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Cobra Norato,
de Raul Bopp
Manoel Neves
COBRA NORATO
e o Modernismo Brasileiro
1931
Primeira	Geração	do	Modernismo	Brasileiro	[filia-se	à	corrente	da	Antropofagia]	
colagem	poé8ca	de	vários	mitos	amazônicos	
lendas [mitos]
Cobra Honorato [Norato] Cobra Grande [Boiuna] Boto
causo
Filha da Rainha Luzia
COBRA NORATO
e o Modernismo Brasileiro
por que se insere na primeira geração?
a)	o	livro	é	construído	durante	as	andanças	de	Raul	Bopp	pelo	Brasil	[faz	cada	ano	do	curso	de	
Direito	em	uma	cidade	[Porto	Alegre,	Recife,	Belém	e	Rio	de	Janeiro];	b)	durante	suas	andanças	
pela	região	amazônica,	trava	contato	com	inúmeras	lendas,	mitos	e	causos;	c)	constrói,	de	início,	
um	poema	infan8l	a	par8r	da	colagem	de	lendas	e	causos	[o	poema	é	gestado	na	década	de	1920].
COBRA NORATO
e o Modernismo Brasileiro
o que é mito?
narra8va	que	explica	como	o	mundo	era	na	sua	origem,	quando	homens	e	deuses	vivam	juntos;	
ao	construir	um	texto	baseado	em	mitos	amazônicos,	intenta-se	falar	sobre	a	origem	do	Brasil.	
por que a Amazônia?
a)	a	Amazônia	se	configura	como	espaço	primordial,	pq	ali	os	enredos	mágicos,	a	indissociação	
entre	homens,	plantas	e	bichos	ainda	existe	[Curupira,	Boto,	Saci-Pererê,	Cobra	Grande];	
b)	tais	casos	fabulosos	ainda	hoje	fazem	parte	do	imaginário	popular;	
c)	a	Amazônia	configura-se	como	espaço	primi0vo,	originário,	mágico.
análise:	encarnação	do	mal,	elemento	da	natureza	que	se	volta	contra	o	homem	+	Bíblia.	
COBRA NORATO
e o Modernismo Brasileiro
o mito da Cobra Grande [Boiuna]
é	o	mito	mais	poderoso	da	região	e	complexo	da	região	amazônica;	
tal	cobra	tem	poderes	cosmogônicos	[a	par8r	dela	se	originou	o	dia,	a	noite,	animais,	aves]	
no	início	8nha	o	tamanho	de	uma	sucuri,	depois	encorpa,	abandona	a	floresta	e	vai	para	o	rio;	
os	pescadores	ribeirinhos	e	os	índios	a	temem;	
versão:	escravizava	as	tribos	e	exigia	para	si	uma	jovem	virgem	[Macunaíma];	
versão:	mora	debaixo	de	um	cemitério	na	Ilha	de	Marajó	[Câmara	Cascudo];	
versão:	foi	vencida	por	Maria	e	está	sob	seus	pés	numa	Igreja	[religiosa	+	Cobra	Hononorato].
Fonte:	hap://lendasemitosbr.blogspot.com/2008/07/cobra-grande-ou-cobra-norato.html
Fonte:	hap://fotofotografar.blogspot.com/2011/06/amazonia-brasil.html
COBRA NORATO
e o Modernismo Brasileiro
o mito da Cobra Honorato
apesar	de	ser	filha	da	Cobra	Grande,	possui	boa	índole	e	representa	uma	anftese	do	mal;	
um	dia,	uma	cunhã	estava	se	banhando	no	rio,	quando	foi	engravidada	[pela	Cobra	Grande];	
nasceram	2	crianças	que	foram	lançadas	no	rio	[o	pajé	não	permi8u	sua	permanência	na	aldeia];	
as	crianças	se	criam	como	cobras	d`água;	
Norato	é	bom,	Caninana	é	má	[assusta,	vira	embarcações,	mordeu	a	cobra	de	Óbidos	etc]	
Norato	foi	obrigado	a	matar	a	irmã	para	viver	calmo;	vai	a	festas,	deixa	o	couro	de	cobra	no	rio;	
um	dia	é	desencantado,	vira	gente,	vive	normalmente	e	acaba	por	morrer,	como	os	demais.
Fonte:	hap://www.sohistoria.com.br/lendasemitos/honorato/
COBRA NORATO
e o Modernismo Brasileiro
uma análise dos mitos serpentários
Nas	palavras	do	professor	Alexandre	Amaro,	o	embate	entre	as	duas	serpentes	configura	a	luta	
entre	o	bem	e	o	mal;	paradoxalmente	o	mal	engendra	o	bem:	
O	poema	Cobra	Norato	será	o	palco	do	embate	entre	essas	duas	forças	da	natureza	amazônica,	
desvelando	 um	 Brasil	 primi0vo	 para	 o	 leitor	 comum	 e	 atendendo,	 com	 isso,	 aos	 preceitos	
antropofágicos	de	reconstrução	da	imagem	do	Brasil	a	par0r	de	sua	iden0dade	genuína.
COBRA NORATO
e o Modernismo Brasileiro
a lenda do Boto
é	um	peixe	amazônico;	reza	a	lenda	que,	em	algumas	noites,	ele	se	transforma	em	um	homem	
belo	e	sai	para	aproveitar	a	vida	[festas,	violas];	então,	seduz	algumas	mulheres	e	as	engravida.
COBRA NORATO
e o Modernismo Brasileiro
a filha da Rainha Luzia
Em	Valha-me-Deus,	na	ilha	de	Tucum,	conversei	com	uma	velhinha,	de	voz	macia,	enquanto	ela	
moqueava	peixe.	[...]	Narrou-me	ela	toda	a	história	do	casamento	da	filha	do	rei	Sebas0ão,	que	
estava	de	ca0veiro.	Ela	ia	se	casar	com	um	moço	de	Sacoitá.	[...]	Citou-me	também	a	história	da	
rainha	Luzia,	em	termos	misturados	e	confusos,	que	não	deram	para	avaliar	a	sua	importância	
no	“who	is	who”	folclórico.	
Como	 se	 vê,	 nos	 elementos	 da	 mitologia	 indígena,	 Raul	 Bopp	 vinha	 acrescentar	 o	 toque	 da	
tradição	 lusa,	 elemento	 fundamental	 no	 fabulário	 brasileiro.	 A	 “filha	 da	 rainha	 Luzia”,	
personagem	 criada	 pela	 imaginação	 do	 poeta,	 reunia,	 portanto,	 retalhos	 de	 duas	 fontes	
diferentes:	a	história	da	filha	do	rei	Sebas0ão	e	da	rainha	Luzia.	Deste	“cruzamento”,	surgia	a	
“filha	da	rainha	Luzia”,	por	quem	Cobra	Norato	viria	a	realizar	as	maiores	façanhas.
