O documento descreve o poema "Cobra Norato" de Raul Bopp, parte da primeira geração do Modernismo Brasileiro. O poema faz uma colagem de mitos e lendas amazônicas como a Cobra Grande, Cobra Honorato e o Boto. A narrativa acompanha as aventuras de Cobra Norato em busca do amor da Filha da Rainha Luzia.
2. COBRA NORATO
e o Modernismo Brasileiro
1931
Primeira Geração do Modernismo Brasileiro [filia-se à corrente da Antropofagia]
colagem poé8ca de vários mitos amazônicos
lendas [mitos]
Cobra Honorato [Norato] Cobra Grande [Boiuna] Boto
causo
Filha da Rainha Luzia
3. COBRA NORATO
e o Modernismo Brasileiro
por que se insere na primeira geração?
a) o livro é construído durante as andanças de Raul Bopp pelo Brasil [faz cada ano do curso de
Direito em uma cidade [Porto Alegre, Recife, Belém e Rio de Janeiro]; b) durante suas andanças
pela região amazônica, trava contato com inúmeras lendas, mitos e causos; c) constrói, de início,
um poema infan8l a par8r da colagem de lendas e causos [o poema é gestado na década de 1920].
4. COBRA NORATO
e o Modernismo Brasileiro
o que é mito?
narra8va que explica como o mundo era na sua origem, quando homens e deuses vivam juntos;
ao construir um texto baseado em mitos amazônicos, intenta-se falar sobre a origem do Brasil.
por que a Amazônia?
a) a Amazônia se configura como espaço primordial, pq ali os enredos mágicos, a indissociação
entre homens, plantas e bichos ainda existe [Curupira, Boto, Saci-Pererê, Cobra Grande];
b) tais casos fabulosos ainda hoje fazem parte do imaginário popular;
c) a Amazônia configura-se como espaço primi0vo, originário, mágico.
5. análise: encarnação do mal, elemento da natureza que se volta contra o homem + Bíblia.
COBRA NORATO
e o Modernismo Brasileiro
o mito da Cobra Grande [Boiuna]
é o mito mais poderoso da região e complexo da região amazônica;
tal cobra tem poderes cosmogônicos [a par8r dela se originou o dia, a noite, animais, aves]
no início 8nha o tamanho de uma sucuri, depois encorpa, abandona a floresta e vai para o rio;
os pescadores ribeirinhos e os índios a temem;
versão: escravizava as tribos e exigia para si uma jovem virgem [Macunaíma];
versão: mora debaixo de um cemitério na Ilha de Marajó [Câmara Cascudo];
versão: foi vencida por Maria e está sob seus pés numa Igreja [religiosa + Cobra Hononorato].
8. COBRA NORATO
e o Modernismo Brasileiro
o mito da Cobra Honorato
apesar de ser filha da Cobra Grande, possui boa índole e representa uma anftese do mal;
um dia, uma cunhã estava se banhando no rio, quando foi engravidada [pela Cobra Grande];
nasceram 2 crianças que foram lançadas no rio [o pajé não permi8u sua permanência na aldeia];
as crianças se criam como cobras d`água;
Norato é bom, Caninana é má [assusta, vira embarcações, mordeu a cobra de Óbidos etc]
Norato foi obrigado a matar a irmã para viver calmo; vai a festas, deixa o couro de cobra no rio;
um dia é desencantado, vira gente, vive normalmente e acaba por morrer, como os demais.
10. COBRA NORATO
e o Modernismo Brasileiro
uma análise dos mitos serpentários
Nas palavras do professor Alexandre Amaro, o embate entre as duas serpentes configura a luta
entre o bem e o mal; paradoxalmente o mal engendra o bem:
O poema Cobra Norato será o palco do embate entre essas duas forças da natureza amazônica,
desvelando um Brasil primi0vo para o leitor comum e atendendo, com isso, aos preceitos
antropofágicos de reconstrução da imagem do Brasil a par0r de sua iden0dade genuína.
11. COBRA NORATO
e o Modernismo Brasileiro
a lenda do Boto
é um peixe amazônico; reza a lenda que, em algumas noites, ele se transforma em um homem
belo e sai para aproveitar a vida [festas, violas]; então, seduz algumas mulheres e as engravida.
