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A     LITERATURA ANGOLANA, A FORMAÇÃO DE UM
CÂNONE LITERÁRIO MÍNIMO DE LÍNGUA PORTUGUESA E
AS     ESTRATÉGIAS DA SUA    DIFUSÃO E ENSINO
*Continuação*



                                                                            LUIS KANDJIMBO*


    2. ANTES DE MAIS…A    FORMAÇÃO                                               DO            CÂNONE
       LITERÁRIO ANGOLANO


    Em meu entender, antes de qualquer acção que vise               pensar                                        a
difusão, incentivo e formação de um cânone mínimo para o ensino das
Literaturas de Língua Portuguesa em outros espaços linguísticos, será
conveniente passar em revista a estrutura dos currículos existentes nestas
matérias dentro da CPLP.
     Não podendo fazê-lo relativamente a todos os países da CPLP, vou
tomar como exemplo o caso de Angola. Neste período pós-independência,
que dura já 25 anos, o ensino da Literatura Angolana a nível
universitário, no quadro de estudos sistemáticos, não foi até hoje
institucionalmente reconhecido. Faço a constatação, enquanto testemunha
privilegiada da extinção dos cursos de Letras Modernas na antiga
Faculdade de Letras do Lubango, onde, em princípios da década de 80,
iniciei os meus estudos universitários.
       Aproximadamente duas décadas após a extinção daqueles cursos, a
Fundação Gomes Teixeira e a Universidade do Porto, sob contrato do
Governo de Angola e do Banco Mundial, elaboraram um relatório1 no qual
se diagnostica o estado da Universidade Agostinho Neto, a única até essa
data.
    O relatório aponta a "inexistência de uma unidade orgânica dedicada às
Letras, Humanidades e Ciências Sociais e Humanas", considerando-a a "
carência mais evidente da Universidade Agostinho Neto, em termos da
sua organização interna em função da cobertura dos diferentes domínios
do saber."(p.433).


1Universidade do Porto (ed.), Contributos para a Revitalização da Universidade em Angola, Porto, Publicações da
Universidade do Porto,1996,p.433
Finalmente, os autores do relatório recomendam a criação "de uma
escola, no âmbito da UAN, com dupla valência, das Letras e
Humanidades, por um lado e das Ciências Sociais e Humanas, por outro,
deve constituir um dos eixos de reeestruturação e relançamento do
ensino superior em Angola(…)"2
       Quando em 1980, se extinguiu a Faculdade de Letras do Lubango,
o ensino de Letras obedecia, incólume, ao modelo instalado no regime
dos Estudos Gerais Universitários de 1963. Com a queda do fascismo em
Portugal, em 1974, após o 25 de Abril, foram introduzidas algumas
alterações no currículo com a inserção, por exemplo, de cadeiras como
Literatura Angolana e Literaturas Africanas de Língua Portuguesa.
      Desde a criação do ISCED em substituição da Faculdade de Letras,
assistimos, portanto, a uma silenciosa ausência dos estudos literários e ao
desenvolvimento de um fragmentário e parcial ensino da literatura angolana
nas escolas secundárias e mas completamente ausente na universidade. Este
panorama inóspito vai sendo suavizado com os currículos de alguns cursos
de formação profissional, como é o da Rádio Nacional de Angola
destinado a redactores, locutores, realizadores, em que desde a década de 80
se ministra a disciplina de literatura angolana. Seguiu-se-lhe o curso médio
de jornalismo, criado em finais da década de 80.
     Apesar deste tipo de iniciativas isoladas, respeitantes ao ensino e
reconhecida a pujança da criação literária, continuamos a verificar uma
resistência à necessidade de um outra atitude epistemológica perante os textos
literários angolanos, quando se exige já a prática de novas leituras. O
feitichismo da teoria e da crítica literária ocidental, continua a ser avassalador,
confrontado com a inércia generalizada que impregna a consciência dos
leitores e de alguns escritores.
      Ora, não deixa de ser um paradoxo o facto de, por um lado
defendermos uma teoria da angolanidade que deve constituir a ossatura
de uma        historiografia literária e que concorra para a formação de um
cânone literário angolano, mas por outro, não existirem em Angola os
estudos literários, institucionalizados ao nível do ensino e da investigação.
      Tais lacunas, que reflectem um funcionamento não harmónico do
sistema literário angolano, precariamente preenchidas algumas delas por
uma actividade crítica que conta apenas com alguns cultores, entre os quais
o autor destas linhas. Num ambiente como este em que predomina ainda
a escassez de livros de produção local, foi-se expandindo o fascínio dos
manuais de ensino da língua e da literatura portuguesa e o poder sedutor
dos discursos críticos produzidos em Portugal, através dos quais se

2   Ob. cit.,p.434


                                        2
veiculam leituras ancoradas a teorias como a crioulidade e negritude, e
destinadas a públicos portugueses3.
      Assim, o vazio existente em           matéria de estudos literários e
consequentemente a fraca produção da crítica literária endógena, tem dado
origem à reprodução do modelo pedagógico português pelas escolas
secundárias, pois ele acompanha o ensino da língua portuguesa, por meio
do qual se pretende iniciar os estudantes no conhecimento da literatura
angolana4.
     A cadeira de Literaturas Africanas de Língua Portuguesa está, no
presente ano lectivo, a ser leccionada no ISCED em Luanda.
     Apesar disso o sistema literário angolano conta, no entanto, com
outros segmentos que lhe vão assegurando a sobrevivência. Basta, por
exemplo, referir a União dos Escritores Angolanos, a associação de
escritores angolanos, os prémios literários (Prémio Sonangol de Literatura,
Prémio Literário Sagrada Esperança, Prémio Literário António Jacinto,
Prémio de Ensaio Mário Pinto de Andrade, Prémio Nacional de Cultura e
Artes), revistas culturais e literárias (Gazeta da União dos Escritores
Angolanos) Revista Mensagem do Ministério da Cultura, suplementos literários
( Vida Cultural do Jornal de Angola) programas televisivos (Leituras),
livrarias( só em Luanda) (Lello, Mestria, Livraria Técnica, Livraria Ler &
Escrever, Livraria Som & Livro, Livraria Chá de Caxinde), editoras (União
dos Escritores Angolanos, Nzila, INIC, Chá de Caxinde).
      Por aí se vê que, desde logo, não se pode dispensar uma dimensão
sociocultural, pois pretende-se legitimar uma cultura autónoma com
identidade própria. E a legitimação não pode ocorrer sem que para tal se
constitua um cânone. Segundo Harold Bloom, "cognition cannot proceed
without memory, and the Canon is the true art of memory, the authentic
foundation for cultural thinking."5
      Porque não existem cânones universais, deveremos, pois, operar com
um certo relativismo na formação do cânone literário angolano, se
quisermos ter em atenção os três factores que, no dizer de Carlos Reis,
concorrem para o referido processo.6

3 Ver, José Carlos Venâncio, Uma Perspectiva Etnológica da Literatura Angolana, Lisboa, Ulmeiro, 1987; José
Eduardo Agualusa, Nação Crioula (romance),Lisboa, RTP, 1997; José Carlos Venâncio, Colonialismo,Antropologia
e Lusofonias, Lisboa,Vega,1996,p.154; e Pires Laranjeira, A negritude Africana de língua portuguesa, Porto,
Edições Afrontamento,1995
4 Enquanto escrevia esta comunicação foi publicado em Luanda um livro que pretende ser um manual

para o ensino do Português em Angola. Obra colectiva de autores com experiência pedagógica
5 Cf. Harold Bloom, The Western Canon- the books and school of the ages, London ,Macmillan, 1994, p.35
6 Para este autor os três factores são os seguintes: a " selectividade que trata de estabelecer, de forma

não necessariamente sistemática ou programada,as obras e autores que correspondem a uma identidade
cultural e literária, entendida como ortodoxa e maioritariamente representativa; a continuidade, ou seja, a
permanência, ao longo de um tempo histórico alargado, de obras e autores que fundam nessa permanência


                                                     3
A selecção do nosso cânone literário angolano há-de ser diferente
da que para esta literatura se          estabelece nos sistemas de ensino
estrangeiros em que se realizam estudos das Literaturas Africanas. Isso
mesmo ocorre relativamente à disciplina de Literatura Africana de
Expressão Portuguesa que em Portugal integra o plano de Licenciatura em
Línguas e Literaturas Modernas, variante de Estudos Portugueses
        Sendo assim não nos podemos coibir de, com a devida selectividade,
excluir do cânone literário angolano aquelas obras que reflictam a ausência
dos Angolanos e a negação da sua autonomia no plano ontológico. Tais
obras são, por exemplo: Nga Muturi de Alfredo Troni, a obra do poeta
português Tomás Vieira da Cruz, a trilogia de Castro Soromenho, Yaka de
Pepetela. Ao invés, o cânone estabelecido pelo programa de Literaturas
Africanas de algumas universidades portuguesas (Universidade do Porto,
Universidade Aberta), inclui tais autores e as obras mencionadas.
       Até aqui referimo-nos ao cânone literário como se apresenta na
tradição ocidental, desde Platão7 passando pelo projecto da modernidade
europeia inaugurada pela Revolução Francesa, em que a literatura funciona
como "destacado agente de coesão sócio-cultural" e da construção da
nação.8
      Ora, exactamente por isso, a geo-epistemologia dos discursos sobre
Angola, dá lugar a dúvidas, quanto ao alcance e eficácia das estratégias
que subjazem a construções dos cânones literários. Mas se obedecermos
aos apelos que se impõem à historiografia literária angolana, em que o
conceito de literatura angolana não se resume aos textos literários escritos
em língua portuguesa,pois alarga-se aos textos escritos em línguas
endófonas e a textos da literatura oral, seremos forçados a rever os
critérios que presidem ao processo de formação do cânone.
      No que diz respeito à da tradição oral e aos textos escritos em línguas
nacionais, já no século XIX surgiram em Angola, insignes defensores das
literaturas orais e da sua importância. Na primeira linha destaca-se o

a sua autoridade cultural; a formatividade, critério de ordem pedagógica e também ideológica, que leva a
reter no cânone aquelas obras e autores que se entende serem reprodutoras de uma certa (e algo
estável) ordem social e cultural, que se deseja insinuada no sistema de ensino". Ver Carlos Reis, O
Conhecimento da literatura angolana. Introdução aos estudos literários, Coimbra,Almedina, 1997,pp.72-73
7Em A República, uma das personagens de Platão,diz: "Logo, devemos começar por vigiar os autores de

fábulas, e seleccionar as que forem boas, e proscrever as más. As que forem escolhidas, persuadiremos
as amas e as mães a contá-las às crianças, e a moldar as suas almas por meio das fábulas, com muito
mais cuidado do que os corpos com as mãos. Das que agora se contam, a maioria deve rejeitar-se"(…)
Pelas fábulas maiores avaliaremos das mais pequenas. Pois é forçoso que a matriz seja a mesma e que
grandes e pequenas tenham o mesmo poder(…)(pp.87-88)
8 Cf. Itamar Even-Zohar, "La función de la literatura en la creacion de las naciones de Europa", in

Avances en Teoria de la literatura: Estética de la Recepción, Pragmática, Teoria Empírica y Teoria de los Posistemas,
Santiago de Compostela, ed. Dario Villanueva, Santiago de Compostela: Universidade de Santiago d
Compostela, 1994, pp.357-377.