COBRA NORATO
e o Modernismo Brasileiro
A Antropofagia, 1928
primitivismo crítico revisão crítica do passado histórico-cultural
devoração cultural seletiva investigação das origens do Brasil
Apesar	de	ter	travado	contato	com	os	escritores	do	Movimento	Verde-Amarelo,	Bopp	se	iden8fica	
com	as	ideias	da	Antropofagia,	pois	vê	nelas	uma	compreensão	do	Brasil	que	se	assemelha	à	sua:	
Cobra	 Norato	 corresponde,	 em	 grande	 medida,	 a	 esse	 anseio	 de	 remodelação	 da	 iden0dade	
brasileira,	 a	 despeito	 de	 seu	 projeto	 ter	 sido	 estruturado	 anos	 antes	 do	 Movimento	
Antropofágico.	A	aproximação	com	Oswald	de	Andrade	foi	apenas	o	elemento	desencadeador	
de	sua	elaboração	e	da	associação	com	o	Movimento.
COBRA NORATO
e o Modernismo Brasileiro
aspectos da Antropofagia em Cobra Norato
devoração de tradições regionais e universais
lendas	amazônicas	+	aspecto	de	epopeia:	o	herói	sai	em	busca	de	aventuras	e	de	reconhecimento	
fusão de tradições
de	um	lado,	temos	a	tradição	brasileira	[lendas	colhidas	na	Amazônia],	recolhida	entre	negros,		
índios,	caboclos;	de	outro	lado,	temos	a	saga	do	herói	universal,	originária	das	narra8vas	europeias
Bopp conforma mitos brasileiros a um gênero literário europeu
COBRA NORATO
aspectos técnicos
gênero
epopeia
poema	que	conta	a	história	de	um	herói	que	se	desloca	em	busca	de	aventuras	e	reconhecimento;	
rapsódia
texto	que	se	constrói	a	par8r	de	uma	colagem	de	mitos	e	lendas;	epopeia	de	uma	nação;	
estrutura
o	poema	se	divide	em	33	partes	[cantos]	
enredo
personagem	se	insere	na	pele	de	cobra	e	sai	em	busca	do	amor	da	filha	da	Rainha	Luzia
COBRA NORATO
o enredo
Para unir-se à filha da Rainha Luzia, o protagonista amarra uma fita no pescoço de uma cobra [seduz] e a estrangula;
enfia-se na pele elástica da cobra e começa a desbravar a floresta amazônica até Belém, na busca da filha da Rainha Luzia.
o herói cria um mundo de faz de contas: Quero contar-te uma história/ Vamos passear naquelas ilhas decotadas?/
faz de conta que há luar. [imagens inusitadas = surrealismo] Cobra Norato fecha os olhos e inicia a viagem [onirismo].
O locutor se depara com sapos beiçudos,lama, charco, árvores de galho que o espiam; a selva está numa insônia
profunda; a floresta tenta seduzir o locutor, mas este só tem olhos para a filha da Rainha Luzia:
De todos os cantos me chamam
– Onde vais Cobra Norato?
Tenho aqui três arvorezinhas jovens à tua espera
– Não posso
Eu hoje vou dormir com a filha da rainha Luzia.
O desejo de volta às origens aparece expresso em: Vou andando caminhando caminhando/ Me misturo no ventre
do mato mordendo raízes. O locutor procura proteção para conseguir seu objetivo.
COBRA NORATO
o enredo
No início da segunda parte, evidenciam-se os componentes do rito, etapas a serem cumpridas para que se estabeleça
o pacto entre o herói e a floresta [missões que precisa executar para alcançar seu intento]:
– Agora sim
Vou ver a filha da rainha Luzia
Mas antes tem que passar por sete portas
Ver sete mulheres brancas de ventres despovoados
guardadas por um jacaré.
– Eu só quero a filha da rainha Luzia
Tem que entregar a sombra para o Bicho do Fundo
Tem que fazer mirongas na lua nova
Tem que beber três gotas de sangue
Mesmo após realizar as tarefas, o herói não encontra sua amada:
Onde irei eu
que já estou com o sangue doendo
das mirongas da filha da rainha Luzia
COBRA NORATO
o enredo
O locutor parte em busca da filha da rainha Luzia, enquanto isso, a floresta trabalha:
Rios magros obrigados a trabalhar
A correnteza se arrepia
descansando as margens gosmentas
Raízes desdentadas mastigam lodo
Num estirão alagado
o charco engole a água do igarapé [...]
Aqui é a escola das árvores
Estão estudando geometria
A personificação [antropomorfismo] é um traço recorrente no livro, por meio do qual se reforça o caráter mítico da narrativa,
igualando num só nível humano, animal e vegetal; a floresta se desfaz e se refaz, constantemente, expressando ânsias
e lamentos, reinventando-se a cada nova fase da travessia do herói, que, curioso, se arrisca pelos mistérios da mata:
COBRA NORATO
o enredo
Vou furando paredões moles
Caio num fundo de floresta
inchada alarmada mal-assombrada
Ouvem-se apitos um bate-que-bate
Estão soldando serrando
Parece que fabricam terra
Ué! Estão mesmo fabricando terra
O discurso antropofágico faz convergir tradição [floresta, terra] e modernidade [soldar, serrar, fabricar]. Note-se, ainda, a
influência do futurismo no poema [incorporação de elementos do mundo tecnológico ao poema].
O antropomorfismo da floresta que se fabrica assume, às vezes, um tom de forte sensualidade, pois, na ânsia de se
multiplicar, as árvores se oferecem num jogo erótico entrevisto pelo narrador-personagem:
Escorrego por um labirinto
com árvores prenhas sentadas no escuro
Raízes com fome mordem o chão
Carobas sujas levantam os vestidos
como cachos de lama pingando
COBRA NORATO
o enredo
Açaís pernaltas
movem de folhas lentas no ar pesado
como pernas de aranha espetadas num caule
Miritis abrem os grandes leques vagarosos
Em alguns momentos, nota-se a justaposição de imagens [quadros autônomos], q imprime velocidade às cenas narradas:
Desaba a chuva
levando a vegetação
Vento saqueia as árvores folhudas
de braços para o ar
Sacode o mato grande
Nuvens negras se amontoam
Monstros acocorados
tapam horizontes beiçudos
Palmeiras aparam o céu
Alarmam-se as tiriricas
Saracurinhas piam piam piam
COBRA NORATO
o enredo
Guariba lá adiante puxa reza
As lagoas arrebentaram
Água rasteira agarra-se nos troncos
Rolam galhos secos pelo chão
O charco embarriga
com o vem-vem de plantinhas miúdas de enxurrada
Árvores encalhadas pedem socorro
Mata-paus vou-bem-de-saúde se abraçam
O céu tapa o rosto
Chove... Chove... Chove...