12.
13. COBRA NORATO
e o Modernismo Brasileiro
a filha da Rainha Luzia
Em Valha-me-Deus, na ilha de Tucum, conversei com uma velhinha, de voz macia, enquanto ela
moqueava peixe. [...] Narrou-me ela toda a história do casamento da filha do rei Sebas0ão, que
estava de ca0veiro. Ela ia se casar com um moço de Sacoitá. [...] Citou-me também a história da
rainha Luzia, em termos misturados e confusos, que não deram para avaliar a sua importância
no “who is who” folclórico.
Como se vê, nos elementos da mitologia indígena, Raul Bopp vinha acrescentar o toque da
tradição lusa, elemento fundamental no fabulário brasileiro. A “filha da rainha Luzia”,
personagem criada pela imaginação do poeta, reunia, portanto, retalhos de duas fontes
diferentes: a história da filha do rei Sebas0ão e da rainha Luzia. Deste “cruzamento”, surgia a
“filha da rainha Luzia”, por quem Cobra Norato viria a realizar as maiores façanhas.
14. COBRA NORATO
e o Modernismo Brasileiro
A Antropofagia, 1928
primitivismo crítico revisão crítica do passado histórico-cultural
devoração cultural seletiva investigação das origens do Brasil
Apesar de ter travado contato com os escritores do Movimento Verde-Amarelo, Bopp se iden8fica
com as ideias da Antropofagia, pois vê nelas uma compreensão do Brasil que se assemelha à sua:
Cobra Norato corresponde, em grande medida, a esse anseio de remodelação da iden0dade
brasileira, a despeito de seu projeto ter sido estruturado anos antes do Movimento
Antropofágico. A aproximação com Oswald de Andrade foi apenas o elemento desencadeador
de sua elaboração e da associação com o Movimento.
15. COBRA NORATO
e o Modernismo Brasileiro
aspectos da Antropofagia em Cobra Norato
devoração de tradições regionais e universais
lendas amazônicas + aspecto de epopeia: o herói sai em busca de aventuras e de reconhecimento
fusão de tradições
de um lado, temos a tradição brasileira [lendas colhidas na Amazônia], recolhida entre negros,
índios, caboclos; de outro lado, temos a saga do herói universal, originária das narra8vas europeias
Bopp conforma mitos brasileiros a um gênero literário europeu
17. COBRA NORATO
o enredo
Para unir-se à filha da Rainha Luzia, o protagonista amarra uma fita no pescoço de uma cobra [seduz] e a estrangula;
enfia-se na pele elástica da cobra e começa a desbravar a floresta amazônica até Belém, na busca da filha da Rainha Luzia.
o herói cria um mundo de faz de contas: Quero contar-te uma história/ Vamos passear naquelas ilhas decotadas?/
faz de conta que há luar. [imagens inusitadas = surrealismo] Cobra Norato fecha os olhos e inicia a viagem [onirismo].
O locutor se depara com sapos beiçudos,lama, charco, árvores de galho que o espiam; a selva está numa insônia
profunda; a floresta tenta seduzir o locutor, mas este só tem olhos para a filha da Rainha Luzia:
De todos os cantos me chamam
– Onde vais Cobra Norato?
Tenho aqui três arvorezinhas jovens à tua espera
– Não posso
Eu hoje vou dormir com a filha da rainha Luzia.
O desejo de volta às origens aparece expresso em: Vou andando caminhando caminhando/ Me misturo no ventre
do mato mordendo raízes. O locutor procura proteção para conseguir seu objetivo.
18. COBRA NORATO
o enredo
No início da segunda parte, evidenciam-se os componentes do rito, etapas a serem cumpridas para que se estabeleça
o pacto entre o herói e a floresta [missões que precisa executar para alcançar seu intento]:
– Agora sim
Vou ver a filha da rainha Luzia
Mas antes tem que passar por sete portas
Ver sete mulheres brancas de ventres despovoados
guardadas por um jacaré.