                                                        4
escritor Joaquim Dias Cordeiro da Matta que tinha já uma perfeita noção
do peso da tradição oral em geral. A testemunhá-lo estão as palavras do
missionário suíço, Héli Chatelain, que no prefácio do seu Folk-Tales of Angola 9,
escreve: "The future of native Angolan literature in Ki-mbundu,(…) is now
pratically assured. J. Cordeiro da Matta, the negro poet of the Quanza River,
has abandoned the Portuguese muse in order to consecrate his talents to the
nascent national literature"( O futuro da literatura autóctone Angolana em Ki-
mbundu,(…) está praticamente assegurado. Joaquim Dias Cordeiro da Matta, o
poeta negro do Rio Kwanza, abandonou a musa Portuguesa para dedicar o
seu talento à nascente literatura nacional).
        Todavia, com o paradigma da crioulidade10, o cânone literário é
uma emanação da visão reducionista que condiciona o conceito de
literatura angolana à difusão da cultura e língua portuguesa. A literatura
oral angolana e o acervo de textos escritos em língua nacionais não
ocupam qualquer lugar11, ou no mínimo, ocupam um lugar marginal.
       Com efeito, mesmo em outros países Africanos ainda hoje ocorrem
indagações sobre o lugar das literaturas orais na academia.Uma das
manifestações mais célebres é aquela que, na década de 60, foi
protagonizada por escritores e académicos como Ngugi wa Thiong'o, Taban
Lo Liyong e Awor-Anyumba na Universidade de Nairobi, ao terem
defendido a atribuição de maior importância ao estudos das literaturas
Africanas e consequentemente a abolição do Departamento de Inglês.12 Na
mesma senda ergueram-se, na década de 80, três críticos nigerianos que
faziam a apologia da abolição dos departamentos de línguas e literaturas
europeias e a sua substituição por três outros novos: o Departamento de




9
  Héli Chatelain, Folk Tales of Angola (Fifty tales, with ki-mbundu text literal English Translation, introduction and notes),
Boston and New York, Houghton,Mifflin and Company, 1894
10 Ver o texto fundador da "teoria" em Mário António, Luanda-Ilha Crioula,Lisboa, Agência Geral do

Ultramar, 1968
11 Tal ocorre no texto de apresentação do programa da cadeira de Literaturas Africanas de Expressão

Portuguesa, feita por Pires Laranjeira: "As literaturas africanas de língua portuguesa incluem as
literaturas originariamente escritas em língua portuguesa, segundo um padrão básico de tradição europeia
escrita, nos cinco países africanos de língua oficial portuguesa, antes e depois da independência(…)". Pires
Laranjeira, Literatura Africana de Expressão Portuguesa.Programa e bibliografia
12 Cerca de trinta anos depois, Ngugi wa Thing'o, recorda: "The call was not for abolition of English

literature as such, but for the reorganizarion of the English departments so that they would properly
reflect the realities of the twentieth century and the world (…) The restructuring would also allow the
introduction fo works written in English from other regions and cultures(…) Central to African
literature would be what was then initially termed 'oral literature'".Ver Ngugi wa Thiong'o, Penpoints,
Gunpoints and Dreams. Towards a critical theory of the arts and the State in Africa,Oxford, Claredon Press,
1998.pp.106-107; Ngugi wa Thiong'o, Homecoming.Essays on African and Caribbean Literature,Culture and
Politics,London,Heinemann,1972,pp.145-150


                                                              5
Línguas Africanas, Oraturas e Literaturas; Departamento de Literatura
Comparada e Departamento de Línguas Coloniais.13
     No que diz respeito às Literaturas Africanas de Língua Portuguesa, a
problemática das denominações também se coloca. O malogrado professor
português Manuel Ferreira reflectiu sobre o assunto14, tendo sustentado que
falar em literaturas africanas de expressão portuguesa, era uma ambiguidade e
ao mesmo tempo uma contradição. Apesar de ter sido o primeiro titular
dessa cadeira na Faculdade de Letras de Lisboa, confessa não ter tido
qualquer participação na designação. Acrescenta ainda:"Os responsáveis
sabiam que ao oficializar aquela expressão estavam linguística e
semanticamente inseridos no contexto histórico-cultural".
   No prólogo do seu Manual das Literaturas Africanas de Língua
Portuguesa, elaborado para a Universidade Aberta, Pires Laranjeira prefere a
designação anterior, embora a disciplina e o manual tratem de literaturas
africanas de expressão portuguesa.15 No mesmo sentido, como vimos, se
orienta Carlos Reis.
        Resolvida a questão da denominação geral, reitero a importância
que as literaturas orais e as línguas nacionais têm para a formação do
cânone literário nas instituições académicas angolanas. Para tal socorrer-
me-ei das palavras de Joaquim Dias Cordeiro da Matta. No prefácio do seu
Ensaio de Dicionário Kimbundu-Portuguez, escreve: "Sendo o auctor d’este
Ensaio angolense, que cresceu, aprendeu e viveu entre os seus, esmerou- se quanto lhe foi
possível em escrever se não bem, com todo o desvelo, a lingua da sua terra, que apezar de
quatrocentos annos de dominio portuguez, conserva inalteravel - coisa que é para admirar –
a pureza da sua dicção; quando, como era de esperar, por tel-o succedido aos idiomas da
Peninsula, na conquista romana, já devia existir o mais tenue vestigio do Kimbundu, se os
conquistadores portuguezes, como o fizeram os romanos, impozessem aos conquistados a sua
linguagem (...)"
      E traduz as suas motivações do seguinte modo: "O desejo, porém, de ser
prestavel á sua patria e o de contribuir com o seu insignificante prestimo a preestar um serviço
aos homens de sciencia que se occupam de linguistica, é o o incitou a coordenar e publicar este
trabalho que, apesar de mesquinho, se não servir de muito, ha de necessariamente, preencher
uma grande lacuna."
      Portanto, justifica-se que, além de uma literatura angolana escrita em
língua portuguesa, se fale de um outro segmento, a literatura oral
angolana.Por isso, dever-se-á operar com um conceito de literatura
angolana que conglobe os três segmentos, nomeadamente a literatura oral

13 Cf. Chinweizu, Onwuchekwa Jemie e Ihechukwu Madubuike, Toward the Decolonization of African Literature.

African fiction and poetry and their critics,vol. I, Enugu, Fourth Dimensions Publishers,1980,pp.296-297
14 Ver Manuel Ferreira,O discurso no percurso africano.
15 Pires Laranjeira, Literaturas Africanas de Expressão Portuguesa, Lisboa, Universidade Aberta, 1995,p.18




                                                    6
angolana, literatura escrita em línguas endófonas e literatura angolana escrita
em língua portuguesa.


1. O CÂNONE LITERÁRIO, A FUNÇÃO TOTALITÁRIA E                                                     O
   PLURALISMO CULTURAL

      Uma das personagens de Platão em A República, diz: "Logo, devemos
começar por vigiar os autores de fábulas, e seleccionar as que forem boas,
e proscrever as más. As que forem escolhidas, persuadiremos as amas e
as mães a contá-las às crianças, e a moldar as suas almas por meio das
fábulas, com muito mais cuidado do que os corpos com as mãos. Das
que agora se contam, a maioria deve rejeitar-se"(…) Pelas fábulas maiores
avaliaremos das mais pequenas. Pois é forçoso que a matriz seja a mesma
e que grandes e pequenas tenham o mesmo poder(…)(pp.87-88)
      O teor de afirmações semelhantes a estas, no dizer de Karl Popper,
permite detectar um programa totalitário daquele autor da Grécia Antiga.
Decantados os elementos do programa de Platão, Popper sustenta:
"É fundamental a existência de censura e duma constante propaganda no
sentido de moldar e unificar as actividades intelectuais e o pensamento da
classe dominante, devendo ser evitadas ou suprimidas quaisquer inovações
em matéria de educação, legislação e religião."16
     Este o modelo totalitário sobre o qual assentam as estratégias que
governam os sistemas de ensino, os cânones e os programas escolares. Mas
ao contrário do que acontece no mundo ocidental donde se toma de
empréstimo o modelo, a reprodução social que se visa com o sistema de
ensino não coincide com a lógica da reprodução cultural que se pretende
em Angola. Regista-se um hiato entre a ordem das hierarquias sociais e
as culturas predominantes que estruturam a personalidade das populações
angolanas. A importância da constatação explica-se, de acordo com Pierre
Bordieu, no facto de "todo acto de transmissão cultural implica
necessariamente na      afirmação do valor        da    cultura  transmitida
(e paralelamente, a desvalorização implícita ou explícita das outras culturas
possíveis)".17 Nisto se reconhece a primeira manifestação contemporânea

16 Ver Karl Popper, A Sociedade Aberta e os seus Inimigos,vol.I, pp101-102."Tem sido dito, e com razão, que

Platão foi o inventor das nossas escolas secundárias e universidades"p.147
17 "Em outros termos, isto significa que todo ensino deve produzir, em grande parte, a necessidade de

seu próprio produto e, assim, constituir enquanto valor ou como valor dos valores a própria cuja
transmissão lhe cabe." Ver Pierre Bordieu, A Economia das Trocas Simbólicas, São Paulo, Editora
perspectiva, 1999,p.218. Mas, ao contrário, sobre o cânone ocidenmtal, Harold Bloom diz: " The Western
Canon does not exist in order to argument preexisting societal elites. It is there to be read by you and
by strangers, so that you and those you will never meet can encounter authentic aesthetic power and


                                                  7
da função totalitária do cânone literário, pois nele se evidencia uma certa
configuração ideológica da literatura. Parece ser inevitável detectar aí aquilo
a que, a título de exemplo, para Harold Bloom é politização e defesa
ideológica do cânone literário.
     Para o caso das Literaturas Africanas e da literatura angolana em
especial, em que do ponto de vista histórico as línguas de origem europeia
ostentam alguma aura de prestígio conjuntural, se confrontadas com os
sistemas literários endógenos, a problemática do cânone, porque tratando-se
de um exercício de selecção e de memória, levanta antes de mais uma
questão de descolonização cultural e reconhecimento do pluralismo.
     Só um processo de descolonização cultural pode evitar que se
consagre um cânone literário totalitário, ou seja, um cânone glotofágico
que se confundirá certamente com parte de um certo eurocentrismo
linguístico. Aliás, o espectro glotofágico e eurocêntrico reaparece em
diversas ocasiões. Tais erupções têm a ver com a pervivência do que
Edward W. Said designa por            imperialismo, cujos domínios vão sendo
igualmente assegurados na literatura.Um destes domínios é o da neutralidade
dos valores estéticos, enquanto se consideram superiores as literaturas
europeias e americana, como faz Harold Bloom. Esta ideia de valores
intemporais e universais que vem já dos tempos iluminismo ocidental
traduz simplesmente o predomínio monista do cânone no contexto do
Estado-nação no mundo ocidental.
     Para o que interessa à literatura angolana, o cânone literário tem de
ser expressão de um pluralismo consagrado pelo modo como se constrói
o conceito de literatura angolana18. E se o cânone conforma por outro
lado a ideia de selectividade, exprimirá igualmente a validade relativa das
escolhas. Do meu ponto de vista, o cânone literário a adoptar num país
como Angola deverá pautar-se por um rigoroso respeito ao pluralismo
cultural, na medida em que a literatura angolana integra o património de
um país que é multiétnico, e plurilingue, apesar de neste último caso
existir uma base linguística maioritariamente comum.
    Por essa razão, o cânone literário, enquanto emanação da função
cultural do Estado, deve resultar de uma leal concorrência de propostas
que reflictam os três segmentos em que se analisa a literatura angolana,

the authority of what Baudelaire(and Erich Auerbach after him) called 'aesthetic dignity'".Cf. Harold
Bloom, The Western Canon, London, Macmillan, 1994, p.36
18 Por literatura angolana entendo o conjunto de textos que compreende os textos orais, as versões escritas

dos textos orais em línguas nacionais, os textos escritos em língua portuguesa, produzido por autores angolanos
com recurso às técnicas da ficção narrativa, de outros modos de escrita, desde que se verifique neles uma
determinada intenção estética, crítica ou histórico-literária, veiculando elementos culturais angolanos. Ver Luís
Kandjimbo, Apologia de Kalitangi. Ensaio e Crítica, Luanda, INALD, 1997



                                                       8
nomeadamente textos da literatura oral, textos literários escritos em
línguas nacionais e textos literários escritos em língua portuguesa.