COBRA NORATO
o enredo
Na travessia, Norato afunda-se num útero de lama e consegue sair graças ao Tatu-de-bunda-seca, auxiliar na travessia:
Ai que estou perdido
Num fundo de mato espantado mal-acabado
Me atolei num útero de lama
O ar perdeu o fôlego
Um cheiro choco se esparrama
Mexilhões estão de festa no atoleiro
Atrás de troncos encalhados
ouço guinchos de guaxinim
Parece que vem alguém nesse escurão sem saída
– Olélé. Quem vem lá?
– Eu sou o Tatu-bunda-seca
– Ah compadre Tatu
que bom você vir aqui
COBRA NORATO
o enredo
Quero que você me ensine a sair desta goela podre
– Então se segure no meu rabo
que eu le puxo
Após dormir três dias e três noites, Norato conta sua história para o novo amigo. Note-se o lamento poético:
Ai compadre
Não faça barulho
que a filha da
rainha Luzia
talvez ainda esteja dormindo
Ai onde andará
que eu quero somente
ver os seus olhos molhados de verde
seu corpo alongado de canarana
COBRA NORATO
o enredo
Talvez ande longe...
E eu virei vira-mundo
Para ter um querzinho
Da filha da rainha Luzia
Ai não faça barulho...
Os capítulos XII a XVI narram o ciclo de um dia no tempo mítico de Cobra Norato; há intenso descritivismo dos elementos
Norato e o Tatu-de-bunda-seca saem em busca do mar, que fica a dez léguas de mato e mais dez léguas. Entram na
floresta virgem ao cair da noite; depois de andarem, começam a sentir fome e vão ao putirum [mutirão], roubar tapioca
na casa das farinhadas grandes, em que as mulheres trabalham, enquanto mastigam cachimbos. As personagens estão
– Compadre, eu já estou com fome
Vamos lá pro Putirum roubar farinha?
– Putirum fica longe?
– Pouquinho só chega lá.
acompanhadas do Compadre Jabuti, que conhece os caminhos da Amazônia:
COBRA NORATO
o enredo
Cunhado Jabuti sabe o caminho
– Então vamos
Vamos lá pro Putirum
Putirum Putirum Putirum
– Vamos roubar tapioca
Putirum Putirum Putirum
Casão das farinhadas grandes
Mulheres trabalham nos ralos
Mastigando os cachimbos
Aparece, então, Joaninha Vintém e conta o causo do Boto que a pegou de surpresa quando estava lavando roupa:
– Joaninha Vintém conte um causo
– Causo de quê?
– Qualquer um
– Vou contar causo do Boto
Putirum Putirum
COBRA NORATO
o enredo
Amor chovia
Chuveriscou
Tava lavando roupa maninha
quando o Boto me pegou
– Ó Joaninha Vintém
Boto era feio ou não
– Ai era um moço loiro, maninha
tocador de violão
Me pegou pela cintura
– Depois o que aconteceu?
– Gente!
Olha a tapioca embolando nos tachos
– Mas que Boto safado!
Putirum Putirum
COBRA NORATO
o enredo
Quando percebem que a festa está animada, Norato e o Tatu-de-bunda-seca transformam-se em humanos:
A festa parece animada, compadre
– Vamos virar gente pra entrar?
– Então vamos
Durante a festa, Norato pede permissão para quebrar um verso pra dona da casa e recita:
Angelim folha miúda
que foi que te entristeceu?
Tarumã
Foi o vento que não trouxe
notícias de quem se foi
Tarumã
Flor de titi murchou logo
nas margens do Igarapé
Tarumã
COBRA NORATO
o enredo
Na areia não deixou nome
o rasto o vento levou
Tarumã
O uso do metro de sete sílabas comprova a ligação de Bopp com a poesia popular; neste trecho e no citado a seguir,
percebe-se o contágio de Cobra Norato com a poesia popular:
– Mexa com o corpo velho
trance pernas com a moça, compadre
– Balancê, Traversê
– Com sus pares contraro
– Vorver pela direita
– Mudar de posição
Vou tomar tacacá quente
Tico-tico já voltou
Foi no mato cortar lenha
Urumutum Urumutm
COBRA NORATO
o enredo
Pica-pau bate que bate
já bateu meu coração
Bateu bico toda noite
Urumutum urumutum
Depois de cantar, dançar e beber cachaça, os dois amigos vão embora. Joaninha Vintém, enamorada por Cobra Norato
quer vir junto, mas é impedida pelo protagonista, que chama o Tatu e segue viagem:
– Olha, compadre
Aquela moça está toda dobradinha por você
Já está na hora de ir embora
Esquente o corpo com uma xiribita
que ainda temos que pegar muito chão longe
– Vamos!
– Compadre.
escuite uma coisa aqui no ouvido:
Joaninha Vintém quer vim junto
COBRA NORATO
o enredo
– Nada disso. É muito tarde.
Traga umas ervas de surra-cachorro
e vamos pegar o que ficou lá fora.
Deixam a festa, despedem-se do Cunhado Jabuti e seguem andando, machucando estradas mais pra diante. Adiante
há uma pajelança [espécie de bruxaria praticada pelos curandeiros da Amazônia]. O corpo de um dos pajés é tomado por
uma onça curuana [que examina os doentes de sezão]. Cada doença é tratada por uma entidade da natureza:
Mais adiante uma pajelança
No escuro a um canto do rancho
Pajé assobia comprido fiu.. fiu
chamando o mato.