– Eu só quero a filha da rainha Luzia
Tem que entregar a sombra para o Bicho do Fundo
Tem que fazer mirongas na lua nova
Tem que beber três gotas de sangue
Mesmo após realizar as tarefas, o herói não encontra sua amada:
Onde irei eu
que já estou com o sangue doendo
das mirongas da filha da rainha Luzia
19. COBRA NORATO
o enredo
O locutor parte em busca da filha da rainha Luzia, enquanto isso, a floresta trabalha:
Rios magros obrigados a trabalhar
A correnteza se arrepia
descansando as margens gosmentas
Raízes desdentadas mastigam lodo
Num estirão alagado
o charco engole a água do igarapé [...]
Aqui é a escola das árvores
Estão estudando geometria
A personificação [antropomorfismo] é um traço recorrente no livro, por meio do qual se reforça o caráter mítico da narrativa,
igualando num só nível humano, animal e vegetal; a floresta se desfaz e se refaz, constantemente, expressando ânsias
e lamentos, reinventando-se a cada nova fase da travessia do herói, que, curioso, se arrisca pelos mistérios da mata:
20. COBRA NORATO
o enredo
Vou furando paredões moles
Caio num fundo de floresta
inchada alarmada mal-assombrada
Ouvem-se apitos um bate-que-bate
Estão soldando serrando
Parece que fabricam terra
Ué! Estão mesmo fabricando terra
O discurso antropofágico faz convergir tradição [floresta, terra] e modernidade [soldar, serrar, fabricar]. Note-se, ainda, a
influência do futurismo no poema [incorporação de elementos do mundo tecnológico ao poema].
O antropomorfismo da floresta que se fabrica assume, às vezes, um tom de forte sensualidade, pois, na ânsia de se
multiplicar, as árvores se oferecem num jogo erótico entrevisto pelo narrador-personagem:
Escorrego por um labirinto
com árvores prenhas sentadas no escuro
Raízes com fome mordem o chão
Carobas sujas levantam os vestidos
como cachos de lama pingando
21. COBRA NORATO
o enredo
Açaís pernaltas
movem de folhas lentas no ar pesado
como pernas de aranha espetadas num caule
Miritis abrem os grandes leques vagarosos
Em alguns momentos, nota-se a justaposição de imagens [quadros autônomos], q imprime velocidade às cenas narradas:
Desaba a chuva
levando a vegetação
Vento saqueia as árvores folhudas
de braços para o ar
Sacode o mato grande
Nuvens negras se amontoam
Monstros acocorados
tapam horizontes beiçudos
Palmeiras aparam o céu
Alarmam-se as tiriricas
Saracurinhas piam piam piam
22. COBRA NORATO
o enredo
Guariba lá adiante puxa reza
As lagoas arrebentaram
Água rasteira agarra-se nos troncos
Rolam galhos secos pelo chão
O charco embarriga
com o vem-vem de plantinhas miúdas de enxurrada
Árvores encalhadas pedem socorro
Mata-paus vou-bem-de-saúde se abraçam
O céu tapa o rosto
Chove... Chove... Chove...
23. COBRA NORATO
o enredo
Na travessia, Norato afunda-se num útero de lama e consegue sair graças ao Tatu-de-bunda-seca, auxiliar na travessia:
Ai que estou perdido
Num fundo de mato espantado mal-acabado
Me atolei num útero de lama
O ar perdeu o fôlego
Um cheiro choco se esparrama
Mexilhões estão de festa no atoleiro
Atrás de troncos encalhados
ouço guinchos de guaxinim
Parece que vem alguém nesse escurão sem saída
– Olélé. Quem vem lá?
– Eu sou o Tatu-bunda-seca
– Ah compadre Tatu
que bom você vir aqui
24. COBRA NORATO
o enredo
Quero que você me ensine a sair desta goela podre
– Então se segure no meu rabo
que eu le puxo
Após dormir três dias e três noites, Norato conta sua história para o novo amigo. Note-se o lamento poético:
Ai compadre
Não faça barulho
que a filha da
rainha Luzia
talvez ainda esteja dormindo
Ai onde andará
que eu quero somente
ver os seus olhos molhados de verde
seu corpo alongado de canarana
25. COBRA NORATO
o enredo
Talvez ande longe...
E eu virei vira-mundo
Para ter um querzinho
Da filha da rainha Luzia
Ai não faça barulho...