2. O ENSINO DAS LITERATURAS AFRICANAS DE LÍNGUA
   PORTUGUESA EM ÁFRICA


      Precavidos que estamos quanto às tentações hegemónicas das línguas
e literaturas europeias e americana, não restam dúvidas a respeito da
existência em universidades africanas         de disciplinas      como       Literaturas
Africanas e Língua Portuguesa cujos currículos incluem obras de autores
africanos, autores brasileiros e portugueses. Este facto pode ser ilustrado
pela frequência de paineis sobre as literaturas africanas de língua
portuguesa nos colóquios anuais das várias associações europeias e
americanas de especialistas. A Associação para o Estudos das Literaturas
Africanas ( APELA) de França e a African Literature Association (ALA) dos
Estados Unidos da América, para referir apenas aquelas de cujas
actividades participei, são algumas delas.
      Em 1990, estive em Dakar onde participei no colóquio da ALA. No
painel consagrado a Literatura Angolana usaram da palavra, além de
conhecidos especialistas europeus e americanos das Literaturas Africanas
de Língua Portuguesa, alguns investigadores senegaleses que constituem o
suporte do núcleo em redor do qual se dinamiza o ensino da Língua
Portuguesa na Universidade Cheikh Anta Diop de Dakar.
    Na Universidade de Ifé da Nigéria, o ensino das Literaturas de
Língua Portuguesa é realizado no quadro do departamento das línguas
modernas europeias. Até muito recentemente não se leccionava a língua
portuguesa no ensino secundário. Assim, os cursos de português dessse
departamento têm as seguintes disciplinas: Português básico, Expressão
portuguesa e compreensão, Introdução à composição portuguesa, Civilização
lusófona Africana, História da Literatura Brasileira, Literaturas Africanas e
Brasileira Modernas em português ( autores recomendados: Jorge Amado,
Graciliano Ramos,José Lins do Rego, Agostinho Neto, José Craveirinha, Marcelino dos
Santos,Manuel Lopes), Literaturas Brasileira e Portuguesa dos séculos XIX e
XX (autores recomendados: Machado de Assis, Castro Alves, Bernardo
Guimarães, José Lins do rego, Raquel Queirós, Camilo Castelo Branco, Almeida
Garrett, Eça de Queirós, Fernando Pessoa, Agustina Bessas Luís), Literaturas
Brasileira e Portuguesa dos séculos XVI, XVII e XVIII (autores
recomendados: Luís de Camões, D. Francisco Manuel de Melo, Sá de Miranda,
António Vieira, Barbosa du Bocage, António José da Silva, Nicolau Tolentino,


                                         9
Gregório de Matos, Caldas Barbosa, Santa Rita Durão, Tomás António Gonzaga),
Linguística Aplicada do Português, História Literária de Portugal,
Literaturas Africanas em Língua Portuguesa ( autores: Costa Alegre, Agostinho
Neto, Viriato da Cruz, Mário Pinto de Andrade, Luandino Vieira, Castro
Soromenho, Manuel dos Santos Lima, Noémia de Sousa, Amílcar Cabral, José
Craveirinha)19.
      Ainda na Nigéria, o ensino do português e por conseguinte das
literaturas por veiculadas nessa língua, era realizado na Universidade de
Port Harcourt cujo dinamizador foi até muito recentemente o professor
Wilfred Feuser que confirmou esse seu empenho, quando com ele estive
em 1990, na Universidade de Nsukka.
      A Universidade da África do Sul ( UNISA) e a Universidade de
Witwastrand de Johanesburgo são duas das que naquele país da África
Austral se dedicam ao ensino do português. Mas as Literaturas de Língua
Portuguesa são leccionadas no contexto da pedagogia da língua.Foram
entretanto introduzidos no curso de Licenciatura em Língua Portuguesa
(B.A. in Portuguese) da UNISA para o ano 2001, os módulos de Literatura
Brasileira Moderna e Literaturas da África Lusófona, além do já existente de
Literatura Portuguesa.20
        Na Universidade Cheikh Anta de Dakar o ensino das Literaturas de
Língua Portuguesa é de igual modo dependente da padagogia da língua.
Pessoalmente conheço três professores de português desta universidade
(Mallé Kassé, Ahmet Kebé e Mustafa Bangoura) que, em cooperação com a



Universidade francesa de Rennes21, foram a realizando este esforço de
divulgação naquele país africano e participam regularmente em eventos
internacionais que abordam a língua portuguesa e as literaturas Africanas.

3. A ESCASSEZ DE MATERIAIS DE DIVULGAÇÃO

    Mau funcionamento do mercado de publicações dos países da CPLP,
escassez de materiais de ensino, nomeadamente bibliografias actualizadas,
estudos panorâmicos e monografias, antologias, traduções, são algumas das
19 University of Ife- Nigeria, Faculty of Arts Handbook 1984-87,pp.145-164
20 Ver UNISA, Calendar 2000.Part 3,p.391
21 A Universidade de Rennes é uma das poucas que em França desenvolve há mais de duas décadas

um ensino sistemático e pesquisas sobre a língua portuguesa e as literaturas de língua portuguesa.Foi
recentemente criado um Programa de DEA em Estudos Românicos dirigido pela professora Françoise
Massa que com outros investigadores e professores de literaturas de língua portuguesa asseguram a
presença destas literaturas na Association pour l'Étude des Littératures Africaines (APELA).


                                                 10
dificuldades que neste capítulo parecem ser comuns, afectando mais as
literaturas africanas.
      Nas décadas de 60 e 70, e por força da conjuntura internacional e
no contexto do movimento de libertação internacional, as literaturas
africanas dos países de língua portuguesa, suscitaram grande curiosidade de
investigadores e editores. Entre os investigadores europeus destacam-se
os portugueses Alfredo Margarido e Manuel Ferreira, o alemão Janheinz
Jan, os belgas Lilyan Kesteloot e Albert Gérard, os americanos Gerald
Moser e Russel Hamilton, o francês Jean-Michel Massa. A estes juntaram-
se nomes de uma nova geração de críticos e universitários.
      Os editores europeus, excluídos os portugueses, que se evidenciam pelo
interesse demonstrado também não são muitos. Entre eles figuram a
editora londrina Heinemann e algumas editoras francesas .
      Ora, passadas que foram mais de duas décadas, não parece ter
havido grande evolução, no que diz respeito à publicação de instrumentos
de divulgação, tais como bibliografias, traduções e antologias.
      Escrevendo sobre a ausência das literaturas africanas de língua
portuguesa, Alfredo Margarido considerava que as razões invocadas com
frequência para justificar a sua exclusão dos espaços francófonos e
anglófonos,por exemplo a falta de traduções, coloca-nos "perante a dureza
do facto colonial" onde "as histórias das literaturas africanas assumem e
prolongam os malefícios do colonialismo cássico. As línguas privilegiadas, o
inglês e o francês, são as das grandes potências coloniais.(…)o lugar
reservado às literaturas africanas de expressão portuguesa reflecte da
maeira mais evidente o lugar reservado a Portugal na hierarquia das
nações 'desenvolvidas' "22.
       Ainda hoje, quando se ouvem lamentações atinentes à escassez de
bibliografias e outros instrumentos, o pensamento gravita apenas em
redor destas duas grandes línguas.Tal situação é geral, verificando-se não
só na Europa mas também nos Estados Unidos da América, no Canadá, na
Austrália. Virginia Coulon é um dos especialistas franceses que,
considerando a falta de traduções como causa das fronteiras intrasponíveis
entre as literaturas africanas francófonas, anglófonas e lusófonas, pensa
assim: "Faute d'ouvrages en français, on connait trés mal les littératures
africaines de langue anglaise et portugaise (…) à ma connaissance il n'y a
aucun ouvrage en français qui leur est consacré."23
22 Alfredo Margarido,Estudos sobre Literaturas das Nações Africanas de língua Portuguesa, Lisboa, Regra do Jogo,
1980, p.121
23 Virginie Coulon, "La Penurie d'instruments de travail pour l'enseignement des littératures Africaines", in

Centre d'Etudes Littéraires Maghrebines, Africaines et Antillaises e CNRS(org.), Littéraures Africaines et
Enseignement- Colloque International Université de Bordeaux III, Mars 1984, Presses Universitaires de Bordeaux,
pp.43-56


                                                      11
O reflexo desta      ausência das literaturas africanas de língua
portuguesa na academia francesa, proporcionalmente nula quando
comparada à literatura portuguesa ou brasileira, observa-se na revista da
Association pour l'Étude des Littératures Africaines (APELA), num país
como a França.
      Mas o que se torna evidente é efectivamente a inexistência de
instrumentos de divulgação que revelem uma estratégia destinada a esse
fim.Prova disso é o considerável crescimento da difusão e traduções da
literatura portuguesa em França, revelador da presença de uma poderosa
instituição como é o Instituto Camões24.