– Mato! Quero minha onça caruana maracá te chama
Onça chegou Saltou Entrou no corpo do Pajé
– Quero tafiá Quero fumar Quero dança de arremedar
Não gosto de fogo
COBRA NORATO
o enredo
Mestre Paricá chama os doentes
de sezão de inchaço no ventre espinhela caída
– Só quem sabe curar isso é Mãe do Lago
– Quem entende de inchaço é o Urubu-tinga
Pajé faz uma benzedura de destorcer quebrantoE depois fuma e defuma
Fumaça de mucurana
gervão com cipó-titica
e favas de cumaru
Em seguida pega uma figa de Angola
Risca uma cruz no chão
e varre o feitiço do corpo com penas de ema
O último caruana pede tafiá dança de arremedar
– E quero mais diamba
Em seguida pega uma figa de Angola
Risca uma cruz no chão
– Compadre, vamos também experimentar uma
fumadinha?
COBRA NORATO
o enredo
Pajé tonteou Se acocorou Foi-se sumindo
assobiando baixinho fiu... fiu... fiu...
Então
contrata o mato pra fazer mágica
Norato ouve um apito e avista, ao longe, um casco prateado e velas embojadas de vento; o Tatu corrige o herói: não é
navio – é a Cobra Grande, que vai se casar com a moça que nunca conheceu homem; Norato decide assistir às bodas
da Boiúna; rumo à festa, o locutor pede licença ao vento, mas encontra o Pajé-pato e o Saci; dá cachaça a eles e
consegue passar; ao chegar à casa da Boiúna vê um cururu de sentinela; entra pelos fundos de uma grota e encontra,
então, a Filha da Rainha Luzia [motivo de sua busca]; Norato arma um plano , rapta a moça e engana a Boiúna:
– Sapo boi faça barulho
– Ai Quatro Ventos me ajude
Quero forças para fugir.
Cobra Grande vem-que-vem-vindo pra me pegar.
Já-te-pego. Já-te-pego.
COBRA NORATO
o enredo
– Serra do Ronca role abaixo
– Tape o caminho atrás de mim.
Erga três taipas de espinho
fumaças de ouricuri.
– Atire cinzas pra trás
pra agarras distância.
Já-te-pego. Já-te-pego.
Tamaquaré, meu cunhado,
Cobra Grande vem-que-vem.
Corra imitando o meu rasto.
Faz de conta que sou eu
entregue o meu pixê na casa do Pajé-pato.
Torça caminho depressa
Que a Boiúna vem lá atrás
Como uma trovoada de pedra.
Vem amassando mato.
COBRA NORATO
o enredo
Uei!
Passou rasgando o caminho
Arvorezinhas ficaram de pescoço torcido
As outras rolaram esmagadas de raiz para cima
O horizonte ficou chato
Vento correu correu
mordendo a ponta do rabo.
Pajé-pato lá adiante ensinou caminho errado:
– Cobra Norato com uma moça?
Foi pra Belém. Foi se casar
Cobra Grande esturrou direto pra Belém.
Deu um estremeção.
Entrou no cano da Sé
e ficou com a cabeça enfiada debaixo dos pés de Nossa
Senhora
COBRA NORATO
o enredo
A cena final reproduz uma imagem recorrente no catolicismo brasileiro – em que Nossa Senhora da Conceição esmaga
com os pés uma cobra, símbolo do pecado original. Vencido o obstáculo, o herói segue para as terras do Sem Fim.
A moça segue com ele. Vão morar em uma casinha com porta azul piquinininha/ pintada a lápis de cor. Ao final da
história, Raul Bopp homenageia os participantes do Modernismo e seus amigos de outras regiões:
Pois é, compadre
Siga agora o seu caminho
Procure minha madrinha Maleita
diga que eu vou me casar
que eu vou vestir minha noiva
com um vestidinho de flor
Quero uma rede bordada
com ervas de espalhar cheiroso
e um tapetinho titinho
de penas de irapuru
COBRA NORATO
o enredo
No caminho
vá convidando gente pro Caxiri grande
Haverá muita festa
durante sete luas sete sóis
Traga a Joaninha Vintém o Pajé-pato Boi-Queixume
Não se esqueça dos Xicos Maria-Pitanga o João Ternura
O Augusto Meyer Tarsila Tatizinha
Quero povo de Belém de Porto Alegre de São Paulo
– Pois então até breve, compadre
Fico le esperando
atrás das serras do Sem-fim
COBRA NORATO
elementos técnicos
estrutura
Os	versos	são,	em	sua	maioria,	livres	e	brancos.	Segundo	Lígia	Marrone	Averbuck,	as	33	partes	
em	que	estrutura	o	texto	apresentam-se	como	verdadeiras	cenas,	painéis	móveis,	compostas	
por	 justaposição	 de	 imagens.	 As	 sequências	 destas	 imagens	 instalam,	 numa	 espécie	 de	
montagem,	 uma	 sucessão	 de	 caráter	 cinematográfico.	 Augusto	 Massi	 destaca	 o	 caráter	 de	
bricolagem	ou	montagem	da	obra,	cuja	estrutura	poé8ca	exibe	uma	forma	elás8ca,	como	se	
fosse	 uma	 pele	 textual,	 alternando	 polimorficamente	 momentos	 líricos,	 narra8vos	 e	
dramá8cos.	 Para	 esse	 crí8co,	 no	 plano	 interno,	 a	 forma	 elás8ca	 harmoniza	 os	 elementos	
através	de	uma	prosificação	das	células	rítmicas,	do	ero0smo	visual	de	suas	metáforas.	
foco narrativo primeira	pessoa;	uso	de	muitos	diálogos	
estilo 1 ausência	de	pontos	finais:	Foi	pra	Belém	Foi	se	casar	
estilo 2 caráter	surrealista	[onirismo,	ilogismo]	
estilo 3 futurismo	[Norato	parece	um	trem	de	ferro:	Já-te-pego]
COBRA NORATO
a estrutura, segundo Othon M. Garcia
ideia de extensão ilimitada e de continuidade ou duração
uso	de	verbos	no	gerúndio	e	referências	às	longas	distâncias	ou	caminhadas	
Vou andando caminhando caminhando
Arregaçam os horizontes
Parece que o espaço não tem fundo
Vamos andando machucando estradas mais pra diante
COBRA NORATO
a estrutura, segundo Othon M. Garcia
ideia de um mundo em gestação
paisagem	líquida	e	vegetal,	que	reúne	árvore-água-terra	e	correlatos	[lama,	raízes,	chuvas	etc.]	
Um cheiro choco se esparrama
Mexilhões estão de festa no atoleiro
O charco embarriga
com o vem-vem de plantinhas miúdas na enxurrada
reforça	a	ideia	de	decomposição-fermentação-fecundação	e	traz	traços	de	sexualização	do	cenário:
Lameiros se emendam
Mato amontoado derrama-se no chão.