Os capítulos XII a XVI narram o ciclo de um dia no tempo mítico de Cobra Norato; há intenso descritivismo dos elementos
Norato e o Tatu-de-bunda-seca saem em busca do mar, que fica a dez léguas de mato e mais dez léguas. Entram na
floresta virgem ao cair da noite; depois de andarem, começam a sentir fome e vão ao putirum [mutirão], roubar tapioca
na casa das farinhadas grandes, em que as mulheres trabalham, enquanto mastigam cachimbos. As personagens estão
– Compadre, eu já estou com fome
Vamos lá pro Putirum roubar farinha?
– Putirum fica longe?
– Pouquinho só chega lá.
acompanhadas do Compadre Jabuti, que conhece os caminhos da Amazônia:
26. COBRA NORATO
o enredo
Cunhado Jabuti sabe o caminho
– Então vamos
Vamos lá pro Putirum
Putirum Putirum Putirum
– Vamos roubar tapioca
Putirum Putirum Putirum
Casão das farinhadas grandes
Mulheres trabalham nos ralos
Mastigando os cachimbos
Aparece, então, Joaninha Vintém e conta o causo do Boto que a pegou de surpresa quando estava lavando roupa:
– Joaninha Vintém conte um causo
– Causo de quê?
– Qualquer um
– Vou contar causo do Boto
Putirum Putirum
27. COBRA NORATO
o enredo
Amor chovia
Chuveriscou
Tava lavando roupa maninha
quando o Boto me pegou
– Ó Joaninha Vintém
Boto era feio ou não
– Ai era um moço loiro, maninha
tocador de violão
Me pegou pela cintura
– Depois o que aconteceu?
– Gente!
Olha a tapioca embolando nos tachos
– Mas que Boto safado!
Putirum Putirum
28. COBRA NORATO
o enredo
Quando percebem que a festa está animada, Norato e o Tatu-de-bunda-seca transformam-se em humanos:
A festa parece animada, compadre
– Vamos virar gente pra entrar?
– Então vamos
Durante a festa, Norato pede permissão para quebrar um verso pra dona da casa e recita:
Angelim folha miúda
que foi que te entristeceu?
Tarumã
Foi o vento que não trouxe
notícias de quem se foi
Tarumã
Flor de titi murchou logo
nas margens do Igarapé
Tarumã
29. COBRA NORATO
o enredo
Na areia não deixou nome
o rasto o vento levou
Tarumã
O uso do metro de sete sílabas comprova a ligação de Bopp com a poesia popular; neste trecho e no citado a seguir,
percebe-se o contágio de Cobra Norato com a poesia popular:
– Mexa com o corpo velho
trance pernas com a moça, compadre
– Balancê, Traversê
– Com sus pares contraro
– Vorver pela direita
– Mudar de posição
Vou tomar tacacá quente
Tico-tico já voltou
Foi no mato cortar lenha
Urumutum Urumutm
30. COBRA NORATO
o enredo
Pica-pau bate que bate
já bateu meu coração
Bateu bico toda noite
Urumutum urumutum
Depois de cantar, dançar e beber cachaça, os dois amigos vão embora. Joaninha Vintém, enamorada por Cobra Norato
quer vir junto, mas é impedida pelo protagonista, que chama o Tatu e segue viagem:
– Olha, compadre
Aquela moça está toda dobradinha por você
Já está na hora de ir embora
Esquente o corpo com uma xiribita
que ainda temos que pegar muito chão longe
– Vamos!
– Compadre.
escuite uma coisa aqui no ouvido:
Joaninha Vintém quer vim junto
31. COBRA NORATO
o enredo
– Nada disso. É muito tarde.
Traga umas ervas de surra-cachorro
e vamos pegar o que ficou lá fora.
Deixam a festa, despedem-se do Cunhado Jabuti e seguem andando, machucando estradas mais pra diante. Adiante
há uma pajelança [espécie de bruxaria praticada pelos curandeiros da Amazônia]. O corpo de um dos pajés é tomado por
uma onça curuana [que examina os doentes de sezão]. Cada doença é tratada por uma entidade da natureza:
Mais adiante uma pajelança
No escuro a um canto do rancho
Pajé assobia comprido fiu.. fiu
chamando o mato.