4. UMA     ESTRATÉGIA DE   DIFUSÃO                                                                 PARA           AS
   LITERATURAS DE LINGUA PORTUGUESA

     Será possível falar-se de uma estratégia, quando estamos a tratar
apenas da difusão e divulgação das literaturas de língua portuguesa?
     O cerne da resposta reside exactamente na existência da CPLP,
enquanto organização internacional, e dentro dela os instrumentos com os
quais se pretendem alcançar objectivos de ordem estratégica no quadro do
já constituído Instituto Internacional de Língua Portuguesa. O que pode já
ser comprovado pelas actas, resoluções e declarações dos seus vários órgãos.
     Se, por estratégia entendermos, " a ciência e a arte de desenvolver e
utilizar as forças morais e materiais de uma unidade política ou coligação a
fim de se atingirem objectivos políticos que suscitam, ou podem suscitar,
a hostilidade ( e exclusivamente a hostilidade) de uma outra vontade
política"25, ou ainda "a arte de preparar e aplicar o poder- na paz e na
guerra- para conquistar e preservar objectivos, superando obstáculos de toda
ordem"26, não teremos dificuldades em aceitar que a nossa reflexão
aponta para uma visão estratégica da CPLP. E por isso não haverá dúvidas
que, reconhecida a importância das culturas neste século, as elites culturais,


24 Há em Paris uma livraria "librairie lusophone", situada no Quartie Latin, rue Sommerard, que me

parece ser a única em Paris a vender obras de autores de língua portuguesa.Mas lamentavelmente
livrarias como estas, além de não estabelecerem contactos com os editores dos países africanos, são
muito poucas na Europa.O que dificulta ainda mais o acesso e a atenção para eventuais traduções.
25 Ver A.C.Couto, Elementos de Estratégia, vol.I, cit. por António Horta Fernandes e António Paulo

Duarte,Portugal e Equilíbrio Peninsular.Passado, Presente e Futuro (Um estudo de geostratégia), Lisboa, Europa-
América,1998,p.97

 Definição adoptada no Brasil pela Escola Superior de Guerra.Escola Superior de Guerra, Fundamentos
26

Doutrinários da Escola Superior de Guerra, Rio de Janeiro: A Escola, 2000


                                                      12
os produtos da sua actividade e as literaturas em particular dos Estados
membros da CPLP são chamadas a desempenhar um papel de peso27.
     Sendo nítida a fronteira entre o Instituto Internacional de Língua
Portuguesa e o Instituto Camões, penso no entanto, ser fundamental o
estabelecimento de uma base de complementaridade que evite o sentido
unilateral das relações entre os países28. Mas andam à espreita tentações
hegemónicas como a manifestada por Adriano Moreira29 que parece, por
exemplo, reduzir as relações de Portugal com Angola a uma perspectiva de
sentido único, em que Angola se limita a acrescentar o património próprio
com a contribuição de Portugal.
     Apesar de reconhecermos a importância das iniciativas tomadas por
uma parte apenas dos Estados membros, na produção de instrumentos no
quadro de uma organização como a CPLP, contudo, não deixa de ser
indicador de mau agoiro o facto de na III conferência dos ministros da
educação de Junho de 2000, numa matéria como as Literaturas, em que se
não pode substituir a presença dos representantes dos respectivos países,
se ter atribuído a cientistas de Portugal e do Brasil o protagonismo na
elaboração de um documento sobre a presença da Literatura nos sistemas de
ensino, reservando aos restantes uma " participação até à realização da IV
Conferência". Em meu entender, nas matérias respeitantes à Cultura,
recomendável é o princípio da formação de grupos paritários de trabalho.

27 Analisando a inserção de Portugal no contexto do equilíbrio                europeu, dois autores portugeses
entendem, com razão, que "A importância da cultura como instrumento do poder acrescem as
preocupações que os Estados têm com afirmação das suas culturas.De facto, esta afirmação cultural
tem efeitos potencializadores na capacidade de intervenção do Estado no Mundo, quer apoiando a
contsrução de imagens positivas a seu respeito, quer facilitando a penetração em áreas de interesse
estratégico".Cf. António Horta Fernandes e António Paulo Duarte,Portugal e Equilíbrio Peninsular.Passado,
Presente e Futuro(Um estudo de geostratégia), Lisboa, Europa-América,1998,p.97
28 Estou de acordo com Jorge Couto, presidente do Instituto Camões, quando considera que a existência

do IILP, não impede que ao nível de cada Estado membro, à semelhança do Instituto Camões em
Portugal, funcionem instituições que no plano multilateral concorram para iniciativas como " a doação
de terminologia científicas e tecnológicas e a criação de centros nacionais de terminologia que permitam
unificadamente recolher e tratar as contribuições provenientes de outros sistemas lingüísticos(…) a ampliação
de centros nacionais de terminologia (…) a criação de bancos de dados (…) a rede de programas de
investigação que associem estreitamente as universidades dos países lusófonos tendentes a elaborar atlas
lingüísticos, dicionários etimológicos e dicionários multilíngües e, ainda, a desenvolver técnicas de tradução
automáticas".Ver Jorge Couto, "Idioma e Soberania: Nossa Língua, Nossa Pátria-A Comunidade dos Países
de Língua Portuguesa             (segunda parte) -A situação da língua portuguesa no mundo",
www.camara.gov.br/intranet/camara500/Seminarios/ID_Jcouto_P3.htm
29
  "Se queremos dignificar, fortalecer, expandir a língua portuguesa, e os valores e objectivos internacionais
que transporta, entre povos que oficialmente a adoptam, devemos corresponder com o interesse, a
dignificação, o aprofundamento do saber das línguas desses povos que acrescentam o património próprio
com a nossa contribuição, que enriquecem o nosso património quando aprofundamos a capacidade de
entender"(Adriano Moreira, Teoria das Relações Internacionais,p.viii)




                                                     13
Todavia, sendo o Instituto Internacional de Língua Portuguesa um
instrumento da CPLP e o Instituto Camões um instrumento do governo
português, na verdade, a complexidade há-de ser maior, tornando-se fácil
dar consistência à ideia segundo a qual entre literaturas de língua
portuguesa (sistemas literários) e língua portuguesa (sistema linguístico), a
confusão não é possível. Assim, não bastará a satisfação pela realização de
colóquios e seminários. Importará ir mais além, o que exigirá uma cultura
do horror à inércia das decisões. Com este pensamento pretendo
interpelar propriamente os agentes das instituições que conformam os
sistemas literários dos países da CPLP que serão chamados a executar tal
visão estratégica e as linhas programáticas daí resultantes.
        Por exemplo, e quem o diz é um professor português, Fernando
Cristóvão, os estudos brasileiros nas universidades portuguesas datam de
há mais de cinquenta anos, mas verifica-se ainda hoje um mau
conhecimento recíproco das respectivas literaturas no Brasil e em Portugal.
A constatação feita por Fernando Cristóvão levou-o a sugerir o critério
geral da reciprocidade proporcionada para todas as Literaturas de Língua
Portuguesa.30 Para este professor português, isto significaria que "a uma
presença dignificante da Literatura Brasileira e Africanas lusófonas em
Portugal devem corresponder presenças igualmente dignificantes da
Literatura Portuguesa no Brasil e nas jovens nações de África".
      Fácil é identificar as razões que podem aqui legitimar a paridade e a
reciprocidade como princípios orientadores. É que não podemos perder
de vista o peso da História e das representações sociais e colectivas.Tal
como diz Edward Said, "vivemos num mundo que não é somente feito
de marcadorias mas igualmente de representações, e as representações - a
sua produção, a sua circulação, a sua história e a sua interpretação - são a
matéria prima da cultura."31E isso é evidente particularmente na literatura
portuguesa, onde abundam diversas obras impregnadas pelas imagens da
visão imperial e do colonialismo português, avultando as negadoras do
Outro Africano (angolano, guineense, moçambicano)32. Por outras palavras,
sobrevivendo o colonialismo através das suas sequelas, aos escritores,
investigadores, professores que habitam o espaço da CPLP, impõe-se um
grande esforço de exorcização dos fantasmas que ainda resistem à
morte.Um destes fantasmas é a chamada teoria da crioulidade esboçada
em fins da década de 60 pelo ensaísta Mário António. Mas encontra
30 Fernando Cristóvão, " Situação e problemas do ensino da Literatura Brasileira em Portugal", in Actas

do Encontro/Colóquio de Professores Universitários de Literaturas de Língua Portuguesa, 1985, pp.114-
123
31 Edward Said, Culture et Impérialisme, Paris, Fayard/Le monde diplomatique, 2000,p.104
32
   Cf.Maria Alzira Seixo,Graça Abreu, John Noyes e Isabel Moutinho (ed.), The Paths of Multiculturalism-Travel
writings and postcolonialism, Lisboa, Edições Cosmos, 2000


                                                     14
hoje em Portugal muitos seguidores, entre os quais o escritor José Eduardo
Agualusa e o professor universitário José Carlos Venâncio todos nascidos
em Angola.33 Aliás, o modo como se difunde tal teoria da crioulidade não
deixa de ser manifestção de uma forma de violência, na medida ela tem
o seu fundamento no mito do mestiço teoricamente defendido por
Gilberto Freyre, o pai do lusotropicalismo. Curiosamente Adriano Moreira,
amigo deste autor brasileiro, é um dos autores que subscreve o ponto de
vista segundo o qual "o mito do mestiço é um mito que não está
vencido".34
      Adriano Moreira chega a pôr em dúvida o comportamento virtuoso
que Gilberto Freyre atribuía aos portugueses, o de serem propensos à
miscegenação. E fá-lo nos seguintes termos: "Há em todo o caso, a meu
ver, alguns aspectos novos que devem ser tomados em consideração antes de
tentar trasnpor acriticamente para a situação actual estes modelos de
comportamento que, volto a insistir, seriam os característicos da acção
portuguesa, com alguns desvios sim, mas dando origem a essas sociedades
multiraciais, multiculturais, miscegenadas".35 A este propósito valerá a pena
observar as razões políticas que subjazem à eesa construção. Diz Adriano
Moreira: "(…)a detenção do poder político tem a maior das importâncias
na evolução do contacto entre etnias (…) O colonizador, embora
numericamente seja uma minoria, porque constitui sempre um grupo
inferior ao da população local, do ponto de vista político ele constitui
efectivamente uma maioria. E é muito diferente exercitar uma concepção de
relações entre grupos étnicos exercendo o poder político ou exercitar essa
concepção não tendo o poder político.Os portugueses passaram pela
experiência de o estatuto de maioria política se ttransformar em estatuto
de minoria cultural. A experiência,como sabem, não foi das melhores(…)"36
       Portanto, as estratégias a implementar pela CPLP e a difusão das
Literaturas de Língua Portuguesa em particular, deverão assentar numa
vigilância epistemológica e obedecer a uma política cultural multilateral que
parta de uma sólida base de conhecimento comum das realidades dos

33
   Ver Jill R. Dias, "Uma questão de identidade: Respostas intelectuais às transformações económicas no
seio da elite crioula da Angola portuguesa entre 1870 e 1930", Revista Internacional de Estudos Africanos, nº
1, Janeiro-Junho 1984, pp.61-93; José Carlos Venâncio, Uma Perspectiva Etnológica da Literatura Angolana,
Lisboa, Ulmeiro, 1987; José Eduardo Agualusa, Nação Crioula (romance),Lisboa, RTP, 1997; José Carlos
Venâncio, Colonialismo,Antropologia e Lusofonias, Lisboa,Vega,1996,p.154

34 Adriano Moreira " Comunicação apresentada na sessão sobre A violência portuguesa - uma trajectória
singular ", in Alta Autoridade para a Comunicação Social, A Violência nos meios de comunicação social
(Colóquio Internacional, Outubro de 1993), Lisboa,1995,pp.77-84

35Idem,   p.79
36Idem,   p.80


                                                     15
Estados membros, sem hegemonias e hierarquias eurocêntricas ou de qualquer
outro tipo. Para tal deverão ser tidas em conta as políticas culturais de
cada um dos países, no contexto das regiões geo-políticas em que se
integram, pois o âmbito externo à CPLP em África, por exemplo, é
constituído por países de língua oficial francesa e inglesa.