COBRA NORATO
a estrutura, segundo Othon M. Garcia
ideia de devoramento, realçando o caráter antropofágico
gravidez:	destaque	para	as	palavras	barriga,	umbigo,	encher,	inchar,	lamber,	mas0gar,	engolir	
Um charco de umbigo mole me engole
Um fio de água atrasa lambe a lama
O sol belisca a pele azul do lago
As árvores corcundas com fome mastigando estalando
entre roncos de ventres desatufados
COBRA NORATO
a estrutura, segundo Othon M. Garcia
ideia de sonolência
primi8vismo	[incorporação	do	modo	de	vida	do	caboclo–	mussangulá,	estado	de	indolência]	
para	Bopp,	são	párias	de	barriga	vazia	de	fome	mas	inchada	de	verminose,	encharcada	de	malária	
Vou me espichar nesse paturá,
As águas grandes se encolheram com sono[...] Tenho
vontade de ouvir uma música mole
Quero dormir três dias e três noites
com o sono do Acutipuru.
COBRA NORATO
a linguagem
vocabulário
amazônico gaúcho africano português
liberdade linguística
Mata-paus vou-bem-de-saúde se abraçam
Então esperazinho um pouco
construções paratáticas
A floresta se avoluma
Movem-se espantalhos monstros
riscando sombras estranhas no chão
Árvores encapuçadas soltam fantasmas
O luar amacia o mato sonolento
COBRA NORATO
a linguagem
onomatopéias
Espia-me um sapo sapo
... Tiúg... Tiúg... Twi. Twi-twi
infantilização da linguagem
Vento-ventinho assoprou de fazer cócegas nos ramos
uso do infinitivo carinhoso
ficarzinho estarzinho
aliteração e assonância
Vem que vem vindo como uma onda inchada
rolando e embolando
como a água aos tombos.
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Cobra Norato: Mitos e Lendas Amazônicas no Modernismo

  • 1. Cobra Norato, de Raul Bopp Manoel Neves
  • 2. COBRA NORATO e o Modernismo Brasileiro 1931 Primeira Geração do Modernismo Brasileiro [filia-se à corrente da Antropofagia] colagem poé8ca de vários mitos amazônicos lendas [mitos] Cobra Honorato [Norato] Cobra Grande [Boiuna] Boto causo Filha da Rainha Luzia
  • 3. COBRA NORATO e o Modernismo Brasileiro por que se insere na primeira geração? a) o livro é construído durante as andanças de Raul Bopp pelo Brasil [faz cada ano do curso de Direito em uma cidade [Porto Alegre, Recife, Belém e Rio de Janeiro]; b) durante suas andanças pela região amazônica, trava contato com inúmeras lendas, mitos e causos; c) constrói, de início, um poema infan8l a par8r da colagem de lendas e causos [o poema é gestado na década de 1920].
  • 4. COBRA NORATO e o Modernismo Brasileiro o que é mito? narra8va que explica como o mundo era na sua origem, quando homens e deuses vivam juntos; ao construir um texto baseado em mitos amazônicos, intenta-se falar sobre a origem do Brasil. por que a Amazônia? a) a Amazônia se configura como espaço primordial, pq ali os enredos mágicos, a indissociação entre homens, plantas e bichos ainda existe [Curupira, Boto, Saci-Pererê, Cobra Grande]; b) tais casos fabulosos ainda hoje fazem parte do imaginário popular; c) a Amazônia configura-se como espaço primi0vo, originário, mágico.
  • 5. análise: encarnação do mal, elemento da natureza que se volta contra o homem + Bíblia. COBRA NORATO e o Modernismo Brasileiro o mito da Cobra Grande [Boiuna] é o mito mais poderoso da região e complexo da região amazônica; tal cobra tem poderes cosmogônicos [a par8r dela se originou o dia, a noite, animais, aves] no início 8nha o tamanho de uma sucuri, depois encorpa, abandona a floresta e vai para o rio; os pescadores ribeirinhos e os índios a temem; versão: escravizava as tribos e exigia para si uma jovem virgem [Macunaíma]; versão: mora debaixo de um cemitério na Ilha de Marajó [Câmara Cascudo]; versão: foi vencida por Maria e está sob seus pés numa Igreja [religiosa + Cobra Hononorato].
  • 8. COBRA NORATO e o Modernismo Brasileiro o mito da Cobra Honorato apesar de ser filha da Cobra Grande, possui boa índole e representa uma anftese do mal; um dia, uma cunhã estava se banhando no rio, quando foi engravidada [pela Cobra Grande]; nasceram 2 crianças que foram lançadas no rio [o pajé não permi8u sua permanência na aldeia]; as crianças se criam como cobras d`água; Norato é bom, Caninana é má [assusta, vira embarcações, mordeu a cobra de Óbidos etc] Norato foi obrigado a matar a irmã para viver calmo; vai a festas, deixa o couro de cobra no rio; um dia é desencantado, vira gente, vive normalmente e acaba por morrer, como os demais.
  • 10. COBRA NORATO e o Modernismo Brasileiro uma análise dos mitos serpentários Nas palavras do professor Alexandre Amaro, o embate entre as duas serpentes configura a luta entre o bem e o mal; paradoxalmente o mal engendra o bem: O poema Cobra Norato será o palco do embate entre essas duas forças da natureza amazônica, desvelando um Brasil primi0vo para o leitor comum e atendendo, com isso, aos preceitos antropofágicos de reconstrução da imagem do Brasil a par0r de sua iden0dade genuína.
  • 11. COBRA NORATO e o Modernismo Brasileiro a lenda do Boto é um peixe amazônico; reza a lenda que, em algumas noites, ele se transforma em um homem belo e sai para aproveitar a vida [festas, violas]; então, seduz algumas mulheres e as engravida.
  • 12.
  • 13. COBRA NORATO e o Modernismo Brasileiro a filha da Rainha Luzia Em Valha-me-Deus, na ilha de Tucum, conversei com uma velhinha, de voz macia, enquanto ela moqueava peixe. [...] Narrou-me ela toda a história do casamento da filha do rei Sebas0ão, que estava de ca0veiro. Ela ia se casar com um moço de Sacoitá. [...] Citou-me também a história da rainha Luzia, em termos misturados e confusos, que não deram para avaliar a sua importância no “who is who” folclórico. Como se vê, nos elementos da mitologia indígena, Raul Bopp vinha acrescentar o toque da tradição lusa, elemento fundamental no fabulário brasileiro. A “filha da rainha Luzia”, personagem criada pela imaginação do poeta, reunia, portanto, retalhos de duas fontes diferentes: a história da filha do rei Sebas0ão e da rainha Luzia. Deste “cruzamento”, surgia a “filha da rainha Luzia”, por quem Cobra Norato viria a realizar as maiores façanhas.