– Mato! Quero minha onça caruana maracá te chama
Onça chegou Saltou Entrou no corpo do Pajé
– Quero tafiá Quero fumar Quero dança de arremedar
Não gosto de fogo
32. COBRA NORATO
o enredo
Mestre Paricá chama os doentes
de sezão de inchaço no ventre espinhela caída
– Só quem sabe curar isso é Mãe do Lago
– Quem entende de inchaço é o Urubu-tinga
Pajé faz uma benzedura de destorcer quebrantoE depois fuma e defuma
Fumaça de mucurana
gervão com cipó-titica
e favas de cumaru
Em seguida pega uma figa de Angola
Risca uma cruz no chão
e varre o feitiço do corpo com penas de ema
O último caruana pede tafiá dança de arremedar
– E quero mais diamba
Em seguida pega uma figa de Angola
Risca uma cruz no chão
– Compadre, vamos também experimentar uma
fumadinha?
33. COBRA NORATO
o enredo
Pajé tonteou Se acocorou Foi-se sumindo
assobiando baixinho fiu... fiu... fiu...
Então
contrata o mato pra fazer mágica
Norato ouve um apito e avista, ao longe, um casco prateado e velas embojadas de vento; o Tatu corrige o herói: não é
navio – é a Cobra Grande, que vai se casar com a moça que nunca conheceu homem; Norato decide assistir às bodas
da Boiúna; rumo à festa, o locutor pede licença ao vento, mas encontra o Pajé-pato e o Saci; dá cachaça a eles e
consegue passar; ao chegar à casa da Boiúna vê um cururu de sentinela; entra pelos fundos de uma grota e encontra,
então, a Filha da Rainha Luzia [motivo de sua busca]; Norato arma um plano , rapta a moça e engana a Boiúna:
– Sapo boi faça barulho
– Ai Quatro Ventos me ajude
Quero forças para fugir.
Cobra Grande vem-que-vem-vindo pra me pegar.
Já-te-pego. Já-te-pego.
34. COBRA NORATO
o enredo
– Serra do Ronca role abaixo
– Tape o caminho atrás de mim.
Erga três taipas de espinho
fumaças de ouricuri.
– Atire cinzas pra trás
pra agarras distância.
Já-te-pego. Já-te-pego.
Tamaquaré, meu cunhado,
Cobra Grande vem-que-vem.
Corra imitando o meu rasto.
Faz de conta que sou eu
entregue o meu pixê na casa do Pajé-pato.
Torça caminho depressa
Que a Boiúna vem lá atrás
Como uma trovoada de pedra.
Vem amassando mato.
35. COBRA NORATO
o enredo
Uei!
Passou rasgando o caminho
Arvorezinhas ficaram de pescoço torcido
As outras rolaram esmagadas de raiz para cima
O horizonte ficou chato
Vento correu correu
mordendo a ponta do rabo.
Pajé-pato lá adiante ensinou caminho errado:
– Cobra Norato com uma moça?
Foi pra Belém. Foi se casar
Cobra Grande esturrou direto pra Belém.
Deu um estremeção.
Entrou no cano da Sé
e ficou com a cabeça enfiada debaixo dos pés de Nossa
Senhora
36. COBRA NORATO
o enredo
A cena final reproduz uma imagem recorrente no catolicismo brasileiro – em que Nossa Senhora da Conceição esmaga
com os pés uma cobra, símbolo do pecado original. Vencido o obstáculo, o herói segue para as terras do Sem Fim.
