Alegre mantém a escola dedicada a atender às
necessidades das crianças com deficiência auditiva. Mas, como não houve adaptação nesse caso,
foi desenhada uma "organização que funciona para o aluno". Ela afirmou que "entre o ideal e o
possível existe um intervalo, mas muita coisa dá pra fazer".
Benefícios
Aos 40 anos e com 17 de carreira no ensino público, Valéria conta que frequentou um curso de
libras durante um ano, já sabendo que poderia receber o garoto em sua turma. Segundo ela,
aprender a linguagem de sinais não é só um conhecimento a mais para os alunos.
"Ela contribui para todos. Aquela criança que estava levando mais dificuldade para reconhecer a
letra C, por exemplo, quando eu faço o uso do sinal com a mão ela começa a sentir mais
facilidade", explicou.
A aprendizagem dos números também fica mais fácil, segundo Valéria. "Eles não sabem
escrever '34', porque não associam o 'tri' de 'trinta' ao 'tre' de 'três', mas em libras eles sabem
contar."
A professora afirmou que as crianças veem a linguagem de sinais "como um brincar, é quase um
jogo de mímica". Elas inventaram sinais que correspondem ao nome de cada uma e, às vezes,
querem até inventar novos sinais, quando não sabem se referir a algo.
Inclusão
A escola Gilberto Jorge Gonçalves já vivenciou outras experiências de inclusão. "Temos alunos
autistas, cada um é de um jeito completamente diferente", explicou Valéria, que se lembra de
uma turma com até seis crianças portadoras de algum tipo de deficiência.
A diversidade nas salas de aulas incentivou a tolerância e o convívio pacífico entre os alunos.
Certa vez, contou a professora, um colega emprestou sua cola para o aluno surdo, mas ele se
esqueceu de devolvê-la. Em vez de se irritar ou tomar o objeto à força, o colega buscou Valéria
para aprender o sinal que deveria usar na conversa com o amigo. "Isso é muito natural para mim,
para os outros professores e para os alunos da escola", disse ela.

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  • 1. Aluno não se adaptou a aulas especiais e voltou para a escola do bairro. Professora da rede municipal do RS cursou libras para ensinar a turma. Ana Carolina MorenoDo G1, em São Paulo Crianças são alfabetizadas em português e em libras (Foto: Jean Schwarz / Agência RBS) Os 19 alunos de uma turma do 1º ano do Fundamental no Rio Grande do Sul estão sendo alfabetizados em duas línguas: português e libras, a linguagem brasileira de sinais. Em nome da inclusão de um dos alunos, que desenvolveu surdez profunda depois de contrair meningite quando era bebê, o colégio desenvolveu uma parceria inovadora. E o resultado vem beneficiando toda a classe. Filho de ex-alunos da Escola Municipal Professor Gilberto Jorge Gonçalves da Silva, na periferia de Porto Alegre, o garoto, hoje com oito anos, estudou lá desde o jardim de infância, mas foi transferido para um colégio especial para surdos ao iniciar o ciclo de alfabetização, em 2010. Como não se adaptou à nova rotina e à longa distância entre a casa e a escola, a mãe do aluno decidiu fazer uma campanha para rematricular a criança no colégio do bairro. saiba mais Estudantes de medicina aprendem libras para atender pacientes surdos Surdos são tratados como incapazes de aprender, diz professora-doutora Manifestantes defendem educação especial para deficientes auditivos A campanha deu certo. O menino voltou à antiga escola. Para recebê-lo, a orientadora educacional da instituição, Suzana Moreira Pacheco, criou um sistema de parceria com a escola especial para surdos Salomão Watnick, também da rede municipal. Desde agosto do ano passado, um estagiário foi contratado para servir de intérprete.
  • 2. Três vezes por semana, o garoto frequenta a escola regular, onde a professora Valéria Cé Guerisoli guia a turma de 19 crianças na alfabetização com letras e sinais. Nos outros dias, ele participa de atividades na escola especial, onde pode interagir com outras crianças surdas. Segundo Suzana, a Prefeitura de Porto Alegre mantém a escola dedicada a atender às necessidades das crianças com deficiência auditiva. Mas, como não houve adaptação nesse caso, foi desenhada uma "organização que funciona para o aluno". Ela afirmou que "entre o ideal e o possível existe um intervalo, mas muita coisa dá pra fazer". Benefícios Aos 40 anos e com 17 de carreira no ensino público, Valéria conta que frequentou um curso de libras durante um ano, já sabendo que poderia receber o garoto em sua turma. Segundo ela, aprender a linguagem de sinais não é só um conhecimento a mais para os alunos. "Ela contribui para todos. Aquela criança que estava levando mais dificuldade para reconhecer a letra C, por exemplo, quando eu faço o uso do sinal com a mão ela começa a sentir mais facilidade", explicou. A aprendizagem dos números também fica mais fácil, segundo Valéria. "Eles não sabem escrever '34', porque não associam o 'tri' de 'trinta' ao 'tre' de 'três', mas em libras eles sabem contar." A professora afirmou que as crianças veem a linguagem de sinais "como um brincar, é quase um jogo de mímica". Elas inventaram sinais que correspondem ao nome de cada uma e, às vezes, querem até inventar novos sinais, quando não sabem se referir a algo. Inclusão A escola Gilberto Jorge Gonçalves já vivenciou outras experiências de inclusão. "Temos alunos autistas, cada um é de um jeito completamente diferente", explicou Valéria, que se lembra de uma turma com até seis crianças portadoras de algum tipo de deficiência. A diversidade nas salas de aulas incentivou a tolerância e o convívio pacífico entre os alunos. Certa vez, contou a professora, um colega emprestou sua cola para o aluno surdo, mas ele se esqueceu de devolvê-la. Em vez de se irritar ou tomar o objeto à força, o colega buscou Valéria para aprender o sinal que deveria usar na conversa com o amigo. "Isso é muito natural para mim, para os outros professores e para os alunos da escola", disse ela.