1. As diferenças entre fazer publicidade e cinema são enormes, mas têm vindo a diminuir com tempo. Vou primeiro tentar descrever as características intrínsecas de cada um destes meios e depois explicar de que forma tem vindo a crescer para se tornarem complementares.<br />O cinema é por tradição um exercício mais lúdico, mais romântico, talvez. À excepção, é claro dos grandes estúdios de Hollywood, que muito cedo aprenderam a angariar talentos, e a alimentar a sua própria popularidade numa espécie de publicidade das suas estrelas e do modo de vida dos norte americanos.<br />Em todas as demais escolas, o cinema é tradicionalmente feito de forma quase artesanal, sendo muitas vezes realizado por equipas e orçamentos reduzidos, tendo pouco ou nenhum compromisso além da visão dos seus realizadores, que muitas vezes abraçam os filmes como a obra de uma vida. <br />Assim muito do que conhecemos como linguagem audiovisual foi sendo construída por visionários do cinema de autor, ou chamado cinema de guerrilha, que muitas vezes rejeitavam quaisquer influências externas a não ser aquelas que eles próprios reconhecem como fundamentais para a mensagem que pretendem passar.<br />Reconheço que não sei muito sobre o cinema português, mas acredito que a sua história seja semelhante a do cinema brasileiro, já que aquele me é quase desconhecido, não por resistência minha, mas por limitações óbvias de difusão. Exceptuando algumas épocas douradas, cinema brasileiro padece do mesmo mal, pouco importa a qualidade inegável de muito do que é produzido quando chega ao conhecimento do publico. Acredito que a iniciativa do douro film harvest, com o perdão do trocadilho, possa ajudar a inaugurar uma nova era dourada do cinema em Portugal.<br />Quando falamos de publicidade, e aprendi isso através de algumas décadas em agências e, depois em algumas direcções do grupo media do rio de Janeiro, sabe-se que esta dava muito pouco espaço á genialidade individual do realizador audiovisual, além da necessária para realizar uma visão que geralmente não e a dele.<br />O objectivo era invariavelmente expor uma marca, segundo uma determinada estratégia, para alcançar um objectivo predefinido. E não se brincava com a marca, não havia espaço para licenças poéticas.<br />Com o passar do tempo, algumas coisas passaram a acontecer. Não que se posso cometer qualquer loucura na publicidade, mas a exposição da marca começou a dar espaço às associações a conceitos. Muitas vezes peças publicitárias passaram a dedicar-se quase integralmente a um conceito, sendo apenas assinadas pela marca. Ou ate, as vezes, sem sequer ser assinadas. Começou a brincar-se com a marca, a fazer-se associações mais livres e, agora damos boas risadas ou emocionamo-nos a ver publicidade. <br />O cinema en geral talvez rendendo-se um pouco ao exemplo dos estúdios norte americanos, que nunca conheceram limites de difusão, passou a brincar com marcas que começaram a investir nessa modalidade de média e a dar mais fôlego a essas mesmas produções.<br />È algo bastante natural que, quando uma marca se associa a um conceito e o filme se propõe a trabalhar esse conceito, os dois de alguma forma dialoguem, permitindo assim um maior conhecimento do grande público de ambos. Um trabalho “win win”.<br />Claro que nada disso é uma história escrita em pedra. Ao mesmo tempo, que jamais acabará a publicidade a marcas de retalho, de mera exposição de preço e de produto, jamais acabarão os filmes de arte, reclusos a públicos e espaços mais selectos que poderão passar anos a ser filmados sem um verdadeiro compromisso comercial. Hoje, cinema e publicidade são inegavelmente complementares. As marcas de grande abrangência procuram associações conceptuais, e os filmes de grande abrangência procuram as marcas que premeiam o imaginário dos conceitos que trabalham, de forma natural.<br />Este trabalho nem sempre é feito, e por vezes surge como agressivo aos olhos do espectador. Por isso e necessário saber identificar oportunidades de associação, e possíveis tons na citação comercial dentro de uma obra de entretenimento. Assim como na publicidade não se pode mergulhar em devaneios e deixar de ser vendedor, de dar resultados.<br />Existem ainda alguns obstáculos para que esse diálogo se amplie, e vou tentar listar alguns.<br /> As marcas em geral ainda têm uma visão muito imediatista da necessidade de retorno dos seus investimentos. Os realizadores por vezes ao abraçar os filmes como obras-primas não cumprem prazos nem compromissos, e deixam os responsáveis pelo investimento inseguros e receosos quanto a grandes custos financeiros.<br />Acredito que, com uma maior do processo de criação de uma longa-metragem, de um lado, e um maior compromisso com o comprimento dos acordos, do outro, as associações de marca e conteúdo tendam a ser a modalidade de cultura mais difundida nos próximos tempos.<br />Notem, por favor, que nada do que aqui escrevo é juízo de valor, e reconheço em profundidade as necessidades e qualidades dos quatro polos aqui analisados. <br />A publicidade de marcas de consumo tem o seu fundamento e qualidade, assim como a propaganda conceptual. O cinema de autor, com toda a sua profundidade e independência, é vital para a renovação do olhar no cinema, e o cinema chamado comercial é essencial para que se solidifiquem esses novos olhares, dando amplo conhecimento ao público em geral.<br />Estou, sim, muito feliz por ver uma publicidade a marcas de grande consumo e retalho mais conceptual mais vendedora, um cinema de autor mais difundido e um cinema comercial de maior profundidade.<br />Que tempo maravilhoso e cheio de oportunidades estamos a viver.<br />António alaby<br />Estratega e gestor de comunicação brasileiro e também professor de cinema, tendo trabalhado em diversas agencias de publicidade. Actualmente é sócio director da midia 1 comunicação, uma empresa consultora de media. Ministrou o douro film harvest 2010 a master class “cinema: que media é essa?”<br />Bibiliografia<br />Alaby, António (2010), “As Diferenças entre a Publicidade e o Cinema”. Revista Marketeer, 171 114 - 115<br />