A moça segue com ele. Vão morar em uma casinha com porta azul piquinininha/ pintada a lápis de cor. Ao final da
história, Raul Bopp homenageia os participantes do Modernismo e seus amigos de outras regiões:
Pois é, compadre
Siga agora o seu caminho
Procure minha madrinha Maleita
diga que eu vou me casar
que eu vou vestir minha noiva
com um vestidinho de flor
Quero uma rede bordada
com ervas de espalhar cheiroso
e um tapetinho titinho
de penas de irapuru
37. COBRA NORATO
o enredo
No caminho
vá convidando gente pro Caxiri grande
Haverá muita festa
durante sete luas sete sóis
Traga a Joaninha Vintém o Pajé-pato Boi-Queixume
Não se esqueça dos Xicos Maria-Pitanga o João Ternura
O Augusto Meyer Tarsila Tatizinha
Quero povo de Belém de Porto Alegre de São Paulo
– Pois então até breve, compadre
Fico le esperando
atrás das serras do Sem-fim
38. COBRA NORATO
elementos técnicos
estrutura
Os versos são, em sua maioria, livres e brancos. Segundo Lígia Marrone Averbuck, as 33 partes
em que estrutura o texto apresentam-se como verdadeiras cenas, painéis móveis, compostas
por justaposição de imagens. As sequências destas imagens instalam, numa espécie de
montagem, uma sucessão de caráter cinematográfico. Augusto Massi destaca o caráter de
bricolagem ou montagem da obra, cuja estrutura poé8ca exibe uma forma elás8ca, como se
fosse uma pele textual, alternando polimorficamente momentos líricos, narra8vos e
dramá8cos. Para esse crí8co, no plano interno, a forma elás8ca harmoniza os elementos
através de uma prosificação das células rítmicas, do ero0smo visual de suas metáforas.
foco narrativo primeira pessoa; uso de muitos diálogos
estilo 1 ausência de pontos finais: Foi pra Belém Foi se casar
estilo 2 caráter surrealista [onirismo, ilogismo]
estilo 3 futurismo [Norato parece um trem de ferro: Já-te-pego]
39. COBRA NORATO
a estrutura, segundo Othon M. Garcia
ideia de extensão ilimitada e de continuidade ou duração
uso de verbos no gerúndio e referências às longas distâncias ou caminhadas
Vou andando caminhando caminhando
Arregaçam os horizontes
Parece que o espaço não tem fundo
Vamos andando machucando estradas mais pra diante
40. COBRA NORATO
a estrutura, segundo Othon M. Garcia
ideia de um mundo em gestação
paisagem líquida e vegetal, que reúne árvore-água-terra e correlatos [lama, raízes, chuvas etc.]
Um cheiro choco se esparrama
Mexilhões estão de festa no atoleiro
O charco embarriga
com o vem-vem de plantinhas miúdas na enxurrada
reforça a ideia de decomposição-fermentação-fecundação e traz traços de sexualização do cenário:
Lameiros se emendam
Mato amontoado derrama-se no chão.
41. COBRA NORATO
a estrutura, segundo Othon M. Garcia
ideia de devoramento, realçando o caráter antropofágico
gravidez: destaque para as palavras barriga, umbigo, encher, inchar, lamber, mas0gar, engolir
Um charco de umbigo mole me engole
Um fio de água atrasa lambe a lama
O sol belisca a pele azul do lago
As árvores corcundas com fome mastigando estalando
entre roncos de ventres desatufados
42. COBRA NORATO
a estrutura, segundo Othon M. Garcia
ideia de sonolência
primi8vismo [incorporação do modo de vida do caboclo– mussangulá, estado de indolência]
para Bopp, são párias de barriga vazia de fome mas inchada de verminose, encharcada de malária
Vou me espichar nesse paturá,
As águas grandes se encolheram com sono[...] Tenho
vontade de ouvir uma música mole
Quero dormir três dias e três noites
com o sono do Acutipuru.
43. COBRA NORATO
a linguagem
vocabulário
amazônico gaúcho africano português
liberdade linguística
Mata-paus vou-bem-de-saúde se abraçam
Então esperazinho um pouco
construções paratáticas
A floresta se avoluma
Movem-se espantalhos monstros
riscando sombras estranhas no chão
Árvores encapuçadas soltam fantasmas
O luar amacia o mato sonolento
44. COBRA NORATO
a linguagem
onomatopéias
Espia-me um sapo sapo
... Tiúg... Tiúg... Twi. Twi-twi
infantilização da linguagem
Vento-ventinho assoprou de fazer cócegas nos ramos
uso do infinitivo carinhoso
ficarzinho estarzinho
aliteração e assonância
Vem que vem vindo como uma onda inchada
rolando e embolando
como a água aos tombos.
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