5. CONCLUSÃO

     Um dos imperativos estratégicos que é ao mesmo tempo um
desafio à visibilidade da CPLP, há-de ser o afastamento do espectro da
teoria pós-colonial, muito em voga nos nossos dias, especialmente nas
relações que se estabelecem entre os espaços marcados pela história do
colonialismo e seus legados. No plano das Literaturas, tal espectro paira
no horizonte, através das representações dessa histórica relação desigual,
propensa a produzir hegemonias. Sendo que tais representações, a não ser
acautelado o critério da reciprocidade proporcionada e o princípio de
grupos paritários, poderão dar lugar a tentações hegemónicas, se se tiver
em atenção exclusivamente a língua portuguesa.O que em nada contribuirá,
no plano dos princípios, para a construção de uma plataforma comum a
todos os membros da CPLP.
    A difusão das Literaturas de Língua Portuguesa impõe uma equação: a
equação entre o lugar geográfico, os textos, a língua e o conhecimento.
Está aí subjacente a ideia de que o sucesso da difusão e do ensino num
contexto externo à CPLP dependerá em grande medida do volume de
conhecimentos produzidos em cada um dos países e susceptíveis de
serem exportados.




Luís Kandjimbo.
Luanda Março- Abril de 2001




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Kandjimbo

  • 1. A LITERATURA ANGOLANA, A FORMAÇÃO DE UM CÂNONE LITERÁRIO MÍNIMO DE LÍNGUA PORTUGUESA E AS ESTRATÉGIAS DA SUA DIFUSÃO E ENSINO *Continuação* LUIS KANDJIMBO* 2. ANTES DE MAIS…A FORMAÇÃO DO CÂNONE LITERÁRIO ANGOLANO Em meu entender, antes de qualquer acção que vise pensar a difusão, incentivo e formação de um cânone mínimo para o ensino das Literaturas de Língua Portuguesa em outros espaços linguísticos, será conveniente passar em revista a estrutura dos currículos existentes nestas matérias dentro da CPLP. Não podendo fazê-lo relativamente a todos os países da CPLP, vou tomar como exemplo o caso de Angola. Neste período pós-independência, que dura já 25 anos, o ensino da Literatura Angolana a nível universitário, no quadro de estudos sistemáticos, não foi até hoje institucionalmente reconhecido. Faço a constatação, enquanto testemunha privilegiada da extinção dos cursos de Letras Modernas na antiga Faculdade de Letras do Lubango, onde, em princípios da década de 80, iniciei os meus estudos universitários. Aproximadamente duas décadas após a extinção daqueles cursos, a Fundação Gomes Teixeira e a Universidade do Porto, sob contrato do Governo de Angola e do Banco Mundial, elaboraram um relatório1 no qual se diagnostica o estado da Universidade Agostinho Neto, a única até essa data. O relatório aponta a "inexistência de uma unidade orgânica dedicada às Letras, Humanidades e Ciências Sociais e Humanas", considerando-a a " carência mais evidente da Universidade Agostinho Neto, em termos da sua organização interna em função da cobertura dos diferentes domínios do saber."(p.433). 1Universidade do Porto (ed.), Contributos para a Revitalização da Universidade em Angola, Porto, Publicações da Universidade do Porto,1996,p.433
  • 2. Finalmente, os autores do relatório recomendam a criação "de uma escola, no âmbito da UAN, com dupla valência, das Letras e Humanidades, por um lado e das Ciências Sociais e Humanas, por outro, deve constituir um dos eixos de reeestruturação e relançamento do ensino superior em Angola(…)"2 Quando em 1980, se extinguiu a Faculdade de Letras do Lubango, o ensino de Letras obedecia, incólume, ao modelo instalado no regime dos Estudos Gerais Universitários de 1963. Com a queda do fascismo em Portugal, em 1974, após o 25 de Abril, foram introduzidas algumas alterações no currículo com a inserção, por exemplo, de cadeiras como Literatura Angolana e Literaturas Africanas de Língua Portuguesa. Desde a criação do ISCED em substituição da Faculdade de Letras, assistimos, portanto, a uma silenciosa ausência dos estudos literários e ao desenvolvimento de um fragmentário e parcial ensino da literatura angolana nas escolas secundárias e mas completamente ausente na universidade. Este panorama inóspito vai sendo suavizado com os currículos de alguns cursos de formação profissional, como é o da Rádio Nacional de Angola destinado a redactores, locutores, realizadores, em que desde a década de 80 se ministra a disciplina de literatura angolana. Seguiu-se-lhe o curso médio de jornalismo, criado em finais da década de 80. Apesar deste tipo de iniciativas isoladas, respeitantes ao ensino e reconhecida a pujança da criação literária, continuamos a verificar uma resistência à necessidade de um outra atitude epistemológica perante os textos literários angolanos, quando se exige já a prática de novas leituras. O feitichismo da teoria e da crítica literária ocidental, continua a ser avassalador, confrontado com a inércia generalizada que impregna a consciência dos leitores e de alguns escritores. Ora, não deixa de ser um paradoxo o facto de, por um lado defendermos uma teoria da angolanidade que deve constituir a ossatura de uma historiografia literária e que concorra para a formação de um cânone literário angolano, mas por outro, não existirem em Angola os estudos literários, institucionalizados ao nível do ensino e da investigação. Tais lacunas, que reflectem um funcionamento não harmónico do sistema literário angolano, precariamente preenchidas algumas delas por uma actividade crítica que conta apenas com alguns cultores, entre os quais o autor destas linhas. Num ambiente como este em que predomina ainda a escassez de livros de produção local, foi-se expandindo o fascínio dos manuais de ensino da língua e da literatura portuguesa e o poder sedutor dos discursos críticos produzidos em Portugal, através dos quais se 2 Ob. cit.,p.434 2
  • 3. veiculam leituras ancoradas a teorias como a crioulidade e negritude, e destinadas a públicos portugueses3. Assim, o vazio existente em matéria de estudos literários e consequentemente a fraca produção da crítica literária endógena, tem dado origem à reprodução do modelo pedagógico português pelas escolas secundárias, pois ele acompanha o ensino da língua portuguesa, por meio do qual se pretende iniciar os estudantes no conhecimento da literatura angolana4. A cadeira de Literaturas Africanas de Língua Portuguesa está, no presente ano lectivo, a ser leccionada no ISCED em Luanda. Apesar disso o sistema literário angolano conta, no entanto, com outros segmentos que lhe vão assegurando a sobrevivência. Basta, por exemplo, referir a União dos Escritores Angolanos, a associação de escritores angolanos, os prémios literários (Prémio Sonangol de Literatura, Prémio Literário Sagrada Esperança, Prémio Literário António Jacinto, Prémio de Ensaio Mário Pinto de Andrade, Prémio Nacional de Cultura e Artes), revistas culturais e literárias (Gazeta da União dos Escritores Angolanos) Revista Mensagem do Ministério da Cultura, suplementos literários ( Vida Cultural do Jornal de Angola) programas televisivos (Leituras), livrarias( só em Luanda) (Lello, Mestria, Livraria Técnica, Livraria Ler & Escrever, Livraria Som & Livro, Livraria Chá de Caxinde), editoras (União dos Escritores Angolanos, Nzila, INIC, Chá de Caxinde). Por aí se vê que, desde logo, não se pode dispensar uma dimensão sociocultural, pois pretende-se legitimar uma cultura autónoma com identidade própria. E a legitimação não pode ocorrer sem que para tal se constitua um cânone. Segundo Harold Bloom, "cognition cannot proceed without memory, and the Canon is the true art of memory, the authentic foundation for cultural thinking."5 Porque não existem cânones universais, deveremos, pois, operar com um certo relativismo na formação do cânone literário angolano, se quisermos ter em atenção os três factores que, no dizer de Carlos Reis, concorrem para o referido processo.6 3 Ver, José Carlos Venâncio, Uma Perspectiva Etnológica da Literatura Angolana, Lisboa, Ulmeiro, 1987; José Eduardo Agualusa, Nação Crioula (romance),Lisboa, RTP, 1997; José Carlos Venâncio, Colonialismo,Antropologia e Lusofonias, Lisboa,Vega,1996,p.154; e Pires Laranjeira, A negritude Africana de língua portuguesa, Porto, Edições Afrontamento,1995 4 Enquanto escrevia esta comunicação foi publicado em Luanda um livro que pretende ser um manual para o ensino do Português em Angola. Obra colectiva de autores com experiência pedagógica 5 Cf. Harold Bloom, The Western Canon- the books and school of the ages, London ,Macmillan, 1994, p.35 6 Para este autor os três factores são os seguintes: a " selectividade que trata de estabelecer, de forma não necessariamente sistemática ou programada,as obras e autores que correspondem a uma identidade cultural e literária, entendida como ortodoxa e maioritariamente representativa; a continuidade, ou seja, a permanência, ao longo de um tempo histórico alargado, de obras e autores que fundam nessa permanência 3
  • 4. A selecção do nosso cânone literário angolano há-de ser diferente da que para esta literatura se estabelece nos sistemas de ensino estrangeiros em que se realizam estudos das Literaturas Africanas. Isso mesmo ocorre relativamente à disciplina de Literatura Africana de Expressão Portuguesa que em Portugal integra o plano de Licenciatura em Línguas e Literaturas Modernas, variante de Estudos Portugueses Sendo assim não nos podemos coibir de, com a devida selectividade, excluir do cânone literário angolano aquelas obras que reflictam a ausência dos Angolanos e a negação da sua autonomia no plano ontológico. Tais obras são, por exemplo: Nga Muturi de Alfredo Troni, a obra do poeta português Tomás Vieira da Cruz, a trilogia de Castro Soromenho, Yaka de Pepetela. Ao invés, o cânone estabelecido pelo programa de Literaturas Africanas de algumas universidades portuguesas (Universidade do Porto, Universidade Aberta), inclui tais autores e as obras mencionadas. Até aqui referimo-nos ao cânone literário como se apresenta na tradição ocidental, desde Platão7 passando pelo projecto da modernidade europeia inaugurada pela Revolução Francesa, em que a literatura funciona como "destacado agente de coesão sócio-cultural" e da construção da nação.8 Ora, exactamente por isso, a geo-epistemologia dos discursos sobre Angola, dá lugar a dúvidas, quanto ao alcance e eficácia das estratégias que subjazem a construções dos cânones literários. Mas se obedecermos aos apelos que se impõem à historiografia literária angolana, em que o conceito de literatura angolana não se resume aos textos literários escritos em língua portuguesa,pois alarga-se aos textos escritos em línguas endófonas e a textos da literatura oral, seremos forçados a rever os critérios que presidem ao processo de formação do cânone. No que diz respeito à da tradição oral e aos textos escritos em línguas nacionais, já no século XIX surgiram em Angola, insignes defensores das literaturas orais e da sua importância. Na primeira linha destaca-se o a sua autoridade cultural; a formatividade, critério de ordem pedagógica e também ideológica, que leva a reter no cânone aquelas obras e autores que se entende serem reprodutoras de uma certa (e algo estável) ordem social e cultural, que se deseja insinuada no sistema de ensino". Ver Carlos Reis, O Conhecimento da literatura angolana. Introdução aos estudos literários, Coimbra,Almedina, 1997,pp.72-73 7Em A República, uma das personagens de Platão,diz: "Logo, devemos começar por vigiar os autores de fábulas, e seleccionar as que forem boas, e proscrever as más. As que forem escolhidas, persuadiremos as amas e as mães a contá-las às crianças, e a moldar as suas almas por meio das fábulas, com muito mais cuidado do que os corpos com as mãos. Das que agora se contam, a maioria deve rejeitar-se"(…) Pelas fábulas maiores avaliaremos das mais pequenas. Pois é forçoso que a matriz seja a mesma e que grandes e pequenas tenham o mesmo poder(…)(pp.87-88) 8 Cf. Itamar Even-Zohar, "La función de la literatura en la creacion de las naciones de Europa", in Avances en Teoria de la literatura: Estética de la Recepción, Pragmática, Teoria Empírica y Teoria de los Posistemas, Santiago de Compostela, ed. Dario Villanueva, Santiago de Compostela: Universidade de Santiago d Compostela, 1994, pp.357-377. 4