  • 14. COBRA NORATO e o Modernismo Brasileiro A Antropofagia, 1928 primitivismo crítico revisão crítica do passado histórico-cultural devoração cultural seletiva investigação das origens do Brasil Apesar de ter travado contato com os escritores do Movimento Verde-Amarelo, Bopp se iden8fica com as ideias da Antropofagia, pois vê nelas uma compreensão do Brasil que se assemelha à sua: Cobra Norato corresponde, em grande medida, a esse anseio de remodelação da iden0dade brasileira, a despeito de seu projeto ter sido estruturado anos antes do Movimento Antropofágico. A aproximação com Oswald de Andrade foi apenas o elemento desencadeador de sua elaboração e da associação com o Movimento.
  • 15. COBRA NORATO e o Modernismo Brasileiro aspectos da Antropofagia em Cobra Norato devoração de tradições regionais e universais lendas amazônicas + aspecto de epopeia: o herói sai em busca de aventuras e de reconhecimento fusão de tradições de um lado, temos a tradição brasileira [lendas colhidas na Amazônia], recolhida entre negros, índios, caboclos; de outro lado, temos a saga do herói universal, originária das narra8vas europeias Bopp conforma mitos brasileiros a um gênero literário europeu
  • 17. COBRA NORATO o enredo Para unir-se à filha da Rainha Luzia, o protagonista amarra uma fita no pescoço de uma cobra [seduz] e a estrangula; enfia-se na pele elástica da cobra e começa a desbravar a floresta amazônica até Belém, na busca da filha da Rainha Luzia. o herói cria um mundo de faz de contas: Quero contar-te uma história/ Vamos passear naquelas ilhas decotadas?/ faz de conta que há luar. [imagens inusitadas = surrealismo] Cobra Norato fecha os olhos e inicia a viagem [onirismo]. O locutor se depara com sapos beiçudos,lama, charco, árvores de galho que o espiam; a selva está numa insônia profunda; a floresta tenta seduzir o locutor, mas este só tem olhos para a filha da Rainha Luzia: De todos os cantos me chamam – Onde vais Cobra Norato? Tenho aqui três arvorezinhas jovens à tua espera – Não posso Eu hoje vou dormir com a filha da rainha Luzia. O desejo de volta às origens aparece expresso em: Vou andando caminhando caminhando/ Me misturo no ventre do mato mordendo raízes. O locutor procura proteção para conseguir seu objetivo.
  • 18. COBRA NORATO o enredo No início da segunda parte, evidenciam-se os componentes do rito, etapas a serem cumpridas para que se estabeleça o pacto entre o herói e a floresta [missões que precisa executar para alcançar seu intento]: – Agora sim Vou ver a filha da rainha Luzia Mas antes tem que passar por sete portas Ver sete mulheres brancas de ventres despovoados guardadas por um jacaré. – Eu só quero a filha da rainha Luzia Tem que entregar a sombra para o Bicho do Fundo Tem que fazer mirongas na lua nova Tem que beber três gotas de sangue Mesmo após realizar as tarefas, o herói não encontra sua amada: Onde irei eu que já estou com o sangue doendo das mirongas da filha da rainha Luzia
  • 19. COBRA NORATO o enredo O locutor parte em busca da filha da rainha Luzia, enquanto isso, a floresta trabalha: Rios magros obrigados a trabalhar A correnteza se arrepia descansando as margens gosmentas Raízes desdentadas mastigam lodo Num estirão alagado o charco engole a água do igarapé [...] Aqui é a escola das árvores Estão estudando geometria A personificação [antropomorfismo] é um traço recorrente no livro, por meio do qual se reforça o caráter mítico da narrativa, igualando num só nível humano, animal e vegetal; a floresta se desfaz e se refaz, constantemente, expressando ânsias e lamentos, reinventando-se a cada nova fase da travessia do herói, que, curioso, se arrisca pelos mistérios da mata:
  • 20. COBRA NORATO o enredo Vou furando paredões moles Caio num fundo de floresta inchada alarmada mal-assombrada Ouvem-se apitos um bate-que-bate Estão soldando serrando Parece que fabricam terra Ué! Estão mesmo fabricando terra O discurso antropofágico faz convergir tradição [floresta, terra] e modernidade [soldar, serrar, fabricar]. Note-se, ainda, a influência do futurismo no poema [incorporação de elementos do mundo tecnológico ao poema]. O antropomorfismo da floresta que se fabrica assume, às vezes, um tom de forte sensualidade, pois, na ânsia de se multiplicar, as árvores se oferecem num jogo erótico entrevisto pelo narrador-personagem: Escorrego por um labirinto com árvores prenhas sentadas no escuro Raízes com fome mordem o chão Carobas sujas levantam os vestidos como cachos de lama pingando
  • 21. COBRA NORATO o enredo Açaís pernaltas movem de folhas lentas no ar pesado como pernas de aranha espetadas num caule Miritis abrem os grandes leques vagarosos Em alguns momentos, nota-se a justaposição de imagens [quadros autônomos], q imprime velocidade às cenas narradas: Desaba a chuva levando a vegetação Vento saqueia as árvores folhudas de braços para o ar Sacode o mato grande Nuvens negras se amontoam Monstros acocorados tapam horizontes beiçudos Palmeiras aparam o céu Alarmam-se as tiriricas Saracurinhas piam piam piam
  • 22. COBRA NORATO o enredo Guariba lá adiante puxa reza As lagoas arrebentaram Água rasteira agarra-se nos troncos Rolam galhos secos pelo chão O charco embarriga com o vem-vem de plantinhas miúdas de enxurrada Árvores encalhadas pedem socorro Mata-paus vou-bem-de-saúde se abraçam O céu tapa o rosto Chove... Chove... Chove...