  • 5. escritor Joaquim Dias Cordeiro da Matta que tinha já uma perfeita noção do peso da tradição oral em geral. A testemunhá-lo estão as palavras do missionário suíço, Héli Chatelain, que no prefácio do seu Folk-Tales of Angola 9, escreve: "The future of native Angolan literature in Ki-mbundu,(…) is now pratically assured. J. Cordeiro da Matta, the negro poet of the Quanza River, has abandoned the Portuguese muse in order to consecrate his talents to the nascent national literature"( O futuro da literatura autóctone Angolana em Ki- mbundu,(…) está praticamente assegurado. Joaquim Dias Cordeiro da Matta, o poeta negro do Rio Kwanza, abandonou a musa Portuguesa para dedicar o seu talento à nascente literatura nacional). Todavia, com o paradigma da crioulidade10, o cânone literário é uma emanação da visão reducionista que condiciona o conceito de literatura angolana à difusão da cultura e língua portuguesa. A literatura oral angolana e o acervo de textos escritos em língua nacionais não ocupam qualquer lugar11, ou no mínimo, ocupam um lugar marginal. Com efeito, mesmo em outros países Africanos ainda hoje ocorrem indagações sobre o lugar das literaturas orais na academia.Uma das manifestações mais célebres é aquela que, na década de 60, foi protagonizada por escritores e académicos como Ngugi wa Thiong'o, Taban Lo Liyong e Awor-Anyumba na Universidade de Nairobi, ao terem defendido a atribuição de maior importância ao estudos das literaturas Africanas e consequentemente a abolição do Departamento de Inglês.12 Na mesma senda ergueram-se, na década de 80, três críticos nigerianos que faziam a apologia da abolição dos departamentos de línguas e literaturas europeias e a sua substituição por três outros novos: o Departamento de 9 Héli Chatelain, Folk Tales of Angola (Fifty tales, with ki-mbundu text literal English Translation, introduction and notes), Boston and New York, Houghton,Mifflin and Company, 1894 10 Ver o texto fundador da "teoria" em Mário António, Luanda-Ilha Crioula,Lisboa, Agência Geral do Ultramar, 1968 11 Tal ocorre no texto de apresentação do programa da cadeira de Literaturas Africanas de Expressão Portuguesa, feita por Pires Laranjeira: "As literaturas africanas de língua portuguesa incluem as literaturas originariamente escritas em língua portuguesa, segundo um padrão básico de tradição europeia escrita, nos cinco países africanos de língua oficial portuguesa, antes e depois da independência(…)". Pires Laranjeira, Literatura Africana de Expressão Portuguesa.Programa e bibliografia 12 Cerca de trinta anos depois, Ngugi wa Thing'o, recorda: "The call was not for abolition of English literature as such, but for the reorganizarion of the English departments so that they would properly reflect the realities of the twentieth century and the world (…) The restructuring would also allow the introduction fo works written in English from other regions and cultures(…) Central to African literature would be what was then initially termed 'oral literature'".Ver Ngugi wa Thiong'o, Penpoints, Gunpoints and Dreams. Towards a critical theory of the arts and the State in Africa,Oxford, Claredon Press, 1998.pp.106-107; Ngugi wa Thiong'o, Homecoming.Essays on African and Caribbean Literature,Culture and Politics,London,Heinemann,1972,pp.145-150 5
  • 6. Línguas Africanas, Oraturas e Literaturas; Departamento de Literatura Comparada e Departamento de Línguas Coloniais.13 No que diz respeito às Literaturas Africanas de Língua Portuguesa, a problemática das denominações também se coloca. O malogrado professor português Manuel Ferreira reflectiu sobre o assunto14, tendo sustentado que falar em literaturas africanas de expressão portuguesa, era uma ambiguidade e ao mesmo tempo uma contradição. Apesar de ter sido o primeiro titular dessa cadeira na Faculdade de Letras de Lisboa, confessa não ter tido qualquer participação na designação. Acrescenta ainda:"Os responsáveis sabiam que ao oficializar aquela expressão estavam linguística e semanticamente inseridos no contexto histórico-cultural". No prólogo do seu Manual das Literaturas Africanas de Língua Portuguesa, elaborado para a Universidade Aberta, Pires Laranjeira prefere a designação anterior, embora a disciplina e o manual tratem de literaturas africanas de expressão portuguesa.15 No mesmo sentido, como vimos, se orienta Carlos Reis. Resolvida a questão da denominação geral, reitero a importância que as literaturas orais e as línguas nacionais têm para a formação do cânone literário nas instituições académicas angolanas. Para tal socorrer- me-ei das palavras de Joaquim Dias Cordeiro da Matta. No prefácio do seu Ensaio de Dicionário Kimbundu-Portuguez, escreve: "Sendo o auctor d’este Ensaio angolense, que cresceu, aprendeu e viveu entre os seus, esmerou- se quanto lhe foi possível em escrever se não bem, com todo o desvelo, a lingua da sua terra, que apezar de quatrocentos annos de dominio portuguez, conserva inalteravel - coisa que é para admirar – a pureza da sua dicção; quando, como era de esperar, por tel-o succedido aos idiomas da Peninsula, na conquista romana, já devia existir o mais tenue vestigio do Kimbundu, se os conquistadores portuguezes, como o fizeram os romanos, impozessem aos conquistados a sua linguagem (...)" E traduz as suas motivações do seguinte modo: "O desejo, porém, de ser prestavel á sua patria e o de contribuir com o seu insignificante prestimo a preestar um serviço aos homens de sciencia que se occupam de linguistica, é o o incitou a coordenar e publicar este trabalho que, apesar de mesquinho, se não servir de muito, ha de necessariamente, preencher uma grande lacuna." Portanto, justifica-se que, além de uma literatura angolana escrita em língua portuguesa, se fale de um outro segmento, a literatura oral angolana.Por isso, dever-se-á operar com um conceito de literatura angolana que conglobe os três segmentos, nomeadamente a literatura oral 13 Cf. Chinweizu, Onwuchekwa Jemie e Ihechukwu Madubuike, Toward the Decolonization of African Literature. African fiction and poetry and their critics,vol. I, Enugu, Fourth Dimensions Publishers,1980,pp.296-297 14 Ver Manuel Ferreira,O discurso no percurso africano. 15 Pires Laranjeira, Literaturas Africanas de Expressão Portuguesa, Lisboa, Universidade Aberta, 1995,p.18 6
  • 7. angolana, literatura escrita em línguas endófonas e literatura angolana escrita em língua portuguesa. 1. O CÂNONE LITERÁRIO, A FUNÇÃO TOTALITÁRIA E O PLURALISMO CULTURAL Uma das personagens de Platão em A República, diz: "Logo, devemos começar por vigiar os autores de fábulas, e seleccionar as que forem boas, e proscrever as más. As que forem escolhidas, persuadiremos as amas e as mães a contá-las às crianças, e a moldar as suas almas por meio das fábulas, com muito mais cuidado do que os corpos com as mãos. Das que agora se contam, a maioria deve rejeitar-se"(…) Pelas fábulas maiores avaliaremos das mais pequenas. Pois é forçoso que a matriz seja a mesma e que grandes e pequenas tenham o mesmo poder(…)(pp.87-88) O teor de afirmações semelhantes a estas, no dizer de Karl Popper, permite detectar um programa totalitário daquele autor da Grécia Antiga. Decantados os elementos do programa de Platão, Popper sustenta: "É fundamental a existência de censura e duma constante propaganda no sentido de moldar e unificar as actividades intelectuais e o pensamento da classe dominante, devendo ser evitadas ou suprimidas quaisquer inovações em matéria de educação, legislação e religião."16 Este o modelo totalitário sobre o qual assentam as estratégias que governam os sistemas de ensino, os cânones e os programas escolares. Mas ao contrário do que acontece no mundo ocidental donde se toma de empréstimo o modelo, a reprodução social que se visa com o sistema de ensino não coincide com a lógica da reprodução cultural que se pretende em Angola. Regista-se um hiato entre a ordem das hierarquias sociais e as culturas predominantes que estruturam a personalidade das populações angolanas. A importância da constatação explica-se, de acordo com Pierre Bordieu, no facto de "todo acto de transmissão cultural implica necessariamente na afirmação do valor da cultura transmitida (e paralelamente, a desvalorização implícita ou explícita das outras culturas possíveis)".17 Nisto se reconhece a primeira manifestação contemporânea 16 Ver Karl Popper, A Sociedade Aberta e os seus Inimigos,vol.I, pp101-102."Tem sido dito, e com razão, que Platão foi o inventor das nossas escolas secundárias e universidades"p.147 17 "Em outros termos, isto significa que todo ensino deve produzir, em grande parte, a necessidade de seu próprio produto e, assim, constituir enquanto valor ou como valor dos valores a própria cuja transmissão lhe cabe." Ver Pierre Bordieu, A Economia das Trocas Simbólicas, São Paulo, Editora perspectiva, 1999,p.218. Mas, ao contrário, sobre o cânone ocidenmtal, Harold Bloom diz: " The Western Canon does not exist in order to argument preexisting societal elites. It is there to be read by you and by strangers, so that you and those you will never meet can encounter authentic aesthetic power and 7
  • 8. da função totalitária do cânone literário, pois nele se evidencia uma certa configuração ideológica da literatura. Parece ser inevitável detectar aí aquilo a que, a título de exemplo, para Harold Bloom é politização e defesa ideológica do cânone literário. Para o caso das Literaturas Africanas e da literatura angolana em especial, em que do ponto de vista histórico as línguas de origem europeia ostentam alguma aura de prestígio conjuntural, se confrontadas com os sistemas literários endógenos, a problemática do cânone, porque tratando-se de um exercício de selecção e de memória, levanta antes de mais uma questão de descolonização cultural e reconhecimento do pluralismo. Só um processo de descolonização cultural pode evitar que se consagre um cânone literário totalitário, ou seja, um cânone glotofágico que se confundirá certamente com parte de um certo eurocentrismo linguístico. Aliás, o espectro glotofágico e eurocêntrico reaparece em diversas ocasiões. Tais erupções têm a ver com a pervivência do que Edward W. Said designa por imperialismo, cujos domínios vão sendo igualmente assegurados na literatura.Um destes domínios é o da neutralidade dos valores estéticos, enquanto se consideram superiores as literaturas europeias e americana, como faz Harold Bloom. Esta ideia de valores intemporais e universais que vem já dos tempos iluminismo ocidental traduz simplesmente o predomínio monista do cânone no contexto do Estado-nação no mundo ocidental. Para o que interessa à literatura angolana, o cânone literário tem de ser expressão de um pluralismo consagrado pelo modo como se constrói o conceito de literatura angolana18. E se o cânone conforma por outro lado a ideia de selectividade, exprimirá igualmente a validade relativa das escolhas. Do meu ponto de vista, o cânone literário a adoptar num país como Angola deverá pautar-se por um rigoroso respeito ao pluralismo cultural, na medida em que a literatura angolana integra o património de um país que é multiétnico, e plurilingue, apesar de neste último caso existir uma base linguística maioritariamente comum. Por essa razão, o cânone literário, enquanto emanação da função cultural do Estado, deve resultar de uma leal concorrência de propostas que reflictam os três segmentos em que se analisa a literatura angolana, the authority of what Baudelaire(and Erich Auerbach after him) called 'aesthetic dignity'".Cf. Harold Bloom, The Western Canon, London, Macmillan, 1994, p.36 18 Por literatura angolana entendo o conjunto de textos que compreende os textos orais, as versões escritas dos textos orais em línguas nacionais, os textos escritos em língua portuguesa, produzido por autores angolanos com recurso às técnicas da ficção narrativa, de outros modos de escrita, desde que se verifique neles uma determinada intenção estética, crítica ou histórico-literária, veiculando elementos culturais angolanos. Ver Luís Kandjimbo, Apologia de Kalitangi. Ensaio e Crítica, Luanda, INALD, 1997 8
  • 9. nomeadamente textos da literatura oral, textos literários escritos em línguas nacionais e textos literários escritos em língua portuguesa. 2. O ENSINO DAS LITERATURAS AFRICANAS DE LÍNGUA PORTUGUESA EM ÁFRICA Precavidos que estamos quanto às tentações hegemónicas das línguas e literaturas europeias e americana, não restam dúvidas a respeito da existência em universidades africanas de disciplinas como Literaturas Africanas e Língua Portuguesa cujos currículos incluem obras de autores africanos, autores brasileiros e portugueses. Este facto pode ser ilustrado pela frequência de paineis sobre as literaturas africanas de língua portuguesa nos colóquios anuais das várias associações europeias e americanas de especialistas. A Associação para o Estudos das Literaturas Africanas ( APELA) de França e a African Literature Association (ALA) dos Estados Unidos da América, para referir apenas aquelas de cujas actividades participei, são algumas delas. Em 1990, estive em Dakar onde participei no colóquio da ALA. No painel consagrado a Literatura Angolana usaram da palavra, além de conhecidos especialistas europeus e americanos das Literaturas Africanas de Língua Portuguesa, alguns investigadores senegaleses que constituem o suporte do núcleo em redor do qual se dinamiza o ensino da Língua Portuguesa na Universidade Cheikh Anta Diop de Dakar. Na Universidade de Ifé da Nigéria, o ensino das Literaturas de Língua Portuguesa é realizado no quadro do departamento das línguas modernas europeias. Até muito recentemente não se leccionava a língua portuguesa no ensino secundário. Assim, os cursos de português dessse departamento têm as seguintes disciplinas: Português básico, Expressão portuguesa e compreensão, Introdução à composição portuguesa, Civilização lusófona Africana, História da Literatura Brasileira, Literaturas Africanas e Brasileira Modernas em português ( autores recomendados: Jorge Amado, Graciliano Ramos,José Lins do Rego, Agostinho Neto, José Craveirinha, Marcelino dos Santos,Manuel Lopes), Literaturas Brasileira e Portuguesa dos séculos XIX e XX (autores recomendados: Machado de Assis, Castro Alves, Bernardo Guimarães, José Lins do rego, Raquel Queirós, Camilo Castelo Branco, Almeida Garrett, Eça de Queirós, Fernando Pessoa, Agustina Bessas Luís), Literaturas Brasileira e Portuguesa dos séculos XVI, XVII e XVIII (autores recomendados: Luís de Camões, D. Francisco Manuel de Melo, Sá de Miranda, António Vieira, Barbosa du Bocage, António José da Silva, Nicolau Tolentino, 9
  • 10. Gregório de Matos, Caldas Barbosa, Santa Rita Durão, Tomás António Gonzaga), Linguística Aplicada do Português, História Literária de Portugal, Literaturas Africanas em Língua Portuguesa ( autores: Costa Alegre, Agostinho Neto, Viriato da Cruz, Mário Pinto de Andrade, Luandino Vieira, Castro Soromenho, Manuel dos Santos Lima, Noémia de Sousa, Amílcar Cabral, José Craveirinha)19. Ainda na Nigéria, o ensino do português e por conseguinte das literaturas por veiculadas nessa língua, era realizado na Universidade de Port Harcourt cujo dinamizador foi até muito recentemente o professor Wilfred Feuser que confirmou esse seu empenho, quando com ele estive em 1990, na Universidade de Nsukka. A Universidade da África do Sul ( UNISA) e a Universidade de Witwastrand de Johanesburgo são duas das que naquele país da África Austral se dedicam ao ensino do português. Mas as Literaturas de Língua Portuguesa são leccionadas no contexto da pedagogia da língua.Foram entretanto introduzidos no curso de Licenciatura em Língua Portuguesa (B.A. in Portuguese) da UNISA para o ano 2001, os módulos de Literatura Brasileira Moderna e Literaturas da África Lusófona, além do já existente de Literatura Portuguesa.20 Na Universidade Cheikh Anta de Dakar o ensino das Literaturas de Língua Portuguesa é de igual modo dependente da padagogia da língua. Pessoalmente conheço três professores de português desta universidade (Mallé Kassé, Ahmet Kebé e Mustafa Bangoura) que, em cooperação com a Universidade francesa de Rennes21, foram a realizando este esforço de divulgação naquele país africano e participam regularmente em eventos internacionais que abordam a língua portuguesa e as literaturas Africanas. 3. A ESCASSEZ DE MATERIAIS DE DIVULGAÇÃO Mau funcionamento do mercado de publicações dos países da CPLP, escassez de materiais de ensino, nomeadamente bibliografias actualizadas, estudos panorâmicos e monografias, antologias, traduções, são algumas das 19 University of Ife- Nigeria, Faculty of Arts Handbook 1984-87,pp.145-164 20 Ver UNISA, Calendar 2000.Part 3,p.391 21 A Universidade de Rennes é uma das poucas que em França desenvolve há mais de duas décadas um ensino sistemático e pesquisas sobre a língua portuguesa e as literaturas de língua portuguesa.Foi recentemente criado um Programa de DEA em Estudos Românicos dirigido pela professora Françoise Massa que com outros investigadores e professores de literaturas de língua portuguesa asseguram a presença destas literaturas na Association pour l'Étude des Littératures Africaines (APELA). 10
  • 11. dificuldades que neste capítulo parecem ser comuns, afectando mais as literaturas africanas. Nas décadas de 60 e 70, e por força da conjuntura internacional e no contexto do movimento de libertação internacional, as literaturas africanas dos países de língua portuguesa, suscitaram grande curiosidade de investigadores e editores. Entre os investigadores europeus destacam-se os portugueses Alfredo Margarido e Manuel Ferreira, o alemão Janheinz Jan, os belgas Lilyan Kesteloot e Albert Gérard, os americanos Gerald Moser e Russel Hamilton, o francês Jean-Michel Massa. A estes juntaram- se nomes de uma nova geração de críticos e universitários. Os editores europeus, excluídos os portugueses, que se evidenciam pelo interesse demonstrado também não são muitos. Entre eles figuram a editora londrina Heinemann e algumas editoras francesas . Ora, passadas que foram mais de duas décadas, não parece ter havido grande evolução, no que diz respeito à publicação de instrumentos de divulgação, tais como bibliografias, traduções e antologias. Escrevendo sobre a ausência das literaturas africanas de língua portuguesa, Alfredo Margarido considerava que as razões invocadas com frequência para justificar a sua exclusão dos espaços francófonos e anglófonos,por exemplo a falta de traduções, coloca-nos "perante a dureza do facto colonial" onde "as histórias das literaturas africanas assumem e prolongam os malefícios do colonialismo cássico. As línguas privilegiadas, o inglês e o francês, são as das grandes potências coloniais.(…)o lugar reservado às literaturas africanas de expressão portuguesa reflecte da maeira mais evidente o lugar reservado a Portugal na hierarquia das nações 'desenvolvidas' "22. Ainda hoje, quando se ouvem lamentações atinentes à escassez de bibliografias e outros instrumentos, o pensamento gravita apenas em redor destas duas grandes línguas.Tal situação é geral, verificando-se não só na Europa mas também nos Estados Unidos da América, no Canadá, na Austrália. Virginia Coulon é um dos especialistas franceses que, considerando a falta de traduções como causa das fronteiras intrasponíveis entre as literaturas africanas francófonas, anglófonas e lusófonas, pensa assim: "Faute d'ouvrages en français, on connait trés mal les littératures africaines de langue anglaise et portugaise (…) à ma connaissance il n'y a aucun ouvrage en français qui leur est consacré."23 22 Alfredo Margarido,Estudos sobre Literaturas das Nações Africanas de língua Portuguesa, Lisboa, Regra do Jogo, 1980, p.121 23 Virginie Coulon, "La Penurie d'instruments de travail pour l'enseignement des littératures Africaines", in Centre d'Etudes Littéraires Maghrebines, Africaines et Antillaises e CNRS(org.), Littéraures Africaines et Enseignement- Colloque International Université de Bordeaux III, Mars 1984, Presses Universitaires de Bordeaux, pp.43-56 11
  • 12. O reflexo desta ausência das literaturas africanas de língua portuguesa na academia francesa, proporcionalmente nula quando comparada à literatura portuguesa ou brasileira, observa-se na revista da Association pour l'Étude des Littératures Africaines (APELA), num país como a França. Mas o que se torna evidente é efectivamente a inexistência de instrumentos de divulgação que revelem uma estratégia destinada a esse fim.Prova disso é o considerável crescimento da difusão e traduções da literatura portuguesa em França, revelador da presença de uma poderosa instituição como é o Instituto Camões24. 4. UMA ESTRATÉGIA DE DIFUSÃO PARA AS LITERATURAS DE LINGUA PORTUGUESA Será possível falar-se de uma estratégia, quando estamos a tratar apenas da difusão e divulgação das literaturas de língua portuguesa? O cerne da resposta reside exactamente na existência da CPLP, enquanto organização internacional, e dentro dela os instrumentos com os quais se pretendem alcançar objectivos de ordem estratégica no quadro do já constituído Instituto Internacional de Língua Portuguesa. O que pode já ser comprovado pelas actas, resoluções e declarações dos seus vários órgãos. Se, por estratégia entendermos, " a ciência e a arte de desenvolver e utilizar as forças morais e materiais de uma unidade política ou coligação a fim de se atingirem objectivos políticos que suscitam, ou podem suscitar, a hostilidade ( e exclusivamente a hostilidade) de uma outra vontade política"25, ou ainda "a arte de preparar e aplicar o poder- na paz e na guerra- para conquistar e preservar objectivos, superando obstáculos de toda ordem"26, não teremos dificuldades em aceitar que a nossa reflexão aponta para uma visão estratégica da CPLP. E por isso não haverá dúvidas que, reconhecida a importância das culturas neste século, as elites culturais, 24 Há em Paris uma livraria "librairie lusophone", situada no Quartie Latin, rue Sommerard, que me parece ser a única em Paris a vender obras de autores de língua portuguesa.Mas lamentavelmente livrarias como estas, além de não estabelecerem contactos com os editores dos países africanos, são muito poucas na Europa.O que dificulta ainda mais o acesso e a atenção para eventuais traduções. 25 Ver A.C.Couto, Elementos de Estratégia, vol.I, cit. por António Horta Fernandes e António Paulo Duarte,Portugal e Equilíbrio Peninsular.Passado, Presente e Futuro (Um estudo de geostratégia), Lisboa, Europa- América,1998,p.97 Definição adoptada no Brasil pela Escola Superior de Guerra.Escola Superior de Guerra, Fundamentos 26 Doutrinários da Escola Superior de Guerra, Rio de Janeiro: A Escola, 2000 12