  • 23. COBRA NORATO o enredo Na travessia, Norato afunda-se num útero de lama e consegue sair graças ao Tatu-de-bunda-seca, auxiliar na travessia: Ai que estou perdido Num fundo de mato espantado mal-acabado Me atolei num útero de lama O ar perdeu o fôlego Um cheiro choco se esparrama Mexilhões estão de festa no atoleiro Atrás de troncos encalhados ouço guinchos de guaxinim Parece que vem alguém nesse escurão sem saída – Olélé. Quem vem lá? – Eu sou o Tatu-bunda-seca – Ah compadre Tatu que bom você vir aqui
  • 24. COBRA NORATO o enredo Quero que você me ensine a sair desta goela podre – Então se segure no meu rabo que eu le puxo Após dormir três dias e três noites, Norato conta sua história para o novo amigo. Note-se o lamento poético: Ai compadre Não faça barulho que a filha da rainha Luzia talvez ainda esteja dormindo Ai onde andará que eu quero somente ver os seus olhos molhados de verde seu corpo alongado de canarana
  • 25. COBRA NORATO o enredo Talvez ande longe... E eu virei vira-mundo Para ter um querzinho Da filha da rainha Luzia Ai não faça barulho... Os capítulos XII a XVI narram o ciclo de um dia no tempo mítico de Cobra Norato; há intenso descritivismo dos elementos Norato e o Tatu-de-bunda-seca saem em busca do mar, que fica a dez léguas de mato e mais dez léguas. Entram na floresta virgem ao cair da noite; depois de andarem, começam a sentir fome e vão ao putirum [mutirão], roubar tapioca na casa das farinhadas grandes, em que as mulheres trabalham, enquanto mastigam cachimbos. As personagens estão – Compadre, eu já estou com fome Vamos lá pro Putirum roubar farinha? – Putirum fica longe? – Pouquinho só chega lá. acompanhadas do Compadre Jabuti, que conhece os caminhos da Amazônia:
  • 26. COBRA NORATO o enredo Cunhado Jabuti sabe o caminho – Então vamos Vamos lá pro Putirum Putirum Putirum Putirum – Vamos roubar tapioca Putirum Putirum Putirum Casão das farinhadas grandes Mulheres trabalham nos ralos Mastigando os cachimbos Aparece, então, Joaninha Vintém e conta o causo do Boto que a pegou de surpresa quando estava lavando roupa: – Joaninha Vintém conte um causo – Causo de quê? – Qualquer um – Vou contar causo do Boto Putirum Putirum
  • 27. COBRA NORATO o enredo Amor chovia Chuveriscou Tava lavando roupa maninha quando o Boto me pegou – Ó Joaninha Vintém Boto era feio ou não – Ai era um moço loiro, maninha tocador de violão Me pegou pela cintura – Depois o que aconteceu? – Gente! Olha a tapioca embolando nos tachos – Mas que Boto safado! Putirum Putirum
  • 28. COBRA NORATO o enredo Quando percebem que a festa está animada, Norato e o Tatu-de-bunda-seca transformam-se em humanos: A festa parece animada, compadre – Vamos virar gente pra entrar? – Então vamos Durante a festa, Norato pede permissão para quebrar um verso pra dona da casa e recita: Angelim folha miúda que foi que te entristeceu? Tarumã Foi o vento que não trouxe notícias de quem se foi Tarumã Flor de titi murchou logo nas margens do Igarapé Tarumã
  • 29. COBRA NORATO o enredo Na areia não deixou nome o rasto o vento levou Tarumã O uso do metro de sete sílabas comprova a ligação de Bopp com a poesia popular; neste trecho e no citado a seguir, percebe-se o contágio de Cobra Norato com a poesia popular: – Mexa com o corpo velho trance pernas com a moça, compadre – Balancê, Traversê – Com sus pares contraro – Vorver pela direita – Mudar de posição Vou tomar tacacá quente Tico-tico já voltou Foi no mato cortar lenha Urumutum Urumutm
  • 30. COBRA NORATO o enredo Pica-pau bate que bate já bateu meu coração Bateu bico toda noite Urumutum urumutum Depois de cantar, dançar e beber cachaça, os dois amigos vão embora. Joaninha Vintém, enamorada por Cobra Norato quer vir junto, mas é impedida pelo protagonista, que chama o Tatu e segue viagem: – Olha, compadre Aquela moça está toda dobradinha por você Já está na hora de ir embora Esquente o corpo com uma xiribita que ainda temos que pegar muito chão longe – Vamos! – Compadre. escuite uma coisa aqui no ouvido: Joaninha Vintém quer vim junto
  • 31. COBRA NORATO o enredo – Nada disso. É muito tarde. Traga umas ervas de surra-cachorro e vamos pegar o que ficou lá fora. Deixam a festa, despedem-se do Cunhado Jabuti e seguem andando, machucando estradas mais pra diante. Adiante há uma pajelança [espécie de bruxaria praticada pelos curandeiros da Amazônia]. O corpo de um dos pajés é tomado por uma onça curuana [que examina os doentes de sezão]. Cada doença é tratada por uma entidade da natureza: Mais adiante uma pajelança No escuro a um canto do rancho Pajé assobia comprido fiu.. fiu chamando o mato. – Mato! Quero minha onça caruana maracá te chama Onça chegou Saltou Entrou no corpo do Pajé – Quero tafiá Quero fumar Quero dança de arremedar Não gosto de fogo
  • 32. COBRA NORATO o enredo Mestre Paricá chama os doentes de sezão de inchaço no ventre espinhela caída – Só quem sabe curar isso é Mãe do Lago – Quem entende de inchaço é o Urubu-tinga Pajé faz uma benzedura de destorcer quebrantoE depois fuma e defuma Fumaça de mucurana gervão com cipó-titica e favas de cumaru Em seguida pega uma figa de Angola Risca uma cruz no chão e varre o feitiço do corpo com penas de ema O último caruana pede tafiá dança de arremedar – E quero mais diamba Em seguida pega uma figa de Angola Risca uma cruz no chão – Compadre, vamos também experimentar uma fumadinha?
  • 33. COBRA NORATO o enredo Pajé tonteou Se acocorou Foi-se sumindo assobiando baixinho fiu... fiu... fiu... Então contrata o mato pra fazer mágica Norato ouve um apito e avista, ao longe, um casco prateado e velas embojadas de vento; o Tatu corrige o herói: não é navio – é a Cobra Grande, que vai se casar com a moça que nunca conheceu homem; Norato decide assistir às bodas da Boiúna; rumo à festa, o locutor pede licença ao vento, mas encontra o Pajé-pato e o Saci; dá cachaça a eles e consegue passar; ao chegar à casa da Boiúna vê um cururu de sentinela; entra pelos fundos de uma grota e encontra, então, a Filha da Rainha Luzia [motivo de sua busca]; Norato arma um plano , rapta a moça e engana a Boiúna: – Sapo boi faça barulho – Ai Quatro Ventos me ajude Quero forças para fugir. Cobra Grande vem-que-vem-vindo pra me pegar. Já-te-pego. Já-te-pego.
  • 34. COBRA NORATO o enredo – Serra do Ronca role abaixo – Tape o caminho atrás de mim. Erga três taipas de espinho fumaças de ouricuri. – Atire cinzas pra trás pra agarras distância. Já-te-pego. Já-te-pego. Tamaquaré, meu cunhado, Cobra Grande vem-que-vem. Corra imitando o meu rasto. Faz de conta que sou eu entregue o meu pixê na casa do Pajé-pato. Torça caminho depressa Que a Boiúna vem lá atrás Como uma trovoada de pedra. Vem amassando mato.
  • 35. COBRA NORATO o enredo Uei! Passou rasgando o caminho Arvorezinhas ficaram de pescoço torcido As outras rolaram esmagadas de raiz para cima O horizonte ficou chato Vento correu correu mordendo a ponta do rabo. Pajé-pato lá adiante ensinou caminho errado: – Cobra Norato com uma moça? Foi pra Belém. Foi se casar Cobra Grande esturrou direto pra Belém. Deu um estremeção. Entrou no cano da Sé e ficou com a cabeça enfiada debaixo dos pés de Nossa Senhora
  • 36. COBRA NORATO o enredo A cena final reproduz uma imagem recorrente no catolicismo brasileiro – em que Nossa Senhora da Conceição esmaga com os pés uma cobra, símbolo do pecado original. Vencido o obstáculo, o herói segue para as terras do Sem Fim. A moça segue com ele. Vão morar em uma casinha com porta azul piquinininha/ pintada a lápis de cor. Ao final da história, Raul Bopp homenageia os participantes do Modernismo e seus amigos de outras regiões: Pois é, compadre Siga agora o seu caminho Procure minha madrinha Maleita diga que eu vou me casar que eu vou vestir minha noiva com um vestidinho de flor Quero uma rede bordada com ervas de espalhar cheiroso e um tapetinho titinho de penas de irapuru
  • 37. COBRA NORATO o enredo No caminho vá convidando gente pro Caxiri grande Haverá muita festa durante sete luas sete sóis Traga a Joaninha Vintém o Pajé-pato Boi-Queixume Não se esqueça dos Xicos Maria-Pitanga o João Ternura O Augusto Meyer Tarsila Tatizinha Quero povo de Belém de Porto Alegre de São Paulo – Pois então até breve, compadre Fico le esperando atrás das serras do Sem-fim
  • 38. COBRA NORATO elementos técnicos estrutura Os versos são, em sua maioria, livres e brancos. Segundo Lígia Marrone Averbuck, as 33 partes em que estrutura o texto apresentam-se como verdadeiras cenas, painéis móveis, compostas por justaposição de imagens. As sequências destas imagens instalam, numa espécie de montagem, uma sucessão de caráter cinematográfico. Augusto Massi destaca o caráter de bricolagem ou montagem da obra, cuja estrutura poé8ca exibe uma forma elás8ca, como se fosse uma pele textual, alternando polimorficamente momentos líricos, narra8vos e dramá8cos. Para esse crí8co, no plano interno, a forma elás8ca harmoniza os elementos através de uma prosificação das células rítmicas, do ero0smo visual de suas metáforas. foco narrativo primeira pessoa; uso de muitos diálogos estilo 1 ausência de pontos finais: Foi pra Belém Foi se casar estilo 2 caráter surrealista [onirismo, ilogismo] estilo 3 futurismo [Norato parece um trem de ferro: Já-te-pego]
  • 39. COBRA NORATO a estrutura, segundo Othon M. Garcia ideia de extensão ilimitada e de continuidade ou duração uso de verbos no gerúndio e referências às longas distâncias ou caminhadas Vou andando caminhando caminhando Arregaçam os horizontes Parece que o espaço não tem fundo Vamos andando machucando estradas mais pra diante
  • 40. COBRA NORATO a estrutura, segundo Othon M. Garcia ideia de um mundo em gestação paisagem líquida e vegetal, que reúne árvore-água-terra e correlatos [lama, raízes, chuvas etc.] Um cheiro choco se esparrama Mexilhões estão de festa no atoleiro O charco embarriga com o vem-vem de plantinhas miúdas na enxurrada reforça a ideia de decomposição-fermentação-fecundação e traz traços de sexualização do cenário: Lameiros se emendam Mato amontoado derrama-se no chão.
  • 41. COBRA NORATO a estrutura, segundo Othon M. Garcia ideia de devoramento, realçando o caráter antropofágico gravidez: destaque para as palavras barriga, umbigo, encher, inchar, lamber, mas0gar, engolir Um charco de umbigo mole me engole Um fio de água atrasa lambe a lama O sol belisca a pele azul do lago As árvores corcundas com fome mastigando estalando entre roncos de ventres desatufados
  • 42. COBRA NORATO a estrutura, segundo Othon M. Garcia ideia de sonolência primi8vismo [incorporação do modo de vida do caboclo– mussangulá, estado de indolência] para Bopp, são párias de barriga vazia de fome mas inchada de verminose, encharcada de malária Vou me espichar nesse paturá, As águas grandes se encolheram com sono[...] Tenho vontade de ouvir uma música mole Quero dormir três dias e três noites com o sono do Acutipuru.
  • 43. COBRA NORATO a linguagem vocabulário amazônico gaúcho africano português liberdade linguística Mata-paus vou-bem-de-saúde se abraçam Então esperazinho um pouco construções paratáticas A floresta se avoluma Movem-se espantalhos monstros riscando sombras estranhas no chão Árvores encapuçadas soltam fantasmas O luar amacia o mato sonolento
  • 44. COBRA NORATO a linguagem onomatopéias Espia-me um sapo sapo ... Tiúg... Tiúg... Twi. Twi-twi infantilização da linguagem Vento-ventinho assoprou de fazer cócegas nos ramos uso do infinitivo carinhoso ficarzinho estarzinho aliteração e assonância Vem que vem vindo como uma onda inchada rolando e embolando como a água aos tombos.
  • 45. SIGA-ME NAS REDES SOCIAIS!!! http://www.slideshare.net/ma.no.el.ne.ves https://www.facebook.com/nevesmanoel https://www.instagram.com/manoelnevesmn/ h t t p s : / / w w w . y o u t u b e . c o m / u s e r / TheManoelNeves https://twitter.com/Manoel_Neves
  • 46. Conhece meu livro de redação para o ENEM? Acesse: www.manoelneves.com