  • 13. os produtos da sua actividade e as literaturas em particular dos Estados membros da CPLP são chamadas a desempenhar um papel de peso27. Sendo nítida a fronteira entre o Instituto Internacional de Língua Portuguesa e o Instituto Camões, penso no entanto, ser fundamental o estabelecimento de uma base de complementaridade que evite o sentido unilateral das relações entre os países28. Mas andam à espreita tentações hegemónicas como a manifestada por Adriano Moreira29 que parece, por exemplo, reduzir as relações de Portugal com Angola a uma perspectiva de sentido único, em que Angola se limita a acrescentar o património próprio com a contribuição de Portugal. Apesar de reconhecermos a importância das iniciativas tomadas por uma parte apenas dos Estados membros, na produção de instrumentos no quadro de uma organização como a CPLP, contudo, não deixa de ser indicador de mau agoiro o facto de na III conferência dos ministros da educação de Junho de 2000, numa matéria como as Literaturas, em que se não pode substituir a presença dos representantes dos respectivos países, se ter atribuído a cientistas de Portugal e do Brasil o protagonismo na elaboração de um documento sobre a presença da Literatura nos sistemas de ensino, reservando aos restantes uma " participação até à realização da IV Conferência". Em meu entender, nas matérias respeitantes à Cultura, recomendável é o princípio da formação de grupos paritários de trabalho. 27 Analisando a inserção de Portugal no contexto do equilíbrio europeu, dois autores portugeses entendem, com razão, que "A importância da cultura como instrumento do poder acrescem as preocupações que os Estados têm com afirmação das suas culturas.De facto, esta afirmação cultural tem efeitos potencializadores na capacidade de intervenção do Estado no Mundo, quer apoiando a contsrução de imagens positivas a seu respeito, quer facilitando a penetração em áreas de interesse estratégico".Cf. António Horta Fernandes e António Paulo Duarte,Portugal e Equilíbrio Peninsular.Passado, Presente e Futuro(Um estudo de geostratégia), Lisboa, Europa-América,1998,p.97 28 Estou de acordo com Jorge Couto, presidente do Instituto Camões, quando considera que a existência do IILP, não impede que ao nível de cada Estado membro, à semelhança do Instituto Camões em Portugal, funcionem instituições que no plano multilateral concorram para iniciativas como " a doação de terminologia científicas e tecnológicas e a criação de centros nacionais de terminologia que permitam unificadamente recolher e tratar as contribuições provenientes de outros sistemas lingüísticos(…) a ampliação de centros nacionais de terminologia (…) a criação de bancos de dados (…) a rede de programas de investigação que associem estreitamente as universidades dos países lusófonos tendentes a elaborar atlas lingüísticos, dicionários etimológicos e dicionários multilíngües e, ainda, a desenvolver técnicas de tradução automáticas".Ver Jorge Couto, "Idioma e Soberania: Nossa Língua, Nossa Pátria-A Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (segunda parte) -A situação da língua portuguesa no mundo", www.camara.gov.br/intranet/camara500/Seminarios/ID_Jcouto_P3.htm 29 "Se queremos dignificar, fortalecer, expandir a língua portuguesa, e os valores e objectivos internacionais que transporta, entre povos que oficialmente a adoptam, devemos corresponder com o interesse, a dignificação, o aprofundamento do saber das línguas desses povos que acrescentam o património próprio com a nossa contribuição, que enriquecem o nosso património quando aprofundamos a capacidade de entender"(Adriano Moreira, Teoria das Relações Internacionais,p.viii) 13
  • 14. Todavia, sendo o Instituto Internacional de Língua Portuguesa um instrumento da CPLP e o Instituto Camões um instrumento do governo português, na verdade, a complexidade há-de ser maior, tornando-se fácil dar consistência à ideia segundo a qual entre literaturas de língua portuguesa (sistemas literários) e língua portuguesa (sistema linguístico), a confusão não é possível. Assim, não bastará a satisfação pela realização de colóquios e seminários. Importará ir mais além, o que exigirá uma cultura do horror à inércia das decisões. Com este pensamento pretendo interpelar propriamente os agentes das instituições que conformam os sistemas literários dos países da CPLP que serão chamados a executar tal visão estratégica e as linhas programáticas daí resultantes. Por exemplo, e quem o diz é um professor português, Fernando Cristóvão, os estudos brasileiros nas universidades portuguesas datam de há mais de cinquenta anos, mas verifica-se ainda hoje um mau conhecimento recíproco das respectivas literaturas no Brasil e em Portugal. A constatação feita por Fernando Cristóvão levou-o a sugerir o critério geral da reciprocidade proporcionada para todas as Literaturas de Língua Portuguesa.30 Para este professor português, isto significaria que "a uma presença dignificante da Literatura Brasileira e Africanas lusófonas em Portugal devem corresponder presenças igualmente dignificantes da Literatura Portuguesa no Brasil e nas jovens nações de África". Fácil é identificar as razões que podem aqui legitimar a paridade e a reciprocidade como princípios orientadores. É que não podemos perder de vista o peso da História e das representações sociais e colectivas.Tal como diz Edward Said, "vivemos num mundo que não é somente feito de marcadorias mas igualmente de representações, e as representações - a sua produção, a sua circulação, a sua história e a sua interpretação - são a matéria prima da cultura."31E isso é evidente particularmente na literatura portuguesa, onde abundam diversas obras impregnadas pelas imagens da visão imperial e do colonialismo português, avultando as negadoras do Outro Africano (angolano, guineense, moçambicano)32. Por outras palavras, sobrevivendo o colonialismo através das suas sequelas, aos escritores, investigadores, professores que habitam o espaço da CPLP, impõe-se um grande esforço de exorcização dos fantasmas que ainda resistem à morte.Um destes fantasmas é a chamada teoria da crioulidade esboçada em fins da década de 60 pelo ensaísta Mário António. Mas encontra 30 Fernando Cristóvão, " Situação e problemas do ensino da Literatura Brasileira em Portugal", in Actas do Encontro/Colóquio de Professores Universitários de Literaturas de Língua Portuguesa, 1985, pp.114- 123 31 Edward Said, Culture et Impérialisme, Paris, Fayard/Le monde diplomatique, 2000,p.104 32 Cf.Maria Alzira Seixo,Graça Abreu, John Noyes e Isabel Moutinho (ed.), The Paths of Multiculturalism-Travel writings and postcolonialism, Lisboa, Edições Cosmos, 2000 14
  • 15. hoje em Portugal muitos seguidores, entre os quais o escritor José Eduardo Agualusa e o professor universitário José Carlos Venâncio todos nascidos em Angola.33 Aliás, o modo como se difunde tal teoria da crioulidade não deixa de ser manifestção de uma forma de violência, na medida ela tem o seu fundamento no mito do mestiço teoricamente defendido por Gilberto Freyre, o pai do lusotropicalismo. Curiosamente Adriano Moreira, amigo deste autor brasileiro, é um dos autores que subscreve o ponto de vista segundo o qual "o mito do mestiço é um mito que não está vencido".34 Adriano Moreira chega a pôr em dúvida o comportamento virtuoso que Gilberto Freyre atribuía aos portugueses, o de serem propensos à miscegenação. E fá-lo nos seguintes termos: "Há em todo o caso, a meu ver, alguns aspectos novos que devem ser tomados em consideração antes de tentar trasnpor acriticamente para a situação actual estes modelos de comportamento que, volto a insistir, seriam os característicos da acção portuguesa, com alguns desvios sim, mas dando origem a essas sociedades multiraciais, multiculturais, miscegenadas".35 A este propósito valerá a pena observar as razões políticas que subjazem à eesa construção. Diz Adriano Moreira: "(…)a detenção do poder político tem a maior das importâncias na evolução do contacto entre etnias (…) O colonizador, embora numericamente seja uma minoria, porque constitui sempre um grupo inferior ao da população local, do ponto de vista político ele constitui efectivamente uma maioria. E é muito diferente exercitar uma concepção de relações entre grupos étnicos exercendo o poder político ou exercitar essa concepção não tendo o poder político.Os portugueses passaram pela experiência de o estatuto de maioria política se ttransformar em estatuto de minoria cultural. A experiência,como sabem, não foi das melhores(…)"36 Portanto, as estratégias a implementar pela CPLP e a difusão das Literaturas de Língua Portuguesa em particular, deverão assentar numa vigilância epistemológica e obedecer a uma política cultural multilateral que parta de uma sólida base de conhecimento comum das realidades dos 33 Ver Jill R. Dias, "Uma questão de identidade: Respostas intelectuais às transformações económicas no seio da elite crioula da Angola portuguesa entre 1870 e 1930", Revista Internacional de Estudos Africanos, nº 1, Janeiro-Junho 1984, pp.61-93; José Carlos Venâncio, Uma Perspectiva Etnológica da Literatura Angolana, Lisboa, Ulmeiro, 1987; José Eduardo Agualusa, Nação Crioula (romance),Lisboa, RTP, 1997; José Carlos Venâncio, Colonialismo,Antropologia e Lusofonias, Lisboa,Vega,1996,p.154 34 Adriano Moreira " Comunicação apresentada na sessão sobre A violência portuguesa - uma trajectória singular ", in Alta Autoridade para a Comunicação Social, A Violência nos meios de comunicação social (Colóquio Internacional, Outubro de 1993), Lisboa,1995,pp.77-84 35Idem, p.79 36Idem, p.80 15
  • 16. Estados membros, sem hegemonias e hierarquias eurocêntricas ou de qualquer outro tipo. Para tal deverão ser tidas em conta as políticas culturais de cada um dos países, no contexto das regiões geo-políticas em que se integram, pois o âmbito externo à CPLP em África, por exemplo, é constituído por países de língua oficial francesa e inglesa. 5. CONCLUSÃO Um dos imperativos estratégicos que é ao mesmo tempo um desafio à visibilidade da CPLP, há-de ser o afastamento do espectro da teoria pós-colonial, muito em voga nos nossos dias, especialmente nas relações que se estabelecem entre os espaços marcados pela história do colonialismo e seus legados. No plano das Literaturas, tal espectro paira no horizonte, através das representações dessa histórica relação desigual, propensa a produzir hegemonias. Sendo que tais representações, a não ser acautelado o critério da reciprocidade proporcionada e o princípio de grupos paritários, poderão dar lugar a tentações hegemónicas, se se tiver em atenção exclusivamente a língua portuguesa.O que em nada contribuirá, no plano dos princípios, para a construção de uma plataforma comum a todos os membros da CPLP. A difusão das Literaturas de Língua Portuguesa impõe uma equação: a equação entre o lugar geográfico, os textos, a língua e o conhecimento. Está aí subjacente a ideia de que o sucesso da difusão e do ensino num contexto externo à CPLP dependerá em grande medida do volume de conhecimentos produzidos em cada um dos países e susceptíveis de serem exportados. Luís Kandjimbo. Luanda Março- Abril de 2001 16
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